"Quando perdemos a capacidade de nos indignarmos com as atrocidades praticadas contra outros, perdemos também o direito de nos considerarmos seres humanos civilizados." ― Vladimir Herzog

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Painel Paulo Freire, obra de Luiz Carlos Cappellano.

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quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

BEBEL, 12 ANOS: “PRECISAMOS LUTAR CADA UM FAZENDO SUA PARTE PARA TRAZER NOSSO BRASIL DE VOLTA”

 Ricardo Kotscho, jornalista
Terça-feira, 11 da noite, chega mais um zap da minha neta Bebel, de 12 anos:

“Vovô: tive vontade de escrever esse texto e estou enviando pra você”.

Eu já estava dormindo, só fui ler agora de manhã.

A gente tinha acabado de ter uma longa conversa no WhatsApp sobre a situação do país e a decisão da Justiça de proibir a ida de Lula ao enterro do irmão Vavá.

No primeiro zap, às 10 da noite, ela me fez uma pergunta:

“Oi, vô, tudo bem? Coitado do Lula. Eu estou preocupada. Você acha  que vão deixar ele ir no velório?”

Naquele horário ainda não dava para saber direito.

Quase não acreditei no que li ao abrir o celular nesta manhã de quarta, e até perguntei pra ela: “Você que escreveu esse maravilhoso texto, Bel?”

Resposta dela, objetiva como sempre: “Sim”.

E me autorizou a publicá-lo, como segue abaixo, na íntegra, com a grafia original:

“Esse não é o Brasil: sem amor, sem respeito, sem compaixão.

Cadê nossa cultura, cadê nossa história. Acabou?

Nosso Brasil nunca será mais o mesmo?

Ainda bem que temos um bom passado recente, de luta democrática, pois o futuro já está quase destruído.

Por isso, precisamos lutar cada um fazendo sua parte para trazer nosso Brasil de volta, aquele com amor e respeito.

Basta termos fé e responsabilidade que vamos conseguir.

Faz 30 dias que o Bolsonaro começou na presidência e nada melhorou como alguns achavam que ia acontecer, aliás, só piorou.

O que parecia óbvio que ia acontecer, já que nas primeiras 24 horas no poder ele já havia tirado os direitos do LGBTs e reduzido o reajuste do salário mínimo.

Durante 28 anos como deputado ele não fez nada! O que ele pretende fazer nos próximos 4 anos, sendo que nas primeiras 24 horas já foram tantas coisas ruins?

Não consigo nem imaginar o que pode acontecer.

Só sei que devemos seguir em frente lutando a cada dia e cada vez mais.

Basta acreditar que vamos conseguir e que estamos todos juntos nessa.

Beijos, Bebel”.

***

Diante desse retrato de indignação, esperança e luta de uma criança de 12 anos, o que mais eu poderia acrescentar?

Logo, logo, espero que Bebel poderá estar ocupando este espaço do Balaio, e eu irei finalmente descansar em paz, com a sensação de missão cumprida.

Vida que segue.




A Justiça impediu a presença de Lula no velório em que a Justiça foi enterrada

Lula com o falecido irmão Vavá
No parecer canalha da PF de Sergio Moro sobre o pedido de Lula para ir ao enterro do irmão Vavá, a corporação afirma que fez uma “análise de risco”.

Ali estava considerados elementos como “fuga ou resgate”, “atentado contra a vida do ex-presidente Lula”, “comprometimento da ordem pública” etc.

Alegou-se que não havia efetivo para garantir que nada disso acontecesse.

Na manifestação do Ministério Público Federal, os procuradores enfim admitiram que Lula “não é um preso comum”.

“A logística para realizar a sua escolta depende de um tempo prévio de preparação e planejamento”, afirmaram. 

O superintendente da Polícia Federal do Paraná, Luciano Flores de Lima, alegou que “os helicópteros que não estão em manutenção estão sendo utilizados para apoio aos resgates das vítimas de Brumadinho”.

A juíza Carolina Lebbos considerou que o texto da lei “exprime noção de possibilidade” ao afirmar que os presos “poderão” ser liberados.

O jurista Luís Carlos Valois explicou, didaticamente, que isso “é relativo aos requisitos que são relacionados depois, mas preenchidos esses requisitos, a saída é um direito”.

“As interpretações, ainda é bom que se diga, devem ser sempre a favor do direito e não do Estado”, diz.

Para buscar Battisti na Bolívia e pagar aquele mico milionário, a PF tem “logística”.

Absolutamente nenhuma dessas justificativas para em pé.

É cinismo e má fé cristalizados de maneira que ninguém mais pode duvidar da perseguição. Como somos um país de cínicos acostumados a normalizar o absurdo, vamos em frente.

O medo de Lula é o medo da democracia.

Eles têm que manter o troféu na cana porque ali sabem o que fazer com ele. Lula no meio do povo é o pesadelo moral dessa gente.

É útil verificar a repercussão pífia da mídia diante desse escândalo de arbítrio. Nada nas manchetes, nenhum colunista indignado, nenhum Merval Pereira ou Gerson Camarotti com gases na TV.

A tragédia de Brumadinho fornece o álibi para a timidez em expor uma farsa da qual a imprensa é co-protagonista.

Um preso foi impedido de enterrar o irmão, algo garantido legalmente, porque seu nome é Lula.

A Justiça impediu sua presença no velório em que a Justiça foi enterrada.




O Brasil está moralmente morto

Uma das frases mais ouvidas no contexto da tragédia criminosa de Brumadinho é a de que “não se aprendeu nada com a tragédia de Mariana”. Isto não se deve a um mero ato de negligência, o que já seria grave. Mas se deve a um ato deliberado de não querer aprender com os erros do passado, o que é gravíssimo. Não aprender com os erros do passado é o modo de ser e de proceder das elites econômicas e políticas do país. É por isso que naturalizamos as várias tragédias em que estamos afundados e nos mostramos um país incapaz de sair do destino desafortunado e desgraçado em que parecemos estar prisioneiros. Mas essa incapacidade é uma escolha e sempre que acontecem desastres e tragédias os atribuímos ao acaso, ao imprevisto, ao fatal. Esta é uma forma criminosa de proceder, por trás da qual estão emboscadas as elites em sua astúcia predadora, assassina, sanguinária. Esta é também a fórmula secreta da impunidade comprada a peso de ouro junto a escritórios de advocacia e postergada indefinidamente por juízes impiedosos, que não se sensibilizam com as vidas ceifadas, com a dor e com os prejuízos dos que ficam, com a devastação ambiental e com o sacrifício do futuro.

O Brasil está moralmente morto. A vasta corrupção que destruiu as instituições, a impunidade dos corruptores e de muitos corruptos notórios, os privilégios dos políticos e do alto funcionalismo, a incapacidade do Estado e dos políticos em resolver os problemas fundamentais do país e do povo, a vandalização da Constituição pelo Judiciário,  a devastadora destruição de Mariana, as chamas que queimaram a nossa história no Museu Nacional, a vitória de Bolsonaro e a tragédia de Brumadinho são eventos de um único ambiente que provocou a morte moral do Brasil.
Não há limites para os nossos retrocessos. O Brasil está entregue ao grotesco, ao tenebroso, ao assombroso. Os maiores invocadores da pátria não são patriotas. Os maiores invocadores de Deus são sócios do demônio. Em nome do moralismo tosco, criminoso, anti-humano, contrário aos direitos civis, apunhala-se a própria moral, busca-se legitimar a violência como método de solução de conflitos, deixa-se de querer e de fazer o bem comum. Em nome desse moralismo muitas igrejas transformaram-se em templos do cinismo, onde os falsos profetas pregam o retrocesso civilizacional, o conservadorismo enlouquecido, sedento de dinheiro, de poder e de sacrifícios humanos.
O Brasil está moralmente morto porque somos um povo incapaz de acreditar no Brasil e em nós mesmos. Temos o pior índice de confiabilidade interpessoal. Por isso somos dominados pela ausência de um sentido comum e não somos capazes de construir uma comunidade de destino. No Brasil, o senso ético do bem comum foi assassinado, seu corpo foi arrastado pelas ruas das nossas cidades e crucificado nas praças públicas para advertir e impor o medo àqueles que lutam por direitos, justiça e igualdade. Querem que nos curvemos à descrença e que só acreditemos em que nada vale a pena, visando gerar o imobilismo social e político, a impotência para a luta, a incapacidade para a virtude e a descrença do futuro. A morte das vontades e dos desejos de mudança é a morte moral do Brasil e de seu povo.
Um país que tem 106 milhões de pessoas que ganham até um salário mínimo, que tem 54 milhões de pessoas pobres, mais de 15 milhões que vivem abaixo da linha da pobreza e que ocupa a nona posição entre os mais desiguais do mundo não pode ser um país moralmente vivo. Um país que mata 64 mil pessoas por ano pela violência, que destroça milhares de pessoas no trânsito, que ocupa o sétimo lugar entre aqueles países que mais matam jovens e o quinto lugar entre aqueles que mais matam mulheres é um país moralmente morto.
O Brasil terminou de eleger um governo que rompeu com o consenso que havia se construído após a sua redemocratização: o de que o principal problema do país é a desigualdade social e de que só haverá progresso e desenvolvimento se este problema for resolvido. O Brasil não terá futuro e nem dignidade se este consenso não for restabelecido e se os governantes não tiverem mais capacidade e eficiência para resolver este problema. O Brasil também não terá paz social se não houver uma união de uma grande maioria consciente e empenhada em resolver este problema. Sem enfrentar este problema, a decadência do Brasil continuará de forma inapelável e a riqueza que for aqui construída com o sacrifício de muitos será um benefício de poucos, pois será uma riqueza assaltada pelos mecanismos legais e extralegais da exploração despudorada.
Hoje somos 212 milhões de brasileiros, todos estranhos entre si, desconfiados uns com os outros, quase hostis. Vivemos mergulhados na solidão das nossas angústias e dos nossos temores, sem capacidade de transformá-los em ação e furor. Quase não temos vida associativa, os partidos são entes ocos, os sindicatos são comitês de burocratas, a sociedade civil não tem capacidade de reação e de mobilização.
O líder maior do povo está cada vez mais esquecido no cárcere e os líderes que estão por aí pontificam na fraqueza, na debilidade, na vaidade e na arrogância. Somos um povo sem um Moisés, sem uma coluna de fogo a nos guiar, e vagamos perdidos no deserto. Sem líderes ou movimentos que nos unam, muitos de nós fogem para saídas individuais, outros se evadem no amargor por perceberem o absurdo da existência.
Precisamos de líderes e de movimentos que sejam capazes de fazer convergir as múltiplas lutas, as dispersas iniciativas, as fracas vontades. Se o momento é de debilidade, de fraqueza e de desorientação, precisamos pressionar pela unidade, pois é dela que podem ser forjadas novas lutas e novos líderes. Os males provenientes das atuais condições sociais e políticas não podem nos calar e nos matar. Se a razão tem motivos de sobra para ser pessimista, a vontade precisa nos animar, restaurar as nossas virtudes cívicas para as lutas e combates, pois só neles reside a esperança. Somente a restauração das nossas qualidades e virtudes internas, dos nossos desejos e paixões por mudanças e por justiça podem criar novas condições políticas e morais, primeiro, para estancar a decadência e o retrocesso que estão em marcha e, segundo, para criar um movimento comum, transformador, inovador, de sentido universalizante. Somente a nossa vontade militante e atuante poderá restituir a vida a um país que está moralmente morto.
*Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).

Toffoli inovou ao conceder habeas corpus para um morto visitar Lula

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, inovou jurisprudencialmente ao conceder hoje (30) um habeas corpus para Genival Inácio da Silva, o Vavá, morto desde ontem (29), para visitar o ex-presidente Lula. Explica-se.
Temendo manifestações populares no entorno do Cemitério da Paulicélia, em São Bernardo do Campo (SP), Toffoli autorizou a transferência de Lula para o velório num regimento militar. Nesse caso, o ex-presidente estaria proibido de despedir-se do irmão no local da cerimônia. Portanto, o defunto é que deveria ir visitar Lula no local indicado pela justiça.
“Toffoli foi para o deboche: concedeu habeas corpus para o morto visitar o irmão preso”, criticou o deputado Wadih Damous (PT-RJ), ex-presidente da OAB-RJ.
Lula foi proibido de ir ao velório, pois a decisão do ministro do STF ocorreu após o enterro de Vavá. A autorização era para que o ex-presidente se encontrasse com os familiares, mas sem repórteres e celulares, enfim, sob censura.
A executiva nacional do PT protestou por meio de nota oficial afirmando que “a perseguição ao ex-presidente Lula não tem fim e neste episódio rebaixou-se ao nível da crueldade e da vingança”.
O artigo 120, parágrafo 1º, da Lei de Execução Penal garante a todo cidadão participar dos funerais de familiares: irmãos, pais e filhos. “Esse direito legal e humanitário, que atende a todos os cidadãos, foi negado a Lula pelos mesmos perseguidores e carrascos que o condenaram e prenderam ilegalmente, para impedir que fosse eleito presidente da República”, reagiram os petistas.
O PT vê mais perversidade moral do judiciário, atualmente, que na ditadura militar.
“Nem mesmo a ditadura foi tão cruel e mesquinha em relação a Lula, que saiu da prisão por um dia, em abril de 1980, para participar do sepultamento da mãe, dona Lindu. Na época, Lula e outros dirigentes do Sindicato dos Metalúrgicos foram presos por 31 dias com base na Lei de Segurança Nacional’, diz um trecho da nota.
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Justiça e PF tratam Lula como preso político

'STF pode mostrar que ainda há juízes em Brasília'

Kennedy Alencar, Jornalista
Boa parte da comunidade jurídica brasileira considera injusta a sentença contra Lula no caso do apartamento no Guarujá. Renomados juristas e advogados criminalistas afirmam que, no mínimo, deveria ter sido aplicado o princípio “in dubio pro reo”. Ou seja, diante das dúvidas para condenar, Lula deveria ter sido absolvido.
Entretanto, quando se examina a execução da pena do ex-presidente, fica claro que Lula é tratado como preso político.
Lula foi condenado pelo então juiz Sergio Moro a 9 anos e meio de prisão. Mas o TRF-4 elevou a pena para 12 anos e um mês. Esses 30 dias a mais impediram a defesa de Lula de alegar prescrição dos crimes em 2017.
Na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, Lula fica isolado numa cela improvisada, sem contato com outros detentos _apenas com seus carceiros, advogados, amigos e parentes autorizados a visitá-lo. É uma espécie de solitária.
Apesar do ululante interesse público e histórico de uma entrevista com Lula, o Supremo Tribunal Federal impediu contato do ex-presidente com jornalistas durante a campanha eleitoral. Este repórter fez um pedido para entrevista-lo após o segundo turno das eleições. Queria ouvir Lula para um documentário sobre a crise brasileira entre 2013 e 2018 que produzi para a BBC World News. Não recebi a autorização, mas apenas uma resposta do ex-presidente a uma carta que enviei na qual disse que gostaria de entrevistá-lo, citando alguns pontos da possível conversa.
Há inúmeros casos autorizados pela Justiça de entrevistas com presos.
Lula pediu e não recebeu autorização para comparecer ao velório e sepultamento de seu grande amigo Sigmaringa Seixas, advogado e deputado federal que morreu em dezembro. Era pública e notória a forte amizade entre os dois.
Não vamos nem mencionar o episódio em que a ministra Rosa Weber votou contra o seu próprio entendimento, alegando um inusitado princípio da colegialidade, para não dar provimento a uma habeas corpus em que Lula pedia para não ser preso.
Para que serve uma reunião de um colegiado se não for para eventualmente confirmar ou mudar o entendimento desse próprio colegiado? Afinal, é nesses encontros do plenário que a jurisprudência muda ou permanece como está. Um “princípio da colegialidade” congelaria todas as decisões e impediria o direito, que é vivo, de mudar.
Em novembro, numa audiência em que teria o direito de se defender das acusações em relação ao sítio de Atibaia, a juíza Gabriela Hardt deu um cala boca no réu, cerceando seu direito de defesa. Muitos aplaudiram, vendo ali um exercício da autoridade quando se tratava apenas de puro autoritarismo e desrespeito ao direito de defesa de Lula.
Se todos esses fatos não fossem suficientes para sustentar o caráter persecutório da Justiça brasileira contra Lula, chegamos ontem a um ponto que não deixa dúvida nenhuma dúvida a respeito disso.
Morreu Vavá, irmão mais velho de Lula e figura importante na vida dele. Genival Inácio da Silva, cerca de 6 anos mais velho do que o ex-presidente, foi um irmão muito próximo de Lula desde a infância em Garanhuns, em Santos e São Paulo. A lei autoriza que um preso possa comparecer ao velório e enterro de um irmão. Até o general da reserva e vice-presidente, Hamilton Mourão, considerou questão humanitária a autorização para Lula velar e sepultar o irmão.
A juíza Carolina Lebbos, que cuida da execução da pena de Lula, poderia ter decidido sozinha. Ela quis ouvir o Ministério Público e a Polícia Federal a respeito.
Subordinada ao ministro da Justiça, Sergio Moro, a PF respondeu que não poderia garantir a segurança pública desse deslocamento e nem tinha os meios para fazê-lo de forma tão célere.
Com toda a estrutura que a PF possui, essa resposta é preocupante. Como vai combater o crime organizado e reagir rapidamente a fatos mais graves? No caso Cesare Batistti, um avião foi deslocado com agilidade para a fracassada tentativa de pegá-lo na Bolívia para extraditá-lo para a Itália.
Quando decidiu levar Lula para depor sob condução coercitiva, o então juiz Moro montou um aparato de grande proporção. O petista foi levado à força ao Aeroporto de Congonhas quando poderia ter sido combinado com o ex-presidente local e hora, pois ele nunca se recusara a comparecer a uma audiência ou depoimento judicial.
Quando juiz, o hoje ministro da Justiça dava parabéns publicamente às multidões que protestavam contra o governo Dilma e pediam a prisão de Lula. Como alguém que aceitou entrar na política ao aceitar um ministério de Bolsonaro, Moro deveria manter a coerência, caso haja manifestações na simples presença de Lula num velório.
A Justiça, o Ministério Público e a Polícia Federal temem que Lula fale com jornalistas, que dê entrevistas da cadeia, que seja abraçado por amigos no enterro de um irmão tão próximo?
É inegável a grandeza política de Lula. Críticos e apoiadores deveriam reconhecer isso. O ex-presidente não morreu. A Justiça não pode querer que ele desapareça, que suma do Brasil. Lula é tão perigoso assim para os novos donos do poder?
Recear atos políticos é um sinal de como as democracias morrem. Basta olhar a Venezuela ali ao lado.
Após as negativas da juíza Lebbos e do desembargador Leandro Paulsen contra a ida de Lula ao enterro de Vavá, a defesa do ex-presidente recorreu na madrugada ao Supremo. O relógio corre. Temos pouco tempo para saber se ainda há juízes em Brasília.
*
CQD
Há pouco, o presidente do STF, Dias Toffoli, autorizou Lula a sair da cadeia para encontrar familiares numa unidade militar. É uma emenda ao soneto das negativas da PF, da juíza Lebbos e do desembargador Paulsen.
Em plena democracia, Lula é autorizado a comparecer a uma unidade das Forças Armadas. Na ditadura, ele saiu do Dops para o local do velório e sepultamento da mãe, dona Lindu. Toffoli, portanto, tenta fazer uma contenção da danos à imagem do Judiciário brasileiro, mas a decisão mancha a democracia e confirma o título deste artigo.
De acordo com reportagem da “Folha de S.Paulo”, Toffoli “vedou o uso de celulares e outros meios de comunicação externos, bem como a presença da imprensa e a realização de declarações públicas”.
O ex-presidente é tratado como preso político pela Justiça e pela Polícia Federal subordinada ao ministro Moro. Haja medo do que Lula tem a dizer à imprensa e de como parte da população reagiria ao contato direto com ele num local público.


Nota de repúdio à decisão que impediu Lula de ir ao enterro do irmão

No começo da tarde de hoje o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli autorizou o ex-presidente Lula, preso em Curitiba, acompanhar o velório do irmão Vavá que faleceu ontem, terça-feira (31), desde que o velório fosse transferido para uma unidade militar. A decisão foi publicada poucos minutos do horário que estava agendado o enterro. Confira a nota completa aqui.


sábado, 26 de janeiro de 2019

O rompimento da barragem de Brumadinho e a Justiça ambiental. Por Gabriel Wedy

Brumadinho na lama
Publicado originalmente na ConJur
POR GABRIEL WEDY, juiz federal e professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos)
Três anos se passaram da Tragédia de Mariana e parece que pouco ou nada se aprendeu em matéria de gestão de riscos ou de educação ambiental em relação à atividade de mineração, em especial a observância dos princípios constitucionais da precaução[1] e da prevenção, consagrados em nosso sistema jurídico.
Novo episódio gerador de imensos prejuízos humanos, ambientais, econômicos e sociais, agora com o rompimento da Barragem 1 da Mina Feijão, em Brumadinho (MG), na Região Metropolitana de Belo Horizonte, aconteceu, envolvendo mais uma vez a empresa Vale e, por que não dizer, o poder público. Não bastasse a catástrofe ambiental, de acordo com o corpo de Bombeiros de Minas Gerais, no final da tarde de ontem, cerca de 200 pessoas estavam desaparecidas. O evento mais uma vez expõe as fragilidades do Brasil perante o mundo no que tange a promoção do desenvolvimento sustentável[2] como demonstra notícia publicada no The New York Times.[3]
Necessária é a implementação, nos termos da Lei 12.334/2010, da Política Nacional de Segurança de Barragens destinadas à acumulação de água para quaisquer usos, à disposição final ou temporária de rejeitos e à acumulação de resíduos industriais. Referida legislação, por sinal, também cria o necessário Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens atendendo ao princípio da informação ambiental. Observa-se, no país, no entanto, uma evidente falta de vontade política para a concretização de uma efetiva política precautória na gestão de barragens.
Não se pode esquecer, contudo, que são objetivos da Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), previstos no art. 3o da Lei: garantir a observância de padrões de segurança de barragens de maneira a reduzir a possibilidade de acidente e suas consequências; regulamentar as ações de segurança a serem adotadas nas fases de planejamento, projeto, construção, primeiro enchimento e primeiro vertimento, operação, desativação e de usos futuros de barragens em todo o território nacional; promover o monitoramento e o acompanhamento das ações de segurança empregadas pelos responsáveis por barragens; criar condições para que se amplie o universo de controle de barragens pelo poder público, com base na fiscalização, orientação e correção das ações de segurança; coligir informações que subsidiem o gerenciamento da segurança de barragens pelos governos; estabelecer conformidades de natureza técnica que permitam a avaliação da adequação aos parâmetros estabelecidos pelo poder público; e, fomentar a cultura de segurança de barragens e gestão de riscos. Referidos objetivos, como se nota, foram solenemente ignorados no caso de Brumadinho.
A lei impõe um conceito de segurança de barragem. De acordo com esta é a condição que vise a manutenção da sua integridade estrutural e operacional e a preservação da vida, da saúde, da propriedade e do meio ambiente. Na mesma toada, a tão falada gestão de riscos no que se refere as barragens, são as ações de caráter normativo, bem como a aplicação de medidas para prevenção, controle e mitigação da álea. E o dano potencial associado à barragem, também possui definição jurídica, sendo aquele dano que pode ocorrer devido ao rompimento, vazamento, infiltração no solo ou mau funcionamento desta(art. 2o). Não é a falta de conceitos jurídicos, portanto, a causa da má gestão de riscos nas barragens.
São fundamentos da Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB)que, por sinal, deveriam ter sido observados antes da tragédia: I-a segurança de uma barragem deve ser considerada nas suas fases de planejamento, projeto, construção, primeiro enchimento e primeiro vertimento, operação, desativação e de usos futuros;II- a população deve ser informada e estimulada a participar, direta ou indiretamente, das ações preventivas e emergenciais; III- o empreendedor é o responsável legal pela segurança da barragem, cabendo-lhe o desenvolvimento de ações para garanti-la; IV- a promoção de mecanismos de participação e controle social; V- a segurança de uma barragem influi diretamente na sua sustentabilidade e no alcance de seus potenciais efeitos sociais e ambientais.
Observa-se que não foram poucas as violações das razões fundantes da PNSB!
A fiscalização da segurança de barragens é bem definida no aspecto legal e caberá, de acordo com o art. 5o, sem prejuízo das ações fiscalizatórias dos órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama): à entidade que outorgou o direito de uso dos recursos hídricos, observado o domínio do corpo hídrico, quando o objeto for de acumulação de água, exceto para fins de aproveitamento hidrelétrico; à entidade que concedeu ou autorizou o uso do potencial hidráulico, quando se tratar de uso preponderante para fins de geração hidrelétrica; à entidade outorgante de direitos minerários para fins de disposição final ou temporária de rejeitos e à entidade que forneceu a licença ambiental de instalação e operação para fins de disposição de resíduos industriais.
Importante observar, outrossim, que mesmo após a tragédia de Mariana, não se desenvolveu no âmbito do Poder Público e nem na iniciativa privada uma cultura de educação ambiental, aliás, um princípio constitucional a ser observado em todos os níveis de ensino (Art. 225, inciso VI). Referido princípio está regulamentado pela Lei 9.795/99. Nos termos desta, entende-se por educação ambiental “os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade”.
No mesmo sentido o acidente poderia ter sido evitado se tivesse sido observado o princípio da precaução previsto no Art. 225, inc. V da CF de 1988. É de se observar, no Direito Constitucional Ambiental, que o dever do Poder Público e de toda a sociedade em preservar o meio ambiente, a fim de proteger as gerações atuais e futuras, está estritamente ligado à precaução contra atos que possam causar o desequilíbrio do meio ambiente que, conseqüentemente, podem gerar riscos à vida humana. É dever não apenas do Estado, mas do cidadão, portanto, por meio de medidas de precaução positivas ou omissivas, defender e preservar o meio ambiente de empreendimentos lucrativos, ou até mesmo não lucrativos, lesivos e potencialmente lesivos aos bens naturais que, por força de expressa disposição constitucional, são de uso comum do povo.
No plano infraconstitucional, a Lei n° 6.938/81, que dispõe sobre a “Política Nacional do Meio Ambiente”, adotou a seguinte definição de meio ambiente, em seu art. 1°, inc. I: “o conjunto de condições, leis, influências e interações, de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.” A referida legislação ainda definiu o meio ambiente como patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo (art.2°, inc.I). A Política Nacional do Meio Ambiente está sistematizada no sentido de precaver a sociedade contra possíveis danos que possam ser causados ao meio ambiente e tem como objetivo a preservação e a recuperação da qualidade ambiental propícia à vida.
O princípio da precaução acabou inserido expressamente no ordenamento jurídico infraconstitucional brasileiro pela Conferência sobre Mudanças do Clima, acordada pelo Brasil, no âmbito da Organização das Nações Unidas, por ocasião da Eco/92 e, posteriormente, ratificada pelo Congresso Nacional, pelo Decreto Legislativo 1, de 03.02.1994.[4] O Decreto n° 99.280/90 promulgou a Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio e o Protocolo de Montreal sobre as substâncias que destroem a camada de ozônio. O Decreto n° 2.652/98 promulgou a Convenção- Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. E, por fim, o Decreto n 2.519/98 promulgou a Convenção sobre Diversidade Biológica. Todos esses decretos trouxeram em seu bojo o princípio da precaução como corolário integrando-o ao direito infraconstitucional pátrio.
A Lei de Crimes Ambientais, na seara criminal, também prevê pena privativa de liberdade e multa às pessoas físicas ou jurídicas que com suas ações ou omissões causarem poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em riscos à vida humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora (art. 54, da Lei n° 9.605/98). No parágrafo 3°, a referida legislação prevê como crime a violação a deveres de precaução ao dispor:
§ 3°- Incorre nas mesmas penas previstas no parágrafo anterior quem deixar de adotar, quando assim determinar a autoridade competente, medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível.
O sentido da lei penal é que, quando a autoridade competente determinar por uma resolução, portaria ou qualquer outra determinação alguma medida de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível, será crime a não observância desse dever de precaução. Em complementação, Leme Machado refere que “a conceituação de medidas de precaução não é dada pela lei penal, devendo-se procurá-la nos entendimentos referidos nos textos internacionais…e na doutrina”.[5]Observa-se que o próprio legislador de nossas leis penais adota o princípio da precaução a fim de tutelar o meio ambiente como bem de uso comum do povo e direito socioambiental.
A violação ao princípio da precaução também pode ocasionar uma infração administrativa. O art. 70 da Lei n° 9.605/98 prevê: “Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que violar normas jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente”.
Assim, se uma norma jurídica previr expressamente algum dever de precaução, a fim de proteger o meio ambiente, e for violada, estará configurada uma infração administrativa. Ou seja, se uma pessoa física ou jurídica agir sem observar uma regra de precaução estará cometendo infração administrativa ambiental.
Mais recentemente, a Lei n° 11.105, de 24/03/2005, que se refere à Biossegurança; a Lei n° 11.428, de 22/12/2006, que dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica; a Lei n° 12.187, de 29/12/2009, que institui a Política Nacional sobre o Meio Ambiente e Mudança Climática; a Lei n°. 11.934 de 2009, sobre exposição humana a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos; e a Lei n° 12.305, de 02/08/2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos e altera a Lei n° 9.605, adotaram o princípio da precaução.
Não resta dúvida que a legislação constitucional e infraconstitucional brasileira adotou o princípio da precaução como instrumento de tutela ao meio ambiente acompanhando uma tendência internacional de implementação do princípio.
O STF[6]e o STJ têm aplicado o princípio da precaução nos seus julgados. Estando presentes o risco de dano e a incerteza científica, relacionadas a atividade potencialmente danosa, esta deve ser suspensa para a tutela do meio ambiente, inclusive com a inversão do ônus da prova contra o potencial poluidor-degradador.[7] Ademais, quando o princípio da precaução não é aplicado pelo Poder Público e não é observado pelo particular de modo suficiente, gera o dever de indenizar se danos forem causados.
A Constituição Federal, no art. 225, § 3º, preconizou, em boa hora, a tríplice responsabilidade administrativa, civil e penal por infrações às normas ambientais. Pela letra desse dispositivo, as “condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. Assim, não há falar em exclusividade de determinada espécie de responsabilidade, sendo que as três esferas são independentes. É dizer, a punição administrativa não afasta a penal, e a aplicação de sanções criminais e administrativas não impedem a responsabilidade civil pelos danos ambientais causados, sem prejuízo, ainda, de eventual persecução por ato de improbidade ambiental.[8]
O povo brasileiro, neste cenário, espera que esta tragédia não passe em branco e que as vítimas e as suas famílias sejam indenizadas, ocorra a reparação do meio ambiente e sejam punidos os responsáveis por mais esta catástrofe ambiental que marca negativamente a história recente do país.

[1]Sobre o princípio constitucional da precaução, ver: WEDY, Gabriel. O princípio constitucional da precaução como instrumento de tutela do meio ambiente e da saúde pública. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2017.WEDY, Gabriel. O princípio constitucional da precaução: origem, conceito e análise crítica. Revista Direito Federal, Brasília, DF, ano 26, n. 93, p. 223-270, 2013.WEDY, Gabriel. O princípio da precaução como instrumento de eficácia do tombamento. Revista Interesse Público, Belo Horizonte, ano 15, n. 81, p. 145-166, 2013. WEDY, Gabriel. O princípio da precaução no plano legislativo internacional e sua análise crítica. Revista da Ajufergs, Porto Alegre, n. 8, p. 21-48, 2013. No âmbito do direito internacional e norte-americano, em relação ao tema, é fundamental a consulta de SUNSTEIN, Cass. Laws of Fear: Beyond the precautionary principle. New York: Cambridge Press, 2005. E, ainda, SUNSTEIN, Cass. Worst-Case Scenarios. Cambridge: Harvard University Press, 2007.
[2]Sobre o princípio do desenvolvimento sustentável como direito e dever fundamental, ver WEDY, Gabriel. Desenvolvimento sustentável na era das mudanças climáticas: um direito fundamental. São Paulo: Editora Saraiva, 2018 e concernente à concretização do direito fundamental ao desenvolvimento sustentável mediante decisões judiciais consultar WEDY, Gabriel. Sustainable Development and the Brazilian Judge. New York: Columbia University, 2015. Disponível em: <https://web.law.columbia.edu/sites/default/files/ microsites/climate-change/wedy_-_sustainable_development_and_brazilian_judges. pdf>. Acesso em: 26 jan. 2019.E sobre a era do desenvolvimento sustentável com respeito ao seu pilar ambiental, consultar SACHS, Jeffrey. The Age of Sustainable Development. New York: Columbia University Press, 2015.
[3] The New York Times. 7 People Killed and 200 Missing in Brazil After Dam Collapses, Officials Say. Disponível em:https://www.nytimes.com/2019/01/25/world/americas/brazil-dam-burst-brumadinho.html. Acesso em: 26.01.2019.
[4] Art. 3°. […] 3: As partes devem adotar medidas de precaução para prever, evitar ou minimizar as causas da mudança do clima e mitigar os seus efeitos negativos. Quando surgirem ameaças de danos sérios ou irreversíveis, a falta de plena certeza cientifica não deve ser usada como razão para postergar essas medidas, levando em conta que as políticas e medidas adotadas para enfrentar a mudança do clima devem ser eficazes em função dos custos, de modo a assegurar benefícios mundiais ao menor custo possível ”.
[5] MACHADO, Paulo Afonso Leme. O princípio da precaução e o Direito Ambiental. Revista de Direitos DifusosOrganismos Geneticamente Modificados, São Paulo, v. 8, p. 1092 , ago. 2001.
[6]STF, Pleno, Rel. Min. Carmen Lúcia, ADPF 101, j. 24/06/2009.
[7]STJ, 3ª T., AgRg no AREsp 206.748/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 21/02/2013, DJe 27/02/2013.
[8]STJ, 2ª T., REsp 1260923/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 15/12/2016, DJe 19/04/2017.