"Quando perdemos a capacidade de nos indignarmos com as atrocidades praticadas contra outros, perdemos também o direito de nos considerarmos seres humanos civilizados." ― Vladimir Herzog

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Painel Paulo Freire, obra de Luiz Carlos Cappellano.

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quarta-feira, 25 de março de 2020

Bolsonaro e o crime de epidemia, por Larissa Ramina, Carol Proner e Gisele Ricobom

As decisões e estratégias erráticas do Governo Bolsonaro caminham em sentido contrário ao que determina a OMS, que denominou a pandemia no Brasil de apocalíptica.

*Por Larissa Ramina, Carol Proner e Gisele Ricobom
Jair Bolsonaro (Foto: Reprodução)
A OMS manteve-se muito cautelosa antes de admitir que a “epidemia” de coronavírus se tornasse uma “pandemia”, termo empregado em caso de propagação internacional de uma doença, em ao menos dois continentes. O termo “pandemia” não deve ser usado em qualquer situação, já que quando empregado, pode gerar uma ideia equivocada de que o combate está finalizado, gerando sofrimento e mortes inúteis. Descrever uma situação como pandemia não muda a avaliação da ameaça imposta pelo COVID-19. A OMS sustenta que, passando de epidemia para pandemia, as mensagens-chave da luta contra o COVID-19 permanecem as mesmas: os países devem se preparar e estarem prontos; detectar, proteger e tratar; reduzir a transmissão; inovar e aprender.

As decisões e estratégias erráticas do Governo Bolsonaro caminham em sentido contrário ao que determina a OMS, que denominou a pandemia no Brasil de apocalíptica. Na legislação penal brasileira há uma conduta que encontra tipificação ainda mais grave. Trata-se do crime de epidemia, inserido no âmbito dos Crimes contra a Saúde Pública, no artigo 267 do Código Penal pátrio, que estabelece: “Causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos: Pena – reclusão, de dez a quinze anos. § 1o Se do fato resulta morte, a pena é aplicada em dobro. § 2o No caso de culpa, a pena é de detenção, de um a dois anos, ou, se resulta morte, de dois a quatro anos.”

O crime se consuma com a propagação da doença, mesmo que dela não advenham casos de morte. O crime de epidemia, quando praticado de forma intencional tem pena que varia entre 10-15 anos. Em caso de morte, todavia, a pena é dobrada e considera-se o crime como hediondo, previsto no Art. 1º, VII, da Lei nº 8.072/90, intitulada “Lei dos Crimes Hediondos”, cujo inciso foi incluído pela Lei nº 8.930/94.

Observe-se que o “crime de epidemia” é praticado por qualquer pessoa que contribua para espalhar um germe patogênico. Trata-se de um crime contra a saúde pública, que atenta contra a saúde da coletividade em geral. E quando o crime é praticado pelo chefe do Poder Executivo de um país, em meio a um contexto de “pandemia” assim enquadrado pela máxima instituição internacional dedicada às questões de saúde, a OMS?

Há fortes suspeitas de que Bolsonaro possa estar contaminado, já que 23 membros da comitiva apresentaram resultado positivo e, recentemente, também seu motorista. A recusa pessoal em mostrar o exame, somando ao sigilo do Hospital das Forças Armadas sobre dois nomes contaminados, reforçam a insegurança de toda uma nação a respeito da saúde do Presidente e da conduta eventualmente criminosa quanto a se expor a risco e contaminar outras pessoas, crimes previstos pelo código penal. No Art. 269 está previsto, inclusive, o crime de omissão de notificação de doença: “Deixar o médico de denunciar à autoridade pública doença cuja notificação é compulsória: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa”. A sonegação dessas informações, em momento de pandemia, agrava o comportamento potencialmente criminoso do chefe de estado.

O direito internacional dos direitos humanos age como proteção dos indivíduos contra o poder soberano. Os responsáveis pela elaboração das políticas relativas à saúde pública devem se deixar guiar por normas universalmente reconhecidas em matéria de direitos humanos, essas normas devendo ser partes integrantes das ações nacionais de luta contra o COVID-19 em todos os aspectos e deve, sobretudo, respeitar os protocolos de isolamento, seja para salvar as vidas do seu entorno, mas sobretudo como referência e respeito ao direito à vida.

Quais as consequências para um chefe do executivo que comete crime de epidemia, em conluio com o Hospital das Forças Armadas que comete crime de omissão de notificação de doença? É possível que siga impunemente no poder? E quando Bolsonaro, enquanto chefe do executivo, comete em rede nacional o crime de pandemia ao qualificar de “gripezinha” uma “pandemia apocalítica” assim enquadrada pela OMS?


*Larissa Ramina, Carol Proner e Gisele Ricobom, Doutoras em Direito Internacional.



As claras demonstrações de incompetência e insanidade de Bolsonaro, diante da pandemia do coronavírus (Covid-19)

"O primeiro fato surpreendeu, mas vieram outros e outros, de forma que o que pareceu no começo uma extravagância, uma pequena mania, se apresentou logo em insânia declarada." (Lima Barreto, Triste fim de Policarpo Quaresma, 1915)

Por Manoel Paixão
Pronunciamento de Bolsonaro em rede nacional de rádio e televisão
Meu caro leitor e minha cara leitora,

Diante dessa pandemia do coronavírus (Covid-19), só consigo pensar que, das duas uma: ou Bolsonaro não tem a mínima noção da realidade ou faz pouco caso da situação.

Justamente quando o momento pede do mandatário da nação, bom senso, equilíbrio e responsabilidade.

Quando se espera dele, um posicionamento capaz de gerar um clima de união nacional, mobilizando todos os esforços para ampliar e/ou inspirar ações de conscientização na sociedade, no enfrentamento dessa crise, impedindo assim que o coronavírus se espalhe ainda mais pelo nosso país.

No entanto, Bolsonaro trata de fazer o contrário, com suas atitudes e declarações totalmente dispensáveis, desconstruindo tudo o que vem sendo feito para conter o avanço da pandemia. Prova disso, foi esse seu último pronunciamento, que não coincide com os protocolos e orientações da OMS (Organização Mundial da Saúde) e do nosso Ministério da Saúde, a serem seguidos.

Só espero que essa situação, que já é extremamente grave, não se torne muito mais agora, diante de tamanha irresponsabilidade do próprio presidente da República, quando este praticamente estimulou a população a quebrar o isolamento social.

Embora, o sentimento seja de perplexidade e indignação, pelas claras demonstrações de incompetência e insanidade, que Bolsonaro vêm dando constantemente, a hora é de redobrar todas as atenções e reforçar os cuidados possíveis, a fim de garantir que as medidas de saúde sejam rigorosamente seguidas para a nossa proteção.

Enquanto Bolsonaro segue com seu absoluto desprezo pelos protocolos e orientações dos órgãos e autoridades sanitárias e de saúde pública para combater a disseminação do coronavírus, e insistindo em comparar a Covid-19 com uma "gripezinha ou resfriadinho", continua sendo significativamente importante, que a população siga em isolamento social para evitar a contaminação.

Ajuda muito ficar em casa e só sair em caso de necessidade. Pois, a prioridade nesse momento deve ser só uma, a vida!   

Um presidente insano, por Ricardo Bruno


"A fisionomia de Bolsonaro não passou o mínimo da seriedade exigida pelo momento. O presidente exibiu em quase toda a sua fala um sorriso sonso, insolente, absolutamente inadequado. Era como se estivesse ali com o único propósito de alfinetar seus adversários preferenciais: a imprensa, a Rede Globo em especial, e os governadores Witzel e Dória", diz o colunista Ricardo Bruno, sobre o pronunciamento de Bolsonaro que deixou o país em estado de alerta

*Por Ricardo Bruno  
Presidente Jair Bolsonaro (Foto: Adriano Machado / REUTERS)

O pronunciamento de Bolsonaro foi o atestado final de sua completa incapacidade de gerir o país. Com conteúdo impróprio e provocativo, trouxe apreensão ao País, dado o acúmulo de disparates e vilezas. Ao invés de fazer um chamamento à união dos brasileiros diante da hecatombe mundial decorrente da pandemia, preferiu mais vez minimizar seus efeitos, atacar a imprensa e fustigar os governadores que têm adotado postura responsável. 

Entre irônico e cínico, fez alusões indiretas à Rede Globo, ao conceituado Dráuzio Varela, afirmando que se o vírus acometesse pessoas como ele, supostamente atleta, teria o efeito “de uma gripezinha ou resfriadinho, como disse aquele conhecido médico daquela conhecida televisão”. Em resumo, transformou o pronunciamento, que lhe é assegurado constitucionalmente em ocasiões especiais, num espaço livre para dar vazão à mesquinhez e à vilania de seu caráter. 

Irresponsável em grau perturbador, Bolsonaro criticou o fechamento das escolas e afirmou - no momento em que se vê escalada de casos e mortes - que a vida precisa voltar ao normal. Os brasileiros não mereciam isto: ver seu presidente em rede nacional expelindo boçalidades a mancheias. Um espetáculo que entrará para os anais tragicômicos da política nacional. 

Não satisfeito, atacou veladamente os governadores Witzel e Dória por estarem adotando – corretamente – duras medidas restritivas. “Algumas poucas autoridades devem abandonar o conceito de terra arrasada: a proibição dos transportes, o fechamento do comércio e o confinamento em massa”, disse ele para o espanto dos brasileiros que veem nestas três medidas alternativas seguras para o abrandamento da transmissão. 

A fisionomia de Bolsonaro não passou o mínimo da seriedade exigida pelo momento. O presidente exibiu em quase toda a sua fala um sorriso sonso, insolente, absolutamente inadequado. Era como se estivesse ali com o único propósito de alfinetar seus adversários preferenciais: a imprensa, a Rede Globo em especial, e os governadores Witzel e Dória. 

Bolsonaro não falou aos brasileiros com a grandeza e a responsabilidade de um chefe de nação; fez do pronunciamento oficial um amontoado de imbecilidades e pequenas provocações; uma peça de conteúdo impróprio e obscurantista, ao negar a gravidade do momento. 

Foi terrivelmente menor do pouco que ainda se espera dele. Foi perigosamente irresponsável. E tristemente, insano. 

A cada dia, a cada entrevista, a cada mensagem, Bolsonaro prova que não pode mais continuar à frente do Brasil, sob pena de destruí-lo irremediavelmente.


*Jornalista político, apresentador do programa Jogo do Poder (Rio) e ex-secretário de comunicação do Estado do Rio




sábado, 21 de março de 2020

Ignaz Semmelweis, o médico que descobriu como evitar contágios apenas lavando as mãos

Pioneiro da antissepsia, o húngaro salvou a vida das parturientes desde meados do século XIX com esta medida de higiene sanitária simples, mas efetiva

Retrato do médico húngaro, Ignaz Semmelweis.(ULLSTEIN BILD DTL. / ULLSTEIN BILD VIA GETTY IMAGES)
Passaram-se mais de 150 anos desde que Ignaz Semmelweis demonstrou que o fato de os médicos lavarem as mãos no hospital evitava a morte de parturientes. Atualmente, esse gesto, tão simples quanto cotidiano, ganha nas últimas semanas um valor incalculável por ser uma das soluções mais eficazes para evitar o contágio pelo vírus SARS-CoV-2, mais conhecido em todo mundo como o novo coronavírus (Covid-19).

Entretanto, apesar de sua grande descoberta e da sua lúcida cabeça, Semmelweis nunca foi levado muito a sério por seus colegas. Estes não lhe perdoaram por lançar um apelo para que as mulheres não parissem nos hospitais, pelo risco de morrerem de febre puerperal, também conhecida como febre das parturientes, por chamá-los de “assassinos” e por não saber explicar cientificamente as conclusões de seus estudos estatísticos para a redução da mortalidade. Talvez, o que no fundo não lhe perdoassem era a sua juventude, já que com apenas 30 anos pôs em xeque todo o sistema de saúde austríaco, além do seu caráter orgulhoso e agressivo.

Seu reconhecimento tardou anos a chegar, entre outras coisas porque morreu jovem, aos 47 anos, sozinho, deprimido e num manicômio ao qual o levaram de forma fraudulenta. Seu falecimento ocorreu, justamente, pela infecção febril pela que ele tanto combateu, causada por uma ferida, que não se sabe bem se foi feita por ele mesmo ou acidental. O que não se tem dúvida é de que o pesquisador húngaro foi o pioneiro da antissepsia sanitária, mais tarde transferida à cirurgia por Joseph Lister, e que abriu caminho para que Louis Pasteur elaborasse sua teoria dos germes.

Ignaz Philipp Semmelweis nasceu em Buda (parte oeste da atual Budapeste) em 1º de julho de 1818. Foi o quarto de 10 irmãos em uma próspera família de comerciantes. Seu pai se casou com a filha de um construtor de carruagens e tiveram um frutífero negócio de venda por atacado. Construíram um armazém que se tornou a sede da companhia e também o domicílio do casal Semmelweis, onde atualmente funciona o Museu Semmelweis de História da Medicina.

A educação do pequeno Ignaz foi tanto em húngaro como em alemão, embora nunca tenha dominado este último idioma. Ao concluir o ensino obrigatório, começou a estudar Direito, mas, após presenciar uma autópsia, mudou para Medicina e se formou em 1844, obtendo em 1846 a especialização em obstetrícia. Naquela época, o Hospital Geral de Viena era o maior e mais famoso do mundo, com duas clínicas de obstetrícia, uma para ensinar aos estudantes de Medicina e a outra para formar parteiras.

Em 20 de março, de 1846, Ignaz Semmelweis foi nomeado assistente do diretor e chefe de Residentes na Clínica de Maternidade do Hospital Geral de Viena. Propôs-se a investigar e dar solução ao que outros simplesmente assumiam como normal, em um mundo onde ainda não se falava em germes: as mortes por febre puerperal. Era uma grave doença que afetava as mulheres durante o parto, causando o óbito de até 700 mulheres internadas para partos por ano.

A teoria da época atribuía a alta mortalidade aos ares nocivos, por isso foram feitos numerosos buracos nas paredes e nas portas dos hospitais, conhecidos como “casas da morte”, para melhorar a ventilação, mas tudo foi em vão. Entre outras razões, porque as condições de higiene desaconselhavam até ir a um hospital: as salas de cirurgia eram tão sujas como os cirurgiões que nelas trabalhavam. No meio da sala costumava haver uma mesa de madeira manchada com restos de intervenções anteriores, enquanto o piso estava coberto de serragem para absorver o sangue, e os doentes ficavam em camas cheias de todo tipo de insetos, por causa da umidade de seus próprios fluidos.

As pessoas com maior risco no hospital eram as grávidas, particularmente as que sofriam fissuras vaginais durante o parto, pois as feridas abertas eram o hábitat ideal para as bactérias que médicos e cirurgiões levavam de um lado para o outro. As pacientes sofriam calafrios, dores de cabeça, congestão ocular, convulsões, delírios e, em questão de dias, faleciam.

Os médicos atribuíam isso ao frio, à umidade, à aglomeração nas salas de maternidade e à ansiedade das parturientes, mas a primeira coisa que Semmelweis observou foi uma diferença notável entre as duas salas obstétricas do Hospital Geral de Viena, cujas instalações eram idênticas. A que era fiscalizada pelos estudantes de Medicina tinha uma taxa de mortalidade três vezes mais alta que a das parteiras.

Embora ninguém fosse capaz de desvendar o mistério, a ordem de um diretor anterior do hospital havia sido decisiva: quis modernizar alguns costumes médicos, o que incluía que os alunos de obstetrícia deixassem de aprender anatomia com manequins e passassem a fazê-lo dissecando cadáveres.
O grande mérito do Ignaz Semmelweis foi começar a tomar notas e a reunir dados estatísticos de ambas as salas. O evidente, e o não tão evidente, veio à tona: muitas mulheres contraíam a febre antes de parirem, a infecção sempre surgia no útero e, o mais importante, os alunos que examinavam as pacientes saíam de suas práticas de anatomia com cadáveres sem lavarem as mãos, e nessas condições examinavam as mulheres.

As parteiras que trabalhavam na segunda sala do hospital, entretanto, não realizavam estudos forenses, por isso Semmelweis imaginou que talvez aqueles estudantes transportassem em seus dedos a infecção da sala de anatomia para as futuras mães, e propôs palavras simples: lavar as mãos.

Sua teoria não agradou em nada a direção do hospital e os seus colegas médicos, que se sentiram culpados e diretamente acusados por centenas de mortes. Assim, após discutir com o diretor, em outubro de 1846, Semmelweis foi destituído do seu cargo.

Um ano depois, Ignaz Semmelweis soube que um professor amigo havia morrido depois de sofrer um corte acidental durante uma autópsia. Ele descobriu que os sintomas que sofrera antes de morrer eram os mesmos das mulheres no hospital, e foi assim que encontrou as evidências necessárias para seu espírito metódico. “A sepse e a febre puerperal devem ter a mesma origem. Os dedos e as mãos de estudantes e médicos, sujos por dissecações recentes, transportam venenos mortais dos cadáveres para os órgãos genitais das mulheres em trabalho de parto ", observou.

Graças à sua perseverança, Semmelweis conseguiu retornar ao hospital vienense, onde começou a corroborar suas hipóteses, e foi assim que a terrível sangria de vidas causada pela febre puerperal foi drasticamente reduzida com uma simples lavagem das mãos.

Ele mesmo preparou uma solução de cloreto e ordenou que os alunos lavassem as mãos com ela. Quando Ignaz Semmelweis compreendeu que as infecções também podiam ser passadas adiante após o exame de pacientes vivas, ele reforçou as medidas de higiene e o número de mortes desabou ainda mais.

No entanto, a maioria de seus colegas e os próprios alunos rejeitaram sua eficiente ‘receita’ porque não se baseava em uma explicação científica e, dois anos depois, em 1849, ferido por seu orgulho, Semmelweis perdeu de novo o emprego em Viena.
Depois de trabalhar como médico particular na Hungria e lecionar em uma universidade, o médico publicou em 1861 uma obra em que expôs suas teorias, e mergulhou em uma profunda depressão. Sua personalidade não o ajudou a lidar com a situação, já que durante esse período também escreveu panfletos incendiários nos quais acusava os colegas que o ignoravam, chamando-os abertamente de "assassinos".

Ele acabou sendo internado em um hospício depois de perambular pela rua com aparência desleixada e gritando. Foi sua mulher quem o levou ao manicômio vienense, enganando-o, com a desculpa de visitar um amigo em sua casa. Tão logo chegou, três médicos, nenhum dos quais era psiquiatra, aprovaram seu confinamento involuntário, colocaram-no em uma camisa de força e o trancaram em uma cela escura, onde era espancado por sua teimosia. Quando morreu, a imprensa médica apenas relatou sua morte, e não houve obituários reconhecendo suas realizações.

Faleceu em 13 de agosto de 1865, aos 47 anos. Várias teorias circulam sobre sua morte. A mais difundida é que, num acesso de loucura, ele se cortou e a ferida produziu a temida febre contra a qual lutou ao longo de sua carreira. Outra, no entanto, sustenta que esta lesão foi acidental.

Na estátua que o homenageia em Viena, é reverenciado como “o salvador das mães”, assim como em frente à fachada do Hospital de Budapeste, onde desponta uma grande escultura com a inscrição “Semmelweis” e no pedestal, entre anjos, uma mãe de pedra segura um bebê e o amamenta. A mulher olha para o topo do pedestal, onde está um homem de barba, capa de gabardine e com vários cadernos de anotações embaixo do braço.

A receita de Ignaz Semmelweis de lavar as mãos salvou inúmeras vidas desde então, embora ele não tenha conseguido dar uma explicação científica para o motivo das mortes. Hoje, o conceito de febre puerperal não é aceito como categoria diagnóstica e é mais comum identificar os órgãos e tecidos afetados pela infecção, por exemplo, endometrite ou peritonite, mas a lavagem das mãos voltou a se tornar o meio mais seguro nas últimas semanas de se sentir a salvo do contágio.



Precisa de psicólogo? Site oferece terapia online e gratuita durante isolamento

Para algumas pessoas, ficar em casa durante a pandemia é um desafio e pode desencadear estados ansiosos, depressivos ou agressivos

(Foto: Agência Brasil)
Para algumas pessoas, ficar em isolamento durante a pandemia do coronavírus pode ser um desafio. Pensando na saúde mental de quem está se sentido ansioso, depressivo, agressivo ou com medo neste período em casa, o site “A Chave da Questão” está oferecendo terapia online e gratuita durante o isolamento.

Muitas cidades e estados do País, por exemplo, ordenaram o fechamento de comércios, restaurantes, shoppings, academias e demais locais de lazer. A ordem é para que as pessoas fiquem em casa a maior parte do tempo como forma de evitar a propagação do vírus.

Contudo, essa rotina não é fácil para quem já enfrenta quadros de depressão e ansiedade, ou para aqueles que não possuem um ambiente familiar saudável.

Se estiver precisando de ajudar, acesse o link do site e preencha seu e-mail para receber orientações dos profissionais. Também é possível falar com a equipe através do chat ou agendar um atendimento.



Como reorganizar a rotina pode ajudar sua saúde psíquica na quarentena

Quebra da rotina pode trazer impactos psicológicos diversos para pessoas diferentes; conheça algumas estratégias para manter a saúde mental diante da pandemia


Você acorda, toma café, vive normalmente sua rotina diária. Um dia, um vírus que até pouco tempo estava longe, em outro continente, e você conhecia vagamente apenas pelos noticiários, entra na sua casa sem bater na porta e interrompe, não apenas a sua, mas a rotina de toda uma sociedade. Mas qual o impacto psicológico dessa quebra abrupta que a quarentena e a pandemia trouxeram? E o mais importante: como amenizar o problema?
De um lado, há quem nunca foi ansioso, mas passe a ter ansiedade, insônia, reações agressivas ou se sinta desorientado; de outro,  existem pessoas cujos efeitos da quarentena irão intensificar dificuldades que já estavam presentes antes – Arte sobre silhueta Flaticon e Pixabay
Para o professor e psicanalista Christian Ingo Lenz Dunker, do Instituto de Psicologia da USP, o momento exige que todos reorganizem suas rotinas. “Um dos primeiros efeitos da quarentena é a desorientação atencional. A pessoa se sente mais confusa, menos concentrada, muito mais cansada. Ela pensa que vai trabalhar em casa e vai conseguir descansar, mas não é isso que acontece. Porque uma série de apaziguadores que nós temos no trabalho, como a pausa para o cafezinho ou a conversa com o colega, são suspensos”, aponta o psicanalista.
É uma crise geral, mas é muito importante a gente ter em mente que isso tudo vai passar. Pode demorar muito tempo, pode demorar mais tempo do que a gente gostaria, mas vai passar”, ressalta. É como uma guerra: uma hora termina. Dunker lembra que é uma situação que vai ter várias fases e agora estamos apenas começando. “Ter consciência disso é muito importante para fazer a travessia deste momento”, aponta.
Dunker destaca os possíveis efeitos da quarentena em dois grupos de pessoas. O primeiro é de quem nunca foi ansioso, mas passa a ter ansiedade; nunca teve insônia, mas fica com dificuldade de dormir, apresenta reações muito agressivas ou irritadas; ou então começa a se sentir confuso ou desorientado.

Do outro lado, estão aquelas pessoas cujos efeitos da quarentena irão intensificar as dificuldades e fragilidades que já estavam presentes antes. Por exemplo, para um paciente com uma orientação paranoide (um tipo de transtorno de personalidade), é possível que a quarentena ou incremente o sofrimento ou traga um efeito relativamente apaziguador. Outro exemplo são as pessoas com fobia social e que diariamente lutam para ir ao trabalho. Em casa, elas podem se ver em um ambiente mais protegido, mais favorável.

Dunker conta que vários de seus pacientes com algum tipo de depressão disseram a ele que agora as coisas estavam melhores, pois antes da quarentena era muito difícil sair da cama ou de casa e agora não precisavam mais se preocupar com isso, podiam passar o dia de pijama, demorar mais para sair da cama, etc. O professor alerta que, no caso dessas pessoas, o que agora está sendo sentido como um relativo alívio, pode se tornar potencialmente mais grave com o passar do tempo.
Christian Ingo Lenz Dunker – Foto: Reprodução via Facebook
Uma atitude preditiva para um mal percurso, de acordo com o psicanalista, são aqueles que negam a gravidade da epidemia. “Esse tipo de negação é muito ruim porque, no fundo, a gente sabe que é uma espécie de autoengano, às vezes, de autoengano coletivo. E tende a produzir uma espécie de ruptura, de violação, de sentimento de traição, de instabilidade psíquica derivada da ruptura das nossas referências simbólicas”, diz.

Dunker também chama a atenção para a forma como algumas pessoas lidam com o medo, emoção esperada diante da situação: com excessivo compartilhamento de informações. Ele destaca que os dados confiáveis são muito importantes, agem até como medidas protetivas. Mas há quem, em vez de se acalmar, se aquietar e se conter, age com muita compulsividade, seja na obtenção ou na disseminação de informações, sem uma reflexão ou contextualização.

Tarefas a cumprir

Quem está na quarentena tem algumas tarefas a cumprir, de acordo com o psicanalista. A primeira é a reorganização cotidiana, pensar em horários para fazer cada coisa. A segunda tarefa é cuidar da higiene e manter a salubridade corporal, pois vamos entrar em um período de baixa atividade física e isso nos fragiliza. Dunker diz que o Youtube para encontrar a técnica mais adequada para cada pessoa. Mas é preciso selecionar bem as fontes de informação, também neste caso.

Ele também recomenda a prática da meditação e lembra que o Conselho Regional de Psicologia autorizou o tratamento psicológico online. Se os sintomas de ansiedade e depressão passarem da conta, o psicanalista sugere procurar ajuda de um profissional da área e pensar em um tratamento via internet.

Para o equilíbrio mental, o psicanalista sugere fazer pausas ao longo do dia e encontrar atividades que não sejam exatamente produtivas, mas sim restaurativas: pode ser uma leitura, a jardinagem, o cuidado com os animais, ou a arrumação de armários e da casa, mudar os móveis de lugar, etc. “Eu acho a leitura uma boa prática para isso, diferente das telas [televisão, celular, computador], porque a leitura convoca uma reestruturação da atenção da pessoa. Você precisa entrar no livro, seguir o personagem.”

Outra coisa muito importante é a recuperação dos laços afetivos e sociais. Aquele avô ou avó talvez precise de alguns empurrões para, finalmente, entrar no mundo digital, e conversar, por exemplo, via Skype (um comunicador de voz e imagem via internet).
Dunker lembra que há lugares onde o Skype fica ligado durante o dia, continuamente, e não apenas durante as ligações, assim podem ouvir e partilhar a rotina diária com pessoas que estão em outra residência. São usos diferentes para recursos que já estamos acostumados.
Sobre as crianças, elas demandam, segundo o professor, uma atenção especial, pois terão mais dificuldades em substituir os laços físicos pelos digitais. É um momento para acompanhar o filho mais de perto, contar histórias, participar das brincadeiras, interações que foram perdidas ao longo do tempo.

“Para os pais que vivem dizendo ‘eu não tenho tempo pra isso’, agora chegou o momento de fazer esses ajustes. Também é necessário observá-las, se pararam de brincar, se se isolaram demais, se estão comendo e dormindo direito, porque a quarentena é uma situação muito adversa e elas são muito sensíveis para captar a preocupação dos adultos”, informa o psicanalista.

Os pais precisam falar a verdade sobre a quarentena porque, em geral, mentir nesse momento aumenta a problemática. A criança vai ter de lidar com pensamentos como “por que será que os meus pais estão me escondendo alguma coisa?”, além de todas as outras pressões que atingem a todos neste momento. Os idosos também demandam muita atenção pois geralmente mantêm uma relação muito específica com o cotidiano e são muito sensíveis às reformulações mais radicais

Para Dunker, é um momento para cultivarmos a solidariedade, o altruísmo e também a humildade, pois estamos diante de algo maior e mais poderoso que nós.
É preciso fazer essa travessia em conjunto e não viver esse momento de forma excessivamente individualizada. 

O pior e o melhor de cada um

É uma situação limite, inédita, que está trazendo o melhor e o pior do ser humano. De um lado, o aumento abusivo do preço do álcool em gel e as pessoas estocando comida e papel higiênico. Do outro, exemplos de solidariedade, amizade e empatia, como os daqueles que se oferecem para fazer as compras dos vizinhos idosos. Para Dunker, isso traz respostas criativas, mas também respostas egoístas e destrutivas. Um bom conselho é ficarmos mais tolerantes com nós mesmos e com os outros. Ao mesmo tempo, poderão surgir oportunistas, que se aproveitarão desse momento delicado e da fragilidade alheia para enganar pessoas.

A tendência é os preconceitos aumentarem.
Na história da humanidade, as pestes sempre foram associadas com o estrangeiro. Isso às vezes se entranha nos delírios de perseguição que já estão aí funcionando no nosso lado social. Acho que o Brasil está em uma situação muito desvantajosa em relação a outros lugares pela situação de polarização”, opina
Segundo o professor, outra coisa bastante complexa, mas necessária de ser trazida à discussão, é que todos nós vamos ficar mais pobres. Temos menos produção e as pessoas que vivem na informalidade viverão um perigo maior, inclusive de sofrer efeitos secundários da quarentena, como dificuldades de se alimentar, e isso pode levar a um aumento da violência. “Esse é o lado pior. Mas, no aspecto positivo, quero crer que essa situação possa nos ajudar a reformular completamente nossos pactos de trabalho e financeiros”, sugere.

Dunker diz que estamos vivendo em uma anomia (suspensão da ordem normal) e isso deve afetar e deve valorizar as novas formas de contratos que podemos estabelecer com funcionários, patrões, ciclo produtivos, etc. E isso não se resume a trabalhar ou dar aulas de casa. Vai muito além, pois é uma situação que vai durar muito tempo e vamos ter de nos preparar para isso, inclusive, reduzindo nossas expectativas de gastos e de ganhos, e entender isso como um processo comum a todos.

Para o professor, vamos ter a oportunidade de ver a civilidade e a incivilidade da barbárie que já estava aí no País. Ele lembra que os esforços civilizatórios ainda podem ser tomados e as guerras – uma boa metáfora para o enfrentamento ao coronavírus – sempre trouxeram grandes avanços tecnológicos, inicialmente, na área da defesa, mas que depois foram integrados à sociedade.

Dunker destaca que, atualmente, há um esforço para disciplinar a população, de fazer ela obedecer as orientações das autoridades de saúde e incorporar a ideia de que a quarentena está sendo feita para o bem coletivo e não individual. Para ele, estamos em uma circunstância que pode ser educativa para o nosso país.
Como diz Freud, [Sigmund Freud (1856-1939), médico psiquiatra austríaco criador da psicanálise] é uma situação que pode convocar os nossos fantasmas para a gente bater um papo com eles e resolver assuntos pendentes.”

Ebola, SARS e quarentena

No dia 14 de março, a revista científica The Lancet publicou a revisão The psychological impact of quarantine and how to reduce it: rapid review of the evidence. Dentre 3166 artigos das bases Medline, PsycINFO e Web of Science analisados por pesquisadores do King’s College (Reino Unido), foram selecionados 24 estudos realizados em dez países sobre pessoas que passaram por quarentena em função da SARS, ebola, influenza H1N1, síndrome respiratória do Oriente Médio, e de influenza equina.

A revisão mostrou que a quarentena pode trazer impactos psicológicos negativos, como estresse pós-traumático, confusão e raiva, entre outros. Dentre os fatores que levam ao estresse, os artigos destacam uma maior duração da quarentena, medos de infecção, frustração, tédio, suprimentos inadequados, perdas financeiras e estigmas. O texto destaca a importância de uma comunicação rápida e eficaz, de as pessoas em quarentena entenderem o porquê da situação, e os benefícios do isolamento, entre outras considerações.

Dunker ressalta a qualidade dos artigos, mas aponta algumas diferenças em relação ao que está ocorrendo na sociedade brasileira, pois estamos enfrentando algo completamente distinto. Uma delas é o tempo de duração da quarentena. Um ou outro artigo da revisão citava períodos de 20 ou 30 dias. Aqui no Brasil, há estimativas de que a quarentena deve ultrapassar esse período.

Outro ponto são as doenças analisadas, entre elas SARS e ebola, muito diferentes da covid-19. No caso da ebola, cuja letalidade é muito alta, Dunker lembra da variável cultural, pois os casos ocorreram em países africanos, onde a sociabilidade é diferente, e o agrupamento, a presença e o convívio com a família são bem distintos do restante do mundo.



Professor da UFSC especialista em pandemias indica medidas de proteção para a ida ao mercado

Bruña-Romero é doutor pela Universidad de Navarra, na Espanha, atuando principalmente nos seguintes temas: vírus recombinantes, desenvolvimento de vacinas e diagnóstico imunológico e molecular de doenças infecciosas.

Da UFSC
(Foto: Kelly Sikkema/Unsplash)

O professor do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Oscar Bruña-Romero estabeleceu algumas medidas de prevenção fundamentais no combate à pandemia do Novo Coronavírus (Covid-19). Ele traz orientações a serem utilizadas no cotidiano da população, como ao usar um veículo ou na ida ao mercado. Bruña-Romero é doutor pela Universidad de Navarra, na Espanha, e tem experiência em imunologia, biologia molecular, virologia/parasitologia, atuando principalmente nos seguintes temas: vírus recombinantes, desenvolvimento de vacinas e diagnóstico imunológico e molecular de doenças infecciosas.

“Esta semana ainda poderemos ir ao mercado sem máscara. Quando os casos começarem a aumentar, pode ser que tenhamos que escolher horários do dia em que o mercado esteja mais vazio”, alertou o professor. Ele esclareceu que a máscara cirúrgica comum não protege e só serve para evitar que uma pessoa doente espalhe ainda mais a infecção.

Veja as medidas de precaução definidas pelo professor:

1. Nunca fique a menos de um metro de outro ser humano;

2. Considere sempre a sua mão suja. Nunca leve a mão à boca, ao olho ou nariz enquanto estiver no mercado, nem para coçar, nem para tocar nos cabelos;

3. Pague suas compras no cartão. Não aceite moedas e muito menos notas de papel até depois da pandemia;

4. Guarde álcool em gel e álcool 70% com um rolo de papel toalha no carro. Coloque as compras no porta-malas e, em seguida, abra a porta do carro e passe álcool gel na mão (ainda fora do veículo). Molhe uma folha de papel toalha com álcool 70% e passe no volante, no freio de mão e na alavanca das marchas. Passe também na maçaneta (alavanca) da porta de dentro do carro, nos controles dos vidros e nos controles do rádio. Não faça desinfecção do carro por fora, é necessário sempre considerar que o veículo possa estar contaminado. Feche a porta, sente-se e desfrute a viagem;

5. Higienize os alimentos ao chegar em casa, principalmente aqueles que serão consumidos crus. Lave em água corrente e mergulhe as verduras e frutas em uma solução contendo água sanitária diluída em água. Observe no rótulo da água sanitária a diluição ideal e o tempo necessário para deixar o alimento em imersão. Se não tiver essa informação no rótulo, busque outra marca, pois alguns produtos não devem ser utilizados em alimentos. Depois disso, enxágue com bastante água. Passe álcool 70% em embalagens de alimentos que serão armazenadas;

6. Caso tenha comprado itens que não são comestíveis, passe um álcool 70% neles ou deixe ao sol direto por duas horas, no mínimo;

7. Sempre que chegar em casa da rua, tire os sapatos e troque a roupa. Lave os braços até o cotovelo. É fundamental ter uma ‘roupa de casa’, e a ‘roupa de rua’ que não quiser lavar diariamente, deixe sempre no mesmo lugar. Volte a vesti-la apenas imediatamente antes de necessitar sair para a rua novamente. Não transite em casa com ‘roupa de rua’.

8. Passe álcool 70% em todas as torneiras das pias de casa uma vez por dia, nas maçanetas das portas e nas chaves de casa e do carro;

9. Passe álcool 70% no seu celular, tablet, notebook, teclados e mouse uma vez por dia. Considere-os sempre sujos (lave as mãos ou passe álcool em gel depois de usar);

10. E, claro, sempre em caso de dúvida: lave as mãos.

Boas compras!





quinta-feira, 19 de março de 2020

A filosofia de Anísio Teixeira na reconstrução da democracia e da educação nacional, por João Augusto de Lima Rocha

Merece destaque a proposta, aparecida há pouco, no sentido de que se crie, imediatamente, uma comissão nacional de personalidades capazes de repensar o Brasil

Anísio Teixeira
Sabe-se que, em decorrência de pesquisa recentemente publicada, a morte do educador Anísio Teixeira não ocorreu no dia 11, mas no dia 12 de março de 1971, segundo consta do laudo do Instituto Médico Legal encontrado pela Comissão Nacional da Verdade, em 2013.

É o que apresenta o livro Breve história da vida e morte de Anísio Teixeira (João Augusto de Lima Rocha, Edufba, 2019), no qual  desvenda-se que a morte do educador não se deu em consequência de uma queda em fosso de elevador, tal como até há pouco se acreditava. E, por ter ocorrido no dia 12 de março, um dia após seu desaparecimento, abre-se a possibilidade de ter sido ele assassinado em dependência da Aeronáutica, no Rio de Janeiro, sendo o corpo levado posteriormente para o fundo do fosso do elevador, a fim de dar fundamento à farsa da morte devido à queda. O corpo só foi encontrado no começo da noite de 13 de março de 1971, no fundo do fosso do elevador social do edifício onde residia Aurélio Buarque, na Praia de Botafogo, Rio de Janeiro. Anísio havia marcado para almoçar na residência dele, no dia 11 de março, porém não chegou a seu  destino, mas isso serviu de base para a montagem da farsa da queda, que a imprensa fiel à ditadura militar fez ecoar imediatamente, sem a mínima comprovação!   

É tão expressamente significativa a contribuição de Anísio Teixeira para a educação nacional,  particularmente para a filosofia e o planejamento educacional,  que Florestan Fernandes declarou o seguinte, no pronunciamento que fez na solenidade de  inauguração da Fundação que leva o nome do educador, em Salvador-BA, dia 21 de setembro de 1989: “O que havia de fundamental na personalidade de Anísio Teixeira era o fato de ele ser um filósofo da Educação nascido num país sem nenhuma tradição cultural, para que florescesse uma personalidade com essa envergadura e com tal vocação. Foi o nosso primeiro e último filósofo da educação.”
                                  
Nomeado Inspetor Geral do Ensino, na Bahia, pelo governador Francisco Marques de Góes Calmon, em abril de 1924, Anísio  Teixeira foi aos EUA em 1927, em viagem oficial para conhecer a Educação daquele país, em grande parte influenciada pelas ideias do educador e filósofo John Dewey. 

Na volta à Bahia, publica seu primeiro livro: Aspectos Americanos de Educação, no qual relata as visitas realizadas por indicação do Teachers College da Universidade Columbia, onde John Dewey pontificava. Além disso, inclui uma rica síntese das ideias daquele filósofo, cuja extensa obra iria influenciar Anísio por toda a vida.

O Pragmatismo, escola filosófica de Dewey, tinha na democracia o fundamento básico para o processo de reconstrução escolar contínua na sociedade. Com plena autonomia intelectual, Anísio aplicou criativamente essa compreensão no Brasil, o que  lhe valeu dura oposição das forças conservadoras, e logo o taxaram de comunista. 

Sobre a questão da democracia, diz ele: “Primeiro, a escola deve prover oportunidade para a prática da democracia – o regime social em que cada indivíduo conta plenamente como uma pessoa. Democracia na escola importa em democracia para o mestre e democracia para o aluno, isto é, um regime que procure dar ao mestre e aos alunos o máximo de direção própria e de participação nas responsabilidades de sua vida econômica. Segundo, como democracia é acima de tudo o modo moral da vida do homem moderno, a sua ética social, a criança deve ganhar através da escola esse sentido de independência e direção que lhe permita viver com outros com a máxima tolerância, sem, entretanto, perder a personalidade.” 

Merece destaque a proposta, aparecida há pouco, no sentido de que se crie, imediatamente, uma comissão nacional de personalidades capazes de repensar o Brasil, a fim de que a Nação se encaminhe para um futuro livre da praga nefasta do bolsotrumpismo, talvez tão grave quanto a da Covid 19. Sugere-se que as contribuições de Anísio Teixeira, já aplicadas com sucesso aplicadas em nosso país, até o começo da década de 1960, em particular os princípios nelas implícitos com sólida base científica e filosófica, possam muito bem contribuir como elementos iniciais para o duro trabalho de reconstrução educacional e cultural do país.


Fonte: Publicado no Jornal GGN