Por Emir Sader
Poderia suceder de novo algo similar ao que ocorreu na saída da
ditadura, quando o clamor das ruas gritava por eleições diretas pra presidente,
mas não se conseguiu os 2/3 no Congresso e a eleição do primeiro civil depois
de 21 anos de ditadura militar foi feita por um Colégio Eleitoral imposto pelo
regime ditatorial. Para alguns, era apenas um atalho para a democracia. Mas não
foi assim.
É certo que o inesperado alijamento de Tancredo do carto para o qual
tinha sido eleito, favoreceu ainda mais o paradoxo de que o primeiro civil
presidente do pais depois da ditadura tivesse sido que era, semanas antes,
presidente do partido da ditadura e tivesse comandado o bloqueio à vitoria das
diretas no Congresso. Mas não é menos certo que, em eleições diretas, o eleito
teria sido Ulysses Guimarães, com programa de transformações estruturais do
MDB. A historia teria sido muito diferente.
O governo Sarney se apoiou não nas forcas democráticas que haviam
protagonizado a luta contra a ditadura, mas na aliança entre o PMDB e o PFL –
este vindo da ditadura -, uma mistura entre o velho e o novo, mas sob comando
do velho, porque não foi o PMDB quem tinha o presidente, mas era um politico
proveniente da ditadura.
O poderoso impulso democrático proveniente da resistência à ditadura, se
esvaziou rapidamente, sem que a democratização tivesse ido além do
restabelecimento do regime existente antes do golpe de 1964. Não se
democratizou o sistema bancário, não se democratizou a propriedade da terra,
não se democratizaram os meios de comunicação. As profundas estruturas de poder
herdadas da ditadura permaneceram e até se consolidaram e se estenderam, como
foi o caso dos meios de comunicação, sob o comando de ACM.
Como uma das consequências das eleições indiretas e do esgotamento
rápido do impulso democrático pelo governo Sarney, se frustrou a transição
democrática no Brasil. Amentou a desigualdade social, a pobreza e a miséria. A
questão democrática deu lugar ao consenso neoliberal, com um filho da ditadura,
como o Collor, introduzindo a temática da critica do Estado como central,
seguido pelo FHC.
A substituição das eleições diretas pela indireta foi assim responsável
pela limitação do processo de transição da ditadura à democracia e, de alguma
forma, pela geração das condições do período de hegemonia neoliberal no Brasil,
com todas as consequências negativas que trouxe para o pais.
Foi necessário que os governos neoliberais fossem derrotados para que à
transição institucional se agregassem, nos governos do PT, a democratização
social que o Brasil nunca havia vivido. A ditadura militar e os governos
neoliberais aumentaram a desigualdade e a exclusão social. Foi com os governos
do PT que se promoveu a inclusão social da grande maioria da população, que se
tornaram cidadãos não apenas por votar, mas por passarem a ser sujeitos de
direitos sociais.
Essa democratização social foi possível porque estava nas mãos do povo
decidir que tipo de governo preferia e ele preferiu, quatro vezes,
sucessivamente, o modelo de desenvolvimento econômico com distribuição de
renda. A democratização social esteve estreitamente associada ao nível de
democratização politica que se havia conquistado.
A ruptura da democracia, por sua vez, está estreitamente associada aos
retrocessos no plano social, à exclusão de grande parte da população dos
direitos sociais básicos que havia conquistado. O golpe que levou Temer à
presidência e a ameaça de eleição indireta do sucessor tornam possíveis os
retrocessos sociais, a quebra da democracia politica, a retração da ação do
Estado e a perda de soberania na politica externa.
Tudo isso está em jogo com a luta entre eleições diretas ou indiretas
para o novo presidente do Brasil.
Fonte: Publicado no Brasil 247