"Quando perdemos a capacidade de nos indignarmos com as atrocidades praticadas contra outros, perdemos também o direito de nos considerarmos seres humanos civilizados." ― Vladimir Herzog

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Painel Paulo Freire, obra de Luiz Carlos Cappellano.

Painel Paulo Freire, obra de Luiz Carlos Cappellano.
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sexta-feira, 31 de agosto de 2018

A princesa de Angola escravizada no Brasil que lutou por seu povo

Zacimba Gaba era princesa de Cabinda, em Angola, há 300 anos, quando foi capturada e vendida como escrava para o Brasil. O fazendeiro português José Trancoso arrematou Zacimba, no Porto da Aldeia de São Matheus, na Capitania do Espírito Santo, com mais uma dúzia de negros escravizados de Angola.

Durante anos Zacimba foi cruelmente castigada por não aceitar atender os desejos do fazendeiro. Um dia, ela foi arrastada da senzala até à Casa Grande, onde foi interrogada pelo senhor, que queria saber se era verdade o boato que se espalhava por todos os lugares de que ela era uma princesa.

Depois de dias e muitas chibatadas, ela confessou sua verdadeira identidade: Zacimba Gaba, princesa da nação de Cabinda. E foi estuprada depois disso.

Localizada na baía do mesmo nome, na costa oeste da África, em Angola, Cabinda teve sua população quase que dizimada, com seus homens e jovens aprisionados e mandados como escravos para o Brasil, durante duzentos anos.

O fazendeiro, sabendo que os seus escravos, em grande maioria, eram oriundos de Angola, e que poderiam invadir a Casa Grande para libertá-la, passou a avisar que, se alguma coisa acontecesse a ele ou à sua família, “Zacimba seria morta”.

Com o passar do tempo, a jovem princesa, aprisionada na Casa Grande, sob ameaça permanente, castigos e sendo violentada pelo fazendeiro e pelo capataz, crescia e tomava coragem para enfrentar, sozinha, o senhor. Ela tinha proibido que os negros tentassem libertá-la e passou a elaborar planos de fuga e de vingança. Zacimba também sofria ao ouvir os lamentos de seu povo sendo cortado no chicote, amarrado no tronco e levado aos ferros, durante os anos que se passaram.

Uma das armas mais poderosas e silenciosas que os escravos usavam contra os senhores ou feitores que lhes impunham castigos desumanos e humilhantes era o envenenamento.

Um dos venenos mais utilizados pelos escravos era extraído da cabeça da “Preguiçosa”, uma cobra temida pelo seu veneno mortal, característica do Vale do Cricaré. Esse veneno era usado por matar com pequenas doses e não logo que ingerido. Os senhores daquela época, até pegarem confiança em quem preparava a comida, obrigava os escravos a experimentarem tudo primeiro. Se não acontecesse nada, o senhor comia. Para não envenenar ninguém do seu povo, Zacimba levou anos para conseguir finalizar o seu plano.

Um dia aconteceu, o senhor da fazenda caiu envenenado, e logo Zacimba deu a ordem para os escravos da senzala invadirem a fazenda. Todos os torturadores foram mortos e a família do senhor da fazenda foi poupada. Zacimba fugiu junto com os outros negros e criou seu próprio quilombo.

Mas Zacimba não esqueceu de seu povo que ainda era escravizado e passou o resto da sua vida libertando os escravos, atacando os navios negreiros que os traziam como prisioneiros. Morreu como uma princesa guerreira, invadindo um navio para libertar seu povo.


 

Instituto dos Advogados Brasileiros diz que decisão da ONU sobre Lula tem que ser cumprida

'Entidade que precedeu a fundação da OAB afirma que o Brasil incorporou à legislação tratado internacional que reconhece competência do Comitê de Direitos Humanos da ONU'
Parecer do IAB diz que juízes devem se submeter a acordos internacionais assinados pelo Brasil. Ricardo Stuckert
São Paulo – O Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) divulgou parecer nesta quarta-feira (29) afirmando que a decisão do Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), que determina a preservação dos direitos políticos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como candidato, deve ser "respeitada e cumprida" pelas autoridades brasileiras. 

No documento, o jurista Jorge Rubem Folena de Oliveira destaca que o Brasil aprovou e promulgou o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos da ONU, reconhecendo a jurisdição e a competência do Comitê de Direitos Humanos, com protocolos e decretos que incorporam a autoridade do referido órgão ao Direito nacional.

O IAB, criado em 1843, é uma das instituições mais antigas e de maior prestígio jurídico no país. Ajudou a redigir a primeira Constituição republicana (1891) e, décadas depois, em 1930, foi responsável pela criação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Em 17 de agosto, o órgão da ONU requisitou ao Estado brasileiro para que fossem tomadas todas as medidas necessárias para assegurar o exercício dos direitos políticos de Lula, o que inclui a garantia de sua candidatura, além do acesso à imprensa e aos membros de seu partido até que os recursos contra a sua condenação tenham sido julgados em última instância.

De acordo com o documento, o não cumprimento da determinação do órgão da ONU poderá prejudicar o Brasil "em matéria de cooperação internacional para o progresso dos povos, especialmente em temas que versem sobre circulação de pessoas, tecnologia, cultura, ajuda humanitária, ajuda financeira, segurança, forças armadas, judiciário etc". Inclusive pedidos de extradição podem não ser atendidos pelos demais países, sob a alegação de que as autoridades brasileiras não respeitam as decisões de organismos internacionais.  

"Com a promulgação pelo Congresso Nacional, nos termos do artigo 49, 1, da Constituição Federal, do Decreto Legislativo 311, de 2009, o Brasil reconheceu a jurisdição e a competência do Comitê de Direitos Humanos da ONU para receber e examinar as pretensões de indivíduos nacionais, que aleguem ser vítimas de violações dos direitos previstos no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos da ONU", destaca o parecerista. 

Ele também cita trabalho publicado pela Secretaria de Comunicação do Supremo Tribunal Federal (STF), dizendo que "quando um Estado é Parte de um tratado internacional, como a Convenção Americana, todos os seus órgãos, inclusive seus juízes, também estão submetidos àquela, o que os obriga a zelar para que os efeitos das disposições da Convenção não se vejam enfraquecidos".

Confira a íntegra do parecer da IAB:




Golpe de Temer tornou Brasil insignificante no cenário global, diz Celso Amorim

Ex-chanceler e ex-ministro da Defesa Celso Amorim
O golpe que destruiu a democracia brasileira, o direito dos trabalhadores e a soberania nacional demoliu também, quase que completamente, a tradicional diplomacia do País. O Brasil, que com os governos Lula e Dilma passou a ter um protagonismo central nos principais fóruns internacionais, passou nos últimos dois anos a ser ignorado e submergiu como país secundário.

"São dois anos de retrocessos brutais na integração sul-americana, na política de aproximação com a África e com os países árabes, ausências nos organismos internacionais", avalia o ex-chanceler e ex-ministro da Defesa Celso Amorim, ao fazer o balanço de dois anos da efetivação do golpe contra a presidenta legítima Dilma Rousseff.

Em entrevista exclusiva ao PT na Câmara, Amorim diz que "o Brasil não tem mais voz, perdeu relevância, quando não tem um papel negativo, como é o caso da Venezuela". Celso Amorim também critica o moralismo de setores do Judiciário e do Ministério Público, como os integrantes da Operação Lava Jato, que em nome do combate à corrupção atacam e destroem empresas nacionais, caso inédito no mundo.

"A criminalização ao apoio às empresas brasileiras é lamentável. A Volkswagen enfrentou um grave problema na Alemanha, o diretor foi punido pela Justiça do país, mas a empresa foi preservada. Hoje em dia as empresas brasileiras de construção viraram sinônimo de palavrão. Precisamos mudar isso".

Leia abaixo a entrevista:

Qual o balanço que o senhor faz da política externa brasileira nestes dois anos de golpe?

Dois anos de muito retrocesso. O Brasil era um país de muita presença no mundo, com os governos Lula e Dilma. No governo Dilma, houve a criação do banco dos BRICS (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), iniciativa muito importante para a estrutura financeira do mundo todo. Mas falando mais amplamente, tivemos retrocessos brutais na integração sul-americana, na atitude em relação à Venezuela, com uma linha que não é a tradição da diplomacia brasileira, nem sequer à época do presidente Fernando Henrique.

Rompeu-se o diálogo (com a Venezuela), trazendo consequências, inclusive para nós (com os refugiados). Retrocessos na política de aproximação com a África e com os países árabes. O Brasil tinha presença muito forte como agente da política internacional, como no reconhecimento do Estado da Palestina, o acordo sobre programa nuclear iraniano, na Organização Mundial do Comércio, onde atuamos para mudar regras que seriam negativas para países como o Brasil e beneficiariam as grandes potências comerciais, sobretudo Estados Unidos e União Europeia.

O Brasil não tem mais a atuação que tinha em fóruns como o G-7, que antes era G-8 mais 5, com a participação de Lula em todos os encontros. O Brasil não tem mais voz, perdeu relevância, quando não tem um papel negativo, como é o caso da Venezuela. Obviamente houve retrocessos internos, como o limite dos gastos sociais, que impacta negativamente na saúde, na educação e nos programas de igualdade racial, afetando políticas de direitos humanos e sociais.

Era país de grande atuação e projeção na América Latina, África, países árabes. Tínhamos grande atuação em fóruns internacionais e ainda contribuiu para criar alguns, estimulando a imagem positiva de país que buscava melhorar os padrões de justiça social e estimular a política pacífica do diálogo. Acho que tudo isso desapareceu. Retrocesso enorme.

Hoje, há no mundo uma perplexidade enorme com o que acontece no Brasil, com contaminação em toda a América Latina. O Brasil é um país muito importante para o mundo não prestar atenção. No começo, houve uma certa indiferença (em relação ao golpe), hoje há uma grande preocupação nos países da América do Sul e na Europa. O Brasil tem importância para o equilíbrio mundial.

Olhando de dentro para fora, é preciso destacar também os ataques à nossa soberania. Um exemplo emblemático é o da Embraer, que o atual governo está entregando por um prato de lentilhas. Uma empresa estratégica, com capacidade de desenvolver uma indústria aeronáutica própria no País. Fui ministro da Defesa e sei da importância da empresa para a área. Enfim, um conjunto de coisas que compõem um quadro-negro de retrocessos que assistimos.

Quais as causas que levaram ao virtual fim da Unasul?

Vários motivos. Um deles, a atitude em relação à Venezuela. Mas também surgiram na região outros governos de inclinação neoliberal. Tudo é um processo, com características próprias em cada país, mas por trás de tudo há uma ofensiva do capital financeiro internacional também. Houve mudanças na Argentina, no Equador... e em outros países. No caso específico do Brasil, tem liderança natural nesses processos. O Brasil tem fronteira com dez países, mas abandonou iniciativas como o Conselho de Defesa Sul-Americano... Esses processos são complexos. Integração, não se pode dizer que está pronta e acabou. Ou cresce sempre e avança ou regride. No nosso caso, regrediu. A Colômbia, por exemplo, se aproximou mais dos EUA, entrou para a OTAN, como membro-associado e saiu da Unasul.

Nos conflitos regionais, o Brasil sempre atuou para ajudar a solucioná-los. Sempre atuamos na região na mediação. Se essa liderança não se manifesta, se não se faz presente de maneira positiva, tudo regride. A Unasul é exatamente isto. O que a gente vê hoje é, infelizmente, um processo de desintegração da América do Sul. Obviamente há gente que tem interesse nisso. Quando houve a queda do Muro de Berlim, comentou-se que os EUA tinham ganho a guerra fria sem nenhum tiro. No caso da desintegração sul-americana, é algo parecido, eles não deram um tiro. Não ostensivamente. Nós nos encarregamos de desfazer algo que era uma coisa positiva, independente, que chamou a atenção do mundo, até a revista The Economist publicou capa dizendo que a América Latina não era mais quintal de ninguém...Tudo isso voltou para trás.

O governo Temer está totalmente alinhado com Washington?

O vice-presidente Mike Pence e o secretário de Defesa, Jim Mattis, vieram aqui e trataram o Brasil de uma forma só comparável à época do golpe militar de 1964, quando Castelo Branco falava das fronteiras ideológicas. O Brasil é um país muito grande, pode até não seguir tudo. Mas certamente muita coisa que está acontecendo mostra que o Brasil se retraiu, desde a venda da Embraer passando por elementos que têm a ver com cibernética e chegando aos processos de integração sul-americana e a nossa atuação no mundo. Não se fala mais da integração da América do Sul, nunca ninguém ouviu mais falar de BRICS, o Brasil não toma nenhuma iniciativa. O secretário de Defesa dos EUA até veio dizer para o Brasil não se aproximar muito da China... E ninguém fala nada, nem para dizer que o Brasil é independente. Não é assim. E cabeça baixa envergonha a todos nós. No caso das crianças brasileiras detidas nos EUA, o Brasil, de forma inacreditável, se omitiu, devia ter convocado o embaixador norte-americano, chamado a atenção dele. Não pode ser dessa maneira, com essa subserviência. Depois do golpe, escrevi artigo sobre a guinada à direita do Itamaraty – subalternidade estratégica. Nem é estratégica, é simplesmente subalternidade, subserviência.

EUA sempre defendem soberania nacional e interesses nacionais. Aqui, o pessoal que elogia os EUA em tudo acha que esses conceitos são balela.

O mundo evolui, é inevitavelmente mais globalizado. A soberania nacional é a defesa do seu interesse nesse processo. No caso dos tratados internacionais, estamos presos às normas. Não podemos alegar soberania nacional para descumprir um tratado assinado voluntariamente. Até há tratado sobre isso, não se pode alegar uma norma interna para desrespeitar um tratado internacional já ratificado pelo Brasil. E é o que ocorre agora com o presidente Lula, um caso gravíssimo. Brasil assinou Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e ratificou o Protocolo Facultativo que reconhece o Comitê de Direitos Humanos da ONU. Então, não pode, em nome de uma pretensa soberania, dizer que não vai seguir. Ficam falando que é um 'comitezinho' da ONU, não é. É órgão de tratado, pois é o órgão mais forte, pois tem o poder de fazer com que um tratado seja cumprido. O nome é comitê, mas na verdade é o órgão de Tratado do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. Não é "cada macaco em seu galho", o galho da ONU é o mundo inteiro. Então, soberania nacional é usada para justificar o lado ruim, como no governo militar, que usou a soberania para justificar a tortura, "a tortura é nossa".

Mas o conceito de soberania nacional é absolutamente fundamental para o desenvolvimento do País, porque se você não fizer isso, os que vão ganhar são os que detêm as alavancas do poder econômico mundial. Se não se utiliza a faculdade que a soberania dá, por exemplo, para explorar o pré-sal, via Petrobrás, em benefício do povo brasileiro, as multinacionais do petróleo vêm e exploram de acordo com seus interesses. Especulam com o preço do petróleo conforme seu interesse. O mundo vive grandes transformações. Pode haver uma corrida pelos recursos naturais. Nós temos que ter o controle. Por isso, apoiamos nos governos Lula e Dilma projetos importantes na área de defesa. Como o submarino de propulsão nuclear. A compra dos caças com transferência de tecnologia para a Embraer... e outras iniciativas, como o monitoramento eletrônicos das fronteiras.

Tudo isso é exercício da soberania, defender os nossos recursos naturais para os brasileiros. Mas há pessoas ou partidos que só querem ver o ganho financeiro – nem isso conseguiram muito, pois venderam a Embraer a preço vil. A noção de soberania tem que ser acompanhada de visão de Nação. Por isso, que as políticas interna e externa devem ser combinadas. Sem bolsas, sem Fies e outros programas na área faz-se com que a sociedade brasileira não se constitua verdadeiramente como Nação. O conceito de soberania tem duas faces. Em relação ao exterior e para dentro. Para dentro, a soberania popular, que estão querendo negar, impedindo Lula de ser candidato. E, para fora, com a entrega dos recursos, política externa subserviente. Muito triste, lamentável. Tivemos política externa ativa e altiva e fez com que Brasil fosse respeitado no mundo.

E agora, quais os desafios pela frente?

O mundo não para de mudar. Poderíamos ter avançado mais na integração sul-americana já a partir do governo FHC se o Brasil tivesse prestado mais atenção na região. Aí não teria havido tantos acordos de livre comercio de países da região com os EUA. Mas isso não impediu a criação da Unsaul, mas limitou o que poderíamos fazer na área econômica. O comércio aumentou muito, tem uma base. Agora, essa aproximação da Colômbia com a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) é fato novo, vai impor outra maneira de ver aqui as coisas. Não queremos base chinesa, russa e nem americana na América do Sul. Queremos a América do Sul para os sul-americanos. Essa é a verdadeira doutrina que temos de seguir.

O mundo não para de mudar. No México, houve evolução positiva, um governo de esquerda – não sabemos quais os limites –, mas é de esquerda progressista, a primeira vez na história do México democrático. Você tem multipolaridade ocorrendo de maneira clara, com o avanço da China, independência da Rússia, a União Europeia... Mas, de nossa parte, com América do Sul e com outros países em desenvolvimento, enfraquecida. Os desafios são novos. Pela primeira vez um presidente norte-americano ameaça o uso da força contra um país da América do Sul, quando Trump disse que não excluiria o uso da força no caso da Venezuela. Acho que é mais para falar do que fazer, mas de toda maneira é negativo.

O mundo evolui e cria oportunidades para agirmos de maneira mais independente e poder atuar na organização da paz e na solução de problemas. Tivemos participação importante na reforma do sistema financeiro, da reforma, ainda que limitada, do sistema de cotas do FMI e do Banco Mundial. Na OMC (Organização Mundial do Comércio) não deixamos que regras ruins prosperassem. Enfim, conseguimos vitórias e progressos importantes.

É preciso estar antenados nas mudanças e saber resistir ao que é negativo, como fizemos lá atrás, contra a Alca. E aproveitar o que é positivo. Há fissuras que estão ocorrendo, acho que não existe mais uma hegemonia clara no mundo. Há até brechas para que países em desenvolvimento se coordenem, se desenvolvam e até criem alternativa ao império do dólar- não é terminar com o dólar, mas equilibrar. O Brasil pode participar disso ativamente, mas precisa ter governo progressista.

É importante retomar a iniciativa do BRICS?

Sim, e também a integração sul-americana, a relação com países árabes. O Brasil precisa voltar a ser ator em grandes questões mundiais, aprofundar a relação com a África, um dos continentes que mais cresce no mundo. Nos aproximamos muito da África motivados pela tradição cultural, religiosa e a composição étnica de nosso povo, mas também por razão econômica. Se considerarmos a África como um país, seria o nosso quarto parceiro econômico. Atrás de China, EUA e Argentina, à frente da Alemanha.

Mas houve política deliberada de desmontar nossa política externa como também de destruir nossos instrumentos. Cito nossas empresas que tinham imensa presença na África, mas já não é a mesma coisa. É preciso punir corruptos, mas sem punir as empresas. É preciso manter capacidade do BNDES de financiar serviços e exportação de bens.

O moralismo vigente entre agentes de Estado como os que atuam na Lava-Jato dificulta a promoção comercial?

A criminalização ao apoio às empresas brasileiras é lamentável. A Volkswagen enfrentou um grave problema na Alemanha, o diretor foi punido pela Justiça do país, mas a empresa foi preservada. Ninguém ouviu falar que a empresa é corrupta. Hoje em dia as empresas brasileiras de construção viraram sinônimo de palavrão. Precisamos mudar isso. Essa visão neoliberal que predomina não nos interessa. Abre-se espaço para as empresas estrangeiras e enfraquecemos as nossas dentro do Brasil e no exterior. Vai ser preciso trabalho cultural para mostrar às pessoas a importância das empresas nacionais. Ninguém vai defender a corrupção. Ninguém vai dizer que a corrupção é nossa, como se disse no passado que a tortura era nossa. Mas é preciso distinguir os corruptos das ações positivas externas das empresas brasileiras. E preciso defender as estruturas de apoio institucional a essas empresas, que, em linguagem militar, em última análise, são um instrumento de poder e, se forem usadas bem, de solidariedade também. Europa, China EUA estimulam a presença externas de suas empresas. E quando ocorreram escândalos, não se ouviu falar que vieram aqui pedir informações sobre elas. Resolvem lá, internamente. Já o Brasil, não, foi lá ao patrão dar todos os dados de nossas empresas. E, provavelmente, quem está ocupando o lugar de nossas empresas nos mercados externos são empresas dos EUA.

Estamos vivendo momento crucial. O que vai determinar se o Brasil vai ter condição de se recuperar nos próximos cinco ou dez anos é se teremos condição de exercer a soberania popular. Se o povo brasileiro puder escolher seu presidente livremente. Para isso é preciso não só ouvir a voz do povo, como também o Brasil cumprir suas obrigações e tratados internacionais aos quais aderiu livremente e cujas normas obrigatórias. Se não cumprir, se transforma em pária internacional. Ai mesmo é que acabou.



 

“Bolsonaro inconscientemente queria divulgar meu livro sobre educação sexual”, diz escritora

Autora de 'Aparelho Sexual e Cia' critica o presidenciável após propagada negativa sobre sua obra. "Eu acho que suas obsessões dizem muito sobre o que ele próprio tem na cabeça", argumenta

Por /

Hélène Bruller.
A escritora francesa Hélène Bruller não sabia que o seu livro Aparelho Sexual e Cia. (Le Guide du Zizi Sexuel, no original em francês) havia se tornado alvo no Brasil de uma verdadeira cruzada promovida por Jair Bolsonaro, candidato à presidência da República pelo PSL. Mas não se pode dizer que ela, que assina a obra com o suíço Philippe Chappuis (conhecido como Zep), tenha ficado propriamente surpresa: “Grupos extremistas católicos já tentaram proibir o livro e a exposição que foi feita a partir dele. Como sempre, aumentaram o sucesso da obra. Talvez eu devesse agradecê-los... Mas aí já é me pedir demais”, ironiza a autora, em uma entrevista por e-mail dada ao EL PAÍS. Se os ataques de Bolsonaro à obra são uma espécie de reedição de algo que Bruller já viveu, a afiada ironia que ela usa para se referir às críticas de outros tempos tampouco muda quando ela é questionada sobre as declarações do capitão reformado do Exército brasileiro: “Eu acho que lá no fundo do Bolsonaro existe um pequeno garoto, o petit Jair, que teria adorado se, na sua infância, lhe tivessem dado de presente um exemplar de Aparelho Sexual e Cia", diz.
 
O livro de Bruller foi publicado pela primeira vez em 2001 e lançado no Brasil seis anos depois, pela Companhia das Letras. A obra está esgotada na editora brasileira e, por aqui, poucas pessoas sabiam de sua existência. Isso até a noite da última terça-feira, quando Bolsonaro mostrou o livro durante a tradicional rodada de entrevistas que os presidenciáveis dão ao Jornal Nacional. Ele sugeriu na ocasião que a publicação era parte do chamado kit gay —nome pejorativo dado ao Escola sem Homofobia, projeto de formação de professores para temas referentes a direitos LGBT. No horário mais nobre da televisão, Bolsonaro não se preocupou em dar dois esclarecimentos aos espectadores: o kit gay foi barrado pelo Governo Dilma Rousseff em 2011, sem nunca ter saído do papel; e o livro Aparelho Sexual e Cia. não fez parte do material produzido para o Escola sem Homofobia. Tem mais: o livro jamais figurou em algum programa do Ministério da Educação e apenas 28 exemplares foram comprados por um programa do Ministério da Cultura e distribuídos para bibliotecas públicas, nenhuma delas em escola.
Na manhã desta quinta-feira, Bolsonaro voltou à carga, desta vez afirmando que o livro “estimula precocemente as crianças para o sexo” e “escancara as portas da pedofilia”.

Com a palavra, Hélène Bruller.

Pergunta. Você sabia que o seu livro, Aparelho Sexual e Cia., estava sendo criticado por um candidato à presidência no Brasil?

Reposta. Acabo de descobrir e me surpreendeu muito. O senhor Bolsonaro sabe muito bem que, ao dizer coisas ruins sobre o meu livro, ele aumenta consideravelmente as vendas. Então eu me pergunto: será que o senhor Bolsonaro quer divulgar o meu livro? Inconscientemente, eu até acho que sim. Eu acho que lá no fundo do Bolsonaro existe um pequeno garoto, o petit Jair, que teria adorado que, na sua infância, lhe tivessem dado de presente um exemplar de Aparelho Sexual e Cia ao invés de ficarem, com caras transtornadas, berrando e dizendo para ele: “Petit Jair, você vai para o inferno se se masturbar”.

P. O livro já foi alvo de críticas pela sua temática, seja na França ou em algum outro país?

R. Grupos extremistas católicos já tentaram proibir o livro e a exposição que foi feita a partir dele. Como sempre, aumentaram o sucesso da obra. Talvez eu devesse agradecê-los... Mas aí já é me pedir demais.

[A exposição à qual Bruller se refere, segundo uma nota enviada ontem pela Companhia das Letras, ficou em cartaz duas vezes na Cité des Sciences et de l’Industrie, em Paris, e viajou por sete anos por diferentes países europeus]

P. A Companhia das Letras, editora que lançou o seu livro no Brasil, disse que sugeria o livro para crianças que tinham entre 11 e 15 anos de idade...

R. Eu acho que a faixa etária não é um bom parâmetro. Há crianças de 12 anos que não têm a maturidade necessária para entender respostas sobre a sexualidade; enquanto que há crianças de oito anos que já pedem por essas respostas. Eu acho que é o papel dos pais olhar e folhear os livros para julgar se os seus filhos têm a maturidade necessária para lê-los.

P. Por que você quis fazer que tratasse de sexualidade para as crianças?

R. Quis fazer o livro que eu sonhava ter quando era uma criança. Não me importava nada as informações sobre sexualidade que, durante a minha infância, me chegavam nos livros: o nome dos hormônios, como se parece um feto na quarta semana de gravidez; ou mesmo as imagens de um parto. Aquilo tudo era sério? Eu tinha 12 anos! Naquela idade eu não tinha nenhuma vontade de parir. O que me preocupava de verdade era saber o que eu deveria fazer se um dia um menino me beijasse. Então eu decidi responder essas perguntas no livro para que outras crianças pudessem se tranquilizar.

P. Como você definiria o seu livro?

R. É um livro sobre o medo. Sobre o medo de virar adulto, o medo de viver a sua sexualidade —algo que muitas vezes os extremistas apresentam às crianças como algo sujo. A questão do livro não é dizer às crianças que a sexualidade é algo que diz respeito a elas hoje, mas sim dizer-lhes que a sexualidade será parte da sua vida adulta; e que assimilá-la de forma serena é a melhor maneira de vivê-la como algo saudável.

P. Na sua opinião, quais as consequências de simplesmente não tratar sobre sexualidade com crianças e adolescentes?

R. Eu acho que é preciso informar muito bem às crianças que peçam informação sobre sexualidade porque uma pessoa bem informada saberá se proteger, enquanto que alguém que vive na ignorância se torna uma presa fácil. Todo mundo sabe disso. Eu acho que é essa justamente a técnica dos extremistas — e dos pedófilos também: usar a ignorância para melhor controlar as pessoas.

P. Você disse na resposta anterior que a sexualidade não pode ser vista como algo sujo.

R. Considerar a sexualidade como uma coisa suja já é um verdadeiro problema em si. Por outro lado, se a sexualidade é percebida como algo bonito e saudável, por que não falar sobre ela com as crianças? E, além do mais, é preciso deixar de confundir “viver a sexualidade” com “falar de sexualidade”. É evidente que informar, trazer respostas, tranquiliza. E com isso você ajuda o jovem a decidir o melhor momento para viver, ele mesmo, a sua própria sexualidade.

E mais uma coisa: se ignoramos tudo, como podemos saber a diferença entre sexualidade e pornografia? Esse senhor, o Bolsonaro, nunca falou com mulheres sobre a experiência da sexualidade. Porque, do contrário, ele saberia que muitas jovens que foram casadas com homens sem ter qualquer informação sobre a sexualidade lamentaram essa união. Algumas se casaram com homens torpes, nunca conheceram o prazer ou sequer souberam que ele existe! Outras deixavam seus maridos realizarem certas práticas, como a sodomia, sem que elas necessariamente as desejassem. Tudo isso porque essas mulheres não sabiam que tinham o direito de dizer "não". É essa a vida que o senhor Bolsonaro promete às jovens mulheres brasileiras? Socorro!

P. O que você achou das acusações feitas por Bolsonaro de que o seu livro estimulava de forma precoce a sexualidade de crianças?

R. O senhor Bolsonaro pode dizer o que bem quiser sobre o meu livro. Com isso ele não consegue mudar o conteúdo da obra e eu acho que os brasileiros são suficientemente inteligentes para formarem eles mesmos suas opiniões sobre o livro. Há, no entanto, algumas particularidades muito claras da personalidade do senhor Bolsonaro: ele denigre o meu trabalho, então é uma pessoa sem qualquer respeito; e se sente no direito de usar o meu livro para sua autopromoção sem me consultar antes, então é uma pessoa desonesta. Não são as características que esperamos de um suposto representante da moralidade.

Agora o mais importante é a perversidade subjacente desse senhor: ele grita para quem quer ouvir que não temos que falar muito sobre a sexualidade, mas ele só fala disso. Eu acho que as obsessões do senhor Bolsonaro dizem muito sobre o que ele próprio tem na cabeça.


Fonte: Publicado no El País

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Terceirização: STF é antitrabalhador. Seremos todos “Uber”

A regra do nosso Judiciário é a regra da selva: o poder dos mais fortes não tem contraste.

Por sete votos a quatro, o Supremo Tribunal Federal aprovou a farsa ampla, geral e irrestrita da terceirização.

De agora em diante, todos os trabalhadores de um empresa poderão ser “alugados” de outra.

Não mais, limpeza, vigilância, reparos e outras atividades que não sejam a principal.

Se a Volkswagen ou uma rede de supermercados quiser, não terá um empregado sequer.

Basta contratar a empresa de um mercador de seres humanos e pagar pelos serviços.

Como despesa operacional, claro, abatida em seus impostos.

Em tese, é solidariamente responsável pelo pagamento de salários e encargos sociais dos “subtrabalhadores” que vão lhes prestar serviços, mas qualquer um que já tenha tido contato com estas empresas sabe como isso é duvidoso.

E como a Justiça do Trabalho já não é gratuita para o trabalhador, muitos vão deixar de procurar seus direitos, por não terem meios para isso.

Da mesma forma que enfraquece os trabalhadores, que passam a ser de duas “categorias”, embora fazendo o mesmo trabalho. Adivinhe quem vai ganhar menos…

Dizem que vai “baratear” o custo da mão de obra. e os encargos sociais foram pagos tal como seriam na contratação direta, não há forma de que seja, senão pagando salários menores.

A terceirização é especialmente cruel com os empregados de mais idade. Sem vínculo com a empresa, é fácil dizer “não quero essa velha por lá”. O “fornecedor de gente” vai discutir, dizer que ela é experiente, capaz, etc?

“Dona Fulana, infelizmente vamos ter de descontinuar os seus serviços”…

Vai para o lixo.

Alegam que isso é vital para a “recuperação econômica”.  Cármem Lúcia chegou a dizer que  proibindo a terceirização generalizada as empresas deixariam “de criar postos de trabalho” aumentariam “a condição de não emprego”.

Lula, que os ministros odeiam tanto, criou 15 milhões de empregos sem terceirização assim.

O retrocesso que o Brasil vive, patrocinado pela mídia, pelo governo do golpe e pelo Judiciário não fica só na política, desde ao mundo do trabalho de milhões de brasileiros.

Temos ministros sórdidos ao ponto de, 24 horas após terem aumentado os salários de seus gordos e vitalícios cargos, praticar esta crueldade com gente humilde.

Estão nos empurrando para uma selva semi-escravocrata do trabalho precário que começamos a superar há mais de 70 anos, com a CLT.

Por eles, logo seremos todos motoristas de Uber.

E pior,  em um país tão pobre que, salvo uma casta de privilegiados em que nem sequer poderá pagar a corrida.




Lições de como enfrentar Bolsonaro e a extrema-direita sem fortalecê-los

Diego Padgurschi/Folhapress
No último debate presidencial, o jornalista Reinaldo Azevedo fez uma pergunta bastante simples sobre dívida interna para Bolsonaro, mas que o fez perder o chão. Durante o minuto de resposta, o candidato ficou tenso como se estivesse acabado de ficar nu diante de todo o país. O mito da força e da ordem derreteu ao vivo e se transformou em um garotinho assustado, com olhar vazio. Ficou perdido como o meme do John Travolta. Foi possível enxergar em seu semblante “sofrimento interior”, ‘desequilíbrio emocional” e “angústia”os mesmos sentimentos que o acometeram quando o deputado do PSB carioca Carlos Minc o chamou de machista, homofóbico e racista, como consta no processo que abriu contra o ex-ministro.

Entre um silêncio interminável e outro, falou qualquer coisa que lhe veio à cabeça, sem nenhuma conexão com a pergunta, e apresentou soluções constrangedoramente infantis como: “fazer com que empregados e patrões sejam amigos, e não inimigos”. Escolhido para comentar a resposta, Ciro Gomes teve a chance de escancarar ainda mais o despreparo de um candidato minúsculo, mas preferiu ser cortês, talvez para não parecer arrogante aos olhos do eleitor. Se uma pergunta trivial sobre economia causou todo esse estrago no emocional de Bolsonaro, não é difícil imaginar como seria o seu comportamento na hora de tomar grandes decisões, administrar conflitos e atender demandas complexas de uma sociedade que passa por crises de toda ordem. 

O avanço recente da extrema-direita no mundo tem suscitado discussões sobre como os líderes políticos que emergem desse espectro devem ser abordados. Nos EUA, Europa e agora no Brasil, jornalistas tentam descobrir a melhor maneira de entrevistá-los sem oferecer palanque para suas propostas antidemocráticas. A experiência americana com Trump indica que confrontar os absurdos racistas e homofóbicos, por exemplo, não funciona e só ajuda a alimentar a fúria dos seus seguidores. Primeiro porque o confronto em si é uma das principais estratégias da extrema-direita, que busca a briga com a imprensa a todo custo para poder posar de vítima perseguida pelo establishment. Segundo porque todo extremista é, via de regra, intelectualmente limitado e se perde ao ser convocado a falar sobre temas que estão fora da sua caixinha moralista.

Há uma tendência da imprensa mundial em querer apontar os absurdos dos extremistas, mas são exatamente esses mesmos absurdos que têm aumentado os seus capitais políticos. Grandes temas fundamentais acabam ficando em segundo plano, o que não acontece com políticos não extremistas. 

Uma pergunta banal de Reinaldo Azevedo revelou a fragilidade do Bolsonaro, coisa que a bancada inteira do Roda Viva não conseguiu em horas de entrevista. Os entrevistadores do programa da TV Cultura se focaram nos mais famosos episódios de agressividade e preconceito do candidato, o que o fez nadar de braçada. É justamente por causa desses episódios que o candidato está onde está. Reforçá-los não ajuda em nada.
Bolsonaro entra em pânico com uma pergunta corriqueira sobre economia.
(Foto: Reprodução/Youtube)
No ano passado, o partido alemão de extrema-direita AfD conquistou seus primeiros assentos no parlamento explorando um sentimento anti-refugiados de parte da sociedade alemã. Há duas semanas, Alexander Gauland, dirigente do partido, participou de uma entrevista atípica na televisão. O jornalista Thomas Walde da ZDF conduziu o programa sem em nenhum momento tocar no tema dos refugiados, a principal bandeira do partido. Durante 19 minutos, o extremista se viu obrigado a tratar de assuntos que estão fora da sua zona de conforto, como previdência, mudanças climáticas e digitalização — temas muito mais relevantes para a Alemanha do que a questão dos refugiados. O desempenho de Gauland foi péssimo.

A jornalista americana Emily Schultheis, que atualmente mora em Berlim, escreveu um artigo para o The Atlantic citando essa entrevista e analisando as dificuldades que a mídia internacional tem encontrado ao lidar com extremistas de direita: “A mídia alemã (e europeia) tem sido criticada por dar um enfoque sensacionalista nas questões de refugiados e migração. O constante foco da mídia nessas questões ajuda a mantê-las na mente das pessoas, mesmo depois que o fluxo de refugiados tenha diminuído de forma significativa.”

Quando perguntado sobre a fala de um correligionário que propôs uma “mudança no sistema previdenciário”, Gauland se limitou a dizer que o “partido ainda está discutindo” e que não há “nenhum conceito determinado”. O jornalista insistiu no tema e perguntou se o partido não tinha, de fato, uma proposta para as aposentadorias. O líder extremista respondeu que “agora, não”, mas que apresentaria uma após a próxima reunião do partido. 

Em outra pergunta, Walde se referiu à retórica nacionalista que prega a proteção do povo alemão (e que geralmente explora a perda de empregos para imigrantes) e perguntou sobre como os locatários locais serão protegidos das grandes empresas internacionais de locação como o Airbnb, que fizeram os aluguéis em Berlim dispararem. Mais uma resposta melancólica: “Não posso lhe dar uma resposta no momento. Isso não foi votado no programa do partido.”

Sobre a digitalização tema importante na Alemanha, já que o país tem uma infraestrutura digital bastante precária em relação a outros países europeus —, a resposta seguiu o padrão vergonhoso das anteriores.  “Eu não posso explicar isso. Você precisa perguntar a um deputado”, acrescentando que ele próprio não tem “nenhuma familiaridade com a internet”. 

Depois da entrevista, Gauland sentiu o golpe e resmungou publicamente. Disse que o jornalista foi “excessivamente tendencioso” e “absolutamente anti-jornalístico”. As perguntas simples e técnicas irritaram também o exército de militantes virtuais de extrema-direita, que atacaram o jornalista alemão em suas redes sociais — exatamente o que o fã-clube de Bolsonaro fez com Reinaldo Azevedo.

No mês passado, Luciano Caramori, um redator publicitário com experiência em campanhas eleitorais, escreveu uma série de tweets propondo um modo de como abordar Bolsonaro. Trata-se basicamente da mesma estratégia utilizada por Azevedo e por Walde.
“Por mais absurdo que seja, os comportamentos RACISTA, HOMOFÓBICO, VIOLENTO do candidato não me parecem os melhores argumentos contra ele. Infelizmente, existe uma tendência mundial em relevar essas atitudes. O que interessa é SEGURANÇA, EMPREGO, SAÚDE. O argumento que ele não fez NADA pela segurança do Rio de Janeiro em 30 anos de mandato vai ser mais eficaz do que comentar que ele espancaria o próprio filho se fosse gay.”
Essa deve ser a postura dos jornalistas ao abordar não só Bolsonaro, mas todos os candidatos de extrema-direita que têm pipocado por aí. Questões básicas e técnicas sobre segurança, economia e saúde, que demandam respostas complexas, são as principais armas contra o extremismo. Políticos que exaltam a ditadura militar e propõem que fazendeiros se armem com fuzis e tanques de guerra, por exemplo, devem ser confrontados com perguntas técnicas sobre segurança pública, sem ter espaço para o proselitismo ideológico de sempre. É só oferecer a corda que o extremista se enforca sozinho.

Depois de ter sido nocauteado por uma pergunta simples e, temendo que o fato se repita nos debates, Bolsonaro anunciou que é melhor já ir se acostumando com sua possível ausência nos próximos. O presidente do PSL justificou dizendo que seu candidato é diferente, que não apresenta soluções fáceis, “mas novos direcionamentos para um Brasil, que está sofrendo com a esquerdopatia que está aí há mais de duas décadas”. Apelou até para a convocação do comunismo imaginário para justificar a fuga do seu Dom Quixote.

O fato de Bolsonaro não ter a mínima noção dos problemas básicos que poderá vir a enfrentar como presidente deve ser cada vez mais exposto. Ele está há quase 30 anos na vida pública parlamentar sem ter feito nada de relevante — nem em favor de suas odiosas bandeiras, diga-se — e até hoje não adquiriu a mínima noção de economia. O povo quer emprego, segurança e comida na mesa, e para isso é preciso que fique claro que o polemismo por si só não resolverá essas questões. 

Que Bolsonaro continue pregando para convertidos apenas em suas bolhas nas redes sociais. Quando sair delas, deve ser confrontado com questões técnicas e práticas do mundo real. Não dá pra ser presidente de um país em profunda crise econômica cumprindo exclusivamente o papel de guardinha da moral e dos bons costumes, enquanto na economia cumpre o de fantoche. Não se governa um país do posto Ipiranga.


Escola militar, Escola sem Partido, escola como negócio… Mas o que é educar?

 

O momento é mais que oportuno para se buscar respostas à pergunta formulada no título. Afinal, o que é educar? 

Por Paulo Cannabrava Filho*

Oportuna porque temos que saber avaliar as propostas dos políticos que estão se candidatando para ser presidente, governador ou legislador nesta República. O que eles pensam sobre educação? 

Oportuna para que se discuta se é bom o caminho da militarização do ensino que vem sendo praticada às centenas por esse Brasil afora, formando quadros para o nazi-fascismo. Oportuna porque querem transformar o ensino em mercadoria para lucro de grandes corporações e de financeiras. Então, está na hora de se fazer muitas perguntas e de buscar respostas por conta própria.

Neste artigo pretendo ajudar a fazer perguntas e buscar respostas.

Vamos acabar com o ensino público? 

Afinal, a escola pública virou uma porcaria, um antro de violência. Vamos tirar de lá nossos filhos e colocá-los nas escolas pagas?

Será educar colocar as crianças numa escola sem partido

Se a escola não é pra ser sem partido, de que partido deve ser? Do PSDB do Aécio Neves? Ou do MDB de Temer? Seria melhor uma escola comunista ou uma adventista? Ou numa escola católica, onde a onde a moral cristã afasta dos maus costumes?

Comecemos pelas perguntas e respostas mais simples, aquelas que encontramos nos dicionários, que deveriam estar sempre às mãos das pessoas, pois ajudaria a não serem tão enganadas todos os dias pelos charlatões da política e por uma mídia alienante.

Caudas Aulete, pai dos dicionários da língua portuguesa, dá quatro significados para a palavra educar:
  1. Promover o desenvolvimento moral, intelectual e físico de; ensinar boas maneiras a: Cabe aos pais educar os filhos;
  2. Transmitir conhecimentos a; Instruir;
  3. Cultivar-se, aperfeiçoar-se: Nunca é tarde para que a pessoa se eduque;
  4. Fazer com que (o animal) obedeça; Domesticar.
O espanhol, outro idioma latino, bem parecido com o nosso, dá cinco significados, nenhum com o sentido de domesticar. Interessante isso!
  1. tr. Dirigir, encaminar, doutrinar;
  2. tr. Desarrollar o perfeccionar las facultades intelectuales y morales del niño o del joven por medio de preceptos, ejercicios, ejemplos, etc. Educar la inteligencia, la voluntad;
  3. tr. Desarrollar las fuerzas físicas por medio del ejercicio, haciéndolas más aptas para su fin;
  4. tr. Perfeccionar o afinar los sentidos. Educar el gusto, el oído;
  5. tr. Enseñar los buenos usos de urbanidad y cortesía
O italiano, o mais próximo da língua originária, ou seja, do latim, também regista quatro significados

1 Condurre, guidare le facoltà intellettuali e morali di qualcuno, spec. dei giovani, a uno sviluppo armonico, con un’azione continua e coerente, fondata sull’insegnamento e sull’esempio e secondo determinati principi: e. i figli; e. al bene, al rispetto; e. con l’esempio, con la persuasione
SIN. formare, istruire
2 Sviluppare, svolgere, raffinare determinate facoltà e attitudini: e. la fantasia, il gusto, la sensibilità; e. al lavoro, allo studio
SIN. affinare
3 Esercitare, avvezzare: e. l’orecchio alla musica; e. il corpo alla fatica
Di animali, ammaestrare: e. i buoi al lavoro dei campi
SIN. allenare, abituare
4 poet. Allevare, coltivare: e. un figlio


A amplitude do conceito educar

O portal educador.brasilescola.uol.com.br, dos mais visitados por professores e alunos, considera que:

“O conceito de educar vai muito além do ato de transmitir conhecimento, educar é estimular o raciocínio, é aprimorar o senso crítico, as faculdades intelectuais, físicas e morais”

E acrescenta:

“A educação é função de todos, pois aprendemos até mesmo em uma conversa com uma pessoa de outra cultura, que recebeu educação diferente da nossa, etc. Isto é, nosso aprendizado depende não só da escola, mas também de nossos familiares e das pessoas que convivemos, seja na escola, em casa ou no trabalho. A educação é algo que cabe em qualquer lugar”.

Um conceito um pouco mais amplo, porém assertivo, recolhemos do professor Júlio Furtado, um especialista que presta serviço ao mundo empresarial

“Educar’ vem do latim educare, por sua vez ligado a educere, verbo composto do prefixo ex (fora) e ducere (conduzir, levar), e significa literalmente ‘conduzir para fora’, ou seja, preparar o indivíduo para o mundo. Tem a sua essência no método maiêutico criado por Sócrates, que tem como pressuposto, não oferecer respostas, mas fazer novas perguntas que guiem o educando para dentro de si, em busca da resposta. Logo, o primeiro requisito para educarmos uma pessoa é acreditar que existem respostas dentro dela”.

Impressiona como um intelectual e educador como Paulo Freire entre na lista dos execrados sociais, dos demônios a serem exorcizados. Vamos ver, então, o que diz o professor Felipe Aquino, que se fundamenta na igreja de Roma para alicerçar seus conceitos.

“O Papa João Paulo II disse que “o ato de educar é o prolongamento do ato de gerar”; isto é, fazem parte do mesmo ato.

“Gerar segundo a carne significa dar início a uma posterior ‘geração’, gradual e complexa, através do inteiro processo educativo” (CF, 16). Educar os filhos é a grande missão que Deus confiou aos pais. É por causa da importância dessa tarefa, que Deus ‘encheu de honra’ as pessoas dos pais”.

O que é educar?

Os pensadores deram muitas respostas a esta importante pergunta.

Gandhi dizia que “a verdadeira educação consiste em pôr a descoberto o melhor de uma pessoa.” Nisto é preciso a arte de educar, a mais difícil e mais bela de todas.

Certa vez Michelangelo viu um bloco de pedra e disse: “aí dentro há um anjo, vou colocá-lo para fora!” Depois de algum tempo, com o seu gênio de escultor, fez o belo trabalho. Então lhe perguntaram como tinha conseguido aquela proeza. Ele respondeu: “o anjo já estava aí, apenas tirei os excessos que estavam sobrando”. Educar é isto, é ir com paciência e perícia tirando os maus hábitos e descobrindo as virtudes, até que o ‘anjo’ apareça.

Michel Quoist dizia “que não é para si que os homens educam os seus filhos, mas para os outros e para Deus”.


Educar é transformar?

Um intelectual mais aberto, que estuda e ensina filosofia, como Renato Janine Ribeiro, que vê a educação como objeto da filosofia, explica para os eruditos que

“Educar é, por isso, mover de dentro para fora. O latim tinha outra preposição para movimento, que era o “de” (como em deduzir), mas que designava um movimento que não começava de dentro do objeto e, sim, de sua fronteira, de sua divisa, de sua exterioridade. Com o “de”, o movimento é externo. Com o “e”, ele vem de dentro. Um dos grandes sentidos de educar é, portanto, transformar.

Daí, a grande característica da Educação: ela modifica, transforma – e, se tivermos apreço por ela, diremos que muda para melhor, que liberta, que emancipa. É diferente da instrução ou do treinamento. Quando instruo uma pessoa sobre alguma coisa, não a modifico nem pretendo modificá-la. Um treinamento não visa a mudar a pessoa treinada. Apenas lhe acrescenta informações. Não mexe com seu interior, com sua identidade”.

O que diria o grande mestre educador Paulo Freire (1921-1997)? Ele já não está entre nós, mas estão seus ensinamentos, seus seguidores por todo o mundo. E estão também os fascistas que o querem destruir.

É tão forte o sentido libertário do conceito de educar de Paulo Freire que até mesmo depois de morto continua a ser perseguido e demonizado por aqueles que querem ser escravos intelectuais, formar seres dóceis que não atrapalhem a rapinagem desses que estão na terra para enriquecer materialmente.

Aprendi na pouca mas profunda convivência com Paulo Freire a não aceitar a vida fora do sonho e da utopia, e que ensinar, é exatamente isso, despertar para a vida e viver para perseguir o sonho e construir a utopia. É isso. Educar é viver para transformar o mundo.

Todos somos seres inacabados e, portanto, todos temos algo para aprender e para ensinar. É preciso aprender a olhar crítica e criativamente a realidade para poder transformá-la. Em síntese, Paulo Freire entendia que, 

“Como uma experiência especificamente humana, a educação é uma forma de intervenção no mundo.

Ninguém educa ninguém — ninguém se educa a si mesmo. Os homens se educam entre si. Mediatizados pelo mundo. Ninguém liberta ninguém — ninguém se liberta sozinho — os homens se libertam em comunhão”.


A escola é sem partido?

Qual seria a resposta que daria Paulo Freire à polêmica atual em torno da “escola sem partido”? Penso que em todos os seus livros há profusão de respostas em cada página. 

Primeiro esclareceria o porquê de uma escola assim:

“Numa sociedade de classes, são as elites do poder, necessariamente, as que definem a educação e, consequentemente, seus objetivos. E estes objetivos não podem ser, obviamente, endereçados contra os seus interesses”. (Freire, 1976, p. 116)

Na sua Pedagogia da Esperança, explica:

“Não há, nunca houve nem pode haver educação sem conteúdo, a não ser que os seres humanos se transformem de tal modo que os processos que hoje conhecemos como processos de conhecer e de formar percam seu sentido atual. O ato de ensinar e de aprender, dimensões do processo maior — o de conhecer — fazem parte da natureza da prática educativa. Não há educação sem ensino, sistemático ou não, de certo conteúdo”. (Freire, 1992, p. 110)

E mais adiante complementa:

“O que me parece finalmente impossível, hoje como ontem, é pensar, mais do que pensar, é ter uma prática de educação popular em que, prévia e concomitantemente, não se tenham levado e não se levem a sério problemas como: que conteúdos ensinar, a favor de que ensiná-los, a favor de quem, contra que, contra quem. Quem escolhe os conteúdos e como são ensinados”. (Freire, 1992, p.135)


Construir escolas ou cadeias?

Reportagem publicada pelo Estado de Minas, em 15/1/2017, ouvindo educadores, juristas, psicólogos, sociólogos e criminalistas, sobre o fato de o Brasil ter um dos mais altos índices de encarcerados do mundo, chegaram à conclusão de que “se os governantes não construírem escolas, em 20 anos faltará dinheiro para construir presídios”

É certo isso?

O Estado de Minas investigou para saber até que ponto o incentivo em educação — sobretudo no ensino básico — é um fator preponderante para diminuir a inserção no mundo do crime. A resposta: sim, a profecia feita em 1982 se concretizou e Darcy Ribeiro não só tinha razão, como o país atravessa uma crise no sistema prisional sem precedentes, com 622 mil presos, – sendo quase a metade de temporários, aguardando julgamento — e um déficit de 250 mil vagas no sistema prisional.

A frase entre aspas acima, é do antropólogo Darcy Ribeiro, que junto com Anísio Teixeira (1900-1971), outro grande mestre educador, no Conselho Nacional de Educação, imaginaram e se esforçaram por não deixar nenhuma criança fora da escola. Do sonho à realidade, criaram em Brasília o conceito de escola parque, em que a criança entra de manhã e é devolvida para as mães no final da tarde, prontos para irem para a cama dormir. Na escola, ele aprendeu, fez lições de casa, praticou esportes, desenvolveu dotes artísticos e recebeu duas refeições e dois lanches, além de assistência médica, dentária e psicológica. 

Quando Brizola foi eleito governador do Rio de Janeiro, Darcy Ribeiro, que nunca parou de sonhar, assumiu a secretaria de Educação e semeou por todo o Estado os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPS). O objetivo estratégico continuava sendo o de não deixar criança alguma fora da escola. Evidentemente uma boa escola, pública, gratuita, com professores dignamente remunerados e formados.


Por que destroem as boas escolas?

Por que projetos como esses foram destruídos? Não pode ser por ser caro, pois mais caro custa manter um preso do que um aluno, como já se comprovou.

Por que a escola pública tem que ser de péssima qualidade? O mestre Darcy Ribeiro, mestre por sábio, responde: a má escola é projeto. Simples assim. A má escola faz parte da estratégia de perpetuação da dominação pela plutocracia reinante

O resultado do abandono da boa escola foi constatado pela reportagem que tomamos como fonte

A previsão, se o crescimento da população carcerária mantiver o ritmo, é de que o Brasil supere a marca de 1 milhão de detentos em 2022. Segundo a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, também presidente do Conselho Nacional de Justiça, um preso custa ao estado 13 vezes mais que um estudante: em média, R$ 2,4 mil por mês (R$ 28,8 mil por ano), enquanto um estudante de ensino médio custa atualmente R$ 2,2 mil por ano.

E mais adiante acrescenta

Em 2013, um estudo do departamento de Economia, Administração e Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) mostrou que para cada investimento de 1% em educação, 0,1% do índice de criminalidade era reduzido. Para obter esse número, a pesquisa analisou o gasto público em educação entre 2000 e 2009, e como o investimento impactou na redução da taxa de homicídios. Depois, observou como uma escola voltada para o desenvolvimento de conhecimento tem menos chance de desenvolver alunos violentos do que escolas com traços como depredação do patrimônio, atuação de gangues e tráficos de drogas.


Os nossos próceres da educação já indicaram o caminho: é só seguir

Os mestres Darcy Ribeiro, Anísio Teixeira, Zeferino Vaz (1908-1981), Paulo Freire, lutavam pelo que pregavam e acreditavam ser prioridade da nação: uma educação pública, laica, universal e gratuita. E pelo que se pode inferir da obra intelectual e física desses próceres, educação em escolas de tempo integral com professores formados para essa tarefa mais que transformadora, revolucionária, pois capaz de produzir o homem novo transformador da realidade.

Para suprir a carência de quadros e de conceitos, conceitos emanados da interpretação da realidade, não importados nem muito menos decorados, Darcy projetou e inaugurou o que ele entendia como a Universidade Necessária, a Universidade de Brasília, que leva seu nome mas já não mais seus conceitos. Uma universidade para ser

“criadora de uma cultura nacional de base científica e formadora de mestres capazes de reformular e difundir a cultura nacional (…) um núcleo de amadurecimento da consciência crítica nacional, privilegiando programas de estudo mais capazes de instrumentalizá-la cientificamente e de sustentá-la ideologicamente” (RIBEIRO, 1970:122).

Está mais do que na hora de reabilitar esses grandes mestres brasileiros para colocar a educação no rumo certo, que é o da libertação humana, no mais amplo sentido. Libertar-se das trevas da ignorância, libertar-se da servidão intelectual, ser livre para viver, criar e amar… Viver com dignidade, integrado socialmente, com teto, pão e diversão. Ver no outro o seu igual.

Afinal, por acaso, não somos todos netos ou tataranetos de uma mesma negra africana? É o que comprovaram os cientistas que decifraram nosso DNA, que pouco difere do de uma minhoca.


Há que dizer não à formação de brigadas fascistas

O que diriam esses mestres se vissem que a “nova escola” que estão semeando pelo interior do país, dirigidas por oficiais da Polícia Militar, que no lugar da pedagogia impõem a disciplina militar?

Temos agora, além da militarização do estado policial, a militarização do ensino público. Sim, aquela escola que deveria ser laica, gratuita e republicana, no sentido de formar cidadãos e cidadãs, está formando jovens de mentes vazias e repressoras.

Escolas dirigidas por oficiais das Polícias Militares, sem nenhuma experiência, ou mesmo vocação pedagógica, formados para serem agentes repressores. Escolas públicas, que deveriam ser gratuitas, estão cobrando mensalidade de R$ 50 aos pais de alunos e ainda têm de arcar com o custo do uniforme, que vai além dos R$ 250.

Escola em que o policial, que se diz professor, se apresenta uniformizado e armado diante dos alunos.
Alarmante reportagem da revista Época de 23/7/2018, que constata que em 122 escolas públicas militarizadas as crianças marcham com cânticos de guerra. 

Que guerra? A guerra que vão travar contra seu próprio povo depois que aprenderem manejar as armas?

O ruim, asseveram alunos entrevistados, é a revista na entrada, em meninas que não podem estar com unhas esmaltadas, e meninos que não podem estar com cabelo na moda. Pela descrição das crianças, não é escola, é quartel, quando foi construída para ser escola pública. 

Quem está promovendo essa militarização em Goiás é o ex-governador Marconi Perillo (PSDB). Entregou para o comando da PM 43 escolas com nada menos que 53 mil alunos. Trinta dessas escolas foram retiradas da rede pública da secretaria de Educação. E a moda está pegando. Já são 122 escolas em 14 estados.

Gente! Ninguém fiscaliza isso? E as diretrizes de base nacional, como é que ficam?

Segundo os ouvidos pela reportagem, liberdade de expressão e pensamento viraram palavras proibidas. “Aqui ninguém tem o direito de pensar livremente. Não podemos fazer nada que desagrade aos militares”.

Não é como uma escola criada para formar militares das forças armadas, que possuem currículos apropriados e fazem parte da rede de ensino federal. No caso, são escolas estaduais entregues à gestão da PM sob o argumento de que há que impor disciplina aos alunos.
 

Fascismo explícito

Isso, essa militarização do ensino num estado militarizado, é fascismo explícito. Quem foi que preparou esses oficiais que se arvoram a educar nossas crianças?

Sabemos que milhares foram treinados na Escola das Américas, nos Estados Unidos, onde se aprende a defender os valores da sociedade estadunidense, o uso da tortura, quem pensa é comunista e deve ser extirpado, bandido bom é bandido morto, e negro é sempre bandido.

Que outra coisa poderão ensinar nessas escolas militarizadas dirigidas por meganhas? 

Foi precisamente assim que Benito Mussolini criou os Camisas Negras, as hordas fascistas que semeavam terror onde havia divergência ao Estado de Pensamento único. Exemplo seguido à risca por Adolf Hitler, na Alemanha nazista, que semeou terror em toda humanidade.


Como sensibilizar a sociedade?

Os sindicatos de professores se mobilizaram localmente, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação também. Não conseguem mobilizar contra essa fascistização do ensino. Até parece que a sociedade quer mesmo isso, já que não conseguem manter as crianças nas escolas e nem impor disciplina nas que a frequentam.

O pretexto que utilizam é o de que se não disciplinar essa juventude, eles ficam nas ruas e viram bandidos. Bom, não viram bandidos, mas viram fascistas assassinos ou policiais repressores, também assassinos.
 
Será que não há outro jeito de tratar as nossas crianças?


Integrar

Sim, há outras maneiras de educar e integrar a juventude.

Quando os bolchevique chegaram ao poder na Rússia de 1917, a situação das crianças, adolescentes e jovens adultos era muito similar ao que se vê hoje no Brasil dos excluídos. Não há escolas nem serviços públicos, formam gangues como estratégia de sobrevivência e de ascensão social. A indisciplina que os caracterizam é reação à opressão, expressão de liberdade contida.

Na Rússia, não colocaram esses jovens em nenhum quartel, em nenhuma Febem, hoje Fundação Casa. Colocaram em colônias educacionais em que, sob orientação de Anton Makarenko (1888-1939), talvez o maior educador do século 20, criaram uma verdadeira pedagogia fundada no aperfeiçoamento do melhor da qualidade humana contida em cada indivíduo. A educação para o socialismo.

O que diria Makarenko se visse nossas escolas militarizadas e dirigidas por policiais militares sem nenhuma experiência pedagógica?

“Como na vida tive que, fundamentalmente, resolver objetivos e problemas relacionados com a educação, sofri muito com esta questão, quando me enviam educadores sem educação. Gastei vários anos de minha vida e de trabalho, pois é uma grande estupidez contar que um educador sem educação eduque alguém. Considerei que era melhor ter na coletividade quatro educadores talentosos do que 40 sem talento e sem educação. Com meus próprios olhos vi pessoas sem talento e sem educação trabalharem na coletividade. Que resultado poderia dar um trabalho destes? Só a desintegração da coletividade. Não pode haver outros resultados”

Quando os policiais militares que assumiram a gestão da educação em escolas públicas dizem que estão formando moralmente esses jovens, há que sempre lembrar de Makarenko, para quem, com toda sua experiência asseverou que

“todas essas questões são extraordinariamente difíceis, visto que as boas qualidades necessitam de anos para se formarem. Não se pode formar um caráter sem método ou através do imediatismo. Só se pode formar um caráter mediante a participação prolongada da pessoa na vida de uma coletividade corretamente organizada, disciplinada, forjada e orgulhosa de si mesma. Mas organizar uma experiência deste gênero significa obrigatoriamente arriscar”

Porque essa longa reflexão?

Porque temos que lutar pela escola pública de qualidade, contra a mercantilização do ensino, Aluno não é mercadoria para ser idiotizado, é gente, é o futuro da nação, merece que todo o dinheiro do mundo seja aplicado para seu desenvolvimento.

Será que algum candidato pensa assim?


*Jornalista editor de Diálogos do Sul