OPINIÃO: Não se importam com o crime em
si, a única coisa relevante aqui é se a pessoa faz parte do jogo conservador;
se não faz, ela que lute
Por Maurício Thomaz
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Crédito: Reprodução |
Nada tem feito muito sentido nos últimos
tempos, desde que Jair Bolsonaro (sem partido) ascendeu na política e
consagrou-se Presidente da República. Prova disso é a crucificação feita em cima do médico Drauzio Varella, desde
a noite deste domingo, 8, quando o site O Antagonista divulgou que a
presidiária trans Suzy teria sido presa por ter estuprado e assassinado uma
criança.
Drauzio fez uma matéria especial para o
“Fantástico”, da TV Globo, em que entrevistou a presidiária Suzy, e a abraçou
ao final, devido ao relato dela de nunca ter recebido sequer uma visita durante
o cumprimento de sua pena. O médico demonstrou empatia com a solidão da
detenta, mas foi massacrado nas redes sociais após a divulgação do suposto
crime cometido por ela.
Em contrapartida, muitos dos que
criticam a postura de Drauzio em ter se compadecido com Suzy são aqueles que
idolatram o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (1932 – 2015). Ustra foi um
dos mais notáveis torturadores da ditadura militar (1964 – 1985), tendo
sequestrado crianças e torturado seus pais na frente delas. Seu nome figurou
nos trending topics do Twitter na manhã desta segunda-feira, 9, enquanto
internautas comparavam a atitude de Drauzio com as de Ustra.
Um dos casos mais memoráveis é o de
Maria Amélia Teles, presa aos 26 anos de idade no DOI-Codi. Ustra teria levado
seus dois filhos para assistirem à mãe sendo torturada nua, suja de sangue,
urina e vômito, enquanto o pai acabara de sair de um coma após ser torturado no
pau de arara.
A idolatria a Ustra (feita, inclusive,
pela família Bolsonaro) e a crucificação de Varella só nos fazem enxergar uma
coisa: a onda do ultra-conservadorismo que paira sobre o Brasil não se importa
com os fatos em si. Ustra torturou, traumatizou, matou aqueles que agiam e
pensavam contra o regime militar. Vidas foram eternamente modificadas por conta
de seus criminosos atos. Ainda assim, é visto como herói. Varella, que nem
sabia do passado de Suzy, hoje é visto como inimigo por ter exercitado o poder
da compaixão.
Devido à repercussão do caso e ao
linchamento virtual, o médico fez questão de emitir uma nota pública em que
justifica seus atos.
“Há mais de 30 anos, frequento
presídios, onde trato da saúde de detentos e detentas. Em todos os lugares em
que pratico a Medicina, seja no meu consultório ou nas penitenciárias, não
pergunto sobre o que meus pacientes possam ter feito de errado. Sigo essa
conduta para que meu julgamento pessoal não me impeça de cumprir o juramento
que fiz ao me tornar médico. No meu trabalho na televisão, sigo os mesmos
princípios. No caso da reportagem veiculada pelo Fantástico na semana passada
(1/3), não perguntei nada a respeito dos delitos cometidos pelas entrevistadas.
Sou médico, não juiz.”, escreveu.
Que fique claro, mais uma vez, para quem
não entendeu: ele é médico, não juiz. Suzy cumpre sua pena de acordo com a
legislação brasileira. E deve cumprir, mesmo. Mas não há nada mais a ser
comentado sobre sua prisão, afinal, ninguém aqui tem o poder de estar acima da
Constituição.
Um crime não abafa o outro, mas a
repercussão deles diz muito sobre quem somos.
Fonte: Publicado no Catraca Livre
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