Pioneiro da antissepsia, o húngaro
salvou a vida das parturientes desde meados do século XIX com esta medida de
higiene sanitária simples, mas efetiva
Por Alberto López | El País
![]() |
Retrato do médico húngaro, Ignaz Semmelweis.(ULLSTEIN BILD DTL. / ULLSTEIN BILD VIA GETTY IMAGES) |
Passaram-se mais de 150 anos desde
que Ignaz Semmelweis demonstrou que o fato de os médicos
lavarem as mãos no hospital evitava a morte de parturientes. Atualmente, esse
gesto, tão simples quanto cotidiano, ganha nas últimas semanas um valor
incalculável por ser uma das soluções mais eficazes para evitar o contágio pelo
vírus SARS-CoV-2, mais conhecido em todo mundo como o novo coronavírus
(Covid-19).
Entretanto, apesar de sua grande
descoberta e da sua lúcida cabeça, Semmelweis nunca foi levado muito a sério
por seus colegas. Estes não lhe perdoaram por lançar um apelo para que as mulheres não parissem nos hospitais, pelo
risco de morrerem de febre puerperal, também conhecida como febre das
parturientes, por chamá-los de “assassinos” e por não saber explicar
cientificamente as conclusões de seus estudos estatísticos para a redução da
mortalidade. Talvez, o que no fundo não lhe perdoassem era a sua juventude, já
que com apenas 30 anos pôs em xeque todo o sistema de
saúde austríaco, além do seu caráter orgulhoso e agressivo.
Seu reconhecimento tardou anos a chegar,
entre outras coisas porque morreu jovem, aos 47 anos, sozinho, deprimido e
num manicômio ao qual o levaram de forma fraudulenta. Seu falecimento ocorreu,
justamente, pela infecção febril pela que ele tanto combateu, causada por uma
ferida, que não se sabe bem se foi feita por ele mesmo ou acidental. O que não
se tem dúvida é de que o pesquisador húngaro foi o pioneiro da antissepsia
sanitária, mais tarde transferida à cirurgia por Joseph Lister, e que abriu
caminho para que Louis Pasteur elaborasse sua teoria dos germes.
A educação do pequeno Ignaz foi tanto em
húngaro como em alemão, embora nunca tenha dominado este último idioma. Ao
concluir o ensino obrigatório, começou a estudar Direito,
mas, após presenciar uma autópsia, mudou para Medicina e
se formou em 1844, obtendo em 1846 a especialização em obstetrícia. Naquela
época, o Hospital Geral de Viena era o maior e mais famoso do mundo, com duas
clínicas de obstetrícia, uma para ensinar aos estudantes de Medicina e a outra
para formar parteiras.
Em 20 de março, de 1846, Ignaz
Semmelweis foi nomeado assistente do diretor e chefe de Residentes na Clínica
de Maternidade do Hospital Geral de Viena. Propôs-se a investigar e dar solução
ao que outros simplesmente assumiam como normal, em um mundo onde ainda não se
falava em germes: as mortes por febre puerperal. Era uma grave doença que
afetava as mulheres durante o parto, causando o óbito de até 700 mulheres internadas
para partos por ano.
A teoria da época atribuía a alta
mortalidade aos ares nocivos, por isso foram feitos numerosos buracos nas
paredes e nas portas dos hospitais, conhecidos como “casas da morte”, para
melhorar a ventilação, mas tudo foi em vão. Entre outras razões, porque as
condições de higiene desaconselhavam até ir a um hospital:
as salas de cirurgia eram tão sujas como os cirurgiões que nelas trabalhavam.
No meio da sala costumava haver uma mesa de madeira manchada com restos de
intervenções anteriores, enquanto o piso estava coberto de serragem para
absorver o sangue, e os doentes ficavam em camas cheias de todo tipo de
insetos, por causa da umidade de seus próprios fluidos.
As pessoas com maior risco no hospital
eram as grávidas, particularmente as que sofriam fissuras vaginais durante o
parto, pois as feridas abertas eram o hábitat ideal para as bactérias que
médicos e cirurgiões levavam de um lado para o outro. As pacientes sofriam
calafrios, dores de cabeça, congestão ocular, convulsões, delírios e, em
questão de dias, faleciam.
Os médicos atribuíam isso ao frio, à
umidade, à aglomeração nas salas de maternidade e
à ansiedade das parturientes, mas a primeira coisa que Semmelweis observou foi
uma diferença notável entre as duas salas obstétricas do Hospital Geral de
Viena, cujas instalações eram idênticas. A que era fiscalizada pelos estudantes
de Medicina tinha uma taxa de mortalidade três vezes mais alta que a das
parteiras.
Embora ninguém fosse capaz de desvendar
o mistério, a ordem de um diretor anterior do hospital havia sido decisiva:
quis modernizar alguns costumes médicos, o que incluía que os alunos de
obstetrícia deixassem de aprender anatomia com manequins e passassem a fazê-lo
dissecando cadáveres.
O grande mérito do Ignaz Semmelweis foi
começar a tomar notas e a reunir dados estatísticos de ambas as salas. O
evidente, e o não tão evidente, veio à tona: muitas mulheres contraíam a febre
antes de parirem, a infecção sempre
surgia no útero e, o mais importante, os alunos que examinavam as pacientes
saíam de suas práticas de anatomia com cadáveres sem lavarem as mãos, e nessas
condições examinavam as mulheres.
As parteiras que trabalhavam na segunda
sala do hospital, entretanto, não realizavam estudos forenses, por isso
Semmelweis imaginou que talvez aqueles estudantes transportassem em seus dedos
a infecção da sala de anatomia para as futuras mães, e propôs palavras simples:
lavar as mãos.
Sua teoria não agradou em nada a direção
do hospital e os seus colegas médicos, que se sentiram culpados e diretamente
acusados por centenas de mortes. Assim, após discutir com o diretor, em outubro
de 1846, Semmelweis foi destituído do seu cargo.
Um ano depois, Ignaz Semmelweis soube
que um professor amigo havia morrido depois de sofrer um corte acidental
durante uma autópsia. Ele descobriu que os sintomas que sofrera antes de morrer
eram os mesmos das mulheres no hospital, e foi assim que encontrou as
evidências necessárias para seu espírito metódico. “A sepse e a febre puerperal
devem ter a mesma origem. Os dedos e as mãos de estudantes e médicos, sujos por
dissecações recentes, transportam venenos mortais dos cadáveres para os órgãos
genitais das mulheres em trabalho de parto ", observou.
Graças à sua perseverança, Semmelweis
conseguiu retornar ao hospital vienense, onde começou a corroborar suas
hipóteses, e foi assim que a terrível sangria de vidas causada pela febre
puerperal foi drasticamente reduzida com uma simples lavagem das mãos.
Ele mesmo preparou uma solução de
cloreto e ordenou que os alunos lavassem as mãos com ela. Quando Ignaz Semmelweis
compreendeu que as infecções também podiam ser passadas adiante após o exame de
pacientes vivas, ele reforçou as medidas de higiene e o número de mortes
desabou ainda mais.
No entanto, a maioria de seus colegas e
os próprios alunos rejeitaram sua eficiente ‘receita’ porque não se baseava em
uma explicação científica e, dois anos depois, em 1849, ferido por seu orgulho,
Semmelweis perdeu de novo o emprego em Viena.
Depois de trabalhar como médico
particular na Hungria e lecionar em uma universidade, o médico publicou em 1861
uma obra em que expôs suas teorias, e mergulhou em uma profunda depressão. Sua
personalidade não o ajudou a lidar com a situação, já que durante esse período
também escreveu panfletos incendiários nos quais acusava os colegas que o
ignoravam, chamando-os abertamente de "assassinos".
Ele acabou sendo internado em um
hospício depois de perambular pela rua com aparência desleixada e gritando. Foi
sua mulher quem o levou ao manicômio vienense, enganando-o, com a desculpa de
visitar um amigo em sua casa. Tão logo chegou, três médicos, nenhum dos quais
era psiquiatra, aprovaram seu confinamento involuntário, colocaram-no em uma
camisa de força e o trancaram em uma cela escura, onde era espancado por sua
teimosia. Quando morreu, a imprensa médica apenas relatou sua morte, e não
houve obituários reconhecendo suas realizações.
Faleceu em 13 de agosto de 1865, aos 47
anos. Várias teorias circulam sobre sua morte. A mais difundida é que, num
acesso de loucura, ele se cortou e a ferida produziu a temida febre contra a
qual lutou ao longo de sua carreira. Outra, no entanto, sustenta que esta lesão
foi acidental.
Na estátua que o homenageia em Viena, é
reverenciado como “o salvador das mães”, assim como em frente à fachada do
Hospital de Budapeste, onde desponta uma grande escultura com a inscrição
“Semmelweis” e no pedestal, entre anjos, uma mãe de pedra segura um bebê e o
amamenta. A mulher olha para o topo do pedestal, onde está um homem de barba,
capa de gabardine e com vários cadernos de anotações embaixo do braço.
A receita de Ignaz Semmelweis de lavar
as mãos salvou inúmeras vidas desde então, embora ele não tenha conseguido dar
uma explicação científica para o motivo das mortes. Hoje, o conceito de febre
puerperal não é aceito como categoria diagnóstica e é mais comum identificar os
órgãos e tecidos afetados pela infecção, por exemplo, endometrite
ou peritonite, mas a lavagem das mãos voltou a se tornar o meio mais
seguro nas últimas semanas de se sentir a salvo do contágio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário