"Quando perdemos a capacidade de nos indignarmos com as atrocidades praticadas contra outros, perdemos também o direito de nos considerarmos seres humanos civilizados." ― Vladimir Herzog

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Painel Paulo Freire, obra de Luiz Carlos Cappellano.

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quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Neste tempo de evangélicos em evidência, onde estão os protestantes?

'Não era bem isso que Martinho Lutero havia imaginado'

Estátua de Martinho Lutero. Pixabay
Esta quarta-feira 31, Dia da Reforma Protestante, é bem propícia para refletirmos. No momento, os evangélicos brasileiros, cerca de 29% da população, estão em evidência.

Pesquisa do Datafolha de 25 de outubro indicou que 59% dos evangélicos votariam em Jair Bolsonaro e 26% em Fernando Haddad.

O primeiro pronunciamento de Bolsonaro como presidente da República eleito, no domingo 28, foi antecedido pela palavra e oração do cantor evangélico e senador não-reeleito Magno Malta. Tal destaque a um grupo religioso é fato inédito na história do País.

Este segmento cristão chegou ao Brasil há quase dois séculos e sofreu muitas transformações, em especial com a chegada dos pentecostais, décadas depois.

A identidade “protestante” nunca foi bem afirmada por boa parte desses grupos, que sempre optaram por se denominar “evangélicos”, reforçando disputas religiosas com o hegemônico catolicismo romano.

Lamentavelmente, a história explica que a inserção protestante no Brasil se deu, de forma predominante, em perspectiva sectária, para se diferenciar dos católicos, colocando-se como detentores “do verdadeiro Evangelho”.

Em nossos dias, o segmento é tão amplo e diverso, com uma presença significativa e crescente, que é tarefa difícil nomeá-lo, explicá-lo e agrupá-lo por afinidade. Em tese, teria como raiz comum a reforma protestante e seus movimentos originários. Transformações ocorridas na teologia e no jeito de ser de boa parte dos evangélicos brasileiros enfraqueceram, porém, essa raiz.

A maior herança da reforma, em especial aquela pregada por Martinho Lutero, é a radicalidade da graça. Ou seja, o perdão de pecados é resultado do amor incondicional e gratuito de Deus, e para alcançá-lo é preciso ter fé e não obras.

Esta herança está assentada nas cinco frases: Sola Gratia (Somente a Graça), Solus Christus (Somente Cristo), Sola Scriptura (Somente a Escritura), Sola Fide (Somente a Fé) e Soli Deo Gloria (Glória somente a Deus).

Todos estes cinco princípios representam protesto e oposição aos ensinamentos da então dominante Igreja Católica Romana, que, segundo os reformadores, teria monopolizado os atributos de Deus e os transferido para a Igreja e sua hierarquia, especialmente para o papa.

Deus não pode ser propriedade de um grupo religioso, enfatizavam os reformadores, e a Bíblia deve ser lida nesta perspectiva.

O teólogo luterano alemão do século XX Paul Tillich reconheceu que a dimensão profética, contestatória, protestante é própria do cristianismo, à luz da postura do Cristo.

Para este teólogo, a reforma significou a encarnação deste “princípio protestante”, uma volta às origens do ser cristão. Tillich reconheceu, no entanto, que esse espírito não é propriedade exclusiva dos cristãos, podendo se manifestar em diferentes formas religiosas, culturais e políticas.

No passado da reforma, a aliança dos reformadores com príncipes, latifundiários e burgueses pré-capitalistas europeus comprometeu o caráter profético do movimento.

Isto reforça o fato de o “princípio protestante” ter sido levado adiante por distintos grupos que pagaram até mesmo com a vida o preço deste compromisso de fé, como o reformador Thomas Müntzer na causa dos camponeses na Alemanha do século XVI.

Identificando-se no Brasil mais como “os que têm o verdadeiro evangelho” do que como “profetas que contestam quem quer controlar Deus”, boa parte dos grupos evangélicos se distanciou deste princípio.

A pregação e as músicas que entoam realçam um Deus que age condicionado às ações humanas: pela quantidade das orações, pelo sacrifício que se deve fazer para alcançar as bênçãos (seja por meio de obrigações religiosas ou de ofertas financeiras), como no tempo das indulgências.

A leitura fundamentalista, descontextualizada, tem tornado a Bíblia um livro estéril. O poder e o controle dos líderes religiosos têm sufocado a voz e a ação dos fiéis, com perseguições e exclusões daqueles que manifestam uma compreensão diferente.

A aliança com poderes políticos estabelecidos com base em injustiça, em violência e negação de direitos ou a simples omissão, com desprezo à postura profética e contestatória do Cristo, também marcam esta trajetória dos evangélicos no Brasil. Isto faz esvaecer o protestantismo na sua razão de ser.

Entretanto, é preciso reconhecer e recordar que as sementes do princípio protestante de viver a fé na história foram germinadas no Brasil. Com quem cultua, em comunidade, ao Deus da graça que não faz acepção de indivíduos.

Com aqueles que pagaram com suas vidas o compromisso com a justiça, povoando as prisões das ditaduras militares, resistindo às torturas, enfrentando a morte ou o exílio. Com quem é ativista em várias ações de solidariedade com minorias sociais, dependentes químicos, presos, vítimas de violência.

Como há protestantes nessas frentes em nosso País. Neste processo eleitoral, estes pastores e leigos se colocaram no apoio à candidatura de Fernando Haddad, em consonância com as pautas sociais defendidas.

Ainda que minoritária e não colocada em evidência, uma parcela importante de evangélicos atua na recriação da identidade protestante tão fragilizada em nossas terras.

Eis aí o fascinante poder transformador das crises. É como incentiva a carta aos romanos na Bíblia: “Esperar contra toda a esperança” (4.18).


*Jornalista e doutora em Ciências da Comunicação. É colaboradora do Conselho Mundial de Igrejas. Escreve às quartas-feiras na Carta Capital.


Fonte: Publicado na Carta Capital 


Belíssima reflexão: ‘Os professores’, por Valter Hugo Mãe

Valter Hugo Mãe* destaca-se no panorama da literatura portuguesa pelo carisma e o ecletismo. Escritor, editor e artista plástico, cursou pós-graduação em Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea na Universidade do Porto. Possui livros publicados de poesia, contos e narrativa longa, romances. Em 2007, recebeu o Prêmio Literário José Saramago com o seu segundo romance, O remorso de baltazar serapião.

“Um país que não se ocupa com a delicada tarefa de educar, não serve para nada. Está a suicidar-se. Odeia e odeia-se.” 
Os professores”
(texto em português de Portugal)

Achei por muito tempo que ia ser professor. Tinha pensado em livros a vida inteira, era-me imperiosa a dedicação a aprender e não guardava dúvidas acerca da importância de ensinar. Lembrava-me de alguns professores como se fossem família ou amores proibidos. Tive uma professora tão bonita e simpática que me serviu de padrão de felicidade absoluta ao menos entre os meus treze e os quinze anos de idade.

A escola, como mundo completo, podia ser esse lugar perfeito de liberdade intelectual, de liberdade superior, onde cada indivíduo se vota a encontrar o seu mais genuíno, honesto, caminho. Os professores são quem ainda pode, por delicado e precioso ofício, tornar-se o caminho das pedras na porcaria do mundo em que o mundo se tem vindo a tornar.

Nunca tive exatamente de ensinar ninguém. Orientei uns cursos breves, a muito custo, e tento explicar umas clarividências ao cão que tenho há umas semanas. Sinto-me sempre mais afetivo do que efetivo na passagem do testemunho. Quero muito que o Freud, o meu cão, entenda que estabeleço regras para que tenhamos uma vida melhor, mas não suporto a tristeza dele quando lhe ralho ou o fecho meia hora na marquise. Sei perfeitamente que não tenho pedagogia, não estudei didática, não sou senão um tipo intuitivo e atabalhoado. Mas sei, e disso não tenho dúvida, que há quem saiba transmitir conhecimentos e que transmitir conhecimentos é como criar de novo aquele que os recebe.

Os alunos nascem diante dos professores, uma e outra vez. Surgem de dentro de si mesmos a partir do entusiasmo e das palavras dos professores que os transformam em melhores versões. Quantas vezes me senti outro depois de uma aula brilhante. Punha-me a caminho de casa como se tivesses crescido um palmo inteiro durante cinquenta minutos. Como se fosse muito mais gente. Cheio de um orgulho comovido por haver tantos assuntos incríveis para se discutir e por merecer que alguém os discutisse comigo.

Houve um dia, numa aula de história do sétimo ano, em que falámos das estátuas da Roma antiga. Respondi à professora, uma gorduchinha toda contente e que me deixava contente também, que eram os olhos que induziam a sensação de vida às figuras de pedra. A senhora regozijou. Disse que eu estava muito certo. Iluminei-me todo, não por ter sido o mais rápido a descortinar aquela solução, mas porque tínhamos visto imagens das estátuas mais deslumbrantes do mundo e eu estava esmagado de beleza. Quando me elogiou a resposta, a minha professora contente apenas me premiou a maravilha que era, na verdade, a capacidade de induzir maravilha que ela própria tinha. Estávamos, naquela sala de aula, ao menos nós os dois, felizes. Profundamente felizes.

Talvez estas coisas só tenham uma importância nostálgica do tempo da meninice, mas é verdade que quando estive em Florença me doíam os olhos diante das estátuas que vira em reproduções no sétimo ano da escola. E o meu coração galopava como se tivesse a cumprir uma sedução antiga, um amor que começara muito antigamente, se não inteiramente criado por uma professora, sem dúvida que potenciado e acarinhado por uma professora. Todo o amor que nos oferecem ou potenciam é a mais preciosa dádiva possível.

Dá-me isto agora porque me ando a convencer de que temos um governo que odeia o seu próprio povo. E porque me parece que perseguir e tomar os professores como má gente é destruir a nossa própria casa. Os professores são extensões óbvias dos pais, dos encarregados pela educação de algum miúdo, e massacrá-los é como pedir que não sejam capazes de cuidar da maravilha que é a meninice dos nossos miúdos, que é pior do que nos arrancarem telhas da casa, é pior do que perder a casa, é pior do que comer apenas sopa todos os dias.

Estragar os nossos miúdos é o fim do mundo. Estragar os professores, e as escolas, que são fundamentais para melhorarem os nossos miúdos, é o fim do mundo. Nas escolas reside a esperança toda de que, um dia, o mundo seja um condomínio de gente bem formada, apaziguada com a sua condição mortal mas esforçada para se transcender no alcance da felicidade. E a felicidade, disso já sabemos todos, não é individual. É obrigatoriamente uma conquista para um coletivo. Porque sozinhos por natureza andam os destituídos de afeto.

As escolas não podem ser transformadas em lugares de guerra. Os professores não podem ser reduzidos a burocratas e não são elásticos. Não é indiferente ensinar vinte ou trinta pessoas ao mesmo tempo. Os alunos não podem abdicar da maravilha nem do entusiasmo do conhecimento. E um país que forma os seus cidadãos e depois os exporta sem piedade e por qualquer preço é um país que enlouqueceu. Um país que não se ocupa com a delicada tarefa de educar, não serve para nada. Está a suicidar-se. Odeia e odeia-se.

Autobiografia Imaginária | Valter Hugo Mãe | JL Jornal de Letras, Artes e Ideias | Ano XXII | Nº 1095 | 19 de Setembro de 2012.


Sabia mais sobre o escritor: Fanpage Oficial de Valter Hugo Mãe*

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Manual de defesa para docentes


 
Como se defender?

A Constituição Federal assegura ao educador o direito a liberdade de cátedra, que se resume em sua liberdade de atuação em sala de aula. Portanto, qualquer lei que viole esse direito se torna inconstitucional e portanto não passível de promulgação pelo presidente da República. O art. 205 da CF assegura a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber. O mesmo princípio é reforçado no terceiro artigo da Lei  de N 9.394 – de Diretrizes e Bases Nacional. Portanto, os professores que se sentirem constrangidos, censurados em sala de aula, podem e devem fazer o uso da legislação existente sobre o assunto para salvaguardar seu direito à liberdade de cátedra. De modo que devem buscar ajuda jurídica e proteger seus direitos.
 
A liberdade de Cátedra – ou de ensino – surge no nível constitucional na carta magna de 1934 em seu artigo 155. Posteriormente, na CF de 1946, em seu artigo 168. Reafirmado pela constituição de 1988 – conhecida como a constituição cidadã, o docente tem plena autonomia para escolher os métodos didáticos que respeitem a pluralidade de idéias e a não-discriminação.
 
O que fazer se a sua sala de aula for invadida?:
 
1.Exigir a presença de testemunhas, como a diretora, coordenadora pedagógica e outros docentes da escola. Não saia da sala de aula, para isso basta pedir para um ou dois alunos chamar a presença deles.

Sempre estar munido com o número do sindicato e/ou de um advogado.

2. A entrada de terceiros só pode ocorrer com a autorização prévia do professor, ninguém pode invadir a sala de aula. Se aparecer alguém não convidado simplesmente feche a porta. Caso o invasor force a entrada, disque 190 e acione a polícia. Peça a presença de uma ronda escolar.

3. Caso alguém grave vídeos na sala de aula, o docente pode entrar com processo por difamação, calúnia e uso indevido de imagem. A pena para o crime de difamação é de detenção, de três meses a um ano, e multa.

4. Em caso de ofensas e ameaças diante de alunos, peça para registrarem o episódio, reúna duas testemunhas e acione o advogado do seu sindicato.

5. Ninguém pode entrar no local de trabalho do professor de modo a constrangê-lo ou censurá-lo. Isso configura ameaça e assédio ao servidor público. O que também é passível de pena.

6. O que fazer se publicarem um vídeo te difamando, com uma suposta “denúncia” de doutrinação em sala de aula?

Peça ajuda jurídica ao seu sindicato para denunciar as postagens em redes sociais (Facebook, Youtube e Google tem botões e formulários para denunciar postagens indevidas)

Reunir um grupo de professores que também foram difamados e/ou ameaçados e entre com um processo coletivo pedindo indenização por danos morais.

Envie cartas registradas para a sede do Google e do Facebook, explicando o ocorrido e solicite a retirada do conteúdo do Sr.

Procure veículos de mídia livre e alternativa como a Agência Pressenza, o QuatroV, Outras Palavras, Agência Ponte e Justificando, para dar sua versão do que ocorreu, pois os veículos de mídia tradicional geralmente distorcem e manipulam os fatos.

Os professores não estão desamparados pela lei com relação a posturas fascistas que certos indivíduos podem tomar. Sua liberdade é assegurada em nível constitucional. Ao se depararem com situações onde sua liberdade está ameaçada, tem como recurso a legislação vigente
 
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Fonte: Publicado no Portal do Educador 

Era Bolsonaro começa com exército brancaleone, juiz e astronauta: tem como dar certo?

Jornalista Ricardo Kotscho
Os primeiros movimentos do novo governo eleito no domingo não nos dão a menor esperança de que isso possa dar certo.

Em entrevistas coletivas caóticas em volta da mansão de Jair Bolsonaro, que continua recolhido na Barra da Tijuca, dois porta-vozes se revezam para liberar a conta gotas, no varejão do dia, o que se poderia chamar de “programa de governo”.

Apresentado como superministro da Economia, que englobará Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio, Paulo Guedes, que o presidente eleito chama de “Posto Ipiranga” (ele tem respostas para tudo), anuncia como prioridade aprovar “pelo menos uma parte” da reforma previdenciária de Temer ainda este ano, para enfrentar o rombo fiscal..

Obscura figura do baixo clero, tal como era Bolsonaro até outro dia, Onyx Lorenzoni, deputado do DEM, indicado para a Casa Civil, já discorda, e chama de “porcaria” o projeto que está encalhado no Congresso.

É só uma amostra da bateção de cabeça dos novos donos do poder, um exército brancaleone em que se misturam três filhos parlamentares, um economista megalômano, um suplente de senador, membros das bancadas BBB (Bala, Bíblia e Boi), o desconhecimento da realidade e muitas vaidades, para ver quem tem mais força junto ao presidente eleito.

Entre as novidades até agora apresentadas para formar o elenco, entraram também o juiz Sérgio Moro, que condenou Lula, e o astronauta Marcos Pontes, cotado para ministro de Ciência e Tecnologia, um militar que se tornou garoto propaganda dele mesmo, depois de uma rápida viagem ao espaço.

Moro é esperado no Rio nesta quinta-feira para dar o sinal de positivo a Bolsonaro, que o quer no Ministério da Justiça. Faz todo sentido e não chega a ser uma surpresa.

Fora isso, é o de sempre: procissões de empresários, pastores e parlamentares, levando sugestões de nomes e demandas setoriais, figuras manjadas do velho establishment, tão criticado pelo presidente eleito na campanha.

Entre eles, muitos que estão sendo investigados pela Lava Jato e que agora poderão contar à mesa com a companhia do implacável juiz Moro.

Que o sistema político-partidário vigente desde o advento da Nova República, após o fim da ditadura, estava com o prazo de validade vencido, todo mundo já sabia.

Mas nada indica que a Era Bolsonaro vá mudar alguma coisa para melhor, muito ao contrário. Não corremos esse risco.

Na onda conservadora que varreu o país, elegeram-se vários cacarecos de diferentes tribos, agora ávidos para pegar uma boquinha no governo do capitão reformado, como pudemos ver na noite da vitória durante a reza puxada pelo senador-pastor Magno Malta, outra figura emblemática da nova ordem.

Pelo cheiro da brilhantina, há um clima retrô pairando no ar da Barra da Tijuca, bem a propósito o novo centro do poder, que faz lembrar a Casa da Dinda, de triste memória.

Se não conseguiram até agora nem organizar entrevistas coletivas, podemos imaginar o que nos espera quando eles forem todos para Brasília, com a missão de governar 208 milhões de brasileiros afundados na maior crise política e econômica da nossa história.

Nas mesmas redes sociais que levaram Bolsonaro ao poder, já surgem as primeiras críticas de apoiadores insatisfeitos com o que estão vendo no entorno do eleito.

Esperavam o quê?

Vida que segue.



 

Bolsonaro confirma promessa: Ministério do Meio Ambiente deixará de existir

Sede do Ministério do Meio Ambiente. Foto: OC.
O presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro (PSL), manteve uma das primeiras propostas de campanha e confirmou nesta terça-feira (30) a fusão do ministério do Meio Ambiente com o da Agricultura. O antigo MMA perderá o status de ministério para se transformar em uma secretaria.

O anúncio foi feito por dois futuros ministros já confirmados, o deputado federal Onyx Lorenzoni (DEM-RS), que assumirá a Casa Civil, e o economista Paulo Guedes, que comandará o ministério da Economia, pasta que reunirá os atuais ministérios da Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio.

Na quarta-feira da semana passada (24), o então candidato havia anunciado que estava disposto a reconsiderar a fusão, após receber críticas de representantes de setores do agronegócio, que temem que os produtos voltados para a exportação sejam barrados por causa de questões ambientais, como o desmatamento na Amazônia, por exemplo, que passará agora a ser um problema do novo ministério da Agricultura.

Na ocasião, o presidenciável afirmou que estudaria a proposta, mas não abriria mão de indicar para ministro do Meio Ambiente “uma pessoa que não tem vínculo com o que há de pior nesse meio que nós sabemos”.

No cabo de guerra entre os ruralistas que queriam uma política ambiental mais frouxa versus setores exportadores do agronegócio – que temem o fechamento de mercados –, ganhou o primeiro grupo.

Para o economista Carlos Eduardo Frickmann Young, do Grupo de Economia do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Universidade Federal do Rio de Janeiro (GEMA-UFRJ), a transformação do ministério do Meio Ambiente em secretaria sinaliza uma concepção de estrutura do Estado antiga e divorciada do mundo atual, onde as mudanças climáticas e a noção de sustentabilidade são nortes não só para as políticas públicas, mas para o mercado.

“O custo de uma medida de controle climático na Europa é muito alto. Os países da União Europeia pagam uma taxa elevada se eles emitem acima das metas estabelecidas porque eles percebem o problema climático com grande relevância (...). Como é que eles vão querer lidar com um país que está fazendo justamente o contrário?” questiona.

Ainda segundo o economista, o enfraquecimento da política ambiental no Brasil fará o país perder mercados.

“Restará ao Brasil lidar com os mercados secundários, África, Rússia, países onde não têm essa questão climática [como fator de barreira de mercado]. E no caso norte americano, embora a administração federal norte-americana não esteja preocupada com isso, nenhuma empresa vai querer uma manifestação de ativistas na porta da sua loja em Nova York porque aquele produto que está sendo vendido pela loja foi associado à perda da biodiversidade, ao aumento da mudança climática ou ao desaparecimento dos povos indígenas”.

A ideia é partilhada pela ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que afirmou no twitter que a fusão será um triplo desastre. “Essa decisão desastrosa trará graves prejuízos ao Brasil e passará aos consumidores no exterior a ideia de que todo o agronegócio brasileiro sobrevive graças a destruição das florestas, atraindo a sanha das barreiras não tarifárias em prejuízo de todos”, disse.

Transformar a poluição do ar e o desmatamento em um problema do ministério da Agricultura tornará o produto exportado brasileiro muito frágil a campanhas negativas. Ainda segundo Carlos Eduardo Frickmann Young, o exportador brasileiro terá que investir pesado em certificação ambiental e em campanhas publicitárias para que seu produto consiga se livrar da pecha de desmatador. “Os custos serão altos. Será que os benefícios da expansão da pecuária de baixa produtividade, de expandir as áreas, principalmente de pecuária, que são os grandes beneficiários com a expansão do desmatamento, vai compensar isso aí?”, provoca.

Ambientalistas se manifestam

No início da noite, o Observatório do Clima publicou nota afirmando que a decisão sobre o fim do ministério do Meio Ambiente representa “o início do desmonte da governança ambiental do Brasil”.

“Submete o órgão regulador ao setor regulado. Ignora que o patrimônio ambiental único ao Brasil é um ativo, e não um passivo, que também demanda uma estrutura única de regulação. Também deixa claro que pretende cumprir cada uma das ameaças que fez durante a campanha ao meio ambiente e aos direitos difusos: enfraquecer o Ibama e o Instituto Chico Mendes, não demarcar mais um centímetro sequer de terras indígenas, acabar com todo tipo de ativismo e facilitar o acesso a armas de fogo por proprietários rurais”, afirma a nota.

A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura – grupo que reúne representantes do agronegócio, das entidades de defesa do meio ambiente, da academia e do setor financeiro – afirmou, em nota, que a união dos ministérios “pode pôr em xeque um necessário equilíbrio de forças que precisa ser respeitado no âmbito das políticas públicas”, já que se trata de um órgão regulador, o ministério do Meio Ambiente, que ficará submetido a um setor regulado.

“Nos últimos anos, a Coalizão Brasil tem trabalhado junto a esses ministérios com o objetivo de contribuir para a sinergia e complementariedade das políticas públicas dessas pastas. Ambas as agendas (meio ambiente e agricultura) são fundamentais para garantir o balanço entre a conservação ambiental e a produção sustentável e devem ter o mesmo peso na tomada de decisão do governo”, afirma o grupo, que informa estar “à disposição do governo eleito para apresentar em mais detalhes os riscos envolvidos nessa fusão, assim como apresentar as inúmeras oportunidades que o país tem ao usufruir de uma economia de baixo carbono”.

Criado em 1992, durante o governo Collor, o ministério do Meio Ambiente (MMA) é responsável por formular e implementar políticas públicas ambientais nacionais. O ministério possui três autarquias e uma agência:
  • O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), responsável pelo licenciamento de grandes obras e por fiscalização de infrações ambientais;
  • O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável pela gestão de Unidades de Conservação  federais e pela conservação de espécies ameaçadas;
  • O Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro (IBJB), responsável pela coordenação da Lista de Espécies da Flora do Brasil e pela avaliação de risco de extinção destas espécies;
  • E a Agência Nacional de Águas (ANA), dedicada a fazer cumprir os objetivos e diretrizes da Lei das Águas do Brasil.
Ainda não se sabe o que acontecerá com cada autarquia na nova composição ministerial.
  


 

Ciro vai ter que decidir entre a lata de lixo da história ou a reciclagem

Publicado originalmente no perfil de Facebook do autor
Ciro Gomes. (foto: Mauro Pimentel/ AFP)
Em entrevista na Folha de hoje, Ciro Gomes se mostra em toda sua grandeza. Não basta uma lupa para vê-lo, é preciso um microscópio eletrônico. O governo eleito e a ameaça que ele encarna não o ocupam; sua energia está toda voltada contra o PT. Não está minimamente preocupado com a resistência democrática; seu projeto para o Brasil começa e termina na sua candidatura. O destempero verbal é tamanho que um homem da dignidade de Leonardo Boff é chamado de “um bosta”, porque ousou criticá-lo.

Não consigo entender qual sinal dos céus deu ao Ciro a certeza de que ele tinha o direito divino de ser o candidato da esquerda das eleições deste ano. Ele foi candidato, legitimamente, mas a vaga no segundo turno foi dada – pelas urnas! – a Fernando Haddad. Felizmente, eu diria. Haddad cresceu enormemente na campanha. E Ciro, como mostrou seu comportamento após a derrota no primeiro turno, realmente não tinha estofo para assumir esse papel.

É possível fazer a crítica – legítima e mesmo necessária – ao PT sem abrir mão da unidade necessária na resistência. É claro também que ninguém espera que essa unidade seja perfeita e sem atritos, mas há um abismo entre trabalhar para que as diferenças sejam respeitadas sem sabotar o trabalho comum ou usá-las para tentar marginalizar parceiros e obter uma liderança de proveta.

Como falei antes, a linha divisória principal é entre aqueles que criticam o PT a partir de um ponto de vista programático, como é o caso do PSOL, e aqueles que estão preocupados apenas com suas ambições pessoais. O PSOL vai ter que lutar para manter sua independência num momento de luta conjunta em que o PT é, de longe, a força mais forte. Tenho certeza de que conseguirá, pela qualidade política de seus quadros. Já Ciro vai ter que decidir se passa à lata de lixo da história ou se tem chance de reciclagem.


*Professor de ciência política da UnB.