Quando analisei o processo de
escrita da primeira edição do livro A elite do atraso, em maio de 2017, o
Brasil já entrava de maneira decidida no ciclo pós-golpe de 2013-2016. o
governo Michel Temer, a serviço precisamente da elite do atraso, passava a vender
as riquezas nacionais e a precarizar as condições de trabalho da população com
o ataque à CLT, a Consolidação das Leis do Trabalho. As consequências vieram
rapidamente: empobrecimento geral da população, abandono dos serviços públicos
e alto desemprego. Como denunciado no livro, a sociedade continuava sendo
induzida pela grande imprensa a perceber todo o processo de saque das riquezas
nacionais, da rapina do orçamento público e, consequentemente, da diminuição do
poder de compra da população como produto apenas da “corrupção dos tolos” – a
corrupção do estado e da política.
Vale lembrar, para o leitor
mal-intencionado ou especialmente das intenções de votos de Lula. Terminado o
pleito, Bolsonaro eleito, Sérgio Moro receberia como prêmio ao seu “trabalho” o
cargo de superministro das atividades repressivas.
Ainda que o candidato com
pregação fascista não tenha sido o preferencial da elite do atraso – o conjunto
dos proprietários sob comando do rentismo internacional –, o fracasso dos seus
candidatos “o ciais”, como Geraldo Alckmin, por exemplo, jogou toda a elite nos
braços de Bolsonaro. Afinal, o fascismo sempre foi o “plano B” dos
proprietários que só pensam no próprio bolso em todos os casos históricos
relevantes. Mesmo que a alternativa fosse uma simples social-democracia leve e
superficial como a incorporada pelo Partido dos Trabalhadores.
O que explicaria o fato de a
maioria da nossa sociedade, sob o pretexto de evitar a chegada de um suposto
ladrão à presidência, votar num candidato que faz a apologia do assassinato e
da tortura de opositores? Quem, em sã consciência, poderia julgar como um
argumento moralmente válido subordinar o suposto roubo ao assassinato? Como
compreender que toda uma sociedade e suas crenças sejam postas de cabeça para
baixo? Como explicar, enfim, o que parece inexplicável?
A verdadeira elite brasileira,
que é a do dinheiro, que manda no mercado e que “compra” as outras elites que
lhes são subalternas, criou o bode expiatório da corrupção só da política, como
vimos anteriormente, para desviar a atenção de sua corrupção disfarçada de
legalidade. Toda a sociedade tomou doses diárias desse veneno destilado pela
mídia, pelas escolas e pela universidade e viu, imbecilizada, como não podia
deixar de ser, uma meia dúzia de estrangeiros e seus capangas brasileiros
tomarem seu petróleo, sua água, suas terras, seus recursos. Em nome da
moralidade, do combate à corrupção e pelo suposto “bem do povo brasileiro”,
roubaram tudo o que puderam e nos deixaram muito mais pobres.
Essa corrupção que se realiza
agora de “verdade”, quantitativamente, sem nenhum exagero retórico, é
literalmente milhares de vezes maior que toda a corrupção política da história
brasileira somada. Por sua aparência de legalidade, não chamamos de corrupção
quando bancos e corporações compram 400 deputados venais para assinar o que
eles querem, não é mesmo? só um imbecilizado pensaria que o mero procedimento,
aparentemente legal, é mais importante que o resultado concreto do saque.
Imbecis: é isso que nos tornamos quando acreditamos no engodo do suposto e
seletivo combate à corrupção da política como solução para as nossas mazelas.
Este livro foi escrito
precisamente com o intuito de esclarecer a gênese deste processo histórico de
dominação simbólica de toda a sociedade brasileira pela elite do saque e da
rapina – legitimada e tornada invisível pelo embuste do combate à corrupção só
do estado e da política. Nesse contexto, a massa da classe média e suas frações
mais conservadoras, infelizmente, amplamente majoritárias, acabam por dar vazão
ao ódio aos pobres ao mesmo tempo que são exploradas pelo saque rentista. Se a
elite eterniza seu acesso aos cofres públicos como coisa sua, assalto que sua
imprensa comprada comemora como vitória da “austeridade” contra o “populismo”,
a classe média quer a garantia de que o povo continue como sempre foi: pobre,
humilhado e obediente.
A classe média não quer só
ganhar mais que os pobres. Ela também quer se deliciar com o prazer sádico e
covarde que antes era apanágio do senhor de escravos: o gozo da humilhação
contra quem não tem defesa e precisa aturar calado a piada, o abuso, o insulto,
a humilhação sob todas as suas formas. Não é apenas a revolta – mesquinha, mas
racional – contra o acesso dos pobres à universidade e por vê-los competir pelo
bom emprego. É a raiva também de que o pobre possa usar o mesmo avião e comprar
a mesma roupa no mesmo shopping center, ainda que a 24 prestações no cartão de
crédito com juros abusivos. É a raiva por perder a empregada, aquela que é
abusada de mil formas, e os trabalhadores sem qualificação, aqueles que não têm
outra opção senão vender sua força de trabalho a qual- quer preço e sob
qualquer condição. é desse modo que a escravidão e o ódio ao escravo, agora
atualizado como ódio ao pobre, continua no âmago do nosso cotidiano.
Mas se a ampla maioria da
classe média sempre foi implicitamente fascista no seu comportamento prático em
relação aos pobres, como explicar o avanço do fascismo entre os próprios
pobres? É preciso lembrar que esse é um fenômeno historicamente recente. o
fascismo nasce, como no exemplo do italiano, a partir de uma dissidência do
movimento operário socialista. É a oposição entre o internacionalismo clássico
do movimento dos trabalhadores e o advento do nacionalismo operário que acaba
por dividir a classe trabalhadora, fazendo surgir essa espécie brutalizada de
reação dos dominados.
Todo fascismo é, portanto,
reflexo de uma luta de classes truncada, percebida de modo distorcido e, por
conta disso, violento e irracional no seu cerne. Na sua base está a manipulação
de emoções que geram agressividade, como medo, raiva, ressentimento e ansiedade
sem direção, sempre com fins de manipulação política. A incompreensão racional,
por parte da população, de processos políticos complexos é utilizada para a
construção de bodes expiatórios, um modo historicamente e ciente de canalizar
frustração e ressentimentos sociais. A marginalização de grupos minoritários e
a violência aberta e disseminada, contaminando a sociedade como um todo, são as
consequências inevitáveis de todo fascismo.
Depois da tragédia do
nazifascismo europeu, imaginou-se, durante um bom tempo, que o mundo estaria
livre de ideologias que pregam abertamente o racismo e o ódio indiscriminado.
No mundo atual, no entanto, seja em países desenvolvidos, seja em países
periféricos, a ameaça de uma nova forma de política do ódio, muito semelhante
em vários aspectos ao fascismo clássico, é um perigo cada vez mais iminente.
Por isso, é crescentemente urgente compreendê-lo de forma adequada. Essa
compreensão tem que sair dos meios acadêmicos restritos e ganhar a esfera
pública. O pano de fundo é semelhante em todos os casos, mas a forma assumida é
sempre particular em cada sociedade.
O contexto geral do
neofascismo contemporâneo parece resultar do processo de desenraizamento
político e social dos indivíduos provocado, na esfera política, pelas mudanças
do capitalismo financeiro, hoje dominante. Por meio de uma política consciente
que destruiu ou enfraqueceu sindicatos, partidos e a capacidade associativa em
geral – muito especialmente das classes populares –, o capitalismo financeiro
cria o isolamento individual como marca da sociedade contemporânea. Isolado, o
indivíduo não apenas pode ser explorado, trabalhar mais ganhando menos, sem
direitos trabalhistas. Acreditando-se “empresário de si mesmo”, ele é deixado
politicamente sem defesa. Pior ainda, é também cada vez mais dominado pela
propaganda neoliberal que diz que as vítimas do desemprego e do subemprego
precário, produzidas por um sistema econômico concentrador e improdutivo, são,
elas próprias, as culpadas pelo próprio infortúnio. Esse indivíduo isolado e
indefeso é assolado por uma agressividade que não compreende e, desse modo, ele
ou dirige contra si próprio a raiva que sente por sua própria pobreza e
privação ou a canaliza contra bodes expiatórios construídos para este m. o caso
brasileiro é paradigmático neste sentido. Uma multidão de desempregados e
subempregados empobrecidos ao longo de anos de política em favor do rentismo
nacional e internacional passa a ter a opção de dirigir sua raiva e seu
ressentimento contra si mesma – quando não se entrega, como é comum, ao
alcoolismo e à depressão – ou contra bodes expiatórios socialmente aceitáveis.
Os “belgas”, ou seja, a elite
do atraso e a alta classe média “europeizada”, que se veem como estrangeiros na
própria terra, oprimiram o “Congo”, ou seja, o próprio povo, e o reduziram à
pobreza e à ignorância. Se transformou em ódio ao pobre o ódio ao escravo negro
– eternizado nas classes populares de hoje, majoritariamente mestiças com escolaridade
precária e condenadas ao trabalho desqualificado e semiqualificado. Essa é a
base primeira de todo o ódio e o ressentimento reprimidos e recalcados que são
o núcleo da sociedade brasileira contemporânea.
A ascensão do Partido dos
Trabalhadores a partir dos anos 1980, com todas as suas limitações, foi uma
inflexão importante no processo de organização popular. Com o golpe de
2013-2016, a reação conservadora veio primeiro de cima, da alta classe média
nas ruas, da sistemática corrosão de valores democráticos diariamente
perpetrada pela imprensa, da cooptação do STF e, por consequência, da
destruição da ordem constitucional.
Foi dito a este povo que a
corrupção política havia sido a causa do nosso empobrecimento. Entretanto,
quando a corrupção dos partidos de elite fica óbvia a todos sem ser reprimida,
todo o sistema perde representatividade. o golpe de misericórdia foi a prisão
injusta do líder das classes populares desmobilizadas. Com base em um processo
de aparência, o ex-presidente Lula foi impedido de participar das últimas
eleições. Naquele momento, o último elo de expressão racional da revolta
popular foi cortado.
Abriu-se a partir daí a porta
para a revolta agora irracional das massas. A ascensão do líder com pregação
abertamente fascista, Jair Bolsonaro, defensor da ditadura militar, do racismo,
da tortura e do assassinato de opositores como arma política, só pode ser
compreendida neste contexto. O próprio fato de, no governo do Partido dos
Trabalhadores, dezenas de milhões de marginalizados terem a experiência do
acesso à educação superior e ao consumo de massa, além da expansão de direitos
para negros, mulheres e gays, causou violenta reação autoritária. Primeiro, de
parte da elite e da alta classe média, evidenciada pelo desprezo e pelo ódio ao
pobre que caracteriza qualquer sociedade marcada pela escravidão. Depois, pela
ação de fake news em escala industrial no período eleitoral. As necessidades
emocionais de um povo tornado pobre e ignorante por sua elite são
impiedosamente estimuladas por 400 mil robôs em um tipo de guerra suja já
utilizada para a eleição do presidente americano Donald Trump. Quando da onda de
protestos das mulheres brasileiras sob a bandeira do #EleNão, em todas as
grandes cidades do país, contra um candidato abertamente misógino que se diz
defensor da subordinação das mulheres, as fake news foram utilizadas para
construir mentiras que mudaram o panorama eleitoral a favor do candidato
fascista também nas classes marginalizadas e pobres.
Os protestos sob as palavras
de ordem “ele não”, majoritariamente compostos pelas mulheres da classe média
mais crítica e engajada, possibilitaram a cooptação do voto feminino das
classes populares, última cidadela contra a “ética da virilidade” do fascismo
popular. Antes disso, o candidato fascista tinha rejeição ampla do voto
feminino nessas classes. Aqui entra em cena o que há de mais sujo na política
das fake news e da mentira institucionalizada. analistas de ultradireita da
campanha fascista, que perceberam as consequências do isolamento político dos
indivíduos que o capitalismo financeiro representa na esfera política, se
aproveitaram impiedosamente desse fato para opor mulheres emancipadas da classe
média contra as mulheres pobres e evangélicas, por meio da fusão de imagens
reais da passeata com imagens de outros atos, como travestis quebrando santos,
mulheres sem blusa, etc. Afinal, para quem é pobre e humilhada, o ganho
emocional proporcionado pela distinção moral construída artificialmente em
relação a mulheres supostamente “indecentes”, por meio de mentiras que não
podem ser desmentidas, se torna irresistivelmente sedutor. É uma “vingança de
classe” – obviamente distorcida e contra a fração errada da classe média – que
acaba por funcionar como uma válvula de escape contra a pobreza e a humilhação
vividas diariamente por essas mulheres.
Como já discuti em um livro
anterior, a partir de pesquisas empíricas realizadas com os segmentos mais
pobres da sociedade brasileira, a oposição “pobre honesto” versus “pobre
delinquente” dificulta enormemente qualquer solidariedade de classe entre os
mais pobres e marginalizados entre nós. o “delinquente” é percebido como o
“bandido”, no caso do homem, e a “prostituta”, no caso da mulher. Todas as
famílias das classes marginalizadas são esgarçadas por essa oposição cuja
sombra se derrama sobre todos. A importância de líderes políticos que as
representem a partir de cima e busquem diminuir a importância dessa contradição
interna de classe com uma política pelos interesses de todos os pobres advém
precisamente desse fato que comprovamos empiricamente em nosso estudo sobre os
marginalizados brasileiros. É isso que o ex-presidente Lula representava. Sem
isso, a porta fica aberta para a guerra de classe entre os próprios miseráveis,
divididos entre os supostos honestos e supostos delinquentes.
É nesse contexto que a “ética
da virilidade”, entendida como a ética dos que não têm ética, reina absoluta. O
fascismo arregimenta a partir de cima os ressentimentos, medos e ansiedades sem
explicação possível e os canaliza a bodes expiatórios. o sentimento antes
disseminado pela grande imprensa contra o Partido dos Trabalhadores como covil
da corrupção é apenas o mais óbvio. Mas todo fascismo usa e abusa da
sexualidade reprimida das classes populares. A homossexualidade, que não pode
ser admitida no sujeito, é canalizada em selvagem agressão externa; o ódio à
mulher percebida como ameaça, e não como parceira, provoca uma agressiva
regressão a padrões primitivos de relações de gênero. O pobre não é apenas
pobre. Ele é humilhado e dominado por valores construídos para subjugá-lo. Isso
confere ao fascismo enorme capilaridade e contamina a vida familiar e relações
de vizinhança em todos os níveis da sociabilidade popular.
O que os pobres precisariam
saber é por que eles ficaram mais pobres. Caso contrário, a raiva e a
frustração em estado puro iriam, como foram, inevitavelmente, desaguar no
primeiro bode expiatório socialmente legitimado. Primeiro o PT, criminalizado e
estigmatizado como todas as organizações populares no Brasil. Mas também os
gays, os negros, os índios, as mulheres, os nordestinos e todos que possam se
tornar presas fáceis de uma agressividade sem direção. Os mecanismos opacos da
dominação financeira, sejam os de mercado, como os juros escorchantes embutidos
em tudo que compramos, sejam as formas estatais de apropriação do orçamento
público como uma dívida pública fraudulenta e nunca auditada, precisam ser
conhecidos e debatidos amplamente. Essa grande corrupção legalizada precisa ser
tornada conhecida. Se isso não acontecer, o velho espantalho da corrupção
política irá inevitavelmente ocupar o seu lugar. O erro da esquerda, que
condicionou sua derrota eleitoral, foi precisamente este.
A espantosa falta de
inteligência dos dois principais candidatos da “esquerda” nas últimas eleições
foi, precisamente, não terem percebido o elo constitutivo entre o
empobrecimento geral da população e sua transfiguração em limpeza moral a
serviço do interesse geral. Simplesmente não foi revelado à população
empobrecida e, portanto, legitima- mente raivosa e ressentida com seus
representantes, o elo causal que teria permitido compreender a ligação entre o
aumento do desemprego, da violência e da pobreza e o embuste da estratégia
legitimadora elitista. Ambos defenderam a operação Lava Jato e apenas
criticaram “abusos menores”. Isso em relação a uma operação de suposto combate
à corrupção que literalmente blindou o sistema financeiro – a origem real da
corrupção tanto ilegal quanto legalizada –, os órgãos da mídia venal e o poder
judiciário como um todo. Além disso, se concentrou, seletivamente, na
perseguição sem provas a líderes populares, como Lula, e no combate de fachada
aos meros “operadores” de esquemas legais e ilegais de apropriação do estado
pelos donos do mercado.
Desde o fim da República
Velha, o moralismo postiço do suposto combate à corrupção, elevado ao status de
interpretação dominante do país, e a criminalização seletiva da política, do
estado e da soberania popular servem à eternização desse modelo e seus dois
fundamentos principais: tornar o orçamento do estado um banco particular da
elite; criminalizar sob todas as formas a soberania popular. Este bode
expiatório da corrupção apenas da política, que detém seu quinhão de verdade –
ou não enganaria ninguém – serve para tornar literalmente invisível a corrupção
legalizada do mercado.
Um exemplo concreto ajuda a
tornar compreensível o embuste. Ninguém em sã consciência deixaria de achar
condenável a rapina pessoal do ex-governador Sérgio Cabral e seus 280 milhões
de reais desviados e descobertos pela operação Lava Jato. No entanto, a
população do estado do Rio de Janeiro ficou mais pobre não por conta desses
desvios. é um ato recriminável, sem sombra de dúvida, e merece punição
exemplar. Mas o que empobreceu de fato o estado do Rio de Janeiro foi a propaganda
da imprensa venal associada à Lava Jato na campanha de criminalização da
Petrobras, empresa de cujos royalties o estado inteiro dependia. Não apenas o
Rio de Janeiro precisava deles para obras de infraestrutura geradoras de em-
prego e pagamento de serviços públicos, como o país como um todo dependia da
capacidade de investimento da Petrobras, que chegou a representar mais de 50%
do investimento público nacional.
A perda aqui é na escala de
centenas de bilhões de reais todos os anos, montante suficiente para empobrecer
e desempregar, efetivamente, populações inteiras. a superfície aparentemente
legal desse expediente permite tornar invisível a histórica expropriação
elitista das riquezas nacionais e ainda culpar convenientemente um bode
expiatório. Legitimada, a patranha elitista pode ser eternizada séculos a o sem
reação e sem denúncia. Estigmatizada e criminalizada enquanto empresa, a
Petrobras está prestes a ser vendida a preço de banana, tal como acontece em
todo saque privado às riquezas públicas desde que o Brasil é Brasil.
Ao entrevistar recentemente,
para meu último livro, A classe média no espelho, ex-engenheiros da Petrobras
que perderam o antigo emprego e se transformaram em motoristas de Uber, todos
me disseram que a culpa de sua desgraça pessoal seria da “política” e do
“Cabral”. Foi o que aconteceu com a população brasileira como um todo. a
invisibilidade desse processo é obviamente ainda maior nas parcelas mais pobres
da população.
Quando a esquerda não denuncia
este esquema elitista e, ao contrário, o legitima e valida expressamente, no
elogio a Moro e à Lava Jato, me pergunto como pretende não só ganhar eleições,
mas também esclarecer a sua população sobre as causas reais de sua desventura e
exploração? Neste contexto, imaginar que a oposição abstrata entre democracia e
fascismo – quando a maioria do povo já vive um “fascismo prático” de violência
e exclusão – pode criar comoção e simpatia para sua causa, sem explicar as
causas da pobreza real, é de uma ingenuidade atroz.
*posfácio do livro A elite do atraso
“Com o tempo, uma imprensa
cínica, mercenária, demagógica
e corrupta formará um público
tão vil como ela própria.” Joseph Pulitzer
*Jessé Souza é graduado
em direito e mestre em sociologia pela Universidade de Brasília, a UnB, doutor
em sociologia pela Universidade de Heidelberg, na Alemanha, e fez pós-doutorado
em psicanálise e filosofia na New School for Social Research, em Nova York. É
autor de mais de 20 livros e de artigos e ensaios em vários idiomas. Entre seus
maiores sucessos, se destacam A tolice da inteligência brasileira, A radiogra a
do golpe, Subcidadania brasileira e A elite do atraso (LeYa); A ralé brasileira
(Contracorrente); e Os batalhadores brasileiros (Editora UFMG). Atualmente é
professor titular de sociologia da Universidade Federal do ABC.