Aumento do trabalho informal e menos
protegido desde 2016, com consequente redução do recebimento de rendimentos
eventuais, como férias e décimo terceiro, são alguns dos fatores que explicam
esse crescimento, mostra pesquisa do CEM
Texto: Janaína Simões/Assessoria de
Comunicação do CEM
Pesquisa do Centro de Estudos da Metrópole analisou dados do IBGE sobre emprego e renda, de 2012 a 2019 – Foto: Wilson Dias/Agência Brasil |
Pesquisa do Centro de Estudos da
Metrópole (CEM-Cepid/Fapesp) mostra que as diferenças de renda aumentaram
entre os que estão na base e no topo da pirâmide dos ganhos e explica as razões
para esse crescimento. O trabalho é de Rogério Jerônimo Barbosa,
pós-doutorando do CEM, e revela como o desemprego, o desalento – quando a
pessoa desiste de procurar emprego – e a informalidade afetaram a desigualdade.
Os resultados parciais foram divulgados na última edição do Boletim Mercado de Trabalho – Conjuntura e Análise do Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
Para este estudo, Barbosa considera
dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD Contínua
(2012-atual), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE). A série anual da PNAD (1976-2015) apenas captava a chamada “renda
habitual” do trabalho, que consiste dos vencimentos básicos ou médios. Já a
PNAD Contínua passou a captar também o que denominou de “renda efetiva”, que
inclui adicionais eventuais (como 13º, adicionais por férias, horas extras,
abonos, comissões, participação nos lucros etc.), além de descontos (devido a
faltas, atrasos etc.).
Segundo Barbosa, os efeitos de curto
prazo associados ao período de recessão são mais bem captados pela renda
efetiva. Os adicionais esporadicamente recebidos, por estarem tipicamente
associados aos postos formais, são, na realidade, bastante regulares e orientam
o comportamento de consumo e poupança dos indivíduos e famílias. Tais quantias
podem servir para a aquisição de bens duráveis, para investimentos específicos
(inclusive em capital humano) ou mesmo quitação de dívidas, trazendo
consequências duradouras para os indivíduos e a economia, de forma geral.
O estudo divide a desigualdade nos anos recentes em quatro fases. A última, que começa em 2016, é marcada pelo crescimento do mercado informal – Foto: Marcos Santos/USP Imagens |
Por meio de cálculos feitos com base na
evolução dos dados da PNAD e PNAD Contínua, Barbosa mostra que, “em meados de
2014, os 50% mais pobres se apropriavam de cerca de 5,7% de toda a renda do
trabalho. No primeiro trimestre de 2019, aquela fração cai para 3,5%. Para esse
grupo, essa redução de apenas 2.2 pontos percentuais representa, em termos
relativos, uma queda de quase 40%”. No outro extremo, “o grupo dos 10% mais
ricos da população recebia cerca de 49% do total da renda do trabalho em meados
de 2014 – e vinha apresentando redução nessa parcela, ao longo dos anos
anteriores. No início de 2019, sua fração apropriada cresce para 52%. Isso
significa que o topo da distribuição chega ao pós-crise não apenas recuperando
suas perdas, mas também obtendo ganhos.”
Desigualdade em quatro fases
O comportamento da desigualdade recente
pode ser dividido em quatro fases. Na primeira, de 2012 até o fim de 2014, o
Brasil apresentava uma tendência de queda, basicamente guiada pela redução da
desigualdade entre trabalhadores. A partir de então, entre 2014 e 2015, essa
tendência se interrompe e o desemprego emerge como principal vetor do processo
de aumento da desigualdade. Além do desemprego, o desalento emerge com
intensidade. A partir de 2016, na terceira fase, a destruição de postos formais
passa a ter impacto direto sobre o aumento da desigualdade. Neste ano, há
aumentos mais rápidos, pois a desigualdade entre trabalhadores passa a atuar
também.
A quarta fase tem início no primeiro
trimestre de 2017 e se estende até o último ponto da série de dados. Já no
início de 2017, a soma dos dois componentes era responsável pelo aumento de
mais de 20 pontos no Índice Gini, que mede a concentração de renda em
determinados grupos. “Em 2017 e 2018, desemprego e desalento se estabilizam em
níveis extremamente altos e então as tendências gerais passam a refletir
basicamente as desigualdades entre trabalhadores”, aponta Barbosa no estudo.
A reforma trabalhista de 2017, que
flexibilizou algumas formas de contratação via Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT), parece não ter contribuído para reverter esse quadro. “Tendo em
vista a redução de postos formais e a flexibilização de algumas formas de
contratação via CLT após a reforma trabalhista de 2017, aqueles benefícios
extras e típicos do setor formal se tornaram mais escassos e concentrados”,
destaca o estudo.
Nesse mesmo ano, o setor informal, que
sempre fora mais desigual e instável, passa a se expandir, o que mitiga os
impactos da crise e desacelera o desemprego. “Com isso, a informalidade passa a
atuar, inadvertidamente, de forma equalizadora – uma vez que ter renda instável
e desigual ainda é situação preferível à ausência de rendimentos”, afirma ele
na pesquisa.
Porém, se até 2016 a geração de postos
de trabalhos informais contribuiu para a queda da desigualdade, a partir de
então não exibe tendência relevante e passa, além disso, a experimentar
instabilidades e flutuações para além da sazonalidade existente no mercado
informal. Entre os trabalhadores dessa categoria, os rendimentos eventuais
passam a apresentar maior concentração e, em decorrência disso, a contribuir
para o aumento da desigualdade.
A reforma trabalhista de 2017 flexibilizou as formas de contratação via CLT, porém não conseguiu reverter o aumento da desigualdade – Foto: Marcos Santos/USP Imagens |
Além da informalidade, a redução de
postos formais e com direito a benefícios também causa grande impacto.
“Esse aumento da desigualdade entre trabalhadores guarda relação com o fato de
que benefícios e direitos típicos (e sazonais) do setor formal se tornaram mais
escassos e concentrados, em função da grande dissolução de postos de trabalho
protegidos”, diz ele. “O comportamento desse componente “flutuante” da renda
efetiva foi responsável pelo crescimento da desigualdade entre ocupados nos
dois anos mais recentes e pela continuidade da tendência de crescimento da
concentração de renda, a despeito da desaceleração do desemprego”, completa.
No presente, pouca perspectiva de
mudança
O mercado de trabalho pós-crise dá
poucos sinais de recuperação. O amortecimento dos efeitos mais perniciosos,
desemprego e desalento, se origina da baixa geração de postos no setor
informal, mais instável, desprotegido e menos produtivo. “Para os trabalhadores
mais pobres, a recessão ainda não terminou, sua renda ainda está em queda,
mesmo quando são descontados os efeitos do desemprego”, ressalta o pesquisador.
A pouca recuperação que ocorre beneficia
os trabalhadores mais bem posicionados, formalizados e empregados em determinados
setores, como Educação, Saúde, Administração Pública e serviços financeiros.
“Os três primeiros setores são justamente áreas de maior investimento estatal e
gastos públicos. Uma evidência indireta de que as forças tipicamente de mercado
não foram capazes de promover a dinâmica necessária”, finaliza.
Para acessar a pesquisa na
íntegra, acesse o link.
Sobre o CEM:
Criado em 2000, o Centro de Estudos da
Metrópole (CEM) é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Cepid-Fapesp) e reúne cientistas de
várias instituições para realizar pesquisa avançada, difusão do conhecimento e
transferência de tecnologia em Ciências Sociais, investigando temáticas
relacionadas a desigualdades e à formulação de políticas públicas nas
metrópoles contemporâneas. Sediado na Universidade de São Paulo (USP) e no Centro
Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), o CEM é constituído por um grupo
multidisciplinar, que inclui pesquisadores demógrafos, cientistas políticos,
sociólogos, geógrafos, economistas e antropólogos.
Fonte: Publicado no Jornal da USP
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