"Quando perdemos a capacidade de nos indignarmos com as atrocidades praticadas contra outros, perdemos também o direito de nos considerarmos seres humanos civilizados." ― Vladimir Herzog

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Painel Paulo Freire, obra de Luiz Carlos Cappellano.

Painel Paulo Freire, obra de Luiz Carlos Cappellano.
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quarta-feira, 29 de julho de 2020

Bolsonaro “passou a boiada” no meio ambiente durante a pandemia, mostra levantamento

O número de publicações de atos sobre meio ambiente neste ano é 12 vezes maior do que em 2019

O MINISTRO DO MEIO AMBIENTE, RICARDO SALLES, E O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, JAIR BOLSONARO. (FOTO: MARCOS CORRÊA/PR)
Um levantamento feito pelo jornal Folha de S. Paulo em parceria com o Instituto Talanoa mostra que, durante a pandemia do coronavírus, o “passar a boiada” defendida pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, de fato aconteceu.

Os dados mostram que o governo acelerou a publicação de atos relacionados ao setor nos meses de maior crescimento dos casos de covid-19 no país.

O Executivo publicou 195 atos no Diário Oficial — entre eles, portarias, instruções normativas, decretos e outras normas — relacionados ao tema ambiental. Nos mesmos meses de 2019, foram apenas 16 atos publicados.

Os atos do Executivo, de forma geral, servem para direcionar o cumprimento das leis e complementar sua aplicação. No entanto, a análise feita pelo estudo também aponta que uma parte dessas medidas infralegais tentou mudar o entendimento da legislação.

Algumas dessas medidas foram amplamente divulgadas pela imprensa e até questionada pelo MPF, mas algumas “boiadas” passaram despercebidas.

Um exemplo é a instrução normativa 4/2020 do Ministério do Meio Ambiente (MMA), que regula o pagamento de indenizações no caso de desapropriação de propriedades localizadas no interior de unidades de conservação.

Em artigo que trata da priorização de indenização para populações tradicionais em reservas ambientais, a instrução cria uma brecha que, na prática, facilita a expulsão de índios e quilombolas dessas áreas.

As “boiadas” do governo Bolsonaro estão concentradas em decretos e instruções normativas, segundo análise da Talanoa. Ao mesmo tempo, o governo tem dificuldade de fazer andar no Congresso projetos que podem fragilizar a área ambiental.

O levantamento da Folha e Talanoa foi feito por meio de extrações de dispositivos publicados no Diário Oficial que continham palavras-chave selecionadas. Para o tema meio ambiente, foram consideradas palavras como “extrativismo”, biodegradável” e “carga poluidora”.



segunda-feira, 27 de julho de 2020

Quando interesses mórbidos impõem a negação da ciência e da medicina

Especulações, propaganda e distribuição de medicamentos sem eficácia encobrem a falta de estratégia do governo para preservar a saúde pública

Por Jorge Bermudez, Jorge Venâncio, Ronald Ferreira dos SantosBlog na Rede 
Interesses imediatos de dirigentes governamentais impedem que o país tenha uma postura firme de enfrentamento da pandemia. (Fotos Públicas)
A Medicina Baseada em Evidências aplica o método científico a toda a prática médica. E ocupa um lugar especial na busca da racionalidade terapêutica, principalmente estruturada nos tempos contemporâneos. Sua prática cresce em importância no enfrentamento da pandemia do coronavírus SARS-CoV-2. Dos achados empíricos ao rigor dos estudos clínicos e a aplicação de critérios éticos na pesquisa, a regulação passa a ser importante na definição de protocolos e normas para o tratamento de agravos à saúde.

O Brasil tem um sistema de saúde (SUS) modelo para o mundo e uma regulação que coloca nossa Anvisa na categoria de Agência de Referência Regional. Mas ao contrário do que se esperaria, o que mais temos assistido em plena pandemia são especulações, propaganda e até distribuição de medicamentos sem eficácia comprovada e capazes de produzir efeitos colaterais de gravidade.

A Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), escritório regional da Organização Mundial da Saúde (OMS), avalia as agências reguladoras em quatro níveis de desenvolvimento. Apenas Brasil, México, Colômbia, Cuba, Argentina e Chile estão consideradas no Nível 4, entre as 17 autoridades reguladoras da América Latina. Nosso sistema tem sido pródigo em analisar com celeridade todos os projetos de pesquisa relacionados com a pandemia de covid-19. Produtos a serem incorporados nos protocolos e diretrizes terapêuticas no SUS passam pelo crivo da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologia no SUS (Conitec), nossa instância de avaliação tecnológica.

Plano nacional

Mas tudo isso vem sendo atropelado pelos fatos e pelos nossos governantes. O Plano Nacional de Enfrentamento à Covid-19, elaborado por um conjunto de entidades do campo da Saúde congregadas na Frente pela Vida, foi um passo seguinte à Marcha Virtual pela Vida há um mês e que teve a adesão de mais de 600 organizações e movimentos.

A Marcha teve como bandeiras a defesa do SUS, da ciência, da educação, do meio ambiente, da solidariedade e da democracia. Os pilares do Plano são a ciência, a competência técnica, capacidade gestora e responsabilidade política.

A proposta foi elaborada levando em consideração a gravidade da crise atual, a responsabilidade constitucional e a “ausência, inércia e, mesmo, promoção de boicotes e obstáculos, deliberada ou resultante de ignorância e negacionismo. O resultado dessa irresponsabilidade trágica é o fato de o Brasil entrar no quarto mês da pandemia, sem qualquer plano oficial de enfrentamento geral da pandemia”.

Emendas parlamentares

Depoimentos de integrantes da ex-base de apoio do atual governo mostram que a distribuição de recursos destinados a combater a pandemia são usados para garantir a construção de uma base de apoio destinando recursos em emendas a parlamentares. Vemos assim o nítido deslocamento da necessidade de confrontar a pandemia com os atuais interesses imediatos e mórbidos de dirigentes governamentais.

Entretanto, quando mais rigor se esperaria e mais compromisso com perspectivas regionais e de solidariedade global, assistimos na imprensa diária manifestações esdrúxulas de apologia de determinados medicamentos no tratamento (cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina, azitromicina), manifestações de mandatários desprovidos da necessária competência técnica ou científica para assim se manifestarem.

Pensamento ultraliberal?

Mas quem disse ser necessário esse conhecimento para alardear produtos farmacêuticos no atual regime político que enfrentamos? Renegam a Ciência, o conhecimento científico, transformando nossas instituições e o país em trincheiras do pensamento ultraliberal e do negacionismo. Mas haveremos de resistir!

Entretanto, mais apreensão nos causa a captura de entidades médicas pela irresponsabilidade dos nossos atuais governantes. Na defesa do Ato Médico e da Liberdade de Prescrição, representações médicas, incluindo conselhos, sindicatos e até a Federação, aplaudem políticas erráticas, equivocadas e sem a necessária representação científica ou institucional. Aplaudem as manifestações de distribuição do famigerado “Kit-Covid””, mais um embuste direcionado a nossa população leiga, que sente que está sendo atendida, mas que pode estar sendo exterminada pela volúpia irresponsável de nossos dirigentes, com a aquiescência e cumplicidade de entidades que teriam que zelar pela saúde de nossas populações.

Kits como estratégia

É estarrecedor escutar a apologia de  “kits-Covid” como  estratégia de prevenção e de tratamento da Covid-19, como estamos presenciando em vários estados, municípios e setores cooptados pela falácia do governo federal. Como contraponto, acabamos de ver manifestações de entidades negando o que o Ministério da Saúde insiste em apresentar como diretrizes, sem o respaldo científico necessário e levado adiante pela sanha de diretrizes inconsequentes e eivadas de interesses outros que não a proteção da saúde da população brasileira.

As entidades científicas sérias já se manifestaram. As organizações internacionais também têm posições claras. O Conselho Nacional de Saúde, como legítimo representante do controle social nas políticas de saúde acaba de externar sua posição clara. Autoridades brasileiras, menosprezando ou desprezando a Medicina Baseada em Evidências, teimam em insistir, na contramão do mundo! Irresponsabilidade, genocídio? Mais cedo ou mais tarde a história cobrara a conta, mas hoje as instituições com responsabilidade, devem cumprir suas obrigações, pois trata-se de proteger vidas.

Jorge Bermudez (Médico, Doutor em Saúde Pública, Pesquisador da ENSP/Fiocruz),

Ronald Ferreira dos Santos (Farmacêutico, Mestre em Farmácia, Presidente da Federação Nacional dos Farmacêuticos, Ex-Presidente do Conselho Nacional de Saúde)

Jorge Venâncio (Médico, membro suplente do Conselho Nacional de Saúde e Coordenador da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa- CONEP/CNS)



domingo, 26 de julho de 2020

Estudantes e professores sugerem à Columbia University o nome de Paulo Freire para um dos seus prédios

Da Redação - VIOMUNDO
Paulo Freire
O Teachers College (TC), faculdade de educação da Columbia University, nos Estados Unidos, decidiu remover o nome de Edward Thorndike de um dos prédios da instituição.

Thorndike, influente no campo de psicologia educacional e comportamental, foi um importante psicólogo e professor do TC .

Porém, uma revisão recente de seus textos demonstrou que ele também defendia ideias e conceitos racistas, machistas, anti-semitas e eugênicos.

Em função disso, a faculdade vai renomear em breve o prédio.

Alunos e professores brasileiros do TC resolveram  sugerir à direção que o prédio seja o Paulo Freire Hall.

Neste domingo, 26-07, eles enviarão a carta (em português está abaixo da versão em inglês) ao conselho de diretores do Teachers College.

Nela, listam os motivos pelos quais a maior faculdade de educação dos EUA deveria prestar essa homenagem a um dos maiores intelectuais da história da educação.


Letter of Support: The Paulo Freire Hall at Teachers College, Columbia University

New York, July 23rd, 2020

TO:

Board of Trustees of Columbia University Teachers College
William D. Rueckert, Chair
Leslie Morse Nelson, Vice-Chair
Thomas Bailey, President, Teachers College

RE: PAULO FREIRE HALL AT TEACHERS COLLEGE, COLUMBIA UNIVERSITY

Dear members of the Board of Trustees of Teachers College, Columbia University,

First and foremost, we want to thank you for the courageous decision of removing Edward Thorndike’s name from one of our halls. His eugenic, racist, anti-Semitic, and sexist ideas were incompatible with our institutional values and commitment to social justice, anti-racism, diversity, and educational equity.

We understand that the individuals that give a name to the College’s buildings represent, inspire, and reinforce the values of the institution. As important as moving away from Thorndike is to have a process to choose the new name that reflects TC’s commitment to open debate, democracy, and giving voice to all. It is also key to choose a new name that expresses TC’s core commitments in a global society. TC has grown from a US-facing institution to a truly global school: its impact today reaches the entire world. In this context, we request the Board to strongly consider to name the building PAULO FREIRE HALL, for the following reasons:

1. Paulo Freire’s views on Education reinforce one of TC’s founding principles: “to provide a new kind of schooling for the underprivileged, one dedicated to helping them improve the quality of their everyday lives.” The pedagogy promoted by Freire is closely aligned to TC’s mission: promoting equity and excellence in education and overcoming the gap in educational access and achievement. These notions are exactly what Freire proposes in his work, highlighting that people, through education and the development of critical consciousness, might change the world for the better. Paulo Freire was also the pioneer in culturally relevant pedagogy, a hallmark of TC’s ethos.

2. Paulo Freire is one of the most influential education authors of all time. If academic influence is to be measured by current citation metrics, Paulo Freire stands out as the most cited educator of all times with almost 500,000 citations, and one of the most cited scholars across all fields. His seminal book Pedagogy of the Oppressed has more Google Scholar citations than Freud’s “The Interpretation of Dreams” and Foucault’s “Discipline and Punish”, was translated into more than 40 languages, and is present in the syllabus of numerous courses at TC.

3. Praising non-US voices and recognizing equal value of leaders from the Global South. To be coherent with its Diversity Mission, TC should consider naming its building after a voice from the Global South and reinforce the President’s and College’s commitment concerning community, diversity, civility, equity, and anti-discrimination. Naming a building after Freire would stand out as a clear sign of adherence to diversity on a global scale, and to the idea that we, as educators, must consider different ways of knowing and being. None of the buildings at TC pay homage to international scholars, despite the fact that TC is, today, a highly international institution: 20% of students are international, and in some programs the number is well above 60%. In other words, in many programs, more than half of the students are international.

4. Reinforcing the value of sociopolitical consciousness and freedom in times of authoritarian governments. To accept that all individuals are entitled to be treated with dignity, have the same opportunities, and be more fully human is in contradiction with many of the current conservative and authoritarian ideas gaining popularity around the world. To name the building after Paulo Freire would be a means to advocate for the oppressed around the world and to reinforce the College’s quest for a less unequal social order.

5. In 2021 Paulo Freire would turn 100. His centennial is an opportunity to not only pay homage to his legacy but also recognize the efforts of many communities around the world that are inspired by his work, from indigenous communities in the Amazon to the Landless Movement in rural Latin America. These communities are hit twice with global inequity, oppression, and racism: first, they are oppressed in their own countries, and second, by being outside of the developed world, they do not have the means to make their voices heard. Paulo Freire has inspired these groups for decades.

Acknowledging the timely and correct decision of changing the hall’s name, we also urge the Board to be coherent with TC’s commitment to open debate and to giving voice to all. We need to make sure that the process of choosing the new name for the building is transparent and democratic, where students, professors, researchers, and staff have a chance to actively engage in this process. A process without representation from international students, without allowing them to voice concerns and preferences, would be a disappointing follow up to such a momentous change at TC.

The engagement with the idea of the Paulo Freire Hall is a clear message against colonialist discourses that place the US and Europe at the center of academic debate. The Paulo Freire Hall represents the recognition that the US and Europe should not be always considered the locus of academic imagination and importance. This is what we learn at TC. We learn that discourses of racial, national, or gender superiority should be countered, and that the historical privilege given to developed regions of the world should not be reproduced indefinitely. The Paulo Freire Hall would be a clear recognition that TC, as a global institution, rejects these colonialist notions and looks at a scholars’ impact globally, especially from regions of the world that have been historically marginalized. The desire for social justice and equality cannot come at the expense of dehumanizing other peripheral populations such as the Latinx and Latin American community at TC.

The choice of the new name for TC’s building should be a display of our values in the decision-making process itself. We should not let anything overcome the need for an open debate. There are almost 1000 international students at TC. There are multiple discourses of social justice in the world, and to assume otherwise would be an unfortunate political act to the large community of Latinx and Latin American students at TC.

***********

Carta de Apoio: O “Paulo Freire Hall” no Teachers College, Columbia University

Nova York, 23 de julho de 2020

PARA:

Conselho Diretor do Teachers College, Columbia University
William D. Rueckert, Presidente
Leslie Morse Nelson, Vice-Presidente
Thomas Bailey, Presidente do Teachers College

RE: PAULO FREIRE HALL NO TEACHERS COLLEGE, UNIVERSIDADE DE COLUMBIA

Caros membros do Conselho Diretor do Teachers College, Columbia University,

Em primeiro lugar, queremos agradecer a decisão corajosa de remover o nome de Edward Thorndike de um de nossos prédios. Suas ideias eugenistas, racistas, anti-semitas e sexistas são incompatíveis com os valores institucionais desta universidade e seu compromisso com a justiça social, o anti-racismo, a diversidade e eqüidade educacional.

Entendemos que os indivíduos que dão nome aos prédios do Teachers College representam, inspiram e reforçam os valores da instituição. Tão importante quanto se afastar de Thorndike é ter um processo para escolher o novo nome que reflita o compromisso do Teachers College com o debate, a democracia e a oportunidade de voz a todos. Também é fundamental escolher um novo nome que expresse os principais compromissos da universidade em uma sociedade global. O Teachers College se transformou de uma instituição voltada para os EUA em uma escola verdadeiramente global: seu impacto hoje atinge o mundo inteiro. Neste contexto, solicitamos ao Conselho considerar fortemente a nomeação deste prédio PAULO FREIRE HALL, pelas seguintes razões:

1. As perspectivas de Paulo Freire sobre Educação reforçam um dos princípios fundadores do Teachers College:“fornecer um novo tipo de educação para os mais desfavorecidos, dedicado a ajudá-los a melhorar a qualidade de suas vidas cotidianas.” A pedagogia promovida por Freire está intimamente alinhada com a missão da universidade: promover a equidade e a excelência na educação e superar a lacuna no acesso e desempenho educacional. Essas noções são exatamente o que Freire propõe em seu trabalho, destacando que as pessoas, através da educação e do desenvolvimento da consciência crítica, podem mudar o mundo para melhor. Paulo Freire também foi o pioneiro da pedagogia culturalmente relevante, uma eixo fundamental do Teachers College.

2. Paulo Freire é um dos autores de educação mais influentes de todos os tempos. Considerando a influência acadêmica medida pelas atuais métricas de citação, Paulo Freire se destaca como o educador mais citado de todos os tempos, com quase 500.000 citações, e um dos estudiosos mais citados em todos os campos. Seu livro seminal Pedagogia do Oprimido tem mais citações no Google Acadêmico do que “A Interpretação dos Sonhos”, de Freud, e “Disciplina e Punição”, de Foucault, foi traduzido para mais de 40 idiomas e está presente nos programas de numerosos cursos do Teachers College.

3. Destaque a vozes de fora dos EUA e reconhecimento do mesmo valor a líderes do Sul Global. Para ser coerente com sua Missão de Diversidade, o Teachers College deve considerar nomear seu edifício em homenagem a uma voz do Sul Global e reforçar o compromisso do reitor e da instituição em relação à comunidade, diversidade, civilidade, equidade e anti-discriminação. Nomear um edifício em homenagem a Freire se destacaria como um sinal claro de adesão à diversidade em escala global e à ideia de que nós, como educadores, devemos considerar diferentes maneiras de conhecer e de ser. Nenhum dos prédios do Teachers College presta homenagem a estudiosos internacionais, apesar do fato de o Teachers College ser hoje uma instituição altamente internacional: 20% dos estudantes são internacionais e, em alguns programas, o número está bem acima de 60%. Em outras palavras, em muitos programas, mais da metade dos estudantes são internacionais.

4. Reforçar o valor da consciência sociopolítica e da liberdade em tempos de governos autoritários. Aceitar que todos os indivíduos têm direito a ser tratados com dignidade e a ter as mesmas oportunidades está em contradição com muitas das atuais idéias conservadoras e autoritárias que estão ganhando popularidade em todo o mundo. Nomear o prédio em homenagem a Paulo Freire seria um meio de defender os oprimidos em todo o mundo e reforçar a busca do Teachers College por uma ordem social menos desigual.

5. Em 2021, Paulo Freire completaria 100 anos. Seu centenário é uma oportunidade para não apenas homenagear seu legado, mas também reconhecer os esforços de muitas comunidades ao redor do mundo que são inspiradas por seu trabalho, desde comunidades indígenas na Amazônia até o Movimento Sem Terra na América Latina. Essas comunidades são atingidas duplamente com a desigualdade global, opressão e racismo: primeiro, são oprimidos em seus próprios países e, segundo, por estarem fora do mundo desenvolvido, não têm meios de fazer ouvir suas vozes. Paulo Freire inspira esses grupos há décadas.

Reconhecendo a decisão oportuna e correta de mudar o nome do edifício, também instamos a Diretoria a ser coerente com o compromisso do Teachers College de abrir o debate e dar voz a todos. Precisamos garantir que o processo de escolha do novo nome para o edifício seja transparente e democrático, onde estudantes, professores, pesquisadores e funcionários tenham a capacidade de se envolver ativamente nesse processo. Um processo sem representação de estudantes internacionais, sem permitir que eles expressem preocupações e preferências, não faria sentido frente uma mudança tão importante no Teachers College.

A opção por Paulo Freire Hall é uma mensagem clara contra os discursos colonialistas que colocam os EUA e a Europa no centro do debate acadêmico. Paulo Freire Hall representa o reconhecimento de que os EUA e a Europa nem sempre devem ser considerados o lugar da imaginação e da importância acadêmica. É isso que aprendemos no Teachers College. Aprendemos que discursos de superioridade racial, nacional ou de gênero devem ser combatidos e que o privilégio histórico dado às regiões desenvolvidas do mundo não deve ser reproduzido indefinidamente. O Paulo Freire Hall seria um reconhecimento claro de que o Teachers College, como instituição global, rejeita essas noções colonialistas e analisa o impacto de pesquisadoras e pesquisadores globalmente, especialmente aquelas e aqueles de regiões do mundo historicamente marginalizadas. O desejo de justiça social e igualdade não pode se dar às custas da desumanização de populações periféricas.

A escolha do novo nome para o prédio do Teachers College deve ser uma expressão de nossos valores no próprio processo de tomada de decisão. Não devemos deixar que nada supere a necessidade de um debate aberto. Existem quase 1000 estudantes internacionais no Teachers College. Existem vários discursos de justiça social no mundo, e supor o contrário seria um ato político infeliz para a grande comunidade de estudantes Latino Americanos no Teachers College.



sexta-feira, 24 de julho de 2020

Políticas públicas, camuflagens e interesses ocultos: uma abordagem ecossistêmica para os problemas do nosso tempo. Por André Francisco Pilon

O tão esperado “retorno ao normal”, após a atual pandemia, não pode repetir as tendências atuais, exigindo mudanças fundamentais nos paradigmas de desenvolvimento, crescimento, poder e riqueza incorporados nas instituições políticas, tecnológicas, econômicas e educacionais.

Por André Francisco Pilon, professor associado da Faculdade de Saúde Pública da USP | ArtigosJornal da USP
André Francisco Pilon – Foto: ResearchGate GmbH
Ahistória mostra que o “progresso tecnológico” não resolve todos os problemas, antes cria novos. A pesquisa científica é compartimentada, os diferentes setores não se falam; física, química, economia permanecem à parte das ciências sociais, humanas e da saúde, o que é “tecnológico” passa a ter valor e aplicação universal. Esforços científicos são cooptados com fins lucrativos e assim legitimados por políticas governamentais. Lobbies especializados na captura de recursos públicos para grandes interesses corporativos, envolvendo tecnologias e grandes investimentos financeiros, dominam o mercado.

As tecnologias aliadas contribuem para (e, ao mesmo tempo, desvinculam-se de) os riscos decorrentes da exploração intensiva da terra pela mineração, extração da madeira, agricultura química industrial, esta abastecida por monopólios (sementes, culturas geneticamente modificadas, fertilizantes, ​​pesticidas).

A biomassa global está em queda livre, os riscos envolvem não apenas indígenas e grupos vulneráveis ​​separados do processos decisórios, mas toda a humanidade. A recuperação da Terra e a recuperação de pessoas são mutuamente dependentes e devem ser simultâneas, no espaço e no tempo.

As inovações, na forma de produtos, dispositivos ou métodos, devem estar vinculadas a todos os Objetivos de “Desenvolvimento Sustentável”, não simplesmente aos processos de mercado existentes, facilmente manipulados por interesses políticos e econômicos em escala global.

Pressões esmagadoras sobre o meio ambiente global estão ligadas à ascensão e queda de produtos, na maioria das vezes desvinculados de aspectos técnicos (menor consumo de energia, por exemplo), mas devido à obsolescência programada, rápida e artificialmente manipulada.

Uma “civilização ecológica” inclui segurança, saúde, educação, equidade, ética, justiça e beleza. O planejamento urbano, envolvendo aparelhagem tecnológica, eletromagnética, medidores inteligentes, não resolve a falta de políticas públicas, de saneamento básico, de transporte e moradia adequados.

A hegemonia das soluções tecnológicas e tecnocráticas para todos os problemas individuais e coletivos (segurança, educação, saúde, meio ambiente) é uma falácia ecológica, econômica, política, cultural e educacional e obscurece o que está por trás dos muitos problemas de difícil solução no mundo.

Não é a ausência de tecnologias para o ensino (a distância ou presencial), mas a falta de políticas e programas para desenvolver consciência crítica e participação cívica, o que implica novos paradigmas, conceitos e maneiras de estar no mundo, além das habilidades para trabalhar e agir no “sistema”.

Problemas de saúde pública, epidemias fatais, altos níveis de criminalidade e violência estão ligados a condições econômicas, culturais, políticas e ambientais assimétricas, resultando em habitações precárias, espaços públicos inadequados, conflitos de todos os tipos, com graves impactos sociais.

Panaceias mágicas, a “internet das coisas”, o marketing digital, a informática, a telemedicina não resolverão, de uma vez por todas, os problemas relacionados à pobreza sistêmica, à assistência à saúde, à desnutrição, à moradia precária, à criminalidade, à ausência de políticas para trabalhadores e comunidades.

Os dispositivos de vigilância, medição ou comunicação não atingem a raiz dos problemas, muitas vezes obscurecendo e desviando a atenção do público para problemas reais, desviando responsabilidades e dissipando recursos que poderiam ser mais bem aplicados.

Mais de 180 cientistas de 35 países recomendaram recentemente uma moratória na implantação da quinta geração (5G) para telecomunicações. Vários estudos científicos sobre poluição eletromagnética e dispositivos sem fio já enfatizaram os graves riscos à saúde física e mental de diferentes populações.

A Organização Mundial da Saúde (IARC) classificou os campos eletromagnéticos de alta frequência como possivelmente cancerígenos (de acordo com a professora Adilza C. Dode, do Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix, a radiação eletromagnética é cem vezes maior no Brasil do que na Suíça).

A negligência do princípio da precaução, quando as atividades humanas podem levar a danos inaceitáveis, levou aos piores desastres, epidemias, fome e morte, a eventos catastróficos ou irreversíveis, como a perda da necessária biodiversidade para sustentar a vida na Terra.

O tão esperado “retorno ao normal”, após a atual pandemia, não pode repetir as tendências atuais, exigindo mudanças fundamentais nos paradigmas de desenvolvimento, crescimento, poder e riqueza incorporados nas instituições políticas, tecnológicas, econômicas e educacionais.

Os problemas e os contextos em que ocorrem devem ser reinterpretados e reestruturados e abordados através de uma nova lente; políticas públicas, advocacia, comunicação, pesquisa e ensino devem estar concentrados no “fenômeno geral”, do qual emergem problemas específicos.

Em vez de tentar reparar situações “ruins” para torná-las “boas”, e considerar as perspectivas atuais como fixas e projetá-las para o futuro (previsão exploratória), deve-se definir previamente as metas desejáveis ​​e explorar novos caminhos para alcançá-las (previsão normativa).

O modelo etiológico procura responder à causa do sofrimento; em contraste, o modelo teleológico está focado no que poderia ser feito em vista de perspectivas diferentes. Isso requer capacidade institucional, neutralidade judicial, transparência informacional e espaços para participação cívica.

Nichos de aprendizagem sociocultural, tanto na academia quanto na sociedade em geral, poderiam reestruturar os conceitos e práticas existentes ou criar novos. Compartilhar histórias sobre um “sistema” pode ajudar as pessoas a desenvolver novas perspectivas sobre o sistema que compartilham
Abordar a exclusão estrutural por meio da inclusão legal, social ou econômica no sistema vigente (direitos civis, normas sociais ou sistema educacional orientado para o mercado) não leva em consideração a formação e a manutenção das instituições, as falhas institucionais, a corrupção.

Concentrar-se nos “direitos humanos”, sem reivindicar condições econômicas, políticas, educacionais e sociais, para que todos se beneficiem desses direitos, leva a aceitar as assimetrias sociais e econômicas que permitem que bilhões de pessoas sobrevivam em condições subumanas.


Hidroxicloroquina é ineficaz contra covid, diz estudo feito por grandes hospitais

Maior pesquisa brasileira sobre o uso do medicamento contra a covid-19 até o momento aponta falta de eficácia e maior gravidade dos efeitos colaterais

Por Fabio M. Michel, da RBA
Foto: Divulgação
Um estudo brasileiro realizado para medir a eficiência da hidroxicloroquina em pacientes com covid-19 demonstrou, novamente, que o medicamento não tem efeito comprovado na melhora do quadro respiratório de quem tem o coronavírus. O grupo, nomeado Coalizão COVID Brasil, conta com a participação do Hospital Israelita Albert Einstein, HCor, Hospital Sírio Libanês, Hospital Moinhos de Vento, Hospital Alemão Oswaldo Cruz, BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo e Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva (BRICNet).

A pesquisa, que começou no dia 29 de março, foi realizada em 55 hospitais brasileiros, com 667 pacientes com quadros leves ou moderados, que precisavam de pouco ou nenhum oxigênio para a respiração. O estudo foi publicado nesta quinta-feira 23 na revista médica The New England Journal of Medicine.

Por meio de sorteio (ou randomização, como diz o termo científico), 217 pacientes receberam hidroxicloroquina, azitromicina e suporte clínico padrão; 221 apenas a hidroxicloroquina e o suporte clínico; e 227 não tomaram nenhum medicamento, recebendo apenas cuidados padrões.

Para analisar a eficácia do remédio, “a hidroxicloroquina foi usada durante 7 dias na dose de 400 mg a cada 12 horas e a azitromicina 500mg a cada 24h por 7 dias. O suporte clínico padrão foi de acordo com a equipe médica que assistia os pacientes, mas não poderia incluir hidroxicloroquina ou azitromicina.”, diz a nota de divulgação do estudo.

O resultado final crava que “a utilização de hidroxicloroquina ou azitromicina não promoveu melhoria na evolução clínica dos pacientes.”, e ainda acrescenta efeitos colaterais sentidos pelos pacientes que receberam o primeiro medicamento, que é comumente promovido pelo presidente Jair Bolsonaro.

Mesmas respostas

Tal análise se deve ao resultado final do status clínico de cada grupo analisado no final de 15 dias. Após esse período, já estavam em casa, sem limitações respiratórias, cerca de 69% dos pacientes que receberam hidroxicloroquina+azitromicina+suporte clínico; 64% dos que foram medicados com hidroxicloroquina+suporte clínico; e 68% dos que não tomaram nenhum dos dois antibióticos. A taxa de mortalidade foi aproximadamente de 3% em todos os grupos.

Foram percebidas alterações nos eletrocardiogramas e indicações de possíveis lesões hepáticas nos pacientes que receberam hidroxicloroquina, independente da combinação com a azitromicina, em comparação aos que tiveram suporte padrão sem medicamentos.

O estudo revelou os dados dos pacientes: a idade aproximada era de 50 anos, pouco mais da metade eram homens; 40% eram hipertensos, 21% diabéticos e 17%, obesos. Além disso, todos tinham sintomas de covid-19 há, no máximo, sete dias antes do início dos estudos.

Apesar de outros estudos também terem chegado à conclusão de que a cloroquina e suas variações não têm eficácia comprovada contra o coronavírus, os pesquisadores destacaram que os resultados não são aplicáveis a outras populações. “Para estes pacientes, é necessário aguardar estudos randomizados robustos em andamento.” Leia o release do estudo aqui.

O grupo tem, junto com as análises feitas na eficácia da cloroquina, outras frentes de pesquisa sobre possíveis tratamentos da covid-19. Há mais estudos com a combinação hidroxicloroquina+azitromicina que envolvem casos mais graves, que necessitam de suporte respiratório, e que já têm 440 pacientes.

A outra avaliará a eficácia da dexametasona, medicamento anti-inflamatório, nos casos também graves de insuficiência respiratória com a utilização de ventilação mecânica. Nesta fase, são analisados 284 pacientes.

Edição RBA: Fábio M. Michel


quinta-feira, 23 de julho de 2020

Florestan Fernandes: 100 anos de um brasileiro militante, por Luna Brandão

Florestan Fernandes explica que democracia é, fundamentalmente, sinônimo de igualdade racial, econômica e política

Por Luna Brandão*
Foto: Florestan Fernandes (Arquivo)
Florestan Fernandes, nascido no dia 22/07/1920, recebeu o nome de origem alemã em homenagem ao motorista de sua madrinha, Hermínia Bresser, filha da integrante da nobreza prussiana, Ana Hasta Edwiges von Seehausen (ou Anna Bresser), e do homem de negócios dos três setores da economia, Carlos Augusto Bresser. A mãe de Florestan era Maria Fernandes, filha de colonos portugueses e empregada doméstica na capital paulista, e ele não conheceu seu pai. Trabalhou desde os seis anos e interrompeu os estudos, mesmo amando livros, para ajudar a sustentar a família. 

Cresceu entre o palacete dos Bresser, onde foi estimulado intelectualmente pelos livros na casa da madrinha, e os diversos cortiços onde morou com sua mãe. Entrou em contato, com dois mundos diametralmente opostos, vivenciou e observou a pobreza e a riqueza paulistanas forjando sua visão singular e complexa sobre as relações sociais. Ele se considerava um lumpen, a influência da família que o apadrinhou não superou o preconceito que sofria, e trabalhou como auxiliar de barbeiro, engraxate e, por fim, como garçom no bar Bidu. Atrás do balcão, na rua Líbero Badaró, no Centro de São Paulo, Florestan estava sempre lendo e incentivado pelos clientes intelectuais fez o Curso de Madureza (equivalente ao supletivo), aos 21 anos iniciou sua graduação em Ciências Sociais na Universidade de São Paulo e aos 25 anos iniciou sua carreira de docente. 

É impossível pensar a evolução da pesquisa sociológica brasileira, e da América Latina, sem a participação de Florestan Fernandes, na transformação do pensamento social e na sua forma de investigação sociológica, radicalmente analítica e crítica, e sua proposta de atuação intelectual – compondo e participando dos movimentos sociais. Sua análise usa juntos o marxismo clássico e moderno, a relação entre teoria e prática que ele propõe que difere do dogmatismo teórico e da prática de concessões da esquerda. Sua lógica o levou a eleição como deputado constituinte, pelo Partido dos Trabalhadores, onde se destacou na defesa da educação pública e gratuita.

Sua obra reflete seu olhar e o avanço da sua atuação política. Em sua tese de livre docência, intitulada A inserção do negro na sociedade de classes, questiona a lógica da democracia racial, apresentada por Gilberto Freyre, onde a democracia e as questões raciais são correlatas e harmoniosas dentro do tecido social brasileiro.

Florestan Fernandes explica que democracia é, fundamentalmente, sinônimo de igualdade racial, econômica e política. Em suas palavras:

“Nós nos acostumamos à situação existente no Brasil e confundimos tolerância racial com democracia racial. Para que esta última exista, não é suficiente que haja alguma harmonia nas relações raciais de pessoas pertencentes a estoques raciais diferentes ou que pertencem a ‘raças’ distintas. (…) O padrão brasileiro de relação social, ainda hoje dominante, foi construído por uma sociedade escravista, ou seja, para manter o negro sob a sujeição do branco. Enquanto esse padrão de relação social não for abolido, a distância econômica, social e política entre o negro e o branco será grande, embora tal coisa não seja reconhecida de modo aberto, honesto e explícito”.

O legado e a atuação de Florestan Fernandes são fundamentais para a formação dos intelectuais brasileiros e delegam para a classe universitária um papel político na luta de classes. Celebrar os cem anos do nascimento dessa figura central da história da luta política, e da intelectualidade brasileira, é uma oportunidade de difundir suas ideias e atualizá-las.

*Luna Brandão é educadora social



domingo, 12 de julho de 2020

Hoje, o Brasil comemora 120 anos de Anísio Spínola Teixeira. Por Daniel Cara

Baiano de Caetité, Anísio Teixeira foi um dos principais defensores do direito à educação no nosso país

Por Daniel Cara*
(Foto: Reprodução)
Baiano de Caetité, Anísio Teixeira foi um dos principais defensores do direito à educação no nosso país. Amigo de Darcy Ribeiro, reconhecido por Florestan Fernandes e admirado por Paulo Freire, Anísio é um gigante!

Anísio Teixeira foi incansável. Ele figura entre os principais pensadores brasileiros das Ciências Humanas. Nas políticas públicas educacionais e na teoria pedagógica produzida no Brasil, sua contribuição só pode ser comparada à de Paulo Freire.

Filho de Deocleciano Pires Teixeira e de Anna de Souza Spínola, Anísio é fruto de um casamento entre oligarcas. O pai era fazendeiro, médico e líder político. A mãe era membro da família Spínola, com marcante influência em toda região sertaneja da Bahia. Anísio Teixeira estudou em colégios jesuítas até iniciar o curso de Direito no Rio de Janeiro.

Formado em 1922, já em 1924 iniciou carreira como administrador público, tornando‑se inspetor‑geral de Ensino da Bahia aos 24 anos – cargo equivalente ao do secretário de Estado da Educação nos dias de hoje. Graças à industrialização e à urbanização, as décadas de 1920 e 1930 foram efervescentes nas Artes e nas Ciências. O debate pedagógico mundial não fugia à regra: era intenso e consistente. E Anísio Teixeira estava preocupado em atualizar o Brasil frente ao mundo.

Em 1925, Anísio Teixeira visitou e estudou os sistemas de ensino da Espanha, Bélgica, Itália e França. Em 1927 foi para os Estados Unidos da América, onde conheceu o trabalho de John Dewey (1859-1952). Dewey foi o filósofo e pedagogo que mais influenciou Teixeira.

Anísio Teixeira foi um autor capaz de rever seu pensamento e práticas. Em sua primeira revisão, em 1928 sofreu, o primeiro revés. Suas ideias passaram a ser consideradas demasiadamente “progressistas”. Com isso, desagradaram o governo da Bahia, a Igreja Católica e o conservadorismo político.

As elites econômicas, políticas e religiosas (católicas) da Bahia pressionaram as autoridades baianas. Assim, foram vetadas as políticas empreendidas por Anísio Teixeira, especialmente as destinadas à democratização do ensino e à laicidade da educação.

Pressionado por conservadores, religiosos e empresários, Anísio Teixeira pediu demissão da Inspetoria de Ensino da Bahia. Esse momento representa um divisor de águas em sua carreira. A partir de então, o administrador público exemplar se torna, também, pensador.

Dedicado aos estudos, Anísio Teixeira ingressa na Universidade Columbia, em Nova York, onde obtém título de mestre pelo Teachers College. Assim, firma de vez seus fortes e perenes laços intelectuais com John Dewey. No retorno ao Brasil, em 1931, Anísio Teixeira estabelece residência no Rio de Janeiro. Lá ocupa a Diretoria da Instrução Pública do Distrito Federal.

Anísio Teixeira inova ao estabelecer uma ponte para aproximar o ensino fundamental e a Universidade, criando a rede municipal de educação carioca – ainda hoje uma das mais vigorosas do Brasil.

Com reconhecimento nacional ascendente, Anísio Teixeira foi capaz de articular um grupo de intelectuais brasileiros com o objetivo de defender a educação como alavanca para remodelar, desenvolver e democratizar o país. Anísio Teixeira e seus colegas defendiam que apenas um sistema estatal de ensino, pautado pela liberdade e por uma pedagogia laica e contemporânea, daria as bases para a superação das desigualdades sociais brasileiras, alcançando a justiça social.

Chamado de Escola Nova, o movimento liderado por Anísio Teixeira ganhou gradativamente força até se materializar em 1932 em um manifesto, conhecido como o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, redigido por Fernando de Azevedo.

Liderados por Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo, 26 intelectuais assinaram o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” de 1932. Essencialmente, o texto demanda a universalização da escola pública, laica e gratuita.

O “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, liderado por Anísio Teixeira, consolidou uma demanda latente: a urgência pelo estabelecimento de um Plano Nacional de Educação.

(Atualmente temos o PNE 2014-2024. Ele não é perfeito, mas faria o Brasil avançar. Seus méritos foram resultado da incidência da sociedade civil, em especial à Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Porém, o PNE atual está sendo gravemente descumprido).

A atuação dos chamados “pioneiros da educação nova” se estendeu por décadas, não sem sofrer ataques dos empresários da educação da época e das ordens religiosas cristãs, que lucravam com a instrução das crianças e jovens.

Entre tantos legados, sob a liderança de Anísio Teixeira, a Escola Nova colaborou para a formação do pensamento educacional de uma nova geração de intelectuais e militantes. E serviu como referência para Florestan Fernandes (1920 1995) e Darcy Ribeiro (1922 1997), entre outros. Contudo, mesmo diante da proeminência, nem tudo eram flores para Anísio Teixeira.

A criação da Universidade do Distrito Federal, em 1935, e o recrudescimento de suas críticas ao Estado Novo resultaram em um segundo revés político. Sendo um dos adversários mais elaborados do varguismo, Anísio Teixeira volta para Caetité, onde viveu até 1945. Foi uma espécie de 2º exílio da administração pública, mas jamais da educação. Anísio Teixeira estuda e consolida a amizade com Monteiro Lobato.

Em comunicação com o amigo, Lobato vaticinou: “[Anísio Teixeira] só você tem a inteligência bastante aguda para ver dentro do cipoal de coisas engolidas e não digeridas por nossos pedagogos reformadores.”

Findo o “segundo exílio”, Anísio Teixeira assumiu o cargo de conselheiro geral da UNESCO em 1946. No ano seguinte, foi convidado a retornar ao cargo de secretário da Educação da Bahia, posição que voltava a ocupar 19 anos após sua saída da Inspetoria de Ensino.

Empossado, mais arejado e experiente, Anísio Teixeira criou a Escola Parque em Salvador, localizada no vulnerável bairro da Liberdade. Como experiência de política pública, a Escola Parque é a inspiração de diversos espaços educacionais contemporâneos.

Com a Escola Parque, Anísio Teixeira inspirou os Cieps brizolistas da década de 1980, os CIACs do governo Collor (1990) e os CEUs paulistanos, inaugurados por Marta Suplicy no início dos anos 2000.

Nomeada oficialmente como Instituto Educacional Carneiro Ribeiro, a Escola Parque de Anísio Teixeira instituiu a educação integral de forma nuclear, promovendo, em um mesmo local, diversos direitos das crianças e adolescentes soteropolitanas em situação de vulnerabilidade.

Além de uma pedagogia inovadora no contexto brasileiro, a Escola Parque de Anísio Teixeira ofertava várias possibilidades de acesso à arte, educação física, oficinas culturais, etc.

Com uma sensibilidade rara para a época, a Escola Parque de Anísio Teixeira abrigava crianças que não tinham onde morar, tornando possível uma (con)vivência profunda e essencial com a escola.

Além de ser uma referência para políticas públicas atuais, o projeto da Escola Parque de Anísio Teixeira influenciou instituições de ensino em tempo integral em todo mundo, superando as fronteiras do Brasil.

Por seu pioneirismo – e graças à articulação internacional do idealizador –, a Escola Parque de Anísio Teixeira recebeu financiamento da UNESCO, tornando se um dos primeiros exemplos de políticas públicas cunhadas no país a ganhar reconhecimento global.

Em 1951, Anísio Teixeira assumiu a função de secretário-geral da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), tornando se, no ano seguinte, diretor do INEP (Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos).

O INEP, a partir do governo FHC, recebe o nome de Anísio Teixeira, o que é motivo de orgulho para os (excelentes) servidores da autarquia. O órgão se torna “Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Contudo, infelizmente, perdeu o caráter de formulação pedagógica.

Em 1959, diante da ameaça religiosa e privatista, Anísio Teixeira mobiliza um novo manifesto. O “Manifesto dos educadores mais uma vez convocados”. É uma reafirmação do “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” de 1932. O novo texto é publicado em 1 de julho de 1959.Novamente redigido por Fernando de Azevedo (1884-1974) e liderado por Anísio Teixeira, o manifesto de 1959 contou (originalmente) com 161 assinaturas, entre elas: Florestan Fernandes, Antonio Candido, Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda, Darcy Ribeiro e Ruth Cardoso.

Ainda como militante, no final da década de 1950, Anísio Teixeira participou dos debates para a implantação da Lei Nacional de Diretrizes e Bases. Foi um incondicional defensor da educação pública, gratuita e laica. Em 1961, Anísio Teixeira publica o “Plano de Construções Escolares de Brasília”. O sonho era fazer da UnB e desse plano um exemplo para o país. Era uma segunda tentativa, assim como Anísio já tinha tentado no antigo Distrito Federal (Rio de Janeiro).

O plano de Anísio Teixeira para Brasília contemplava: 1) os Centros de Educação Elementar, com: Jardim de Infância, Escolas-classe e Escolas-parque; 2) Centros de Educação Média; e 3) Educação Superior. Com espaços compartilhados, Brasília seria uma verdadeira “Cidade Educadora”. Percebam: muito antes das experiências de Barcelona, Toulouse, etc.

Ao lado de Darcy Ribeiro, Anísio Teixeira funda a Universidade de Brasília, da qual tornou-se reitor em 1963. Próximo de sua morte, Darcy lamentava a situação em que se encontrava a UnB, anos-luz distante dos planos traçados por ele e por seu mestre e amigo. Em 1964, com o golpe militar, Anísio Teixeira afastou se da reitoria da UnB. Partiu para os Estados Unidos da América, onde lecionou nas Universidades de Colúmbia e da Califórnia.

De volta ao Brasil, em 1966, Anísio Teixeira aceitou colocar-se como colaborador e consultor da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro. Relatos de colegas e amigos apontam sua tristeza e contrariedade com o regime militar.

Anísio Teixeira morreu em 11 de março de 1971, em circunstâncias suspeitas. Seu corpo foi achado em um elevador em um prédio na Avenida Rui Barbosa, no Rio de Janeiro. Apesar do laudo de morte acidental (o elevador estaria quebrado), há fortes suspeitas de que Anísio Teixeira tenha sido mais uma das tantas vítimas do ditador Emílio Garrastazu Médici.

Sobre a vida e a obra

A leitura de toda obra de Anísio Teixeira começa com uma constatação, por parte do leitor: ele era um homem (muito) à frente de seu tempo.

Em “Educação para a democracia: introdução à administração educacional” (UFRJ), o editor explica: “muitos dos problemas apresentados pelo autor [Anísio Teixeira] permanecem na agenda de discussões e na pauta de reivindicações das políticas públicas de educação em nosso país”.

Figurando entre os mais elaborados tributários do liberalismo igualitarista de John Dewey, Anísio Teixeira defendia uma educação em que a escola deveria ser para todas e todos, com a missão de EDUCAR ao invés de apenas instruir.

A educação, para Anísio Teixeira, deve se dedicar a formar homens e mulheres livres, em vez de mulheres e homens dóceis – como ele gostava de anotar e enfatizar.

A educação, para Anísio Teixeira, precisa preparar cada estudante para um futuro incerto, em um mundo dinâmico. Portanto, a educação não poderia parar na transmissão de um passado meramente cronológico – como ainda é prática na maioria dos estabelecimentos de ensino e livros didáticos.

Anísio Teixeira era obsessivo: a missão do ensino só pode ser o desenvolvimento da inteligência, da tolerância e da felicidade. E é para dar conta disso que se faz necessário reformar a escola e o sistema público de ensino. A memorização, ainda tão em voga, deveria ser substituída pela compreensão e a expressão do que fora ensinado. Mas não só: para Anísio Teixeira, o estudante precisava conquistar “um modo de agir”.

Para ele, só aprendemos algo quando assimilamos aquilo de tal forma que, quando chegado o momento oportuno, sabemos agir de acordo com o aprendizado, orientados por ele, mas sabendo contextualizá lo.

Segundo Anísio Teixeira, a educação não ensina apenas ideias, conteúdo ou fatos cronológicos, mas também atitudes, ideais e – principalmente – o senso crítico. Para isso, a escola deve dispor de condições para materializar a “escola progressiva”.

Ao sistematizar e propor uma nova psicologia da aprendizagem, Anísio Teixeira obriga a escola a se transformar em um lugar onde se vive. Ou seja, é preciso experimentar, viver, e não apenas se preparar para a vida.

Em consonância com o pensamento de Lev Vygotsky (1896-1934), para Anísio Teixeira o estudante só aprende se desejar. Portanto, o interesse do aluno deve orientar tanto o trabalho do educador como o que ele vai aprender.As ideias de Anísio Teixeira, recentemente, inspiraram a proposição de dois mecanismos: o Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) e o Custo Aluno-Qualidade (CAQ).

Ambos foram criados e desenvolvidos pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação desde 2002. E constam do PNE 2014-2024.Sobre Anísio Teixeira, Florestan Fernandes diz: “Os sociólogos gostam de usar um conceito, empregado por [Charles] Wright Mills, o rebelde sociólogo norte-americano.

Esse conceito se chama a imaginação sociológica. Com relação a Anísio Teixeira teríamos de compreender a imaginação pedagógica. (…) A imaginação pedagógica [de Anísio Teixeira] é uma imaginação que não tem fronteiras para (…) fazer da Pedagogia a rainha de todas as Ciências.” Para Darcy Ribeiro, “Anísio Teixeira foi o educador mais brilhante do Brasil. Foi também o homem mais inteligente e mais cintilante que eu conheci. Conheci muita gente inteligente e cintilante, mas Anísio foi o mais”.

Sobre as críticas recebidas por Anísio Teixeira e os pioneiros da Educação Nova, Florestan Fernandes disse: “Há uma controvérsia a respeito da posição desses educadores, que são acusados de educadores do pensamento pedagógico burguês. De fato, estiveram vinculados ao pensamento pedagógico burguês. Mas essa pedagogia burguesa [de Anísio Teixeira e colegas] era uma pedagogia avançada, e nós, até agora, por tinturas socialistas ou marxistas autênticas, não fomos muito além, a não ser na reflexão de caráter abstrato”.

Não há dúvida de que Anísio Teixeira está entre os maiores educadores e pensadores da História do Brasil. E a grandeza de sua vida e obra deve ser motivo de orgulho para todas e todos nós, brasileiras e brasileiros.

Da minha parte, é minha maior referência, junto com Florestan Fernandes e Paulo Freire. (Esse texto é baseado no Perfil de Anísio Teixeira que eu escrevi para a Revista do IPEA, em 2015).

*Daniel Cara é professor da Faculdade de Educação da USP e membro da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

[Esse artigo não reflete necessariamente a opinião da Fórum]