"Quando perdemos a capacidade de nos indignarmos com as atrocidades praticadas contra outros, perdemos também o direito de nos considerarmos seres humanos civilizados." ― Vladimir Herzog

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Painel Paulo Freire, obra de Luiz Carlos Cappellano.

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segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Carta Educação, Artigo: “Nada é justificativa para acabar com o direito à educação pública”

'Especialista afirma que críticas superficiais pública têm por objetivo a privatização do sistema'

*Por Madalena Guasco Peixoto
Não é de hoje que se descobriu no Brasil que o ensino superior é um negócio vantajoso. Não a formação propriamente dita, não a elaboração e consolidação de um pensamento crítico — essa tem importado pouco, sobretudo em épocas de aprofundamento de recuos e rupturas democráticas, como este pelo qual passa o país, em que a universidade e todo seu potencial reflexivo são encarados como obstáculos aos interesses das forças que tentam manter o poder. Diz-se negócio na acepção primeira que o termo tem no dicionário: uma transação comercial como outra qualquer cujos objetivo e resultado não são a educação, mas o lucro.
Prova desse perigo alarmante são os sucessivos ataques à universidade pública que têm se alastrado nos últimos tempos, da desmoralização e criminalização de reitores e ex-reitores — casos entre os quais se destaca, tristemente, o suicídio do ex-reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier, após ser submetido à perseguição e à humilhação — até o relatório do Banco Mundial divulgado no fim do ano passado, que sugeriu a cobrança de mensalidade no ensino público superior no Brasil.
A “sugestão” não chegou a ser uma novidade, já tendo sido apoiada por pretensos defensores da educação no país, e voltou à baila nos últimos dias em veículos de imprensa de grande circulação. Num jornal de alcance nacional, foi apontado que os gastos das universidades federais passaram de R$ 33 bilhões para R$ 46,1 bilhões, entre 2009 e 2016, e que, em contrapartida, no mesmo período, o custo anual médio por aluno caiu de R$ 38,8 mil para R$ 37,5 mil. A conclusão à qual o veículo, alinhado aos interesses neoliberais tenta chegar é óbvia: para essa mídia, a universidade gasta mal. Um raciocínio simplista que sequer faz qualquer consideração, por exemplo, ao crescimento do número de vagas e à grande ampliação universitária promovida a partir do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) — questões que, evidentemente, fazem subir o custeio, ao mesmo tempo que diluem o gasto médio por estudante.
Outro jornal que circula em todo o Brasil expressou-se sobre o tema sem deixar margens para dúvidas sobre sua posição ao lado dos interesses mercantis. Parafraseando os três supostos conselhos da publicação, o “colapso orçamentário” dos últimos anos exige maior eficiência nos gastos; a contratação de “organizações sociais” para a gestão de escolas pode ser uma “alternativa”; e as universidades públicas devem ser “autorizadas” a cobrar dos alunos com “mais recursos”. Em outras palavras: privatização.
A destruição do conceito de gratuidade, que está previsto no inciso IV do artigo 206 da Constituição Federal, implica o fim do pilar democrático alcançado em 1988, uma conquista que se deu na luta de um projeto de desenvolvimento soberano e republicano para o Brasil. A defesa de que os mais abastados paguem pode soar lógica para ouvidos ingênuos, mas é profundamente demagógica, principalmente por vir, em sua maioria, daqueles que são contrários a uma reforma tributária justa e à taxação de grandes fortunas, por exemplo, num sistema em que, aí sim, os que têm mais condições financeiras pagariam mais impostos, que seriam destinados, em parte, para a educação pública.
O que esse falso argumento de uma pretensa justiça na cobrança da mensalidade esconde, na verdade, são os interesses mercantis que têm se sobreposto à preocupação com a qualidade da educação. Ao desobrigar o Estado a se comprometer com o financiamento das universidade públicas federais, lavando as mãos de seu dever constitucional, o que pretendem é oferecer a venda dos serviços como alternativa. Ou, mais do que serviços, transformar o ensino em produto, como tem ficado claro nas tentativas de inserir no Brasil nos acordos internacionais de livre comércio, que incluem a educação.
Frente a isso, é preciso reafirmar que nem crise financeira nem uma suposta ineficiência nos gastos são justificativa para retirar o princípio da educação pública e gratuita da Constituição brasileira. Educação não é mercadoria.
*Madalena Guasco Peixoto é diretora da Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e coordenadora da Secretaria-Geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee)

Carta ao general Braga Netto


*Por Frei Betto

General, o Rio precisa de intervenção cívica, e não militar. O Estado fluminense e a prefeitura carioca estão acéfalos.

Em 10 anos de implantação das UPPs houve tempo suficiente para evitar que uma geração de crianças e jovens escapasse das garras do narcotráfico. Cometeu-se o equívoco de instalar postos policiais nas comunidades, e não escolas, cursos profissionalizantes, quadras de esportes, oficinas de dança, teatro, música e literatura.

O Exército brasileiro acumula uma história de fracassos. Promoveu um genocídio no Paraguai, e até hoje os arquivos da guerra no século XIX são mantidos secretos para não envergonharem a nossa história militar. Fez uma matança desnecessária em Canudos para evitar que os nordestinos se livrassem da tutela dos donos de engenhos.

Deixou-se manipular pela Casa Branca, em 1964, para derrubar o governo democraticamente eleito de Jango, e implantou uma ditadura que durou 21 anos.

Não permita, general, que haja novo fracasso. Não autorize seus soldados a se transformarem em assassinos fardados que, ao ingressar nas comunidades, primeiro atiram e depois interrogam.

Sua missão será tão inútil quanto a das UPPs se acreditar que a violência que assola o Rio é culpa apenas do narcotráfico, dos bandidos e das milícias.

As causas é que precisam ser urgentemente combatidas: a desigualdade social, o sucateamento da escola pública, o desemprego, a falência do sistema de saúde.

Não admita que seus soldados e oficiais sejam corrompidos, como ocorre a tantos policiais e autoridades que engordam a conta bancária ao fazer vista grossa para o crime organizado. De onde procedem as sofisticadas armas em mãos dos bandidos? Quem os mantém previamente informados das operações repressivas?

Os problemas não estão apenas nos morros. Estão sobretudo no asfalto, onde residem os que alimentam o narcotráfico, os políticos corruptos, os que permitem que o nosso sistema carcerário seja sede do comando do crime.

Salve a imagem do Exército, general. E convença os governantes do povo fluminense e carioca a renunciarem, para que sejam convocadas eleições antecipadas. A democracia é sempre a melhor alternativa! 

(Publicado originalmente no jornal O Globo)


*Frei Betto é escritor, autor de “Batismo de Sangue” (Rocco), entre outros livros


Fonte: Brasil 247

Lufada de ética na corte

Florestan Fernandes 
 Darcy Ribeiro 
Certa vez presenciei uma divertida conversa entre o senador Darcy Ribeiro, recém-chegado ao Senado, e o então deputado constituinte Florestan Fernandes.
Darcy dizia em tom de brincadeira a Florestan que na eleição seguinte ele devia deixar a câmara baixa (Câmara dos Deputados) e se candidatar à câmara alta (Senado Federal).
“Venha pra cá, Florestan! Isso aqui é um pedaço da corte! No Brasil, o lugar mais próximo do céu é o Senado da República. Aqui a gente tem tudo que quer. Basta desejar alguma coisa que aparece um funcionário para lhe servir. Os dois estavam impressionados com os ares monárquicos da Praça dos Três Poderes.
O professor Florestan dizia que, apesar de tudo, um dos pontos mais interessantes para se observar o Brasil era o Congresso Nacional e que no Plenário chegavam fragmentos políticos, sociais e culturais do país trazidos por cada parlamentar.
Disciplinado, cumpria rigorosamente os horários das sessões. Sentava-se na mesma cadeira e prestava atenção nos discursos de cada um com o devido respeito, apesar da grande maioria das intervenções serem de baixíssimo nível. Às vezes pedia aparte e debatia os assuntos com a erudição do cientista social que era, cumprindo sua função parlamentar. O burburinho do Plenário abrandava para ouvir o mestre.
Ao mesmo tempo era um homem despojado, almoçava todos os dias no restaurante dos funcionários. Não costumava ir ao mais frequentado pelos parlamentares.
Ele era tão cuidadoso com a própria conduta que certo dia, em São Paulo, passou mal em casa à noite, chamou um táxi e foi para o hospital do servidor. Dona Myriam, mulher dele, preocupada, ligou para Florestan Fernandes Júnior, que estava na TV e pediu para que ele fosse ao hospital acompanhar o pai.
Quando o filho chegou, o professor Florestan estava numa fila enorme para ser atendido. Ele sofria de hepatite C, doença que havia se agravado e lhe causava crises muito fortes.
Florestan Júnior perguntou por que ele, como deputado, não procurou o hospital Albert Einstein, o Sírio Libanês, ou outro que pudesse atendê-lo com rapidez e em melhores condições. Ele respondeu que era servidor público e que aquele era o hospital que teria que cuidar dele.
Perguntou também por que ele estava na fila, em vez de procurar diretamente o atendimento de emergência. Ele disse que estava na fila porque tinha fila e que todas as pessoas estavam ali em situação semelhante à dele, com algum problema de saúde, e que ele não tinha direito de ser atendido na frente de ninguém.
Percebendo a gravidade da situação, o filho foi ao plantonista. O professor Florestan só saiu da fila depois que o médico insistiu para que ele entrasse, deitasse numa maca e fosse medicado.
Na parede onde a maca estava encostada havia um quadro de avisos. Enquanto tomava soro na veia, olhando ao redor, viu afixado no canto do quadro um recorte de jornal amarelado pelo tempo. Apontou o dedo e disse ao filho:
– Olha, é um artigo meu, publicado no jornal Folha de S. Paulo. Nesse eu defendo a saúde pública.
Como nos meses seguintes as crises tornaram-se cada vez mais fortes e frequentes, os médicos que cuidavam dele decidiram fazer transplante do fígado.
Na época, Fernando Henrique Cardoso, seu ex-aluno na USP e amigo pessoal de muitos anos, era presidente da República e ficou sabendo que o professor Florestan faria a cirurgia.
Imediatamente ligou para ele, ofereceu traslado e a realização do transplante no melhor hospital de Cleveland, nos Estados Unidos. Florestan tinha alta comenda do país, a Ordem de Rio Branco, que lhe facultava certas prerrogativas.
Florestan agradeceu a gentileza de Fernando Henrique e disse que não poderia aceitar o privilégio. Que aceitaria se ele fizesse o mesmo com todos os brasileiros em situação mais grave do que a dele.
Em seguida ele fez o transplante em São Paulo e morreu no hospital por complicações pós-operatórias provocadas por erro humano.
Nesse momento de indigência moral e de decadência institucional do país, em que autoridades como magistrados, procuradores, parlamentares, ministros, o presidente da República, posam com exuberantes imposturas, usam e abusam dos cargos e funções públicas que ocupam para tirar proveitos próprios, lembrar de homens públicos e intelectuais de grandeza ética como o professor Florestan Fernandes e o professor Darcy Ribeiro talvez ajude a arejar o ambiente degradado da sociedade brasileira pelo golpe de Estado.

*Laurez Cerqueira nasceu em Mortugaba/BA, é autor, entre outros trabalhos, de Florestan Fernandes – vida e obra; Florestan Fernandes – um mestre radical; e O Outro Lado do Real. Escreve regularmente artigos de opinião e  livros temáticos,  como ghost writer.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Fim do ensino superior público pago no Chile, por que o silêncio?

*Por Peter Schulz 
Governo chileno aprova reforma do ensino superior que adota um modelo gratuito e universal
Foto: Alex Ibañez/ Presidencia do Chile
Há pouco mais de dois meses um fato banal em si transformou-se em grande notícia. O fato era a entrega de um relatório encomendado pelo governo federal, um ”ajuste justo” proposto pelo Banco Mundial. Entre outros, um ajuste bastante divulgado pelos grandes meios de comunicação era o fim da gratuidade no ensino superior público no Brasil[I]. A repercussão foi enorme, lançando-se mão de exemplos bem sucedidos nesse sentido, como o da Inglaterra. A ampla divulgação não trazia junto o “outro lado”, o contraditório. As críticas a essa proposta apareceram em veículos de menor penetração e, em parte, por meio das redes sociais. Uma vez formados esses polos, não ocorreu propriamente um debate público, não apareceram tréplicas para provocar reposicionamentos ou aprofundar as argumentações. Polarizações sem o necessário embate qualificado são comuns e um caso específico foi analisado de forma bastante clara e será útil para entender a pergunta do título: a (des)informação sobre um ataque com mísseis à Faixa de Gaza em 2014. A análise, tanto da cobertura de imprensa de um lado e a omissão de outro, quanto da repercussão nas redes sociais, é de Gilat Lotan da New York University[II]. Vale a pena olhar a imagem da rede de respostas pelo Twitter sobre esse fato a partir de um Twit do Haaretz.com. É possível ver que as comunidades de Twitters “pró-Israel” e as “pró-Palestina” praticamente não se conectam: polarizam-se, mas cada um não se interessa pelo outro lado da história. Um dos “olhos” – como são chamadas as frases em destaque de um artigo – no texto de Lotan é digno candidato a epígrafe: “nós não estamos vendo pontos de vista diferentes e sim mais do mesmo”. Um subtítulo também é sugestivo: “a Mídia constrói a realidade”.
Quanto aos grandes meios de comunicação, Lotan notou que portais de um dos polos anunciaram claramente o incidente, enquanto que os do outro polo pouca menção faziam a isso. Isso lembra bem o caso de poucos dias atrás. Nos desdobramentos do debate (que acabou não existindo) a partir do relatório do Banco Mundial, seria importante uma análise mais aprofundada da realidade nos países onde o ensino superior público é pago, como Estados Unidos ou Inglaterra[III]e, mais perto daqui, o Chile. Nesse contexto, foi quase só por acaso que ficamos sabendo que “O congresso do Chile aprovou lei de gratuidade da educação superior” no dia 24 de janeiro (manchete do eldiario.es[IV]). Para chegar pelo Google a essa matéria, passei primeiro por uma pequena nota Jornal da Ciência da SBPC e pelo blog do Freitas[V], que exibe o link para matéria na Carta Educação, o único veículo de comunicação que parece ter divulgado a noticia por aqui. Assim temos um relatório que propõe uma coisa (ensino superior público pago) amplamente divulgada e um fato importante, mas no sentido contrário (fim do ensino público pago em um país vizinho), que foi obliterado. Lembrando o texto de Lotan: a mídia constrói a realidade?
Voltando ao fato principal, qual é a notícia? A Câmara dos Deputados aprovou com 102 votos e duas abstenções a lei de ensino superior, que universaliza sua gratuidade e introduz outras reformas em um sistema vigente desde a ditadura de Pinochet. O plano já vem de certo tempo e começou a ser posto em marcha em 2016[VI] debaixo de críticas vindo de diferentes pontos do espectro político. O que é comum em várias das narrativas é o alto custo do sistema que agora tem finalmente o marco legal para sua mudança: as mensalidades das universidades chilenas estão entre as mais caras do mundo em termos de paridade de poder aquisitivo[VII]. Esse modelo, que agora é reformado, se correlacionou como uma enorme expansão do ensino superior, mas desonerando o Estado à custa de onerar as famílias e os estudantes. De forma não sustentável. São conhecidos os protestos estudantis no Chile em 2006 e 2011, esses últimos tendo motivado a reforma em questão.
Entender um sistema de ensino em outro país não é tarefa rápida e simples, mas é imprescindível para uma discussão qualificada. Tomar apenas um ou outro aspecto de forma isolada é simplesmente um exemplo do que já foi batizado como sincericídio[VIII]. O que deve ser oferecido, portanto, é acesso a diferentes narrativas. Aqui eu apresentei algumas e acrescento ainda a de J. Salvador Peralta, publicada no portal Times Higher Education[IX] (clique abaixo) em julho do ano passado, ou seja, em pleno debate da lei que foi aprovada praticamente por unanimidade meses depois.
Ao considerarmos exemplos de qualquer lugar que seja, precisamos nos debruçar sobre essas experiências ao longo do tempo como um todo, pois só assim podemos perceber que o que é apresentado por alguns como uma solução ‘mágica’ (e trágica) acabou em farsa e precisou ser substituída. Convido a todos a acompanhar o desenvolvimento do ensino público e gratuito no Chile. Torço por ele, pois Peralta adverte que a reforma estaria condenada por ser boa demais. Espero também que tenhamos mais acesso às informações sobre isso, sem as manipulações de dados, como as confessadas recentemente pelo Banco Mundial[X].
*Peter Schulz foi professor do Instituto de Física "Gleb Wataghin" (IFGW) da Unicamp durante 20 anos. Atualmente é professor titular da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, em Limeira. Além de artigos em periódicos especializados em Física e Cienciometria, dedica-se à divulgação científica e ao estudo de aspectos da interdisciplinaridade. Publicou o livro “A encruzilhada da nanotecnologia – inovação, tecnologia e riscos” (Vieira & Lent, 2009) e foi curador da exposição “Tão longe, tão perto – as telecomunicações e a sociedade”, no Museu de Arte Brasileira – FAAP, São Paulo (2010).




Sobrevivente do Holocausto alerta: “o ódio de hoje se assemelha ao dos anos 30”

Eva Schloss
Sobrevivente do holocausto e amiga de infância de Anne Frank, Eva Schloss faz um alerta perturbador ao afirmar que o mundo não aprendeu nada com o nazismo. O mundo sofre dos mesmos males daquela época, a mesma insegurança, o mesmo sentimento de ódio e intolerância.
Em entrevista ao Estadão, Eva falou de suas lembranças, do terror que viveu quando prisioneira nos campos de concentração dos alemães, da crueldade da separação dos entes queridos e o dizer do pai: “Deus vai ajuda-la”.
Anne Frank, a garota que morreu em um campo de concentração e comoveu o mundo com a publicação de seu diário pessoal, escrito durante o tempo em que ficou escondida dos nazistas com sua família
Talvez a Providência Divina tenha chegado a tempo para Eva Schloss, hoje com 88 anos, mas a amiga Anne Frank não aguentou esperar e acabou morrendo em outro campo. “Anne Frank e sua irmã foram levadas de Auschwitz e colocadas em um campo que seria libertado muito depois. Se ela tivesse ficado, teria sobrevivido. Em janeiro, pelo que sabemos, ela ainda estava bem. Ela morreu em março.”
Outra coisa que preocupa Eva é o esmaecimento da História, que a seu ver, está sendo esquecida. Nesse aspecto ela faz referência ao descaso que afirma ter constatado no Japão, onde as pessoas desconhecem quase que totalmente os horrores acontecidos na Europa desse período: “No ano passado, estive no Japão e fiquei impressionada com o fato de eles não conhecerem nada de história, muito menos sobre o que ocorreu na Europa. Espero que um dia a sociedade mude e não haja mais a necessidade de falar em ódio. Mas, até lá, precisamos repetir essa mensagem e lembrar o que ocorre quando levamos o ódio ao extremo.”
Eva Schloss fala ainda da ascensão da extrema direita na Europa, se referindo a isso como algo preocupante, que gera um clima ruim de intolerância e medo, assim como ocorrido nos anos 30 às vésperas da grande guerra. Segundo ela, nem a evolução tecnológica, que é algo bom, está sendo suficiente para uma conscientização coletiva no sentido de evoluir o ser humano e as pessoas se tornam cada vez mais “mesquinhas”.
Hoje Eva percorre o mundo falando sobre os horrores vividos na guerra. Agora, para que sua mensagem permaneça, ela fez parte de um projeto que transformará sua imagem em holograma, que correrá escolas de todo o mundo condenando a intolerância.

A cotista e filha de pedreiro que tirou nota 1.000 na redação do Enem

'Beatriz Albino Servilha, de 19 anos, atribui suas vitórias aos pais: o pedreiro Junior e a telefonista Renata. A jovem celebrou: “filha de pobre também pode ser médica”. Apenas 53 candidatos tiraram a nota máxima na redação do Enem'

Beatriz Albino Servilha tirou nota máxima na redação do Enem e vai cursar medicina
Entre os milhões de inscritos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), apenas 53 candidatos(as) tiraram nota máxima na redação da prova. Uma delas é Beatriz Albino Servilha, de 19 anos.
A jovem, que é filha de um pedreiro e de uma telefonista, atribui seu sucesso aos pais: Junior e Renata. “Sempre quis provar a eles que filha de pobre também pode ser médica”, celebrou.
Depois de tantos obstáculos, o casal viu o nome da filha na lista de aprovados em medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Foram gritos ao telefone e choro de comemoração.
“Era meu 3º ano tentando entrar na faculdade. Eu sabia que minha família não teria condições de manter meus estudos. Mas, mesmo assim, nunca me direcionaram para outra área. Nossa situação financeira não me impediu de correr atrás do que eu queria”, conta Beatriz.
Quando recebeu a prova do Enem e viu que o tema da redação era “Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil”, Beatriz começou a chorar. “Não acreditei. Comecei a estudar Libras há dois anos, para me comunicar com uma amiga surda”, conta.
Ela havia se tornado intérprete da língua de sinais para os seguidores da igreja que frequenta. “Não achei tão difícil, porque tenho contato direto com a comunidade surda, que me impulsionou a continuar”, afirma Beatriz.
A jovem conta que, na redação do Enem, argumentou sobre a falta de intérpretes capacitados para atuar nas salas de aula. “Não basta formar qualquer tipo de profissional. Existem aqueles que têm capacidade de trabalhar em tribunal, em teatro, em igreja ou em escolas. A sociedade é muito ignorante e não vê Libras como algo importante e oficial”, diz.
“Há um tempo, fui levar minha irmã a uma unidade de pronto-atendimento e vi três surdos lá, desamparados, porque nenhum funcionário sabia língua de sinais. Ninguém pensa nisso”, completa.

Cotas

A jovem foi aprovada no Sistema de Seleção Unificada (Sisu) pela cota de estudantes de escola pública, autodeclarados pretos, pardos ou indígenas, com renda familiar per capita inferior a 1,5 salário mínimo.
Ela defende a política de cotas por ter vivenciado a dificuldade de uma estudante de escola pública conseguir recuperar o que não aprendeu no ensino médio.
“Isso não é sistema de benefício a ninguém. É a forma de o governo corrigir um erro que é deixar o negro de lado, negligenciar a educação do pobre. Por anos, não tive matemática nem biologia”
com informações de G1

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

A guerreira que viveu no Brasil e preferiu a morte à escravidão

Você já ouviu falar de Dandara dos Palmares? Ela lutou, ao lado dos companheiros do Quilombo dos Palmares, pelo fim da escravidão no Brasil. Conheça a história dela!



Dandara foi esposa de Zumbi dos Palmares, o último dos líderes do Quilombo dos Palmares, o maior dos quilombos do período colonial brasileiro. Dandara era uma guerreira negra que dominava técnicas de capoeira e lutava ao lado de homens e mulheres nas muitas batalhas geradas por ataques ao quilombo.
O Quilombo dos Palmares ficava na Serra da Barriga, na então Capitania de Pernambuco, região hoje pertencente ao município de União dos Palmares, em Alagoas. Resistiu por mais de um século e se tornou um importante símbolo da resistência do africano à escravatura.
Não se tem informação se Dandara nasceu no Brasil ou no continente africano, mas ainda menina chegou ao Quilombo dos Palmares. Lá, além de participar dos embates físicos, ajudava na elaboração de estratégias para a resistência do quilombo. Também participava de atividades cotidianas, como a caça e a agricultura. No quilombo era praticada a policultura de alimentos como milho, mandioca, feijão, batata-doce, cana-de-açúcar e banana.
Os ataques a Palmares teriam se tornado frequentes a partir de 1630, com a invasão holandesa. Segundo a narrativa em torno de Dandara, ela teria tido importante papel no rompimento do marido com seu antecessor, Ganga-Zumba, primeiro grande chefe do Quilombo dos Palmares e tio de Zumbi. Em 1678, Ganga-Zumba assinou um tratado de paz com o governo de Pernambuco. O documento previa que as autoridades libertassem palmarinos que haviam sido feito prisioneiros em um dos confrontos. E também a liberdade dos nascidos em Palmares, além de permissão para realizar comércio. Em troca, a partir dali,os habitantes do quilombo deveriam entregar escravos fugitivos que ali buscassem abrigo.
Dandara e Zumbi foram contra o acordo, que não previa o fim da escravidão, só a liberdade para poucos. Ganga-Zumba acabou sendo morto por um dos palmarinos contrários à sua proposta.
Dandara e Zumbi tiveram três filhos. Dandara se suicidou em 6 de fevereiro de 1694, quando foi presa. Jogou-se de uma pedreira direto para um abismo. Preferiu a morte a voltar a ser escrava.

O dia em que Lula acabou com o auxílio-moradia dos juízes

Nelson Jobim.
A emenda saiu pior que o soneto na resposta em que o juiz Sérgio Moro justificou o recebimento do auxílio-moradia por ele e por outros juízes com casa própria como um salário indireto para a categoria, sem reajuste nos últimos anos.
O problema é que essa já deveria ser uma questão superada desde 2005, quando o então presidente do STF, Nélson Jobim, conseguiu convencer o então presidente Lula a enviar ao Congresso e – e aprovar – um plano de reestruturação de carreira para os magistrados – justamente para acabar com o auxílio-moradia.
Quando foi conversar com Lula no Planalto, naqueles idos de 2005, Jobim abriu o jogo: o auxílio-moradia, um “abacaxi”, era de fato uma gambiarra que servia como complementação salarial para os juízes, que na época ganhavam em torno de R$ 12 mil. O justo era acabar com isso, reestruturando a carreira, aumentando o salário e preservando o auxílio apenas nos casos de transferência de magistrados para lugares distantes.
Lula concordou que juiz tinha que ganhar bem, e não por subterfúgios ou penduricalhos.  Acionou seu então ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, que ajudou a formatar a proposta e incluí-la no orçamento da União. O Congresso aprovou e a República achou que tinha ficado livre do auxílio-moradia dos juízes – até que ele voltou a ser universalizado, por decisão do ministro Luiz Fux, do STF, em 2014.
*Helena Chagas é Jornalista, formada na Universidade de Brasília em 1982. De lá para cá, trabalhou como repórter, colunista, comentarista, coordenadora, chefe de redação ou diretora de sucursal em diversos veículos, como O Globo, Estado de S.Paulo, SBT e TV Brasil (EBC). Foi ministra chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência da República de janeiro de 2011 a janeiro de 2014.

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Aos juízes, auxílio-moradia. Aos sem-teto, bombas e balas de borracha

Indígena tenta impedir reintegração de posse. Foto vencedora do Prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos. Luiz Gonzaga Vasconcelos, Jornal A Crítica (2008).
O juiz Sérgio Moro, responsável pelos processos da Lava Jato, recebe auxílio-moradia apesar de possuir um imóvel próprio de 256 m² em Curitiba, conforme relatou Ana Luiza Albuquerque, na Folha de S.Paulo desta sexta (2). Para garantir o valor de R$ 4378,00 mensais, ele se aproveitou da sempre recorrente decisão liminar de Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, que estendeu o benefício – que já era pago por alguns tribunais – a todos os juízes do país. Segundo o ministro, não fazer isso manteria uma diferenciação entre os magistrados. O recebimento não é automático e depende de solicitação individual.
Gosto dessa ideia de combater a diferenciação de tratamento entre aqueles que são iguais. Afinal se todos os brasileiros são iguais perante à lei, devem ter acesso ao mesmo direito, não é mesmo?
O artigo 6o da Constituição Federal afirma que a moradia é um direito social de todos os brasileiros. Mas, infelizmente, nem todos os brasileiros têm acesso à moradia. De acordo com o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), há um déficit de 500 a 700 mil unidades habitacionais apenas em São Paulo. E, no Brasil, o buraco seria de 6,2 milhões.
Porém, quando brasileiros buscam a efetivação do seu direito, protestando por políticas de habitação com condições mais acessíveis de financiamento ou ocupando imóveis vazios para obrigar o poder público a se mexer, são carinhosamente tratados pela polícia com bombas, balas de borracha e cassetetes. Que, muitas vezes, são consequência de ordens judiciais.
O inciso IV, do artigo 7o, da mesma Constituição, afirma que o salário mínimo deveria ser capaz de garantir alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte, previdência social e, claro, moradia para uma família de quatro pessoas. Em valores de hoje, segundo cálculo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), isso demandaria R$ 3585,05 mensais.
Bem menos, portanto, que o auxilio-moradia pago aos magistrados individualmente.
O Brasil tem dispendido injustificável tratamento diferenciado (para pior) a uma parcela de sua população que se vê obrigada a morar em casas sem a mínima segurança ou dormir ao relento em comparação a benefícios concedidos para algumas categorias, como as de magistrados e políticos.
Como o país não tem sido competente em garantir um piso de salário que permita a todos os cidadãos pagarem por um teto digno, deveria melhorar seus programas de habitação popular, principalmente aqueles voltados aos grupos mais vulneráveis. Imagine o incremento nessa política que seria se fosse destinado um valor equivalente aos auxílios-moradia dos que ganham bem à construção de casas populares de forma a acabar com um ''injustificável tratamento diferenciado'' entre os brasileiros mais pobres e sua elite de funcionários públicos. Pode soar populista, mas serve como ponto de partida para a reflexão.
Afinal, há direitos e direitos. E o direito fundamental de não dormir na rua deveria ser prioridade em relação a muitos outros. Alguns vão alegar que não se resolve uma injustiça cometendo outra. Resolver não resolve porque, para zerar o déficit habitacional, precisaríamos de vontade política, contornar as reconhecidas limitações econômicas e acabar com o ralo da corrupção na construção civil. Mas se não resolve, pelo menos é um bom indicativo de que privilégios não seriam mais tolerados.
A desigualdade é nociva porque dificulta que as pessoas vejam a si mesmas e as outras pessoas como iguais e merecedoras da mesma consideração. Ao mesmo tempo, há a percepção (correta) de que o poder público existe para servir aos mais abonados e controlar os mais pobres – ou seja, para usar a polícia e a política a fim de proteger os privilégios do primeiro grupo, usando violência contra o segundo, se necessário for.
Enquanto a presidente Cármen Lúcia, não levar a liminar concedida por Fux que libera o auxílio-moradia a todos os magistrados brasileiros à discussão no plenário do Supremo Tribunal Federal, nenhum juiz deveria assinar uma reintegração de posse sequer de qualquer imóvel ou terreno ocupado por sem-teto e de qualquer área ocupada por indígenas ou outras populações tradicionais que as reivindiquem.
Isso não seria uma afronta à ordem jurídica, mas uma mera questão de reciprocidade.

Moro e a moral dos moralistas

No final da noite de ontem, escrevi que “não há quem desacate mais a Justiça que o Judiciário” e que ninguém a degradou publicamente, nos últimos tempos que o auxílio-moradia–duplex do casal Bretas&Bretas.
O sentimento estava no ar, e baixou ao papel da Folha de S.Paulo hoje, com a reportagem Moro tem imóvel em Curitiba, mas recebe auxílio-moradia de R$ 4.378, livre de impostos.
Dizer que é legal, embora não seja moral – argumento de 11 entre 10 juízes e adeptos da ferocidade judicial – não soluciona o problema de um Judiciário que, faz tempo, trocou a análise legal pelo julgamento moral, a forma que encontrou para execrar seus adversários.
Ou não foi assim que fez a exibição de pedalinhos, barquinhos de lata, pretensões a comprar um apartamento e tudo o mais que usou para criar na população a ideia de que Lula teria se locupletado com a política?
Se quisermos ficar no campo da chacota, tantas vezes utilizado contra o ex-presidente, poderíamos dizer que Moro recebeu, desde  setembro de 2014, o suficiente para comprar uma flotilha de 60 pedalinhos.
O assunto, porém, é sério demais para ser tratado com a estupidez reinante.
Embora não seja pouco – e, pior, seja escandaloso diante do quadro de pobreza de um país onde representa mais do que o ganho de quatro trabalhadores de salário mínimo, que têm de morar, vestir, comer e em tudo “se virarem” com  R$ 954 – o que está em jogo é a régua com que o Judiciário passou a medir os homens públicos, claro que apenas quando politicamente lhe interessava fazê-lo.
Aceitar, por exemplo, que o recebimento indevido – e se pode dizer que seja devido um auxílio-moradia a quem mora no que é seu? – de dinheiro público é o responsável pelos sofrimentos do povo, que até mata pessoas por falta de saúde ou de saneamento, não é a mesma conta que se pode fazer com o bilhão que já custou aos cofres da Nação o “pixuleco” pago ao distinto clube de suas excelências?
Repito desde que me entendo por gente e o faço outra vez: ao se defrontar com um moralista, segure sua carteira.
Quem alardeia a moralidade dificilmente a pratica.