"Quando perdemos a capacidade de nos indignarmos com as atrocidades praticadas contra outros, perdemos também o direito de nos considerarmos seres humanos civilizados." ― Vladimir Herzog

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Painel Paulo Freire, obra de Luiz Carlos Cappellano.

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sexta-feira, 9 de abril de 2021

E agora? Sem o Bosi, o que faremos nós, que sequer chegamos um dia a entender esse País?, por Antonio Hélio Junqueira

'Sofro nesse momento, como sofro todos os dias, ao receber a notícia de novas mortes; mortes evitáveis; vidas insubstituíveis; perdas de amigos e amigas que chegam a doer nos ossos ainda mais do que na própria alma.'

Sabemos todos e todas que a Covid-19 é impiedosa, traiçoeira, incansável, insone e de uma performance destrutiva e mortal acachapante. Dela não escapam idosos, jovens, crianças, ricos, pobres, ilustres, iletrados, ateus, fiéis…. Sabemos, também, que o descuido incentivado, a descrença insidiosamente insuflada e as balelas propaladas ao vento respondem pelo desconsolo, descontrole e desvario dos dias que estamos sendo obrigados a viver.

Os dias são todos cada vez mais tristes, pois que a morte se achega de gente ainda mais próxima, dos nossos queridos e queridas, de gente que a gente nunca imaginou que partiria antes da gente, de gente mais nova que a gente, de gente ainda mais necessária do que a gente para a reconstrução desse País…ainda que todos e todas seremos mais do que precisos nessa tarefa (então, por favor, sobrevivam!!!).

Sofro nesse momento, como sofro todos os dias, ao receber a notícia de novas mortes; mortes evitáveis; vidas insubstituíveis; perdas de amigos e amigas que chegam a doer nos ossos ainda mais do que na própria alma.

Choro, nesse momento, a perda inestimável de Alfredo Bosi. Bosi nos deixou na última quarta-feira, 7 de abril, aos 84 anos, vítima já indefesa das complicações dessa insidiosa doença.

Bosi foi muitas coisas em vida e, entre elas, um notável intérprete e tradutor do Brasil, a partir da literatura por aqui produzida. Que ele tenha vindo a se dedicar à literatura brasileira – em uma obra que se tornou clássica, icônica e insuperável – foi para nós um brinde, uma prenda, um ganho extra. Alfredo Bosi se formou para ler, interpretar, estudar e ensinar, na verdade, literatura italiana, nacionalidade da qual descende. Após formar-se em Letras pela Universidade de São Paulo, em 1960, Alfredo Bosi ganhou bolsa de estudos para ir a Florença, onde se dedicou ao estudo de grandes artistas e escritores daquela língua e cultura, especialmente Leonardo da Vinci – uma de suas mais constantes paixões –, Pirandello e Leopardi, que inspiraram teses de doutorado e de livre docência, respectivamente. Também se dedicou a Dante Alighieri, Gramsci, Vico, Croce, entre tantos outros.

No campo da literatura brasileira, sua contribuição é impecável, indispensável e mais do que nunca, útil para tentarmos recuperar o que sobrar por aqui. Com seu método e posturas dialéticos, simples e ao mesmo tempo largos em erudição, deu conta de interpretar os textos mais clássicos e fundantes da cultura nacional, ensinando-nos a nos enxergarmos a nós mesmos em escritos de Anchieta, Gregório de Matos, Antônio Vieira, Antonil, Castro Alves, Lima Barreto…Em “Dialética da colonização” (São Paulo: Companhia das Letras, 1992), Alfredo Bosi conduz os estudos sobre a cultura brasileira a um patamar mais fecundo, inteligente, dramático, maduro, inovador  e instigante, como antes dele já o haviam feito Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior.  Bosi nos deixa herdar uma trilha; uma trilha que nos ensina a entender e, a partir daí, superarmos nossa condição de subalternidade colonial e, ainda mais do que isso, nos ilumina no caminho da solidariedade para com o oprimido (que todos e todas na verdade somos e continuamos sendo), um dos traços indeléveis de toda a sua produção intelectual.

Retornando à Renascença Italiana – outra de suas paixões confessas –, Bosi nos legou também outra obra prima: “Ideologia e contraideologia: temas e variações” (São Paulo: Companhia das Letras, 2010). No percurso empreendido nessa obra, o autor nos dá um panorama ideológico das manifestações do pensamento hegemônico, sempre hábil em mistificar, trapacear e iludir, em discursos e práticas políticas ardilosos, os rumos da civilização. Com sua sensibilidade, lucidez, erudição e generosidade ímpares, Bosi nos ensina a superar o pessimismo e o conformismo herdados das péssimas experiências históricas, para abraçarmos, esperançosos, um outro futuro sempre possível. Para Bosi, as contraideologias podem assumir caráter heroico, resiliente, curativo, regenerador. Como sujeitos, somos também produtores de História e a História sempre poderá comportar as nossas mais legítimas e solidárias esperanças. Às fatalidades, podemos contrapor nosso trabalho construtivo; às descrenças, nossa fé e aos revisionismos e negacionismo nossa certeza em um futuro onde ciência e arte, técnica e prazer transcendem a má vontade, a má influência e a capciosidade dos discursos falaciosos.

É, de fato, impossível falar de Alfredo Bosi sem mencionar a sua amada companheira Ecléa Bosi, professora emérita e titular do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, de quem tive a imensa honra de ser discípulo. Juntos compuseram uma dupla e tanto, fizeram dois filhos, Viviana e José Alfredo e tiveram netos.

Ecléa Bosi faleceu em 2017 e nos legou literatura extremamente valiosa sobre velhice, memória, cultura popular e leituras operárias, entre outras contribuições. Foi, também, notável divulgadora da obra da filósofa Simone Weil no Brasil.

Esse artigo nem de longe pode pretender à descrição da obra desses dois gigantes da cultura brasileira. A vontade é de tão somente registrar a dolorosa passagem do casal e de ressaltar a lacuna que deixam nesse Brasil tão abandonado à própria sorte, tão amesquinhado, acabrunhado, vilipendiado…

A grandeza desses Bosis não está apenas na sua inquestionável sabedoria e nos seus imensos conhecimentos acadêmicos. Reside, principalmente, na generosidade de seus corações, na modéstia e humildade que só os grandes de fato atingem.

As homenagens a Alfredo Bosi pelo seu passamento na mídia e nas manifestações das instituições por onde passou não chegaram nem aos pés do seu merecimento. Alfredo nos deixou na condição de professor emérito da Universidade de São Paulo e membro da Academia Brasileira de Letras, cargo que ocupou desde 2003. Porém, seu neto Tiago Bosi Concagh, em seu perfil digital, nos deu um dos mais lindos depoimentos que um avô poderia almejar. Nele, o neto homenageia o avô com as mais carinhosas lembranças e nos ensina sobre a admiração de Alfredo Bosi por São Francisco de Assis, padroeiro contemporâneo das causas ecológicas, cujos ensinamentos apontam para as únicas saídas possíveis ao iminente colapso ambiental planetário: amor ao Outro, respeito e proteção à Natureza, simplicidade nos corações e celebração da Vida!

Alfredo Bosi sabia muito e sabia de tudo. Sua sabedoria chegava também ao coração de seus familiares. Em um dos poucos momentos que compartilhei pessoalmente com ele, em um almoço na USP, durante o qual ele aguardava a chegada do neto que iria busca-lo, me confidenciou: “nossos netos são a sobremesa da vida”! Acho, Bosi, que você recebeu ontem, de seu neto, o seu manjar dos Deuses.

Desejo conforto e esperança a todos os seus familiares e, a todos nós, coragem para seguirmos sozinhos e sozinhas com ainda menos luz a nos guiar nas trilhas desse País cuja alma às vezes nos escapa por completo.

[1] Doutor em Ciências da Comunicação (ECA/USP), com pós-doutorado e mestrado em Comunicação e Práticas de Consumo (ESPM/SP). Pós-doutorando em Gestão da Informação (UFPR). Engenheiro Agrônomo (ESALQ/USP). Pós-graduado em Desenvolvimento Rural e Abastecimento Alimentar Urbano (FAO/PNUD/CEPAL/IPARDES) e em Organização Popular do Abastecimento Alimentar Urbano (FEA/USP). Pesquisador e consultor de empresas em Inteligência de Mercado, Estudos do Consumo, Tendências de Mercado e Marketing. Sócio-proprietário da Junqueira e Peetz Consultoria e Inteligência de Mercado.




sexta-feira, 2 de abril de 2021

A maior história era do próprio João Acaiabe, por Roberto Salim

Nesta semana, aos 76 anos, ele se foi. Fica a sua história. Fez EAD. Trabalhou com Plínio Marcos. Filmou ao lado de Fernanda Montenegro. Foi o Tio Barnabé do Sítio do Picapau Amarelo. Ganhou o Kikito de melhor ator no Festival de Gramado de 1986. Contava histórias da cultura africana. João Acaiabe foi grande. Viveu uma linda história que não será esquecida

Filmes, novelas, Sítio do Picapau Amarelo, Chiquititas.

Eclético.

Ator de cinema, teatro.

Figura ímpar em um mundo artístico que invisibiliza a presença do artista negro.

Eu era seu fã.

Mas, muito mais do que eu, minha filha o adorava.

No Bambalalão, da TV Cultura, quando ele aparecia, o silêncio imperava na sala de nosso apartamento.

“Ele vai contar história!”

Essa era a senha para nossa nenê.

Minha filha tem uma frase que enfatiza até hoje.

“Ele era o único personagem negro adulto da minha infância na TV.”

E vinham as histórias contadas por João Acaiabe.

Nesta semana, aos 76 anos, ele se foi.

Fica a sua história.

Fez EAD.

Trabalhou com Plínio Marcos.

Filmou ao lado de Fernanda Montenegro.

Foi o Tio Barnabé do Sítio do Picapau Amarelo.

Ganhou o Kikito de melhor ator no Festival de Gramado de 1986.

Contava histórias da cultura africana.

João Acaiabe foi grande.

Viveu uma linda história que não será esquecida.

Para ser contada para todos os brasileiros.

Toda nossa gente, claro.