"Quando perdemos a capacidade de nos indignarmos com as atrocidades praticadas contra outros, perdemos também o direito de nos considerarmos seres humanos civilizados." ― Vladimir Herzog

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Painel Paulo Freire, obra de Luiz Carlos Cappellano.

Painel Paulo Freire, obra de Luiz Carlos Cappellano.
#PauloFreireMereceRespeito #PatonoDaEducaçãoBrasileira #PauloFreireSempre

sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Vote consciente

O voto consciente é um importante instrumento para eleger bons políticos e gestores. O modo como se escolhe os governantes e legisladores – prefeitos e vereadores – tem implicações sobre a qualidade de vida do eleitor. Afinal, os cidadãos vivem e moram nos municípios e a sua qualidade de vida depende da atuação de bons gestores públicos. Portanto, escolher nomes comprometidos com o interesse público e preocupados com os problemas cotidianos da população pode fazer a diferença em termos de qualidade dos serviços públicos, de mobilidade urbana e do exemplo na correta aplicação dos recursos públicos. A omissão das pessoas conscientes e corretas nesse pleito fará com que políticos inescrupulosos sejam eleitos e coloquem seus interesses particulares, e de grupos, acima dos interesses coletivos.

Pense nisso, antes de votar!


Discussão de amor e ódio com a urna

*Por Xico Sá 
Uma urna eletrônica. (Agência Brasil)
Prezada urna eletrônica, saudações, bom dia, sei que não és culpada, mas te reencontro neste domingo ainda ressabiado, com uma ressaca nada democrática, espero que compreendas o meu esperneio, sabes bem do que estou falando. Poxa, foi chato ver o meu voto virar pó naquela fatídica emboscada parlamentar iniciada pelo Eduardo Cunha e seus renegados bandoleiros, os mais rápidos do velho centro-oeste.

Sei que não tens culpa no cartório das conspirações e tampouco és calmante para os meus ressentimentos morais e cívicos. Ao te rever, porém, inevitável lembrar que a confiança em ti anda meio suspeitosa.

Sei, isso passa, é tanto que estou aqui de volta na cabine de papelão, boto fé na reconquista do nosso relacionamento, espero que o apitinho do “confirma” não fique na minha cabeça como a marcação sonora de um filme de terror. Óbvio que ainda não engoli as manobras do impeachment mandrake — golpe em qualquer dicionário de republiqueta —, mas, juro, vou relaxar um pouco, farei tudo para reatar o nosso namoro. Só precisamos de uma longa D.R., daquelas discussões lentas e arrastadas como um filme iraniano. Amor e democracia dão trabalho — quer moleza, vai para o Tinder, malandragem.

E olhe que não estou tratando, estimada urna, do simples desgosto de ver a minha vontade eleitoral frustrada contigo. É do jogo. Gozo para todos. Foi exatamente a não aceitação democrática da derrota que levou o Aécio Neves a desmerecer 54 milhões de votos e tocar fogo no circo. O resto da história a gente viu como foi, não gastarei tua santa paciência na véspera atarefada de mais um pleito.

Que seja feita a tua vontade. Te mando este recado porque não posso mais escrever umas malcriações nas velhas cédulas. Lembras? Os eleitores revoltados elegiam até os bichos em vez dos homens. Neste zoo anarquista, destacamos o Bode Cheiroso de Jaboatão dos Guararapes (PE), o rinoceronte Cacareco em São Paulo e o Macaco Tião no Rio de Janeiro.

Prezada e moderna urna, nos vemos neste domingo em Santa Cecília, na Pauliceia que um dia já foi desvairada. Vai ser lindo, apesar do meu ressentimento democrático. Depois de te tocar, com o carinho da primeira vez, continuarei essa D.R. imaginária no boteco do Fuad, ali na esquina da nossa zona eleitoral preferida. Quantas vezes cantei vitórias ou chorei derrotas de véspera desobedecendo a lei seca. Quantas vezes roguei praga em quem votava diferente.

Agora lamento apenas pelo desrespeito com o meu voto do ano 2014. Um voto aberto e declarado que me custou caro, eu diria um voto mais explícito do que o Marlon Brando e a Maria Schneider em “O último tango em Paris” (1972). Deixa quieto, passa a manteiga da legalidade e confirma. O bom é que vamos nos ver de novo neste domingo. Chega de ressentimento patriótico, sei que nada poderias fazer para manter aqueles milhões de votos válidos. A tramoia parlamentar era inegociável, uma pena.

Juro, urninha modernete, encerrarei por aqui a ladainha, que seja feita a tua vontade, embora no Pastoril do Velho Faceta eu sempre brinque com a turma do Cordão Encarnado.

Vai ser lindo te rever, apertarei com gosto, sem perder a delicadeza jamais. Como aquele sexo caliente depois da briga no relacionamento.

*Xico Sá, escritor e jornalista, é autor de Big Jato (editora Companhia das Letras), entre outros livros. Comentarista do programa “Papo de Segunda” (GNT).

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Interferência política? Ministro da Justiça coloca a Lava Jato no palanque eleitoral

"Alexandre de Moraes antecipa operação durante ato de campanha para o PSDB e desperta a ira de Temer."
Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes.
A Operação Lava Jato chegou aos palanques na última semana das eleições municipais. Na noite de domingo 25, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, usou informações sigilosas a respeito do andamento das investigações para fazer campanha para seu partido, o PSDB, no interior de São Paulo.

“Teve a semana passada e esta semana vai ter mais, podem ficar tranquilos. Quando vocês virem esta semana, vão se lembrar de mim”, afirmou o ministro em conversa com integrantes do "Movimento Brasil Limpo", um dos que liderou as manifestações a favor do impeachment de Dilma Rousseff em 2015 e 2016. 

Não demorou para a "profecia" de Moraes virar verdade. Nesta segunda-feira 26, a força-tarefa da Lava Jato realizou a 35ª fase da operação, que teve como alvo o ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil Antonio Palocci, acusado de receber propina da Odebrecht em troca de favores à empreiteira. 

Chama a atenção o fato de Moraes ter dito a frase em Ribeirão Preto, município paulista que é a base eleitoral de Palocci, ex-prefeito e ex-deputado federal. O ministro da Justiça estava na cidade para fazer campanha para o atual deputado federal Duarte Nogueira (PSDB), segundo colocados nas pesquisas.

A conversa foi publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo e seu conteúdo foi confirmado pelo Ministério da Justiça. A assessoria do ministro atribuiu a frase a uma "força de expressão" usada por Moraes. Em nota, a pasta elaborou a explicação: Moraes estava dizendo apenas que há ações da Lava Jato "em quase todas as semanas" e que "certamente continuariam nesta semana, na próxima e enquanto houver necessidade", diz o texto.

A explicação, entretanto, não convenceu. Parece evidente que Moraes rompeu o sigilo das investigações para fazer campanha política, causando constrangimento ao Palácio do Planalto e à Polícia Federal, por sugerir que o Executivo tem poder de influência sobre o andamento das ações da PF.

Nesta segunda, na abertura da entrevista coletiva sobre a operação, o delegado da Polícia Federal Igor Romário de Paula leu nota oficial na qual nega que a instituição tenha passado informações a Alexandre de Moraes. Ele informou, entretanto, que o ministro da Justiça é alertado sobre a possibilidade de ser acionado em caso de operações significativas.

"Como foi amplamente demonstrado em operações anteriores, o Ministério da Justiça não é avisado com antecedência sobre operações especiais", afirmou de Paula. "No entanto, é sugerido ao seu titular que não se ausente de Brasília nos casos que possam demandar sua atuação", disse.

De acordo com o jornal Folha de S.Paulo, o Planalto avalia que Moraes usou uma informação privilegiada durante evento público ou, ainda que não soubesse da operação, usou a Lava Jato politicamente na campanha eleitoral. Michel Temer estaria, segundo o jornal, irritado com Moraes e aguardando explicações do ministro. Temer teme as críticas de que seu governo usa politicamente a Lava Jato.

Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça do governo Dilma Rousseff, afirmou que Moraes "é um incapaz ou é irresponsável”. "Incapaz porque estaria a brincar com coisa séria. Um ministro não pode se manifestar de empolgação em campanha, entregando ao público assuntos sigilosos de sua pasta”, afirmou Aragão ao Estadão. “Ou irresponsável, porque, no momento em que vivemos, autoridades públicas não devem provocar clamores. Devem, isto sim, acalmar a população”, afirmou.

Para Aragão, a declaração de Moraes “dá margem à suspeita de que ele, governo, e a Lava Jato, estão agindo de comum acordo com finalidade política”. “Fico só imaginando se, quando ministro, eu desse uma declaração desse teor, o que aconteceria. O mundo vinha abaixo”, disse. 

No Senado, as declarações de Moraes provocaram indignação e acusações de "uso político" da Polícia Federal. Vanessa Grazziotin (PCdoB) quer que o ministro da Justiça esclareça à Comissão de Constituição e Justiça para explicar a declaração que antecipou ação contra Palocci.

Fonte: publicado em 26/09/2016 no site da revista Carta Capital
 

Denúncia de Facebook: Deltan Dallagnol coloca a Lava Jato em risco quando escolhe arregimentar seguidores em vez de informar cidadãos

O procurador Deltan Dellagnol./ (EFE)
 Ao apresentar a denúncia contra Luiz Inácio Lula da Silva, o procurador da República Deltan Dallagnol apanhou de (quase) todos os lados, algo bastante raro nestes tempos. Tão raro que merece algum espanto e um tanto de precaução. Em diferentes partes do seu discurso durante a coletiva de imprensa de 14 de setembro, ele chamou Lula de “comandante máximo” do que definiu como “propinocracia”, de “o grande general” do esquema de corrupção e de “maestro da orquestra criminosa”. Disparou metáforas e abusou dos adjetivos. Mas quando efetivamente fez a denúncia, a força-tarefa da Lava Jato, em Curitiba, acusou Lula pelos crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro. O que não é pouco, mas é bem diferente de ser o chefe de uma organização criminosa. O episódio é pródigo de sentidos sobre o Brasil atual. Um deles é a corrosão da linguagem. O outro é a demanda por crença. Estas duas dimensões se articulam na gênese do atual momento do país.
O procurador Deltan Dallagnol não parecia estar num tribunal de júri, como chegou a ser sugerido em algumas críticas sobre sua atuação, mas em outra arena, a das redes sociais. Ele não parecia preocupado em informar cidadãos, mas em buscar seguidores. Como um candidato a herói nesta época, seu troféu são cliques no botão de “curtir”.

O representante do Ministério Público Federal acusou sem exibir provas, apresentou como verdade o que não era capaz de provar como verdade. Ao descolar-se da realidade, esvaziou as palavras, o que deveria ser denúncia virou grito. Como no cotidiano das redes sociais, repete-se e repete-se algo para que, pela viralização, ganhe status de verdade.

De imediato, veio a reação. O gráfico do powerpoint em que Dallagnol tentava mostrar como tudo convergia para Lula virou meme. E o que viralizou foi uma frase atribuída ao procurador: “Não temos provas, mas temos convicção”.

Esta é a parte mais interessante dessa produção de conteúdo viral. A frase não foi dita. Ela era também uma criação. Ainda que seja possível interpretar o conjunto da apresentação do procurador desta maneira, há enorme diferença entre uma afirmação literal, entre aspas, e a interpretação ou conclusão a que um outro possa chegar a partir do que foi dito. Se essa distinção não é estabelecida, perde-se o sujeito e perde-se o discurso.

Naquele momento, a disputa se dava numa guerra de verdades fabricadas. Nas redes, a viralização ou a multiplicação dos compartilhamentos é a melhor estratégia para conferir veracidade a algo ou mesmo transformar versão em fato. Ou ainda, é uma forma de criar realidade.
Há um grande risco quando a verdade se torna uma questão de crença
Não estou aqui dizendo que realidade, verdade e fato são a mesma coisa. O que estou sugerindo como hipótese é que a convocação – ou invocação – é a mesma tanto na ação – a denúncia verbal dos procuradores diante das câmeras de TV – quanto na reação a ela nas redes. Não se pede pensamento, mas adesão pela fé. A verdade torna-se uma questão de crença – e a realidade se afirma pela quantidade de crentes que a ela aderem. A experiência cognitiva é substituída pelo botão de “curtir”. Em vez da reflexão, o espasmo.

De um lado e de outro, o que aparece como mais importante é a convicção, não as provas. E uma convicção formada a partir da quantidade de cliques. Esse desejo feroz de crença tem corroído o país de forma insidiosa. E só persiste porque os fatos, para um e outro lado, são inconvenientes. O problema é que mesmo a história recente já mostrou que tentar contornar os fatos, por mais duros que sejam, resulta em fatos ainda piores.

No caso específico da denúncia de Lula, tanto a ação quanto a reação buscavam adesão pela crença. Os fatos importavam pouco. É necessário, porém, fazer uma distinção de responsabilidades. Deltan Dallagnol falava como procurador da República. Servidor público no exercício de suas funções constitucionais. Quando ele acusa sem apresentar provas, a gravidade é de outra ordem. Pela posição que ocupa, sua palavra tem mais potencial para ser decodificada como verdade. Ao falar como procurador, ele não representa a si mesmo, mas a instituição.

Essa dinâmica assumida pela figura que representa a força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba chama atenção para a “justiça” que ganha rosto, e que ganha rosto na era da internet. Numa analogia com as redes, ao fazer acusações gravíssimas sem lastro nas provas, Dallagnol faz um “discurso de ódio”. Neste sentido, o procurador não é muito diferente de um dos “haters” (odiadores) da internet, ao chamar Lula de “maestro da orquestra criminosa” sem mostrar o que sustenta essa acusação.
Tenha a coragem para saber ser liderado”, diz o procurador em palestras
Torna-se preciso então olhar para o indivíduo Deltan Dallagnol, este que personifica o que não deveria ser personificado. Num ótimo texto publicado no jornal Valor, a jornalista Maria Cristina Fernandes conta sobre pessoalidades que ajudam a iluminar algumas escolhas do procurador. Uma delas é a sua admiração por um vídeo da plataforma TED em que o músico Derek Sivers ensina, em três minutos, “como iniciar um movimento”.

Na tela, há um jovem sem camisa que dança freneticamente numa montanha. Em seguida, outra pessoa junta-se a ele, tornando-se o “primeiro seguidor”. Logo, todos o imitam. Um líder, segundo Sivers, precisa ter a coragem de arriscar-se a ser ridicularizado. Quando ele recebe adesão em número razoável, a situação se inverte e quem passa a se sentir ridículo é aquele que não adere. O mais importante: “É o seguidor que transforma o solitário em um líder”. Como autor de um vídeo com quase 6 milhões de visualizações, Sivers certamente sabe o que diz.

Deltan Dallagnol incorporou este vídeo em suas palestras sobre as 10 medidas anticorrupção. Exibiu-o em fevereiro deste ano ao falar no evento “The Global Leadership Summit”, na Primeira Igreja Batista de Curitiba. O procurador disse então à plateia: “Tenha a coragem para saber ser liderado. Para se levantar e, quando você vê uma causa boa, se juntar ao maluco solitário que está dançando”.

E, alguns minutos mais tarde: “Lute pelas causas que você ama como você lutaria por um filho com câncer. Eu duvido que você desistisse de um filho doente com câncer por mais que inúmeros médicos buscassem tirar suas esperanças. Você continuaria lutando, você dobraria os joelhos, você buscaria o impossível, porque você ama aquele filho. Assim como você lutaria por esse filho, meu desafio hoje para você é que você lute pelo teu país”.

Em sua pregação anticorrupção, Dallagnol invoca do púlpito a oportunidade de mudar o país. E faz a comparação: “Talvez você tenha ido pro Paraguai ou pra Miami e tenha lá pensado o seguinte: eu não gastaria isso que estou gastando, mas aqui é tudo mais barato e vou aproveitar porque é uma oportunidade”. Pede então à plateia para “curtirem” sua página pública, “em nome de Deltan Dallagnol”, no Facebook: “Eu não sabia, porque eu era ignorante em Facebook. Mas, quando você curte uma página você passa a ser alimentado pelo que é postado lá”. E encerra com uma pergunta: “Nós podemos contar com você?”. Pede então que aqueles que apoiam “as 10 medidas” levantem as mãos. Registra a imagem em seu celular. “Um dois três... sensacional”. 
É na convicção de seus seguidores – e não nas provas – que Dallagnol parece apostar
Deltan Dallagnol é um homem que se investe de uma missão e se apresenta no Twitter como “seguidor de Jesus”. As aparições públicas do procurador demonstram que ele pede adesão pela fé no líder – ou no “maluco solitário” que, pela adesão , torna-se líder. Como se viu na apresentação da denúncia contra Lula, em 14 de setembro, ele também parece seguir à risca o ensinamento do guru Derek Sivers de não temer o ridículo.

É neste ponto que vale observar os últimos dias com atenção redobrada. A cobertura da denúncia foi um daqueles momentos em que uma parcela da imprensa fez o seu papel, ao lançar luz sobre pelo menos dois pontos importantes do espetáculo estrelado por Deltan Dallagnol: 1) a diferença entre a acusação verbal, a de chefe de uma organização criminosa, e a denúncia formal, a de corrupção e lavagem de dinheiro; 2) a escassez de provas para sustentar a denúncia. Uma parte da imprensa também fez seu papel ao mostrar que a frase atribuída ao procurador – “Não temos provas, mas temos convicção” – não foi dita por ele.

Mas será que era a esta parcela da população, a que se informa por determinados jornais, que Dallagnol se dirigia ao fazer sua frenética dança na montanha? A apresentação da força-tarefa da Lava Jato foi transmitida por algumas TVs. O vídeo está no YouTube. Quantos milhões não viram apenas isso? O que vira “verdade” nas redes? O que permanece como “fato”? Qual é a “realidade” que efetivamente se impõe?

É razoável supor que Deltan Dallagnol sabia o que fazia ao optar por uma acusação midiática diferente da denúncia formal. Quantos assistiram e assistirão a trechos em vídeo da fala espetaculosa e quantos lerão as 149 páginas da denúncia formal ou as críticas mais densas a ela? É na convicção de seus seguidores – e não nas provas – que Dallagnol parece apostar.

É bastante difundida a hipótese de que a fragilidade da denúncia deva ser comemorada pela defesa de Lula. No julgamento, sim. Mas e no justiçamento? Onde se ganha a fé das pessoas, a fé que vira voto, já que é também crença – e não razão – que hoje se pede aos eleitores? O impeachment de Dilma Rousseff, claramente sem base legal, mostra bem o que é determinante no resultado da disputa.
Qual é o impacto da acusação sem provas num país que produz tantos linchamentos?
O espetáculo comandado pelo maestro Deltan Dallagnol levanta questões importantes. Qual é o impacto dessa atuação – acusar sem apresentar as provas – num país no qual ainda há tanta dificuldade de acesso à Justiça para vastas parcelas da população? Qual é o impacto deste exemplo, por parte de um servidor público com tanta expressão, no imaginário de uma sociedade que produz tantos linchamentos?

Essas questões são tudo menos banais. Se a Lava Jato tem que ser reconhecida pelos seus acertos, que são vários, é imperativo que ela responda pelos seus abusos, que também são vários, porque eles têm impacto e muito numa sociedade em que os discursos de ódio têm proliferado. Quando procuradores e juízes fazem justiçamentos em vez de justiça, o Estado de direito está ameaçado.

Há vários tipos de estupidez que costumam acometer figuras lançadas de repente ao centro do palco. Uma delas é a de acreditar na própria lenda. Ou na potência do seu protagonismo. A vaidade costuma fazer muitas vítimas. E há ainda aquela ilusão tão sedutora de se achar mais esperto do que todos os outros no jogo que pretende intervir. Já que a fé tem sido tão invocada por Deltan Dallagnol, talvez o procurador “seguidor de Jesus” seja jovem demais para lembrar que o diabo sabe mais por ser velho do que por ser diabo. E, assim, olhar mais atentamente para todos os lados antes de se arriscar a pirotecnias. A começar para o lado de quem o elogia e o estimula ao espetáculo.

É fundamental para o país que a Operação Lava Jato continue. A prudência sugere desconfiar de unanimidades onde não costuma haver. Desqualificar a Lava Jato, neste momento, serve para muitos. Lula porque de fato virou réu e vai precisar se defender formalmente na Justiça. Com o agravante de que sua mulher, Marisa Letícia, também virou ré, o que é um golpe bastante duro. Mesmo que Lula não seja condenado na Justiça, porém, ele já foi condenado por parte da opinião pública. Deste ponto de vista, ainda que os acontecimentos dos últimos dias tenham mostrado que outras figuras estratégicas do PT poderão ser alcançadas pelas investigações, são seus oponentes que possivelmente tenham mais a perder neste momento.

Há muitos com medo de que a Lava Jato siga investigando e os transforme em réus. Assim, vale tudo, até se indignar contra os abusos da operação, indignação que não ocorreu em episódios claramente abusivos como o da “condução coercitiva” de Lula ou o do vazamento dos diálogos de Lula com a então presidente Dilma Rousseff.
Há muita gente, de vários lados, interessada em enfraquecer a Lava Jato
Quando até mesmo uma figura com a folha corrida do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), critica a Lava Jato dizendo que é “preciso acabar com o exibicionismo”, é necessário ouvir a sirene. Este é o momento escolhido por diferentes personagens para enfraquecer a Lava Jato, com o objetivo de impedir que a operação prossiga em direção a outras lideranças e outros partidos e outros governos, no passado e no presente, para muito além do PT.

Há ainda a hipótese de que a Lava Jato tivesse desde sempre orientada para uma investigação seletiva. E não interesse nem a seus agentes que ela prossiga para além do “grande general”. O espetáculo constrangedor da denúncia de Lula reforçou essa tese. Cabe aos policiais federais, procuradores e juízes mostrar que não têm partido nem ideologia na hora de investigar. Neste sentido, os próximos capítulos são decisivos para que a Lava Jato mostre a que veio.

O xadrez em torno da Lava Jato é intrincado. É preciso entender se, neste jogo, Deltan Dallagnol é bispo ou apenas um peão que acredita ser bispo. O que se pode afirmar é que, para a maioria dos brasileiros, é crucial que a Lava Jato continue avançando e de fato passe a limpo a relação entre poder público e empreiteiras, para muito além dos governos de Lula e de Dilma Rousseff. Essa relação é mais antiga do que a construção literal de Brasília. E define muito do país. Para isso, é preciso que policiais, procuradores e juízes sejam policiais, procuradores e juízes – e não justiceiros nem heróis de Facebook.

Assim, antes de “curtir”, é importante resgatar a experiência do pensamento, esta que nos diferenciou dos outros grandes primatas. Espantar-se, duvidar, questionar, checar e, principalmente, diferenciar o que é fato do que é versão antes de sair clicando e gritando. E tudo isso sem medo de enfrentar as contradições, resistindo mesmo que doa à tentação de contornar as verdades mais duras. Há muitos líderes ou aspirantes a líder dançando freneticamente na montanha para atrair seguidores.

Não siga. Pense.

*Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção Coluna Prestes - o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos, e do romance Uma Duas. Site: desacontecimentos.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter: @brumelianebrum

Fonte: publicado em 26/09/2016 no site do EL PAÍS

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Pois é, como entender uma coisa dessa?

Em nosso país, todos os partidos e os seus quadros políticos afirmam categoricamente sempre a mesma coisa:

"Todas as doações recebidas pelo meu partido foram realizadas estritamente dentro da legalidade e posteriormente declaradas à Justiça Eleitoral."

“Todas as captações foram absolutamente legais e repassados ao partido, com declaração à Justiça Eleitoral.”

"Todas as doações recebidas em minhas campanhas eleitorais foram lícitas, registradas e aprovadas pela Justiça Eleitoral."

E ainda, todos ressaltam que as doações feitas a eles foram oficiais e sem nenhuma troca de favor, benesse ou vantagem de qualquer natureza.

Para se ter uma ideia, as grandes empreiteiras investigadas na Lava Jato fizeram doações vultosas nas últimas campanhas eleitorais para candidaturas de presidenciáveis, de governadores, de senadores, de deputados federais e estaduais, e até de prefeitos. Por exemplo, documentos apreendidos pela Polícia Federal listam possíveis repasses da Odebrecht para mais de 200 políticos de 24 partidos.

E a pergunta que não quer calar é: "Então, por que só as doações para o PT, são tratadas como ilegais, imorais e absurdamente criminosas?"

Pois é, vai entender uma coisa dessa.

É um grande erro querer generalizar ou criminalizar um único partido político.

Desde que o PT chegou ao poder, dentre os muitos acertos ocorridos pelo caminho, houve também erros. Eu diria, que muito mais acertos que erros, mas, não se pode deixar de reconhecer que erros também foram cometidos. Nesse meio tempo, o PT aparece envolvido em escândalos políticos, não tão diferente da maioria das siglas partidárias de nossa política. Isso mesmo, sobre o envolvimento em escândalos ou esquemas de corrupção de partidos políticos no país, raro será encontrar um partido que não esteja supostamente envolvido em algum ilícito. Porém, é impressionante, a seletividade e a parcialidade, que se usa na hora de escolher os escândalos, na suas investigações e na forma como estes são apresentados perante a opinião pública. Uma prova disso é a operação Lava Jato, que indiferente aos demais partidos, é focada somente no PT. Dando-nos a impressão de que os escândalos pesam mais se forem cometidos pelo PT do que pelos demais partidos. É notório, que há uma tentativa de se generalizar pejorativamente e de se criminalizar única e exclusivamente o PT. Também nota-se, que há uma certa isenção e/ou blindagem, quando denúncias esbarram nos partidos de direita e seus políticos, estas por vezes "não vêm ao caso", ou "nem sequer são investigadas", ou "as investigações travam-se", ou "são arquivadas", ou mesmo "não dão em nada". Quando na verdade, se a intenção é mesmo o combate a corrupção e passar a política brasileira a limpo, então todas as denúncias e fatos que se têm conhecimento devem ser devidamente apurados, e todos os quadros dos partidos políticos – sem exceção –, que estiverem comprovadamente envolvidos em irregularidades e/ou ilícitos, devem ser responsabilizados e punidos de acordo com a lei, que é igual para todos. Não estou aqui querendo eximir o PT – ou melhor alguns de seus quadros políticos – de alguma culpa, mas, para dizer que não devemos somente olhar para o PT, posto que a corrupção não envolve somente pessoas de um único partido político nesse país. Afinal, todos os partidos políticos constituem-se de pessoas, umas de boa e outras de má índole, umas que dão bons exemplos de conduta social e outras que não, umas que lutam pelos interesses do povo e outras que lutam pelos seus próprios interesses. Sendo assim, é um grande erro querer generalizar ou criminalizar um único partido político.

Depois de buscar Mantega no hospital, que falta a Lava Jato fazer no rol das monstruosidades?


Que a Lava Jato é fundamentalmente injusta sabemos.

Que ele é um arma da plutocracia para destruir o PT e Lula sabemos.

Que ela faz uma parceria indecente com a mídia, sobretudo, a Globo, sabemos.

Que ela ajuda o Brasil a ser uma República das Bananas, sabemos.

Mas que ela é canalha, miseravelmente canalha, desumanamente canalha tivemos a prova nesta manhã de quinta no curso da Operação Arquivo X.

O nome, aliás, não poderia ser mais apropriado. Depois do power point que parecia feito por alienígenas sob o comando de Dallagnol, tinha mesmo que vir a Operação Arquivo X.

Prender Mantega no hospital, quando ele velava a mulher submetida a uma cirurgia, ultrapassa todos os limites da decência.

É coisa que a gente não consegue imaginar nem em ação policial nazista. Ou, para ficarmos no tema presente, nem nos tribunais alienígenas.

Descemos novos degraus no índice da civilização. Pense como a opinião pública britânica reagiria se tamanha brutalidade ocorresse lá. Todo o comando policial ligado a ela seria expelido devido à pressão da sociedade. Orwell cunhou a expressão “decência básica” para evitar tais monstruosidade.

Nem na Revolução dos Animais Orwell concebeu uma baixeza de tal magnitude.

Mantega é um homem lhano, acusado de coisas que só no Planeta Lava Jato são cabíveis. Um dia, espero que não tão longe, saberemos quantas mentiras estavam e estão associadas às acusações da Lava Jato.

Tão repulsiva quanto a ação em si para prendê-lo foi ver a reação de débeis mentais manipulados pela mídia plutocrata.

Aplausos dementes, palmas ensandecidas: nem um miserável sinal de humanidade.

Eis no que a plutocracia nos transformou: num país selvagem, desprezível, oprimido por um grupo de poderosos que trata os brasileiros como gado.

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Lula, guerreiro do povo brasileiro: estou a seu lado porque isso não é justiça, é JUSTIÇAMENTO

(Foto: Ricardo Stuckert)

Sei que quando eu publicar este texto, irão mais uma vez me acusar de receber dinheiro público ou do PT. Gente capaz de vender a própria consciência em geral pensa que os outros fazem o mesmo. Este tipo de acusação, por outro lado, é um elogio para mim, porque ninguém é caluniado e perseguido se não estiver incomodando. Sei que os reacionários do Brasil me temem, temem a minha voz e o poder que conquistei nas redes sociais. Me orgulho disso. A maior especialidade dos comunistas sempre foi enfrentar fascistas. Não tenho patrões, só devo satisfação aos meus leitores e à minha própria consciência.

Perguntam-me se eu acho que Lula errou. Claro que errou. Há tempos critico neste blog o profundo erro estratégico do PT de repetir as práticas que condenava nos outros partidos antes de assumir o governo, em vez de entrar na briga para valer e romper com o sistema político vigente. Minha maior crítica ao Lula foi ceder ao establishment, e isso se comprova agora com sua amizade com donos de empreiteiras. Isso, porém, não anula o fato de que há algo muito mais grave acontecendo hoje: a justiça brasileira se transformou em um instrumento midiático para perseguir Lula e o PT.

NADA do que Lula é acusado é estranho a outros políticos brasileiros, sobretudo do PSDB e do DEM. A proximidade com as empreiteiras é um clássico tucano. No entanto, NUNCA a Polícia Federal invadiu a casa de nenhum deles. Por que os políticos de direita, bem nascidos, podem ter amigos poderosos e Lula, um ex-torneiro mecânico, não pode? Por que em relação aos tucanos é considerado lícito aceitar favores de empreiteiros e banqueiros?

Eu só concordarei que está se fazendo justiça ao perseguirem Lula quando o mesmo acontecer, por exemplo, com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que jamais foi investigado na vida, embora seu governo tenha sido uma sucessão de escândalos e recentemente ele tenha sido acusado de mandar dinheiro para o exterior para um suposto filho, quando ainda era presidente, através de uma empresa que possuía contratos com o governo. Me comprometo a dar a mão à palmatória se algum dia a PF entrar no apartamento gigante que FHC comprou de um empresário amigo em Higienópolis, bairro nobre de São Paulo, logo após deixar a presidência. Ou quando invadirem o Instituto FHC, que recebeu quase 1 milhão de reais da Odebrecht e teve doação até de uma empresa pública, a Sabesp. Até lá, não.

Tampouco posso aceitar que a maior emissora de televisão do Brasil se dedique diuturnamente a atacar o ex-presidente Lula, poupando todos os outros políticos envolvidos em denúncias de corrupção, e dizer que está praticando “jornalismo” –no caso específico de FHC, a Rede Globo é inclusive acusada de acobertar um romance extraconjugal durante anos a fio apenas para proteger o aliado. Que tipo de imprensa é esta? Estes dois pesos e duas medidas me indignam e indignariam qualquer cidadão de fato interessado em promover a justiça. A justiça, justiça de verdade, é uma balança: ela pende para os dois lados. Uma balança que pende para um lado só não é justiça, é JUSTIÇAMENTO.

Desde 2010 eu advirto que o objetivo da mídia porca que existe em nosso país é prender o Lula. Agora, pelo visto, estão perto de conseguir. A ilusão da velha mídia, subserviente ao poder econômico, é achar que, prendendo Lula, vão finalmente colocar um presidente que se submeta a ela no cargo. E, com isso, conseguir dinheiro governamental em forma de publicidade ou de empréstimos para salvá-la da bancarrota em que se encontram. Não vai adiantar. O povo sabe quem está do lado dele e quem está do lado dos ricos. A mídia e seu braço político, o PSDB, estão do lado dos ricos, dos poderosos, dos que exploram o país, dos que querem vendê-lo ao capital estrangeiro. No pasarán.

Lula, estou do seu lado. Se você for preso, estaremos aqui denunciando ao mundo a perseguição que você sofre desde que ousou se tornar presidente do Brasil em 2002. A escória não é você. A escória está do outro lado. O tempo vai mostrar quem está realmente do lado da verdade e da Justiça.