A semana final deste agosto de 2018 pode não estar carregada das
expectativas da semana final de agosto de 1954, há mais de sessenta
anos, mas já apresenta sinais de que a história, antes vivida como
tragédia, repete-se agora, muito como farsa, mas também como desafio e
oportunidade.
Por José Augusto Ribeiro, no Conversa Afiada
Na manhã do 24 de agosto de 54, a do suicídio do Presidente Getúlio
Vargas, eu vivi intensamente cada minuto do que acontecia, com 16 anos e
já aprendiz de jornalista (pelo menos era “diretor”, imaginem, do
jornalzinho mensal dos alunos do Colégio Estadual do Paraná, em
Curitiba, que publicou uma edição especial, mas já em setembro, com
editorial e tarja de luto).
Sabíamos de algumas das razões e das circunstâncias da campanha contra Getúlio Vargas, mas com o tempo saberíamos:
(1) que a morte de Vargas impediu o desmonte das principais
conquistas de seus dois governos, desde a legislação trabalhista
iniciada ainda nas primeiras semanas do primeiro deles, o governo
provisório da Revolução de 30, até a Petrobrás, que ganhara vida efetiva
apenas três semanas antes, a 1º de agosto, quando assumiu o controle e a
posse de todas as reservas de petróleo do Brasil, das refinarias de
Mataripe, na Bahia, e de Cubatão, em São Paulo (esta em construção), dos
navios da Frota Nacional de Petroleiros e de todos os ativos do setor
estatal de nossa indústria do petróleo;
(2)
que a morte de Getúlio Vargas garantiu a sucessão presidencial de 1955 e
a candidatura, a campanha, a eleição, a posse e o governo do Presidente
Juscelino Kubitschek (JK teve de enfrentar duas rebeliões armadas, além
do contragolpe, também armado, do General Lott, em novembro de 55,
quando o governo do Vice da época tentou anular a eleição);
(3) que morte de Vargas adiou por dez anos o golpe de 64, dez anos
nos quais as conquistas lideradas por Getúlio Vargas enraizaram-se e
avançaram tanto que os governos militares pouco mexeram com as garantias
trabalhistas e não só não tentaram o desmonte da Petrobrás como lhe
deram todo apoio;
(4) que a morte de Getúlio Vargas evitou uma guerra civil na qual
morreriam muitos brasileiros, até, que sabe, jovens de 16 anos.
Com tanta a coisa a dizer sobre este 24 de agosto de 2018,
especialmente sobre o comportamento da grande mídia, vou ficar no agosto
de 54. Não preciso discutir o papel atual da grande mídia, da qual o
“Jornal Nacional” ainda é o órgão de maior peso e poder: o Papa
Francisco já desmascarou os processos de linchamento moral a cargo de
tais veículos para instigar o clamor das ruas e abrir caminho aos golpes
agora judiciais que tentam deter o avanço da história.
Quero voltar ao 24 de agosto de 1954 para contar de novo, sem a
necessidade de qualquer comentário, um episódio daqueles dias. No auge
daquela campanha, a mídia se mobiliza contra Getúlio Vargas, o
jornalista Carlos Lacerda fala contra ele toda noite pelas duas únicas
TVs em funcionamento no Brasil, uma no Rio e a outra em São Paulo, ambas
de propriedade do Rei da Mídia de então, Assis Chateaubriand – um
monopólio privado absoluto. A onda avança, manifestos militares exigem a
renúncia de Getúlio Vargas e no auge da crise a chantagem e seu preço
são anunciados sem meias palavras.
Assis Chateaubriand, que comanda o linchamento
midiático de Getúlio Vargas, tem um encontro com o General Mozart
Dornelles, subchefe do Gabinete Militar da Presidência da República, de
quem era amigo pessoal desde a Revolução de 30, quando se conheceram,
Mozart combatente e Chateaubriand jornalista. É Mozart que procura
Chateaubriand, sem Getúlio Vargas saber, e pergunta por que tanto
rancor, tanto ódio na campanha das televisões, das rádios e jornais
fortíssimos da rede dos “Associados” de Chateaubriand em todos os
Estados e de sua revista ilustrada O Cruzeiro, que vende meio milhão de exemplares por semana.
Chateaubriand não faz cerimônia, faz seu preço:
– Mozart, eu sou o maior admirador do Presidente, eu
adoro o Presidente. À hora que ele quiser, eu tiro o Carlos Lacerda da
televisão e entrego para quem ele quiser… É só ele desistir da
Petrobrás.
É só ele desistir da Petrobrás…
O General, chocado com a crueza da proposta, volta
para o Palácio do Catete, sede da Presidência da República, onde
encontra o Ministro da Justiça Tancredo Neves, conta o episódio e pede
uma opinião: deve contar ou não a Getúlio Vargas sobre a proposta de
Chateaubriand?
– Acho que você deve contar – responde Tancredo. – O
Presidente precisa saber disso. Mas nós dois sabemos de uma coisa: o
Presidente morre, mas não desiste da Petrobrás.
Getúlio Vargas não desistiu – e o Brasil tem hoje o
Pré-Sal, tão ameaçados neste agosto, o Pré-Sal e a própria e sessentona
Petrobrás, quanto a Petrobrás recém-nascida no agosto de Vargas na crise
de 54.
Fonte: Publicado no Diálogos do Sul
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