'Uma interpretação do presidente brasileiro a partir da livre
análise de textos de Umberto Eco'
*Por Marcos Coimbra
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(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil) |
No debate político é
importante dar nome às coisas. E dar-lhes o nome correto. Afirmar que Bolsonaro
é fascista é ir além de dizer que se trata de um conservador, um reacionário ou
um governante de direita. Isso ele é, mas é perfeitamente possível ser
direitista e não ter afinidade com o fascismo. Muitos políticos de direita
foram e são antifascistas. Tampouco significa que é um autoritário no plano
ideológico e capaz de atitudes e comportamentos violentos. Sempre foi assim,
como demonstrou ao longo da vida, por meio de palavras e gestos, mas não se
trata desse aspecto aqui.
Há governantes autoritários que não são
fascistas. Em nossa história, tivemos chefes de governo autoritários que não o
eram, entre eles os militares ocupantes do poder de 1964 em diante.
Autoritarismo e fascismo podem até ser próximos, mas são diferentes.
Em seu uso atual, as expressões
fascismo e fascista adquiriram sentido amplo, maior do que aquelas que designam
fenômenos políticos e ideias até semelhantes, como o nazismo, o salazarismo e o
franquismo. Estes, contudo, são conceitos de aplicação específica e referem-se
a casos históricos particulares, enquanto o fascismo alude a algo além de
Mussolini e da experiência italiana.
Não seria, portanto, correto
dizer que Bolsonaro é nazista. Pelos mesmos motivos e em que pese o fato de ele
compartilhar a noção de supremacia branca ou a idolatria das armas de fogo, não
caberia dizer que é um adepto da Ku Klux Klan ou integrante da Associação
Nacional do Rifle americana. Um dia, quem sabe, chega lá.
Como afirmou Umberto Eco em um texto de 1995, intitulado “Ur-Fascismo”
e publicado na New York Review of Books, a
possibilidade de uso amplo do conceito de fascismo decorre de uma das
características mais importantes do fenômeno histórico: a imprecisão,
indefinição ou falta de nitidez.
Não há um fascismo único, mas formas diferentes de fascismo, assim
como não há apenas um tipo de fascista, mas diversos. Tal qual ocorre com as
doenças do organismo, em relação às quais se pode afirmar que os indivíduos têm
experiências singulares, o fascismo é uma espécie de doença do sistema político
que cada sociedade atravessa à sua maneira.
Eco
identifica alguns traços que integram a “nebulosa fascista” e que os fascismos
concretos compartilham, em maior ou menor grau. Muitos são visíveis no Brasil
de hoje: o irracionalismo, de braços dados com o fanatismo religioso e o
ocultismo, a desvalorização do pensamento e a exaltação do fazer, a
desconfiança nos intelectuais (identificados como “degenerados” ou “vermelhos”,
traidores dos “valores nacionais tradicionais”), o medo do diferente e o
racismo. Bolsonaro repete Mussolini e Hitler no modo como procura manter
insuflada sua militância, como uma tropa de “combatentes heroicos”, da qual
espera adesão cega. Também como eles, o fascista brasileiro transfere sua
vontade de poder para o campo sexual, no machismo que implica desdém pelas
mulheres e intolerância e condenação de formas não convencionais de
sexualidade. Como Hitler e Mussolini, da dificuldade em lidar com o sexo real
Bolsonaro escapa para brincadeiras com armas, um exercício fálico substitutivo.
O capitão brasileiro é, no
entanto, menos capaz e qualificado intelectualmente que esses personagens. O
carisma de sua imagem é menor, a capacidade de comunicação popular é limitada,
não transmite autoridade, não provoca o respeito. Ninguém interrompe seus
afazeres para ouvi-lo, muito menos permanece imantado, como ficavam milhares de
italianos ou alemães na presença de seus líderes.
*Sociólogo,
é presidente do Instituto Vox Populi e também colunista do Correio Braziliense.
Fonte: Publicado na CartaCapital
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