Repórter do site CartaCapital.com.br
Para especialistas, presidente não se
preocupou em transmitir coerência aos estrangeiros e errou ao defender
‘verdadeiros’ Direitos Humanos
A estreia internacional de Jair
Bolsonaro na abertura do Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, deixou a
desejar. Em um brevíssimo discurso, de oito minutos, o presidente defendeu
privatizações, o combate à corrupção e os ‘verdadeiros’ Direitos
Humanos. Também pediu aos estrangeiros que viessem passar as férias no
Brasil.
Os holofotes estão voltados para o
brasileiro desde que o presidente Donald
Trump, dos Estados Unidos, cancelou sua participação. O francês
Emmanuel Macron também ficou em casa – oficialmente, por problemas de agenda.
Mesmo em pouco tempo (ele poderia falar
por até 45 minutos), Bolsonaro mencionou uma variedade de assuntos. Falou em
diminuir a carga tributária, prometeu privatizações e equilíbrio fiscal, mas
não citou a Reforma da Previdência. Associou segurança pública a um aumento do
turismo estrangeiro no Brasil.
Para Guilherme Casarões, professor de
Relações Internacional na FGV, é estranho que o presidente não tenha se
preocupado em transmitir um recado coeso aos estrangeiros. “Minha impressão é
de que ele está insistindo em uma retórica de campanha”, diz.
O especialista lembra que, entre os
presidentes, as aparições em fóruns internacionais são sempre muito
protocolares, mas não foi este o caso do líder brasileiro. “Como Bolsonaro diz,
em um grande fórum capitalista, que, no Brasil, Deus está acima de todos? Isso
traz um risco enorme”, exemplifica. “Critique-se a retórica de Dilma, mas
ela não ‘saudava a mandioca’ na ONU”.
Outro ponto comum, segundo ele, é a
preocupação em preservar os valores defendidos pelo Brasil no campo
internacional. “Em 2003, Lula modulou o discurso de uma maneira cuidadosa.
Mostrou que era um homem de esquerda, mas que não simbolizava uma ruptura com o
país. Não gritou ‘fora FHC'”.
Casarões pontua que o Meio Ambiente foi
o único tema tratado com mais esmero pelo presidente. “Mesmo que ele tenha
misturado preservação com nacionalismo, ali pareceu entender quem eram os
interlocutores dele. Todo o resto ficou meio truncado”, afirma.
Moro, Guedes e Araújo
Já no início do discurso, Bolsonaro
exaltou os próprios critérios de escolha, em contraponto a ‘indicações
políticas’ das gestões anteriores, e citou nominalmente os ministros Paulo
Guedes, Ernesto Araújo e Sergio Moro, que o acompanharam na viagem. “Pela
primeira vez, um presidente montou uma equipe de ministros qualificados”,
afirmou.
Na sequência, creditou a Guedes a missão
de “colocar o Brasil no ranking dos 50 melhores países para se fazer negócios”.
Disse ainda que, sob a batuta do chanceler Ernesto Araújo, “o viés ideológico
[na política externa] deixará de existir”. Já o ministro da Justiça, Sérgio
Moro, foi celebrado como “o homem certo para o combate à corrupção”.
Casarões vê nessas citações uma
tentativa de se beneficiar da reputação do trio em suas respectivas áreas.
“Parece que ele tenta transferir a credibilidade do governo a essas figuras. É
um caminho muito diferente do de outros presidentes. Nesses discursos o líder
quase sempre chama a responsabilidade para si”.
Direitos Humanos e meio ambiente
Entre as entidades de terceiro setor, a
menção de Bolsonaro aos ‘verdadeiros’ Direitos Humanos acendeu um alerta.
Afinal, os ‘verdadeiros’ Direitos Humanos já foram dispostos em 1948 pela
Assembléia Geral das Nações Unidas e legitimados por todos os países membros em
sucessivas plenárias.
“Não existem Direitos Humanos falsos ou
verdadeiros, mas sim obrigatórios. Ao estado cabe simplesmente cumpri-los”,
pontua Caio Borges, coordenador de Direitos Socioambientais da
Conectas. Na visão dele, a menção foi uma tentativa de testar a aceitação
estrangeira à ideia de que haja diferentes níveis de Direitos Humanos.
Outro ponto que gerou controvérsia é a
sustentabilidade. Em sinal a investidores sobre a Amazônia, Bolsonaro disse que
o país procura “parceiros com tecnologia” para um “casamento” que traga
progresso e desenvolvimento para ambas as partes. “Nossas ações os atrairão
para grandes negócios. Estamos de braços abertos”, afirmou.
Bolsonaro falou em “abrir o Brasil para
o mundo” adotando práticas da OCDE (Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico). Mas, embora o País não seja membro do grupo, é
signatário das Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais, que também
regula parâmetros e normas de sustentabilidade.
Ao mesmo tempo em que criticou os
direitos humanos, ele falou em garantir “paz, justiça e liberdade”. Borges
chama atenção para a contradição de discurso. “Respeitar os Direitos Humanos e
o desenvolvimento sustentável é o mínimo para estar dentro dos parâmetros
internacionais”, completou.
Fonte: Publicado no CartaCapital
Nenhum comentário:
Postar um comentário