"Quando perdemos a capacidade de nos indignarmos com as atrocidades praticadas contra outros, perdemos também o direito de nos considerarmos seres humanos civilizados." ― Vladimir Herzog

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Painel Paulo Freire, obra de Luiz Carlos Cappellano.

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segunda-feira, 30 de abril de 2018

Sul 21: "A cada pessoa do MST que encontro, peço perdão pelo o que eu pensava deles", diz Regiane do Carmo Santos

Por Marco Weissheimer
Regiane do Carmo Santos: “Quero que o Lula saia, mas vou ficar triste depois que esse pessoal for embora”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
“Tudo começou com uma barraca. Estavam todos ali na rua quando veio a ordem para eles saírem. Aí veio a primeira pedindo pra ficar. Depois veio mais outra e assim por diante. Quando eu vi veio a cozinha e depois veio todo esse povo que vocês estão vendo aí”. Foi assim que Regiane do Carmo Santos, moradora nas imediações da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, abriu os portões da casa dela para abrigar manifestantes que vieram participar das vigílias em defesa da libertação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A decisão provocou uma reviravolta na vida de Regiane, uma reviravolta que ela define como um aprendizado. “Eu adoro ver a casa cheia. Fico triste quando tem pouca gente aqui. É muito aprendizado, a cada dia eu aprendo um pouquinho e estou me politizando, o que é mais importante”.
Indagada sobre o teor desse aprendizado, ela cita como exemplo a superação de preconceitos. “Você vê a luta, a causa e o sofrimento desse povo, do pessoal do MST, do PT e de tantos outros que estão aqui. Cada pessoa do MST que encontro, eu peço perdão pelo o que eu pensava deles. Eu ia pelo que a mídia falava. Eles são as pessoas que mais têm a ensinar pra gente”. Ela reconhece que tinha uma visão preconceituosa em relação aos sem terra. E descreve como se deu o processo de superação desse preconceito:
“Eu não nego, não sou hipócrita. Quando todo esse povo começou a chegar aqui, os vizinhos começaram a dizer que iriam invadir as casas, isso e aquilo. Se eu não tivesse me jogado pra conhecer e conversar, estaria pensando como eles. Se cada pessoa se desse a chance de conversar e conhecer, aprenderia em primeiro lugar o humanismo e o respeito que eles têm entre eles, a organização, a divisão do trabalho. Quando eles varriam a rua, não sobrava uma bituca de cigarro. É lindo, uma lição de como é um ser humano de verdade”.
Uma cozinha coletiva foi instalada na casa de Regiane e prepara refeições diariamente para participantes da vigília. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
Após a chegada das primeiras barracas, o pátio da casa de Regiane passou a abrigar também uma cozinha coletiva, que funciona todo o dia. Ela faz questão de destacar que não é a doadora desses alimentos. “Esses dias falaram que era a doadora. Não estou doando nada. Nem tenho condições financeiras pra fazer alimentação pra mil pessoas. Isso aqui é fruto da união do povo. Onze e meia, meia noite está encostando carro aqui pra trazer doações. Sem essa união, não teria como fornecer café da manhã e almoço para todo esse povo. Todo mundo que chegar vai comer. Ninguém vai sair com fome daqui. Eu estou muito feliz. Quero que o Lula saia, mas vou ficar triste depois que esse pessoal for embora. Você acredita nisso?”.
Dona Regiane não se incomoda com o que os vizinhos possam estar pensando da decisão dela. “Pra mim, não me acrescenta, nem diminui nada. Ninguém paga as minhas contas e ninguém vem perguntar como estou. Se quiserem falar comigo, falem, se não quiserem, não falem. Pra mim é indiferente. Eu posso gostar do vermelho. Eu sou dona da minha escolha, sou maior de idade e tenho o direito de fazer aquilo que eu quero e o que acho que é certo”.
Na manhã desta segunda-feira (30), mais uma vez o pátio em frente à sua casa estava tomado por manifestantes que participaram da abertura de mais um dia de vigília com o já tradicional ato de “bom dia, presidente Lula”. Centenas de pessoas participaram da manifestação e os gritos de bom dia, com o apoio de um megafone, ecoaram fortes pela vizinhança. Enquanto isso, na cozinha coletiva improvisada na casa de Regiane, as cozinheiras do MST começavam a descascar o aipim, preparar o feijão e lavar a salada para mais um dia de vigília. A dona da casa circulava entre elas como se fosse mais uma militante de uma causa que acabou de descobrir.
Galeria de fotos
Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21

Jornal GGN: Quando um amigo passa o limite e assume ser fascista

'Dispenso "amigos" que irão comemorar eventual condenação minha para a câmara de gás - incapaz que serei de provar minha inocência diante das convicções de meus algozes.'
Por Daniel Gorte-Dalmoro
Nunca havia feito isso antes - excluir pessoas do meu Fakebook por motivos políticos. Sou alguém que acredita - insiste em acreditar - no diálogo, no bom uso da razão. Não, não acho que sou o dono da razão, mas se não sei o que é o certo - sequer acredito em uma certeza única -, não hesito em ver muitas posições como claramente equivocadas - o fascismo e a desumanização do outro são algumas delas. Enquanto muitos já excluíam de seu Fakebook batedores de panelas nos inícios do golpe, eu via em meus amigos patos não má-fé, mas limitações de percepção, crítica e cognição, visto estarem demais imersos na linguagem espetacular, sob bombardeio intenso de uma mídia goebbelsiana: era difícil dialogar, mas eu  cria haver possibilidade, assim que surgisse uma brecha - poderia chamá-los para um uso razoável da razão.

Quem busca a razão para justificar injustiça e arbítrio mostra não fazer bom uso da razão. Quem comemora a desumanização do outro atesta sua incapacidade para a vida em sociedade. Não é uma situação definitiva - mas é limite, enquanto não for superada.
A condenação de Lula, faz vinte dias, foi a consagração do fascismo nestes Tristes Trópicos: a inversão do ônus da prova, a falsificação de provas, leis e ritos formais alterados conforme interesses pessoais de acusadores e juiz-inquisidor. Isso é julgamento nazifascista, stalinista - justiça é só um nome pomposo para a institucionalização do arbítrio dos mesquinhos. É o estado de exceção que vale para pobres pretos e periféricos democratizado a quem não lambe os pés dos poderosos - ainda que não os afronte. Alguém que acompanhou, mesmo que a distância, toda essa farsa nazifascista sul-brasileira, não tem como justificar o arbítrio ocorrido.  Não por acaso, muitos dos amigos que esfuziantemente bateram panelas estão silentes, quando não se dizem desiludidos com todas as instituições - executivo, legislativo e judiciário: notaram que até dentro de seu preconceito há um limite para o ódio. Ainda que tarde, perceberam que foram enganados, feitos de patos, ao endossar o coro dos manipulados pela mídia - agora calam, antes que se vejam novamente no ridículo de achar que pensam por conta própria enquanto repetem bordões vindos de cima. É a brecha para chamá-los à crítica, antes que a memória curta os induza novamente a agir como massa de manobra.
Comemorar uma prisão de um senhor de setenta anos (pois é, o vigor e a energia de Lula não raro faz com que esqueçamos que ele não tem quarenta, cinquenta anos) é gozar com a perversão institucionalizada - assim como os que gozaram com Maluf preso (agora que não tem poder algum). Comemorar uma prisão é uma aberração que a sociedade brasileira naturalizou, mesmo em suas fileiras progressistas: numa sociedade que já adentrou a modernidade, a prisão de alguém pode ser um alívio, nunca uma alegria. Preso deveria estar quem apresenta real perigo à sociedade - como quem fala em "escolher um que a gente mata depois" ou que é capaz de comprar agentes públicos que o investigam, por exemplo -, e não qualquer um, preso por um desejo de vingança que beira os primórdios da socialização humana - degenerado por todo o aparato tecnológico, que permite mil outras alternativas de reparação de danos e reintegração de desviantes (nem estou aqui questionando quem impõe o que é desvio o que é normal), assim como formas mais cruéis de tortura.
Quando vi em minha linha do tempo pessoas comemorando a prisão de Lula, ou tentando racionalizar uma justificativa para seu ódio tecnicamente equipado - ainda chamando os que bramem contra a injustiça como ressentidos -, me dei conta que haviam ali atravessado a linha da convivência humana, e adentravam decidida e declaradamente no fascismo: não vislumbro possibilidade de diálogo com quem não é capaz de identificar no outro um humano, um igual. E não há mais justificativa para manter sua posição - salvo severas limitações cognitivas, o que não é o caso - que não o prazer com a dor alheia, o desejo de aniquilação de tudo o que lhe perturba a pretensa harmonia de sua vida estreita e pusilânime. Não são ignorantes, não são burros, não são ingênuos: são pessoas de mau caráter, mesmo. Fascistas. Assassinos esperando sua oportunidade de serem o próximo a despachar o inimigo no trem para Auschwitz. Não por acaso hoje, dia 28, entro para ver se não fui precipitado em meu julgamento e vejo essas pessoas indignadas com cercas derrubadas pelo MST, exigindo justiça, e fazendo silêncio com os atentados contra o acampamento Marisa Letícia - se a Globo permitir, logo lançam um movimento "white fences matters". Confirmo que minha decisão foi correta: quem se regozija com a injustiça e (pretensa) humilhação de uma pessoa é capaz de sentir o mesmo prazer com qualquer outra - desde que não seja ela própria ou alguém muito próximo. Inclusive, não duvido que quanto maior a dor, maior o prazer - por que não, então, a morte, lenta, quem sabe sob tortura? Dispenso "amigos" que irão comemorar eventual condenação minha para a câmara de gás - incapaz que serei de provar minha inocência diante das convicções de meus algozes.
28 de abril de 2018
PS: já há muito tempo, por ter tido contato mais próximo, tomei decisão de romper com familiares nazifascistas - sabia que ali as possibilidades de bom uso da razão eram reduzidas. Acho que família não é justificativa para aceitar esse tipo de pensamento e ação (falo também em ação visto que um primo meu já integrou (não sei se ainda integra) gangues neonazistas em Curitiba). Mais curioso que esses parentes são os que mais falam em boas energias, amor, são professores de yoga, psicólogos exotéricos - tudo isso para no fim do dia achar que há pessoas e há não-pessoas, a despeito de serem todos homo sapiens.


quinta-feira, 26 de abril de 2018

IBGE 2017: milhões de brasileiros voltam ao fogão a lenha e moram de favor


Com os moradores sem condições para comprar gás de cozinha, 1,2 milhão de domicílios brasileiros passaram a usar também lenha e carvão no ano passado.
E 6,7 milhões de pessoas, sem renda para pagar aluguel ou a prestação da casa própria, foram morar de favor em casas cedidas por parentes ou amigos.
Estes são os dados maior reveladores de como sobrevivem os brasileiros mais pobres atingidos pela crise econômica, que já deixou 13 milhões de desempregados, segundo pesquisa do IBGE divulgada nesta quinta-feira.
Com o país em marcha batida rumo ao passado e ao atraso, a pesquisa Características Gerais de Domicílios e dos Moradores 2017 mostra que 12,3 milhões de casas ainda usavam fogões a lenha para cozinhar, um crescimento de 11% em relação a 2016, no ano em que o preço do gás de cozinha bateu recordes históricos.
Entre junho de 2017, quando a Petrobras mudou sua política de preços, e o final do ano, houve um aumento de 67,8% nos preços.
Como nada indica que essa política vá mudar tão cedo, deverá crescer, em consequência, o desmatamento para alimentar os fogões, e a poluição do ar nas periferias das cidades.
Com mais gente morando nas casas, pode-se imaginar a qualidade de vida dessas pessoas respirando fumaça, enquanto a televisão mostra os comerciais do Brasil Maravilha criado pela “Ponte para o Futuro” de Michel Temer, sob o lema “Ordem e Progresso” da propaganda oficial.
De um ano para outro, caiu 4,5% o número de domicílios onde o morador é proprietário, de acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad-C).
Neste contingente se inclui a legião de brasileiros que conseguiu comprar a casa própria, mas já não tem mais condições de pagar as prestações.
Enquanto na média do Brasil a renda domiciliar per capita subiu de R$ 1226, em 2016, para R$ 1268, no ano passado, pouco acima do salário mínimo, no Estado de São Paulo, o mais rico do país, esta renda caiu de R$ 1723 para R$ 1712.
Estamos ao mesmo tempo ficando mais pobres e mais velhos, segundo a pesquisa do IBGE.
De 2012 a 2017, a população de idosos cresceu a uma média de 1 milhão por ano.
Nos últimos cinco anos, o total de brasileiros com 60 anos ou mais subiu de 25,4 milhões para 30,2 milhões, uma alta de 18,8%, chegando a 14,6% da população brasileira.
Como o caro leitor já deve ter reparado, nenhuma destas questões levantadas pela pesquisa consta dos discursos e dos programas dos 20 pré-candidatos que já apareceram concorrendo à Presidência da República.
A seguir nesta batida, com o aumento contínuo nas tarifas de energia, em breve poderemos voltar a usar também velas e lampiões de gás.
No Brasil de 2018, tudo pode sempre piorar ainda mais, dirão os menos pessimistas. Ainda não vimos tudo.

Vida que segue (para trás).

Juíza de Curitiba proíbe visita de médico de Lula


A juíza Carolina Lebbos proibiu que Lula recebesse a vista de seu médico na sede da PF. A visita não era social, era para exames de rotina já que Lula tem 72 anos e já passou por um câncer. É rotineiro na vida do ex-presidente as visitas ao seu médico para passar por exames clínicos, o que não acontece desde que foi preso em Curitiba.
 
A juíza está se aprimorando. Já proibiu visitas de amigos e de autoridades e lideranças políticas. Proibiu a presidente Dilma Rousseff, o Nobel da Paes Adolfo Pérez Esquivel, Leonardo Boff, além de uma comissão de deputados. Ela é responsável pela Vara de Execução Penal a que Lula está submetido. A proibição se deu ontem, dia 25, e foi denunciada pelo deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS), líder da bancada do PT na Câmara.
 
No despacho, a juíza negou a entrada do médico na sede da PF, argumentando que 'não há indicação de urgência'. Ela desconsiderou o pedido da defesa que argumentou que outros presos ali na sede da Polícia Federal recebem periodicamente a visita dos médicos por eles indicados. 
 
Paulo Pimenta, da tribuna da Câmara, pergunta: 'quem é a juíza para decidir se alguém tem o direito ou não de receber a visita de um médico?'. Pimenta e outras lideranças políticas denunciam sem descanso o confinamento e isolamento a que Lula está sendo submetido e como vem sendo tratado de maneira diversa a outros presos no mesmo local.
 
Lula está na sede da PF de Curitiba desde o dia 7 de abril.


Fonte: Jornal GGN
 

Mídia faz ginástica para tentar salvar Moro e continuar estuprando a Constituição



O fato é que a Segunda Turma do STF fulminou esta semana a competência de Sérgio Moro, juiz natural dos casos relativos à Petrobras, nas investigações acerca do sítio de Atibaia (SP) e sobre suposta compra de terreno para o Instituto Lula. Ambas as ações não têm nada a ver com a estatal, por isso o magistrado foi defenestrado da persecução ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Dito isto, é patético observar a ginástica diária dos meios de comunicação corporativos — leia-se Globo, Folha, Estadão, Veja, et caterva — para tentar salvar as aparências de Moro e garantir o estupro da Constituição Federal de 1988, que estabelece os limites da competência do juízo.
Note o caríssimo leitor que o juiz Sérgio Moro não se conteve às questões da Petrobras, como determina a lei. Ele e sua força-tarefa lava jato mergulharam até mesmo em questões de pedágio no Paraná. Não que não haja ilícitos puníveis no ‘pedágio mais caro do mundo’ como sempre denunciou este Blog do Esmael. Pelo contrário.
O recado do STF foi claro ao limitar a competência de Moro. Os ministros disseram que ele, juiz de piso, não pode tudo e que não pode agir fora da lei sob o manto do combate à corrupção.
Nessas últimas horas que se sucederam à ‘capação’ de Sérgio Moro ouviu-se de tudo na velha mídia golpista, desde que a Procuradoria-Geral da República iria impugnar a decisão do Supremo até mesmo que o magistrado da 13ª Vara Federal do Paraná “peitaria” os ministros do STF. Fake news, fake news, fake news.
À velha mídia golpista, um conselho: reconhece que dói menos a derrota para o Estado Democrático de Direito.

A fúria canina da Lava Jato e o jornalismo de guerra da Globo



A decisão do stf abre caminho para a nulidade não só do processo do sítio de Atibaia, como também para a anulação da farsa do tríplex armada por Moro, Dallagnol e Globo para perseguir, condenar e prender Lula.
As razões para isso são robustas: [1] se houvesse crime, a jurisdição para julgamento seria a justiça federal de São Paulo, nunca a de Curitiba; e, [2] em caso de processo penal, deveria ser observado o juiz natural do caso, princípio constitucional que excluiria Sérgio Moro da condução dos casos.
O abalo no principal pilar do regime de exceção debilita a ditadura. Daí que se pode entender a fúria canina da Lava Jato e o jornalismo de guerra da Globo no combate à decisão do stf.
O jornal nacional da quarta-feira, 25/4, ao invés de repercutir a opinião do mundo jurídico nacional e estrangeiro sobre o fato de relevante interesse jornalístico, a decisão do stf, fez outra reportagem de caráter acusatório e persecutório, unicamente preocupada em criminalizar Lula.
Numa reportagem bem armada, requentou vídeos de delatores que receberam impunidade e preservação do patrimônio multimilionário roubado em troca de testemunhos forjados para levar Lula à prisão.
Nesta mesma edição, todavia, o jornalismo de guerra da Globo não noticiou a atitude despótica e criminosa [a fúria canina] da juíza da Lava Jato que impediu Lula de receber visita do seu médico, deixando ameaçadas a saúde e a vida de um ex-presidente do Brasil.
Os procuradores, por outro lado, desafiaram a decisão do stf, considerando-a “ininteligível e superficial”.
Em clara afronta à suprema corte do país, eles declararam: “Por não haver qualquer mudança fática ou revisional, deve a presente ação penal prosseguir em seus regulares termos”.
Como num regime fascista, eles atribuem a si mesmos um poder total e soberano que a Constituição brasileira não lhes confere.
A brutalidade contra Lula não tem sido – e tampouco será – suficiente para o extermínio deste que é o maior líder popular do Brasil e um dos maiores do mundo.
É real, por isso, o risco de aumento do delírio e da violência fascista contra Lula; violência essa que ricocheteia na sociedade aumentando o racismo e o ódio ao povo pobre e negro.
A luta pela libertação do Lula, por isso, é o fator decisivo para a contenção do fascismo e para a restauração da democracia, do Estado de Direito e da paz no país.
E esta luta democrática exige o combate resoluto ao fascismo jurídico-policial da Lava Jato e ao terrorismo midiático da Globo.

Os Divergentes: Miss Lebbos numa sinuca de bico

juíza Carolina Moura Lebbos
“O velho mundo agoniza, um novo mundo tarda a nascer, e, nesse claro-escuro, irrompem os monstros”.
Aforismo do filósofo Antonio Gramsci, lembrado pelo ativista Noam Chomsky, em vídeo de apoio a Lula

Responsável pelas decisões sobre a custódia do ex-presidente Lula, a juíza Carolina Moura Lebbos, da 12ª Vara Federal de Curitiba, vem transformando o cárcere político do ex-presidente Lula numa verdadeira solitária. Observação: você não precisa concordar que seja um cárcere político, quem diz isso sou eu. Partindo do princípio da isonomia com outros investigados da Lava Jato – coisa que Lula nunca teve, em momento algum do processo que o levou à prisão -, admitamos que a discípula de Sérgio Mouro tenha o direito de não permitir uma procissão diária à cela de 15 metros quadrados reservada ao ex-presidente. Também não é possível, por outro lado, que não use de um pouco mais de bom senso diante de algumas pessoas que desejam legitimamente visitar Lula – e ver as condições em que se encontra.

Que pessoas? Bom, Miss Lebbos barrou visitas de Adolfo Perez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz, e de Leonardo Boff, um dos pais da Teologia da Libertação, ambos amigos pessoais de Lula. Agora, em despacho desta terça, 23, negou permissão a uma ex-presidente da República, Dilma Rousseff. Por volta das 15h, Dilma chegou à Superintendência da PF para tentar encontrar-se com o colega de partido. Ficou do lado de fora. Também ficou no vácuo uma “Comissão Externa” criada pela Câmara dos Deputados para “verificar in loco” as condições em que Lula se encontra na PF. A senadora e presidente do PT Gleisi Hoffmann, ex-senador Eduardo Suplicy (PT), o presidenciável Ciro Gomes, o ex-ministro Carlos Lupi, o deputado Paulo Pimenta, e o deputado Wadih Damous (PT), que chegou a pedir para visitar Lula na condição de advogado, estão entre os barrados na pefelândia. Sobre visitas, a magistrada ressalta que, em duas semanas, chegaram “requerimentos de visitas que abrangem mais de uma dezena de pessoas, com anuência da defesa, sob o argumento de amizade com o custodiado”.

É evidente que algumas dessas visitas servem para criar fatos políticos. Manter Lula no noticiário. Criar uma comoção em torno de sua prisão. Ninguém está camuflando essa estratégia – aliás, politicamente legítima. Mas as negativas peremptórias de Miss Lebbos apenas alimentam a sensação de que, ao invés de impedir que Lula receba privilégios, o que se faz é reservar a ele restrições desproporcionais. Ela quer tratar Lula como um preso comum, ok. Mas alguém acha – mesmo que tenha pousado agora num disco voador no planeta Brasil – que Lula é um preso como qualquer outro? Esquivel e Boff não poderiam visita-lo? Dilma não poderia passar 10 minutos com ele? Se não quer abrir a porteira, que faça uma triagem justa. Tanto que em sua negativa, a juiz escorrega no verbete: “o alargamento das possibilidades de visitas a um detento, ante as necessidades logísticas demandadas, poderia prejudicar as medidas necessárias à garantia do direito de visitação dos demais”. Quantos presos estão detidos ali? Qual a média de visitas diárias? Esse “alargamento” faria algum mal ao entra e sai na gloriosa PF curitibana?

É difícil até saber se hoje, para o PT, não será mais vantajoso poder usar a imagem de um Lula isolado, como tem feito, do que qualquer prejuízo à rotina do sistema penitenciário local – neste caso, uma cela improvisada na PF de Curitiba – que visitas como de Esquivel, Boff e Dilma pudessem trazer. Em boa parte desta segunda, 23, o UOL, um dos principais portais de notícia do país, manteve como manchete: “Juíza barra Dilma, Ciro, Gleisi e todos os outros pedidos para visitar Lula”. Ao todo, 23 pedidos de visita ao ex-presidente Lula foram negados por Miss Lebbos até a tarde desta segunda, 23, entre eles, o do escritor Raduan Nassar.

A tentativa de dessacralizar Lula está ficando cada dia mais difícil. Depois de Esquivel prometer indica-lo ao Nobel da Paz, o linguista, filósofo e ativista americano, Noam Chomsky, gravou um vídeo de apoio à libertação de Lula. No país de Jucá, Geddel, Padilha e Moreira, fica difícil sair explicando quem são Esquivel, Boff, Nassar e Chomsky. É tão desigual que soa injusto. Mas Miss Lebbos sabe o que faz. Afinal, basta assistir qualquer sessão do Supremo na TV Justiça para lembrar que a Justiça é cega.



terça-feira, 24 de abril de 2018

Carta Maior: Mineradoras do Pará degradam floresta e contaminam população com metais pesados. Entrevista especial com Simone Pereira


Entrevista especial com Simone Pereira, professora e pesquisadora da Universidade Federal do Pará que reflete sobre os efeitos de mineradoras no ecossistema local

Por Patricia Fachin, Unisinos


“Eu sou paraense, eu moro aqui e vivo aqui desde que nasci. E não consigo compreender como é que entregam a floresta, entregam nossos rios ao capital estrangeiro”. O desabafo é de uma cidadã do estado do Pará que não se conforma ao ver indústrias multinacionais jogarem seus expurgos no meio ambiente sem uma intervenção efetiva do poder público. Simone Pereira é professora e pesquisadora da Universidade Federal do Pará que reflete sobre os efeitos de mineradoras no ecossistema local.  Disposta a mudar a realidade da comunidade de Barcarena, a cerca de 100 quilômetros da capital Belém, a cientista se viu assombrada pelos resultados de sua pesquisa. “Quando fiz esse estudo, achei que teria problema com três elementos: o chumbo, o alumínio e o fósforo, mas, dos 21 elementos pesquisados, 20 deram acima ou do controle ou das referências mundiais”, destaca.

estudo a que se refere é uma pesquisa feita com amostras de fios de cabelo das pessoas que vivem na região. Simone achou necessário coletar essas amostras depois de constatar grande contaminação no solo e em reservas hídricas. Há presença de chumbo em 90% dos poços artesianos das comunidades pesquisadas e, em 80% da população analisada, as amostras revelam a contaminação também por chumbo. Em fevereiro deste ano, uma das empresas teve parte das operações embargadas pelo Ministério Público Federal assim que foram constatados dutos que liberavam rejeitos industriais de forma irregular. “Essa exposição vem de anos, talvez de décadas, além disso não posso afirmar que é apenas por uma rota. Talvez não seja somente por meio da água de consumo”, lamenta a pesquisadora.

Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, Simone faz um relato detalhado que revela o drama da comunidade. “A situação é de calamidade pública: temos pessoas morando no local que estão totalmente expostas a várias rotas de entrada de elementos tóxicos”, aponta. Diante desse cenário, reconhece que é difícil não se envolver com a questão além da pesquisa. “No dia da entrega dos resultados, fiz questão de não olhar nomes, porque muitas daquelas pessoas se tornaram minhas amigas ao longo de 11 anos ali na área”. Ela conta o caso do filho de oito anos de Érica, uma das moradoras locais. “Ela fala que ele está caindo. Diz que está de pé e, de repente, cai, desmaia. Não é nenhum tipo de doença conhecida, já levou ao médico e não sabe o que é. Ele está com níveis de alumínio 100 vezes acima [do aceitável]”, conta.

A pesquisadora reconhece que depois da repercussão dos dados sobre a contaminaçãodas pessoas, algumas ações começaram a ser feitas. Mas ainda é pouco. “Descobri que algumas pessoas que participaram desse estudo já morreram. Ou seja, você se esforça para fazer um estudo e percebe que para algumas pessoas isso foi tarde demais. Esse resultado demorou muito para ser entregue e não tem mais jeito. Conseguem compreender a gravidade disso?”, questiona.

Mais do que ações de saúde pública e atenção àquelas pessoas, é preciso efetividade do poder fiscalizador das mineradoras no Pará. “Simplesmente a empresa vai lá e faz sua pressão, não tem licença de operação e começa a jogar lama vermelha ali, sem nenhum estudo e numa área que é de proteção ambiental, que tem várias nascentes de rios importantes daquela região”, dispara. E provoca: “se o desenvolvimento sustentávelé utopia, eu não sei, mas as indústrias lucram em torno de 300 milhões de reais por ano na venda desse alumínio. Não é possível que não invistam para fazer o tratamento [de efluentes]”.

Simone Pereira coordena o Laboratório de Química Analítica e Ambiental da Universidade Federal do Pará - UFPA. Possui graduação em Engenharia Química e Licenciatura em Química pela UFPA, especialização em Educação e Problemas Regionais pela mesma instituição e doutorado em Química pela Universidade Federal da Bahia - UFBA. Atualmente é professora associada da UFPA, onde também é líder do grupo de pesquisa de Química Analítica e Ambiental.

Confira a entrevista.

IHU On-Line — Como foi desenvolvida a sua pesquisa, que apontou a presença de substâncias cancerígenas em moradores que residem no polo industrial de Barcarena? A senhora já tinha alguma hipótese ou evidências de que a população de Barcarena poderia estar contaminada por essas substâncias?

Simone Pereira — Em 2012, o Ministério Público Federal foi acionado pela comunidade e o procurador Bruno Valente solicitou à Universidade um estudo da água de consumo. Nós fizemos esse estudo entre 2012 e 2014, e em 2014 foi entregue o relatório. A conclusão geral do estudo foi de que as 26 localidades pesquisadas — incluindo a cidade de Barcarena e a Vila dos Cabanos, que são os dois maiores aglomerados urbanos, com cerca de 90 mil pessoas — estavam com contaminação da água, principalmente por alumínio, fósforo e chumbo. A partir do estudo da água, o Ministério Público Federal entende a urgência da situação, porque quem bebe água contaminada acaba sendo contaminado. Além disso, houve contaminação da rede pública, no sistema de abastecimento das cidades de Barcarena, Vila dos Cabanos, Distrito Industrial, Vila do Conde e outros locais em que se tinha a captação de água subterrânea e essa água era distribuída para a população local.

Esse estudo também foi realizado na área das ilhas, que é uma área rural, onde também encontramos essa contaminação, mais atenuada, mas também extrapolando os níveis permitidos pela legislação número 2.914 de 2011 do Ministério da Saúde. Com isso, evidenciou-se que essa população estava em risco e o Ministério Público Federalsolicitou esse estudo “do cabelo” [em que as análises são feitas em amostras de fios de cabelo dessa população]. Já em 2014, nós iniciamos o processo de licença para poder fazer pesquisas em humanos, entramos com o processo no Comitê de Ética e Pesquisa da universidade e depois obtivemos a liberação pela Comissão Nacional de Ética e Pesquisa - Conep.

A partir da liberação, em 2015, iniciamos a coleta em fevereiro e ela se estendeu até agosto de 2015. Também fomos atrás de recursos, pois, infelizmente, o Ministério Público Federal solicitou esses estudos, mas não tem recursos para bancar. São exames caros e que necessitam de bastante apoio para que possam ser feitos. Em 2016 conseguimos esses recursos por meio de outros projetos que conseguimos aprovar, e começamos os estudos. Eles seguiram até 2017, quando tivemos uma quebra do equipamento e ainda faltava a análise de quatro metais importantes — arsênio, mercúrio, bário e cádmio. Não queríamos passar o relatório incompleto, mas, infelizmente, não foi possível conseguir mais recursos em 2017. Por isso decidi, agora em 2018, entregar o relatório, mesmo incompleto.
Essa foi a história de como fizemos essa pesquisa. Basicamente, o estudo foi feito por uma hipótese de que essa população estaria sujeita à contaminação por metais tóxicos advindos da água de consumo. O estudo que fizemos constatou essa contaminação da água.

IHU On-Line — A contaminação da água extrapola a região do Polo Industrial?

Simone Pereira — Sim. Nós fizemos coleta na Trambioca, que é uma ilha. Aqui tudo é perto, na verdade, de Belém a Barcarena são 20 quilômetros em linha reta, de Belém à Vila do Conde são cerca de 40 quilômetros, onde está o Polo Industrial e onde estão localizadas as grandes empresas, tanto na Vila dos Cabanos quanto em Vila do Conde, que são aglomerados urbanos longe de Barcarena. Então, as empresas foram se instalando, as pessoas ali morando, e as comunidades tradicionais permaneceram. Essas pessoas nunca foram remanejadas de lá.

Além das populações tradicionais, houve invasões na área, o que aumentou ainda mais o problema. Isso porque tem indústria num lado, com uma bacia de deposição de rejeitos ácidos, como é o caso da bacia da Imerys, e, no outro lado da rua, a comunidade vive. Ou seja, a bacia — que rompeu em 2007 — é dividida apenas por uma estrada. Em 2007, quando rompeu a bacia e tivemos aqui a “mini Mariana”, foram mais de 460 mil litros de rejeitos e efluentes ácidos que foram para os rios, que ficaram brancos.

IHU On-Line — Como o vazamento da bacia de rejeitos em 2007 foi resolvido?

Simone Pereira — Não foi resolvido. Foi feito Termo de Ajustamento de Conduta - TAC de 10 milhões de reais entre a empresa e o Ministério Público Estadual, e foram tomadas algumas medidas depois que rompeu a bacia. Para se ter ideia, foram obrigados pelo TAC a fazer a impermeabilização da bacia, que nem isso tinha. Veja: as bacias da Imerys não eram impermeabilizadas. A empresa já tinha três bacias de sedimentação e nenhuma delas era impermeabilizada.
 
Comunidade afetada pelo vazamento na barragem de rejeitos da mineradora Hydro Alunorte. (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)

Então, provamos que os poços da área estavam todos com o PH extremamente ácido e também com a presença de bário, que é o elemento que rastreia o caulim. Isto é, se vemos bário alto, sabemos que houve despejo de caulim. A empresa foi obrigada a colocar um tratamento de efluentes, mas só para a correção de PH e turbidez. O problema é que percebemos que não há uma efetividade desse controle de efluente.

Agora não está mais sendo jogado no Curuperé, que era um pequeno igarapé que tinha sua nascente dentro da área da empresa, na bacia 1. Tudo era jogado nesse local, que já estava morto, e também no rio Dendê, que eram os dois rios mais afetados da região. Esses dois rios são afluentes do rio Pará, o grande rio que abastece e contribui para a formação da Bacia do Guajará e do rio Guamá, que acaba abastecendo a cidade de Belém. Quando foram despejados esses 460 mil litros de rejeitos ácidos nesses rios, não houve no TAC o cuidado de obrigar a empresa a recuperar os rios. Portanto, tudo o que foi lançado nesses rios está lá até hoje, há mais de 11 anos. 

IHU On-Line — Que acidentes ambientais aconteceram na região entre 2015 e 2017? Quais são os empreendimentos que atuam na região?

Simone Pereira — Nós temos muitos problemas ambientais na área de Barcarena. Mas os problemas ambientais, a maior parte deles, são causados por duas empresas basicamente: a Hydro Alunorte, que processa a bauxita e é a maior indústria de alumínio do mundo — a produção gera em torno de seis milhões de toneladas de alumínio por ano e, em um cenário otimista, a cada tonelada de alumínio produzida eles produzem uma tonelada de rejeito tóxico; e a Imerys, que recebe, através do mineroduto, o caulim, o qual é extraído em Ipixuna do Pará. Esse material vem pelo mineroduto, é processado, sofre branqueamento pelo uso do ácido sulfúrico e esse rejeito ácido é depositado junto com os efluentes em bacias — a Imerys já tem cinco bacias. Além da Imerys, tem também a Pará Pigmentos, que tinha duas bacias. A Imerys acabou comprando a Pará Pigmentos, tornando tudo uma só empresa, de capital francês, que usa essas bacias para fazer depósito de rejeitos.

O problema dessas duas empresas aqui é a chuva. Elas foram pensadas para uma situação normal de chuvas, então quando tem um inverno mais rigoroso não é possível dar vazão ao tratamento de efluentes. As estações de tratamento de efluentes são subdimensionadas, não tem condições de receber volumes grandes de chuva. Com isso, há o despejo desses efluentes diretamente no rio, sem tratamento algum. Nenhuma das duas empresas faz retirada de metais tóxicos, elas só fazem controle de PH e turbidez. Para esses controles, acabam adicionando substâncias propaladoras e fazem a adição, no caso da Imerys, de soda cáustica, e, no caso da Alunorte, de ácido clorídrico. Uma neutraliza a soda cáustica e a outra neutraliza o ácido sulfúrico.

O problema é que, quando vem a chuva, esses rejeitos, juntamente com o efluente, acabam no rio. Sempre recebemos denúncias da comunidade. Eles fazem fotos da praia que, às vezes, está ou branca ou vermelha. Então, já sabemos o que é quando aparecem essas manchas vermelhas no rio Pará, porque aqui nossas águas são brancas — barrentas — e qualquer alteração é visível pelo pescadores e ribeirinhos.

Falhas de órgãos reguladores

Alunorte e a Albras têm o Estudo de Impacto Ambiental - EIA e seu respectivo Relatório de Impacto Ambiental - Rima, e é até possível acessar por meio da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e ver as áreas de atuação e influência da empresa. Mas a Imerys não tem EIA-Rima. É bem difícil entender uma situação dessas: uma empresa que vai produzir milhares de litros de efluentes tóxicos, no caso com bário, corrosivo e também outros metais, se instalar em um lugar próximo a um rio sem qualquer estudo de impacto ambiental. Eles dizem que tem, mas não apresentam. Gostaria de saber o que essa empresa colocou no EIA-Rima sobre o tratamento desse efluente, que só foi começar a ser tratado a partir de 2007 quando houve o rompimento da bacia três. Lembrando: não é tratamento para metais, é tratamento somente para a correção de PH e turbidez.

 Impactos no ambiente e na população

A partir do momento em que essas empresas se instalam, em 1996, começam a acontecer problemas. Eu estou naquela área desde a década de 1980 — antes da instalação dessas empresas — e vi a evolução da degradação ambiental na região. Nunca havia feito exame da população, esse é o primeiro, mas já fizemos análise dos rios, tanto do rio Gurupi quanto do rio Pará. Fizemos um grande estudo, incluindo a foz do Amazonas, e vimos qual era a situação do rio Pará. Hoje, vemos o alumínio em altas concentrações, e está aparecendo arsênio e mercúrio. Outros estudos têm confirmado a presença de chumbo, de cromo.

Portanto, é uma situação de calamidade pública. Mas por quê? Porque essas empresas parecem não ter compromisso com o meio ambiente, nem com as pessoas que moram ao redor da empresa. Vivem só para ganhar dinheiro e, na medida em que acontece qualquer problema extra, a saída é jogar tudo no rio. Foram descobertos vários canais clandestinos, um grande canal que joga milhares de litros de efluentes sem tratamento no rio. Ainda estamos descobrindo outras coisas por denúncias da população, porque as secretarias de Meio Ambiente não veem nada, não localizam nada. Na verdade, quem localiza são as pessoas, pois elas fazem as denúncias e encaminhamos os responsáveis para verificar o que está acontecendo.

O rio contaminado acaba atingindo também o lençol freático, e a maior parte dessas pessoas consome água de poços rasos, que são recarregados no rio. É como se elas estivessem bebendo diretamente do rio. Os moradores reclamam muito que, quando vão tomar banho, acabam com coceira no corpo. Imagine, é soda cáustica e ácido sulfúrico, duas substâncias que temos de um lado e de outro. Com isso, muitas pessoas estão perdendo o cabelo, várias estão com problemas de pele, muitas crianças e idosos estão com a saúde debilitada. É uma situação terrível que está acontecendo aqui e que vem acontecendo ao longo de 20 anos.

Eu costumo falar com a empresa, porque querem associar esse vazamento com o problema da exposição dos metais pelo estudo que fiz. Descaracterizo imediatamente essa afirmação, falo e repito: essa exposição vem de anos, talvez de décadas, além disso não posso afirmar que é apenas por uma rota. Talvez não seja somente por meio da água de consumo — a água de consumo já avaliei e constatei —, pois já analisei o solo e constatei a presença de chumbo e outros metais. Assim como analisei plantas e peixes e encontrei chumbo nos peixes. A situação é de calamidade pública: temos pessoas morando no local que estão totalmente expostas a várias rotas de entrada de elementos tóxicos.

IHU On-Line — Considerando o tipo de empreendimento existente na região, é possível resolver o problema de contaminação da água na região? O tratamento de rejeitos seria suficiente para evitar a contaminação da água?

Simone Pereira — Tenho algumas hipóteses, umas estão se confirmando, outras não. Estão surgindo coisas muito estranhas que precisam ser confirmadas com mais estudos. Esse é um estudo preliminar apenas de avaliação, não é um estudo completo e é preciso mais análises complementares. Assim, na medida em que não temos as respostas definitivas, posso dizer que a empresa tem responsabilidade, pois nunca se viu tanto alumínio e metal tóxico nos rios. Antes, sempre que avaliávamos a presença de chumbo, cádmio, os resultados eram muito abaixo do que o determinado pela legislação. Situação diferente da de hoje.

Como se resolve essa situação? Apenas com tratamento de efluentes não será possível resolver, porque não é só essa questão. Você tem queima de combustível ali e nesses combustíveis também há metais pesados na sua constituição. Na medida que se queima esse combustível, elementos vão para a atmosfera, se combinam com vapor de água, voltam na forma de chuva e acabam contaminando tudo. Ainda não se fala dessa questão da poluição atmosférica, pois a universidade não tem um grupo de pesquisadores que cuidem dessa área. O meu laboratório cuida da parte dos ecossistemas aquático e terrestre e também humano. Mas com ecossistemas atmosféricos não trabalhamos. Então, como responder essas questões? De onde estão vindo? Qual a origem desses elementos tóxicos? São perguntas que precisam ser feitas. Além disso, quais são as indústrias que estão contribuindo para o aporte desses elementos no meio ambiente? Como isso pode ser respondido?

De portas fechadas

As indústrias abriram as portas para a universidade? Infelizmente não. Até nos ameaçam quando tentamos alguma entrada. Às vezes, conseguimos que algum procurador dê ordens para que possamos ir até lá fazer coletas, mas eles dizem que não podemos divulgar os resultados, que as análises devem ser feitas com acompanhamento da empresa, uma série de coisas. E, além do mais, eles não podem produzir provas contra eles mesmos.

IHU On-Line — Como o resultado da sua pesquisa tem repercutido tanto entre as empresas que atuam em Barcarena, quanto no poder público e entre os pesquisadores da área da saúde?

Simone Pereira — Esse relatório está sendo finalizado. Quando fiz esse estudo, achei que teria problema com três elementos: o chumbo, o alumínio e o fósforo, já que outros elementos não apareceram em níveis altos — até apareceram, mas não na média de todas as localidades. Assim, pensei que só teria problemas com três elementos, mas, dos 21 elementos pesquisados, 20 deram acima ou do controle ou das referências mundiais. Agora, estou tendo de discutir cada um deles, e numa área, já que estamos falando de humanos, que é a ecotoxicologia. E essa parte da toxicologia médica é uma área em que não atuo. Estou tendo de ler muita coisa, observar, fazer cruzamentos, por isso esse relatório não está concluído.

Minha intenção é entregar o relatório agora dia 16. Isso para que o Ministério Público possa tomar as providências cabíveis nesse caso. Por isso não há repercussão ainda da entrega do relatório, apenas da entrega dos resultados individuais, que foi feita no dia 2 de abril à população. Minha obrigação é com a população e, depois, com o Ministério Público Federal. Mas só o fato de ter entregado os resultados para a população, sem haver nenhum tipo de apresentação mais aprofundada dos estudos, já teve uma repercussão imensa.
 
Lago contaminado Dona Maria (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)

Também pedi à Secretaria de Saúde que tomasse as providências e, felizmente, foram tomadas. A partir do dia 17 vão começar a coletar exames de sangue das pessoas. Tudo isso mostra a importância de um estudo desses, embora reconheça que seja realizado com uma pequena parcela da população. O laboratório não tem condição de fazer exames em duas mil pessoas como tem, por exemplo, o [Instituto] Evandro Chagas ou a própria Secretaria de Saúde, que inclusive conta com pessoas da área médica que podem auxiliar nas avaliações. Nós, aqui, não temos ninguém da área médica. Somos um laboratório analítico, não temos como analisar as pessoas, ver como elas estão.

Mortes de pessoas que forneceram amostras

Eu descobri que algumas pessoas que participaram desse estudo já morreram. Ou seja, você se esforça para fazer um estudo e percebe que para algumas pessoas isso foi tarde demais. Esse resultado demorou muito para ser entregue e não tem mais jeito. Conseguem compreender a gravidade disso?

É uma situação muito difícil em que não é possível continuar a não ter o tratamento adequado desses efluentes, não ter o controle efetivo dessas emissões atmosféricas, não ter a garantia que essas bacias estão sendo destinadas corretamente. Se abre uma nova bacia como a DRS 2 sem licença de operação. Como isso é possível? Simplesmente a empresa vai lá e faz sua pressão, não tem licença de operação e começa a jogar lama vermelha ali, sem nenhum estudo e numa área que é de proteção ambiental, que tem várias nascentes de rios importantes daquela região. Absurdos são cometidos com anuência das secretarias de Meio Ambiente que permitem que isso ocorra.

Há dois anos eu recebo denúncias de que estão lá fazendo a bacia sem a licença adequada. Isso foi dito e perguntado e a Secretaria de Meio Ambiente [do Estado] disse que não tinha nada a ver com isso, que era a secretaria de Barcarena que tinha dado a licença, enquanto não é atribuição da secretaria do município conceder licença para nenhum empreendimento no Estado do Pará. Quem tem atribuição é a própria Secretaria de Meio Ambiente do Estado. Percebe como as coisas acontecem? Quando o poder econômico se junta ao governo e ao poder político, se começa a ver que as pessoas e o meio ambiente são só detalhes.

“Não consigo compreender como é que entregam a floresta”

Eu sou paraense, eu moro aqui e vivo aqui desde que nasci. E não consigo compreender como é que entregam a floresta, entregam nossos rios ao capital estrangeiro. E isso não é papo de comunista e socialista. Até pode entregar, mas entregue com responsabilidade. Querem vir para cá? Venham, pois precisamos de emprego para desenvolver a região, mas com responsabilidade. Se o desenvolvimento sustentável é utopia, eu não sei, mas as indústrias lucram em torno de 300 milhões de reais por ano na venda desse alumínio. Não é possível que não invistam no tratamento. Uma empresa que tem filiais no mundo inteiro não tem como fazer isso?

Quando nos reunimos com o procurador, dissemos que na Bahia há uma central de tratamento de rejeitos. Chegaram a visitar o Polo Petroquímico de Camaçari e ficaram impressionados, depois vieram e propuseram fazer parcerias para criar algo semelhante aqui, mas não conseguiram fazer nada. Essa indústria não quer. Nunca gastaram um único Real com reparação ambiental e com indenização à população do entorno. Mesmo em 2009, quando ocorreu o grande vazamento, o rio Murucupi ficou completamente vermelho, o rio Pará também. A empresa foi processada e o Ibama aplicou uma multa de 17 milhões de reais. E quanto foi pago ao longo desses anos todos? Nada. Repararam o rio? Não. Indenizaram as pessoas, as famílias que vivem do rio? Não.

Sei de um rapaz que estava no rio na hora do vazamento e que nunca mais ficou bom de saúde, até falecer. Já houve outro vazamento, fora esse crime de lançar efluentes sem tratamento por dutos que estamos descobrindo agora e obrigando a que sejam fechados. Mas eles vão deixar de fazer isso? Não vão. Quando voltar a haver chuvas intensas e a coisa apertar, eles jogarão os dejetos novamente. E não são só esses que descobrimos, tem mais. Até porque a população sempre denuncia outros dutos. O diretor da empresa falou que não sabia. Mas como assim? Como você não sabe que existe um duto por onde você joga o excesso de efluentes? É difícil de acreditar.

IHU On-Line — Deseja acrescentar algo?

Simone Pereira — Estou muito preocupada, porque estou fazendo um estudo da questão do alumínio. Essa substância foi encontrada 27 vezes acima do controle. Tem crianças que estão com índices 300 vezes acima da classificação. Estou fazendo esse estudo sobre o alumínio, que não é um elemento essencial, que não tem qualquer função biológica e que está sendo associado ao mal de Alzheimer. Não há definitivamente um estudo que ateste isso, mas estão apontando para essa questão do sistema nervoso.

Eu, no dia da entrega dos resultados, fiz questão de não olhar nomes, porque muitas daquelas pessoas se tornaram minhas amigas ao longo de 11 anos ali na área. Tem a dona Érica, que vive lá, que tem um filhinho de oito anos de idade e ela fala que ele está caindo. Diz que está de pé e, de repente cai, desmaia. Não é nenhum tipo de doença conhecida, já levou ao médico e não sabe o que é. Ele está com níveis de alumínio 100 vezes acima [do aceitável]. Em estudos específicos, estou verificando que a maior quantidade de alumínio está nos grupos de idosos e crianças. O maior nível de alumínio está numa criança de cinco anos. Esses estudos mais aproximados, quase que estudos de caso, vão ter de ser desenvolvidos.

O chumbo, por exemplo, em 91% da população avaliada está acima do controle. E isso considerando uma população não exposta da Amazônia. Quando se parte para uma população mundial, com estudos que acontecem fora do Brasil, se vê que o nível de chumbo nas amostras de cabelo baixa muito. Aqui, em vez de três vezes acima, se está com seis vezes acima do nível mundial.