"Quando perdemos a capacidade de nos indignarmos com as atrocidades praticadas contra outros, perdemos também o direito de nos considerarmos seres humanos civilizados." ― Vladimir Herzog

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Painel Paulo Freire, obra de Luiz Carlos Cappellano.

Painel Paulo Freire, obra de Luiz Carlos Cappellano.
#PauloFreireMereceRespeito #PatonoDaEducaçãoBrasileira #PauloFreireSempre

quinta-feira, 15 de outubro de 2020

Dia dos professores: pouco a comemorar, muito a construir

Créditos: Arquivo Pessoal

'Aos meus alunos e alunas: sempre foram as melhores exposições de minha vida profissional'

Por Silvana Soares de Assis*

Dia 15 é o nosso dia
Dia do professor
Tem o nome de docente
Ou também de educador

Pouco a comemorar
Diante de tantas manhas
De políticos cruéis
Que já têm a vida ganha

Saindo pra trabalhar
Se é ao dia ou a noite
Do governo só espera
Ingratidão e açoite

Tem decreto, também lei
Tem também comunicado
Se reclama o professor
Sempre ele está errado

O governo diz para este:
Volta, que é por amor
Sua profissão exige
Afinal, és professor!

E o Professor, então, responde:
Pra escola, não volto não!
Afinal és Secretário
Ou coveiro da educação?

Tenha calma professor…
Já tive, é sossegado…
Se tranquilize docente
Não fique tão alarmado…

Mas, o docente pensando
No discurso do impostor
Sabe que o secretário
Não trabalha por amor

Fala mansinho o cabra
Doce como passarinho
Não sabe o desavisado
Que nada tem de anjinho

No meio da pandemia
O cabra da educação
Enfia no meio as PEIs
Sem ter dó ou compaixão

Pensa nos dias antigos
Ao acordar bem cedinho
Se arrumava o docente
E seguia o seu caminho

E lá vai o professor
Chamar a comunidade
Pois esta luta é árdua
E exige ampla unidade

E assim vamos sovando
Nossa luta na ação
Refletindo, todo dia
Acerca da Educação

Pensa um, pensa o outro
Fica perdido, que agonia…
É preciso juntar forças
No meio da pandemia

Junta um, junta o outro
Neste meio virtual
Instrumento alimentado
Pelo grande capital

Mas, bora então aprender
Com as armas do inimigo
Pois mexeu com o professor
O cabra mexeu comigo!

Vai à escola pensando
Em toda dificuldade
Fita os olhos do aluno
E sente a realidade

Às vezes aquele menino
Ou a menina da janela
É um mundo a colorir
Similar a uma aquarela

Não tem muito o que pensar
É só buscar energias
Pra poder iluminar
As cores daquele dia

Aquele dia estampado
Nas cores daquela tela
Seja o menino do canto
Ou aquela da janela

Foi assim que colori
Os meus dias de esperança
Dos jovens de minha vida
E, também, muitas crianças

Por vezes buscava tintas
Na alma e no coração
Para montar com os alunos
A melhor exposição!

 
Aos meus alunos e alunas: sempre foram as melhores exposições de minha vida profissional. Eu não seria eu sem as exposições que montamos ao longo de 33 anos de Escola Estadual: amo vocês!

 
*Professora da Escola Estadual Professor Fidelino de Figueiredo, em São Paulo



Viva Paulo Freire, um grande professor brasileiro!, por Rômulo Moreira

Ao falar sobre Educação, Paulo Freire partia de um pressuposto segundo o qual “não há docência sem discência”, pois “quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender.”

*Por Rômulo Moreira

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Hoje, Dia do Professor e da Professora, lembro de Paulo Freire, um grande educador brasileiro. Aliás, “a influência de Paulo Freire na Alemanha é muito grande. Ele é visto como um dos grandes nomes da pedagogia, ao lado de Immanuel Kant, Jean-Jacques Rousseau, Rudolf Steiner e Maria Montessori. Ainda hoje os livros dele são muito usados em universidades, há inúmeros trabalhos universitários que utilizam as obras dele“, segundo afirma Heinz-Peter Gerhardt, Doutor em Educação pela Universidade de Frankfurt.[1]

Dentre as suas inúmeras obras, destaco as minhas preferidas: “Pedagogia da Autonomia”, “Pedagogia do Oprimido” e “À sombra desta Mangueira”, além de um “livro falado” – “O Caminho se faz Caminhando: Conversas sobre Educação e Mudança Social”, transcrição de um longo e proveitoso diálogo entre Paulo Freire e Myles Horton, educador americano, co-fundador, em 1932, da Highlander Folk School e militante no Movimento de Direitos Civis, figura que influenciou, dentre outros, Martin Luther King. A “Pedagogia do Oprimido” é a única obra brasileira a aparecer na lista dos 100 títulos mais pedidos pelas universidades de língua inglesa, consideradas pelo projeto Open Syllabus.[2]

Ao falar sobre Educação, Paulo Freire partia de um pressuposto segundo o qual “não há docência sem discência”, pois “quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender.” Para ele, ensinar não poderia ser uma mera transferência de conhecimento, mas, muito mais, uma criação de “possibilidades para a sua produção ou a sua construção.”

Freire não via o aluno/educando/aluna/educanda como um mero objeto do conhecimento do educador/educadora, sendo este apenas o sujeito do processo: um que é formado (e tomado por objeto), outro que forma (o sujeito). Ao contrário, esta relação não era de subordinação, mas de coordenação, devendo ficar claro “que, embora diferentes entre si, quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado.”

Logo, docente e discente são, ambos, sujeitos do mesmo processo de conhecimento, não sendo um objeto do outro: “ensinar inexiste sem aprender e vice-versa e foi aprendendo socialmente que, historicamente, homens e mulheres descobriram que era possível ensinar.” Paulo condenava o que ele chamava de “ensino bancário” em que “o saber é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber.”

O ensino bancário, burocratizado, autoritário, insensível, acrítico, é típico de uma “ideologia da opressão”, em que o (a) educador (a) “será sempre o que sabe, enquanto os educandos serão sempre os que não sabem”, negando, por conseguinte, “a educação e o conhecimento como processos de busca.” Algo muito parecido com a tal ideia da “escola sem partido”, inconcebível com o fato de que “ninguém pode estar no mundo, com o mundo e com os outros de forma neutra.”

Portanto, trata-se de uma estupidez!, pensar em um espaço pedagógico neutro, “como se a maneira humana de estar no mundo fosse ou pudesse ser uma maneira neutra.” A concepção da chamada Escola sem Partido, desde um ponto de vista “dos interesses dominantes”, exige “uma prática imobilizadora e ocultadora de verdades.” Freire falava na “politicidade da educação, ou seja, a qualidade de ser política, inerente à sua natureza.”

Ele pregava a educação “problematizadora e libertadora”, na qual o (a) educador (a) é, antes de tudo, um “humanista, revolucionário”, crente não em seu saber absoluto e onipotente, mas, ao contrário, crente nos homens e “no seu poder criador”, sendo um verdadeiro “companheiro dos educandos, em suas relações com estes.” Na Educação bancária revela-se a natureza opressora do ensino e do ensinar, obstaculizando “a atuação dos homens como sujeitos de sua ação, como seres de opção, frustrando-os.”

Já na Educação problematizadora, respeita-se, sobretudo, a autonomia e a dignidade do (a) educando (a), privilegiando a crítica e o diálogo. Este respeito erige-se como um “verdadeiro imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros.” O espaço da escola, portanto, é, especialmente, um espaço de crítica e de diálogo permanente e dinâmico, “prática fundamental à natureza humana e à democracia”, uma verdadeira “exigência epistemológica.”

Aqui, e não lá, incentiva-se durante todo o processo educador a criatividade, a rebeldia, a insubmissão e a curiosidade (não a “curiosidade ingênua – que caracteriza o senso comum”, mas a “epistemológica”). A (o) educanda (o) deve ser estimulada (o) constantemente a exercer a “sua capacidade de arriscar-se, de aventurar-se”, imunizando-a (o), assim, “contra o poder apassivador do ´bancarismo`.”

O aprender e o ensinar são tarefas que exigem este dinamismo decorrente do aprender e do ensinar com uma visão crítica e sempre reflexiva. Não há espaço para meros “depositantes” de conhecimentos e, consequentemente, de “depositários” de saberes. O espaço onde alguém ensina (aprendendo) e outro aprende (ensinando) deve ser libertador, não alienante, mas uma libertação autêntica: “não é uma palavra a mais, oca, mitificante. É práxis, que implica a ação e a reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo.” Não se trata de uma liberdade sem limite, óbvio que não!, pois “não é possível autoridade sem liberdade e esta sem aquela.”

Na Educação problematizadora educadores e educandos devem, todos!, ser “instigadores, inquietos, rigorosamente curiosos, humildes e persistentes.” “Um aventureiro responsável”! Aqui, a professora ou o professor não confunde autoridade com autoritarismo, liberdade com licenciosidade. A autoridade mostra-se na “segurança que se expressa na firmeza com que atua, com que decide, com que respeita as liberdades, com que discute suas próprias posições, com que aceita rever-se.”

No diálogo com Myles (acima referido) o educador americano afirma que usava as “perguntas mais do que qualquer outra coisa”, pois “a razão pela qual você fez a pergunta é porque você sabe algo.” Assim, “redescobriu o que sabia há muito tempo, ou seja, que uma das melhores maneiras de educar é fazer perguntas, o que não é praticado muito extensivamente na vida acadêmica.”

Uma outra grande e valiosa lição de Freire é a que afirma tratar-se o ser humano de um sujeito inacabado e inconcluso. Aliás, “o inacabamento do ser ou sua inconclusão é próprio da experiência vital. Onde há vida há inacabamento.” O ser humano, enquanto ser inacabado, rejeita a “inexorabilidade do futuro” e o determinismo fatalista típico do discurso neoliberal: “pragmático e reacionário.”

Também a esperança não foi omitida dos textos de Paulo Freire, para quem aquela “faz parte da natureza humana”, razão pela qual devemos sempre lutar para “diminuir as razões objetivas para a desesperança que nos imobiliza.” Ele não concebia, e achava mesmo uma contradição, “que uma pessoa progressista, que não teme a novidade, que se sente mal com as injustiças, que se ofende com as discriminações, que se bate pela decência, que luta contra a impunidade, que recusa o fatalismo cínico e imobilizante, não seja criticamente esperançosa.”

Enfim…, muita coisa ainda haveria para se dizer sobre a genialidade de Paulo Freire, um educador que se negava, tal como Simone de Beauvoir, a “arrastar consigo, para a morte, a humanidade inteira.” Não se tratava de um educador burguês que profetizava “o naufrágio universal.” Seu pensamento não era, portanto, como se referia Beauvoir, “catastrófico e vazio.”[3]

Um homem que pregava o diálogo, inclusive, e principalmente, na sala de aula. Um sujeito que se indignava com a miséria e com a pobreza; era solidário, empático e afável, e detestava o autoritarismo, razão pela qual foi perseguido e preso pela ditadura militar. Abominava a tortura e os torturadores.

*Rômulo de Andrade Moreira – Procurador de Justiça no Ministério Público do Estado da Bahia e Professor de Direito Processual Penal na Faculdade de Direito da Universidade Salvador – UNIFACS

[1] GERHARDT, Heinz-Peter. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/deutschewelle/2019/04/26/metodo-paulo-freire-e-utilizado-para-integracao-de-refugiados-na-alemanha.htm, acessado em 15 de outubro de 2020.

[2]http://g1.globo.com/educacao/noticia/2016/02/so-um-livro-brasileiro-entra-no-top-100-de-universidades-de-lingua-inglesa.html, acessado em 17 de fevereiro de 2016.

[3] O Pensamento de Direita, Hoje, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1972, página112.


Fonte: Publicado no Jornal GGN


Dia dos Professores: Nas trincheiras do Brasil por liberdade e democracia, por Henrique Rodrigues

Não abaixe a cabeça. Tenha a humildade dos justos e a persistência dos fortes. Orgulhe-se de cada batalha. Educar é uma luta pela liberdade do indivíduo e por uma sociedade com pensamentos sem amarras. Lute como um professor!

Foto: Arquivo Pessoal

Saúdo os professores brasileiros neste 15 de outubro. Faço-o também como professor, mas em especial como cidadão.

Em cada palmo de chão do Brasil, nós estamos lá. Com salários maiores ou menores, nós estamos lá. Com mais ou menos liberdade, nós estamos lá. Na paz ou na violência das ruas e comunidades, nós estamos lá.

Esta onipresença é a arma que garante nossa própria existência indispensável. Conhecemos cada drama, cada riso e cada lágrima. As agruras e alegrias de cada jovem, pobre ou rico, longe ou perto.

Em todos esses anos, circulando pelos rincões do Brasil, sertões afora, sempre notei a existência inequívoca de duas coisas: a miséria e as escolas.

Se há escolas, há professores.

Os tempos são duros e a resistência pretérita dos grandes homens e mulheres de nossa educação precisa ser relembrada todos os dias, como método de sobrevivência e combustível para a motivação.

Ser desprezado, não valorizado, estigmatizado, perseguido e servir de bode expiatório para todo o acervo de mazelas de nossa história não é algo novo, tampouco exclusividade dos tempos sombrios contemporâneos.

Apedrejar professores é prática mais velha que andar pra frente no Brasil. O extraordinário Graciliano Ramos, romancista alagoano neorrealista dos anos 30, autor de ‘Vidas Secas’, que exerceu o magistério e foi diretor de Instrução Pública em sua terra natal, após promover uma verdadeira revolução educacional no cargo, dando bônus salarial aos professores, aumentando repasses de verbas às unidades, criando uniformes escolares para crianças que pareciam farrapos humanos e reformando toda a estrutura física da rede, ganhou como prêmio uma prisão arbitrária nos porões imundos do Estado Novo Varguista, em 1.936, ainda que o regime só fosse iniciado formalmente no ano seguinte. Foi implacável com seus algozes, imortalizando seu sofrimento e as injustiças sofridas no doloroso ‘Memórias do Cárcere’.

“A crise da educação brasileira não é uma crise, é um projeto”. O autor desta elucubração, o antropólogo e educador Darcy Ribeiro, que teve papel importantíssimo na elaboração das políticas educacionais do país no século XX, sobretudo em relação à escola pública, e que foi o homem forte na reformulação de inúmeras universidades brasileiras antes e após os Anos de Chumbo, também é o autor de uma outra frase muito conhecida, que profetizou uma realidade com a qual nos confrontamos hoje:

“Se nossos governantes não fizerem escolas, em 20 anos faltará dinheiro para construírem presídios.”

As prisões estão aí, superlotadas e insuficientes, enquanto o esvaziamento dos esforços para um sistema educacional mais abrangente e universal segue de vento em popa, sem dar trégua.

É a lógica do sistema. Àqueles a quem se negou os livros, hoje lhes oferecemos as celas.

O mais impressionante é que todo o alarido delirante de 50 anos atrás aparece de volta e a cólera do obscurantismo não procurou outro culpado na caça às bruxas típica da paranoia dos parvos. O alvo não mudou e somos nós, os professores, que mais uma vez servimos de boi de piranha na fogueira santa que pretende exorcizar o atraso nacional com mais atraso e estupidez.

Como condição inegociável devemos exigir a liberdade. Não a suposta liberdade travestida de “doutrinação ideológica” que todo gorila limítrofe aponta com o dedo em riste, mas sim o pleno exercício do pensamento emancipador.

A nossa luta deve ser por uma Educação que se espelhe nos cânones civilizacionais da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), com liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber, marcada pelo pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, respeito à liberdade e apreço à tolerância, orientada pelo respeito mútuo, pela justiça, pelo diálogo e solidariedade, assegurando os Direitos Humanos e a cidadania.

Não abaixe a cabeça. Tenha a humildade dos justos e a persistência dos fortes. Orgulhe-se de cada batalha. Educar é uma luta pela liberdade do indivíduo e por uma sociedade com pensamentos sem amarras. Lute como um professor!

Na pandemia, com o mundo desabando sobre nossas cabeças, fomos nós a dar o pontapé inicial dessa corrida louca que nos exigiu reinvenção e superação a toque de caixa. Muitos encamparam o desafio desgastante do ensino remoto, enquanto tantos outros ficaram largados no ócio do esquecimento por culpa de autoridades públicas que não forneceram condições dignas para a empreitada.

Neste 15 de outubro, reflita sobre o Brasil que queremos e entenda que ele inevitavelmente terá que passar por nós.

A todos que contribuem com nossa missão e que reconhecem os percalços e dificuldades de nosso cotidiano, um imenso agradecimento.

Seguimos na luta. Desistir é algo que desconhecemos.

*Jornalista e professor de Literatura Brasileira.



O sentimento fálico dos “membros“ do Judiciário e MP, por Giselle Mathias

Os “membros” do Poder Judiciário e do MP agem como se fossem o próprio poder e por este motivo não aceitam ser criticados ou questionados sobre suas condutas, valores e códigos morais na vida profissional e particular.

Por Giselle Mathias | Justiça - GGN

No início de outubro o jornal Folha de São Paulo publicou matéria sobre os penduricalhos da magistratura e do Ministério Público, demonstrando o gasto absurdo que o Estado brasileiro tem com essas categorias.

Além dos altos salários os tribunais, principalmente, os estaduais e militares criam auxílios para permitir ganhos que exacerbam, e muito, o ganho médio do servidor público.

As associações de magistrados defendem o ganho e o justificam por não serem considerados “servidores públicos”, visto que possuem vitaliciedade como garantia de independência. No entanto, aparentemente, usam a garantia de independência como meio de se colocarem acima do Estado e de toda a sociedade, beneficiando-se da vitaliciedade para garantir altas remunerações, e impor a todos seus conceitos conservadores, além de interferir diretamente na política e na gestão do Estado, sem que tenham sido eleitos para tanto.

Absurdamente, as declarações de juízes, procuradores e promotores sempre estão permeadas por uma soberba, como se aqueles que ocupam esses cargos estivessem acima das falhas humanas, e, portanto, seriam ungidos de uma isenção e princípios éticos quase divino, que os permitisse ditar suas regras, inclusive, em total afronta Às leis e princípios do Direito.

Os “membros” do Poder Judiciário e do MP agem  como se fossem o próprio poder e por este motivo não aceitam ser criticados ou questionados sobre suas condutas, valores e códigos morais na vida profissional e particular. Hoje, alguns “membros” do judiciário e do MP, após a alta exposição midiática das últimas décadas, passaram a se considerar o próprio Estado, ungidos por uma entidade, pois estão acima do povo e da sociedade, e possuem como missão conduzi-los para o “bem”. Afinal, o povo não sabe votar, não sabe o que precisa e nem sabe como se conduzir moralmente.

Talvez seja necessário pensar para além da construção cultural oligárquica que forma o Poder Judiciário e MP, refletindo sobre o que representa simbolicamente essas categorias serem classificadas como “membros”, e, não, simplesmente, como servidores públicos que possuem algumas prerrogativas em razão da função exercida.

Segundo Juan David Nasio, psicanalista argentino, “não devemos nos esquecer, simplesmente, de que somos sempre, como sujeitos, efeitos do significante”. E a partir da fala de Juan David Nasio pode-se entender que a definição de “membro” do Poder judiciário e MP represente, na construção simbólica, a equiparação de magistrados, procuradores da República e promotores A divindades fálicas de tempos remotos, as quais representavam a proteção e a agressividade,  aquelas que perpetuavam a vida e neutralizam as coisas ruins.

E como divindades fálicas, enquanto “membros”, representativas do patriarcado, do poder, a partir da castração simbólica da sociedade, e da crença de serem os únicos detentores dos valores morais e de uma falsa isenção humana, esses homens e mulheres consideram estar além do bem e do mal, sem que por isso possam ser julgados ou questionados em qualquer espaço.

A construção simbólica dos sujeitos enquanto “membros” vitalícios do Sistema Judicial os transformou em uma casta de intocáveis, que não estão sujeitos Às normas e regras estabelecidas para os cidadãos. Os “membros”, enquanto divindades fálicas, decidem o que serve ou não a essa sociedade de mortais infantilizados, determinando, inclusive, a partir de suas crenças, o crime a partir do sujeito e não do tipo penal descrito na norma; usando como justificativa a “livre interpretação”, pois acreditam que não estão sujeitos às normas e aos princípios do Direito, mas apenas a sua própria divindade, que dizem ser a consciência.

Acreditam tanto em sua superioridade que defendem receber do Estado ganhos abusivos, sem considerar as condições de desigualdade do país; defendem a “meritocracia” e o sistema capitalista, e não abrem mão de serem sanguessugas dos recursos estatais, através de inúmeros penduricalhos financeiros.

Portanto, não há possibilidade de retomada do processo Democrático neste país enquanto não houver uma reforma profunda no Sistema Judicial brasileiro, enquanto não se fizer uma critica contundente e análise profunda de como esse sistema é constituído cultural, sociológica e ATÉ psicanaliticamente. O primeiro passo, talvez, seja defini-los como servidores públicos, e, não como “membros”, divindades fálicas, detentoras do destino humano.




terça-feira, 13 de outubro de 2020

Exclusão por interesse? Política de educação especial de Bolsonaro tem por trás 'disputa de recursos por escolas'

Crítica às classes especializadas é da psicóloga Isabel Rodrigues. Movimentos de pessoas com deficiência se articulam pela revogação de decreto

Por Redação RBA

Escolas devem "proporcionar a aprendizagem das crianças com deficiência com as crianças sem deficiência no mesmo espaço", afirma Isabel (Dênio Simões/Ag. Brasília)

Para a psicóloga, pedagoga e doutoranda em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), Isabel Rodrigues, a nova Política Nacional de Educação Especial (PNEE), apresentada pelo governo Jair Bolsonaro para estudantes com deficiência, tem por trás “uma disputa por recursos” entre “instituições segregadoras que são nomeadas como escolas especiais”. Publicada em decreto (nº 10.502) no final de setembro, a medida é vista como uma ameaça à educação inclusiva, prevista em lei desde 2009. 

Em entrevista a Glauco Faria, do Jornal Brasil Atual, Isabel, que é também assessora do Instituto Vladimir Herzog (IVH), destaca que a nova política extingue a ideia de educação inclusiva ao propor que classes especializadas conduzam a aprendizagem de estudantes com deficiência. O que, na prática, são espaços institucionais à parte da escola regular, onde essas pessoas não vão ter seus direitos garantidos.

“Não tenho dúvida de que uma das intenções seja destinar parte dos recursos a instituições que antes recebiam pela via da saúde, da assistência social e da educação os recursos para existirem. E a partir de 2008, com a proposta da educação inclusiva, elas perderam grande parte do recurso da educação. Desde então há algum tipo de pressão para se retornar a um nível de financiamento”, afirma a psicóloga e pedagoga. 

Articulação

Conforme reportado pela RBA, desde que foi anunciada pelo presidente, a medida é alvo de inúmeras críticas de entidades e movimentos das pessoas com deficiência. Na Câmara dos Deputados, por exemplo, há ao menos seis projetos de decreto legislativo (PDL) que pedem sua suspensão. O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) também apresentou o PDL 437 no Legislativo para sustar os efeitos do decreto. 

Em paralelo, os ministérios públicos de São Paulo e Paraná também destacam que a nova PNEE é inconstitucional. E representa um retrocesso do ponto de vista legal. Isso porque há uma “confusão” entre a oferta do direito à educação com a oferta do direito à educação especializada. O que reduz a participação das pessoas com deficiência na educação. Na prática, a medida de Bolsonaro está longe de garantir o acesso à educação regular ao propor como modalidade de ensino as chamadas classes especializadas.

De acordo com Isabel, devido à pressão contrária ao decreto, movimentos e entidades já conseguiram um requerimento de urgência para votação na Câmara. “Agora é necessário que o (presidente da Câmara) Rodrigo Maia paute e o decreto seja revogado”, comenta. Pelas redes sociais, apoiadores também emplacam hashtag #EscolaEspecialNãoÉInclusiva. 

Contra as barreiras

“A gente sabe pelo histórico dessas instituições que as características que elas desenvolvem estão mais localizadas no campo da saúde do que da educação. Essas instituições tiveram seu papel histórico na época em que não existiam políticas públicas de acesso e garantia de direitos dessa população”, observa a psicóloga e pedagoga sobre o período anterior ao decreto 6.949 de 2009. A medida foi a que deu força de lei à Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, assinada por 160 países dois anos antes. 

“A partir de convenção, ratificada no Brasil com status constitucional desde 2009, ela procura garantir uma mudança de perspectiva de um modelo médico, que localizava a deficiência no corpo da pessoa, para um modelo social. Então deficiência não é algo que a pessoa sofre ou porta. Ela está localizada no encontro da pessoa com a sociedade. A sociedade promove barreiras para essas pessoas. A pessoa que é usuária de cadeiras de rodas e não encontra rampas pela cidade, ela vai estar mais excluída do que uma pessoa que mora numa cidade em que a acessibilidade está garantida em todos os prédios. Da mesma forma é a escola”, compara Isabel, reforçando a importância da inclusão na escola regular.

“Ofertar a produção de recursos de acessibilidade, romper com barreiras que possam existir e proporcionar a aprendizagem dessas crianças com deficiência com as crianças sem deficiência no mesmo espaço”, finaliza.


Fonte: Publicado na Rede Brasil Atual (RBA)


segunda-feira, 12 de outubro de 2020

DW: Violência policial explode na América Latina, por Ines Eisele

A brutalidade das forças de segurança atinge todo o continente, ainda como resquício de regimes autoritários e da militarização das polícias. Cidades latino-americanas lideram rankings mundiais de criminalidade.

Por Ines Eisele | Deutsche Welle (DW) 
Violência policial estaria associada com o auge do autoritarismo na América Latina

O Chile vive uma onda de indignação após o caso de um jovem manifestante que foi jogado de uma ponte por um policial no início do mês. Nas manifestações de massa no final do ano passado, que pediam melhoras no sistema de saúde, as forças de segurança foram responsabilizadas pelas mortes de mais de 30 pessoas. Centenas tiveram ferimentos nos olhos após a polícia atirar com balas de borracha diretamente contra seus rostos.

Na Colômbia, o estudante de direito Javier Ordóñez morreu no inicio de setembro depois de sofrer agressões em uma delegacia de polícia. Ele havia sido preso por, supostamente, ter consumido álcool nas ruas, em violação às regras para conter a epidemia de covid-19. Nas manifestações que se seguiram ao caso, 13 civis foram mortos, segundo relatos na imprensa. No final de setembro, novos protestos ocorreram após uma mulher transexual se alvejada por um policial durante uma operação de segurança no trânsito.

No México, milhares de pessoas saíram às ruas para protestar contra a violência policial, após a notícia de que Giovanni López, de 30 anos, morreu sob custódia da polícia depois de ser preso por não usar máscara de proteção, como exigido pela lei. Os métodos de tortura empregados pela polícia mexicana são quase tão temidos quanto aqueles utilizados pelos cartéis do narcotráfico.

América Latina lidera rankings de violência

Estes são apenas alguns exemplos do que ocorre com frequência em grande parte dos países do continente americano. Nos últimos meses, as atenções estavam voltadas para a violência policial nos Estados Unidos, após a morte brutal de George Floyd, asfixiado por um policial ao ser imobilizado depois de detido. Mas, é na América Latina que a brutalidade das forças de segurança alcança dimensões quase inimagináveis.

"O nível de violência e execuções extrajudiciais está completamente fora de controle em muitos lugares", afirma Fernanda Doz Costa, da ONG de defesa dos direitos humanos Anistia Internacional. Essa avaliação surge de uma comparação do número de assassinatos pelas forcas de segurança em cada país, através de dados que podem ser encontrados no portal de internet Wikipedia.

Segundo a enciclopédia virtual, Venezuela e El Salvador são os países com maior percentual de pessoas mortas pela polícia. Também estão bem próximos do topo da lista a Jamaica e o Brasil. Costa, porém, alerta que muitos países não divulgam essas estatísticas, o que faz com que informações confiáveis sejam de difícil obtenção.

De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que monitora os dados da violência policial no país, o Brasil tem a segunda maior taxa de homicídios por 100 mil habitantes da América do Sul, atrás apenas da Venezuela. Os dados mais recentes, de 2018, revelam a polícia brasileira foi responsável por 11 em cada 100 mortes violentas intencionais. 

A historiadora Agustina Carrizo de Reimann, que realiza uma pesquisa sobre a polícia na América Latina, avalia que a brutalidade excessiva é um problema estrutural longevo associado com o papel que as forças de segurança desempenharam nos regimes autoritários e ditaduras em muitos países latino-americanos, nos anos 1970, 1980 e 1990.

Os perigos da militarização da polícia

Doz Costa também acredita haver uma associação da violência com o auge do autoritarismo no continente. Muitos policiais ainda pensam da mesma forma que antigamente e, na maior parte, não houve reformas radicais, mesmo após o fim desses regimes.

"Isso pode ser visto claramente nos carabineros, a polícia chilena, por exemplo. Eles, às vezes, se comportam como faziam durante a ditadura [do general Augusto] Pinochet, de 1973 a 1989. Em sua visão, os manifestantes representam um perigo para o Estado, e não pessoas que têm o direito de protestar pacificamente, a quem deveriam estar protegendo", observou.

Em 2019, a principal motivação dos policiais para agir de modo impiedoso veio das camadas de cima do governo. O presidente Sebastián Piñera classificou as pessoas que pediam melhores condições de saúde no país como "criminosos" e "inimigos implacáveis" que travavam uma guerra contra o Chile.

Durante a ditadura, os carabineros respondiam ao Ministério chileno da Defesa, que comandava suas operações. Mais tarde, essa atribuição foi passada para o Ministério do Interior. Mas, em algumas nações latino-americanas, a polícia ainda está sob a autoridade da pasta da Defesa, sendo que muitas vezes o chefe do Exército também comanda a polícia.

Isso faz com que os métodos de treinamento para policiais e militares sejam semelhantes, afirma Costa. Outro enorme problema associado a isso é a imunidade legal dos agentes de segurança. "Quando acusados de crimes, eles são julgados por um tribunal militar ao invés de uma jurisdição mais adequada, A Corte Interamericana de Direitos Humanos já destacou várias vezes que isso é inaceitável."

Os países não anglófonos do continente americano apresentam as maiores desigualdades sociais e os mais altos índices de criminalidade no mundo. Segundo dados divulgados pelo portal Statista, as cidade latino-americanas são, de longe, as mais perigosas na comparação internacional: dos 50 centros urbanos com maiores índices de homicídios, apenas sete não são da região.

"Espelho da sociedade"

Os altos índices de criminalidade são, com frequência, mencionados nas tentativas de explicar a brutalidade por parte da polícia – uma explicação que, para Agustina Carrizo de Reimann, da Universidade de Leipzig, não deve ser completamente descartada. "Se queremos entender e lidar com a violência policial, não devemos pensar de modo isolado", explicou. "É um espelho da sociedade em termos de violência, polarização política, racismo e até mesmo corrupção."

Muitas vezes, pessoas que são acusadas por delitos mais leves, ou mesmo as que são completamente inocentes, se tornam vítimas da política de "atirar primeiro e perguntar depois" – o que inclui o manifestante chileno que foi empurrado de uma ponte e o mexicano preso por não usar máscara.

A historiadora Carrizo, de nacionalidade argentina, vê exemplos disso também em seu país. Ela própria testemunhou a execução de um ladrão de carteiras por um policial em plena rua. "Ele simplesmente mirou na cabeça", lembrou.

De modo geral, ela avalia como desgastada a relação dos argentinos e cidadãos de outros países da região com suas polícias. "A desconfiança atravessa todas as camadas da população", observou.

A violência policial atinge principalmente os mais pobres e as minorias, sejam estas de indígenas, como o povo Mapuche no Chile e Argentina, ou os negros nas favelas brasileiras. Em muitos lugares, a polícia não vê a si própria como uma entidade de proteção e ajuda à população civil em geral, o que é ainda pior entre os menos privilegiados.

O problema da violência policial na América Latina existe há décadas, mas voltou ao centro das atenções com o surgimento dos protestos antirracismo nos Estados Unidos liderados pelo movimento Vidas Negras Importam, além dos escândalos recentes nos demais países. Entretanto, segundo Fernanda Doz Costa, a crise do coronavírus também contribui para o que chamou de "oportunidade histórica para reformar as forças policiais".

Ela sugere que tais reformas devem incluir novos meios de recrutamento e treinamento, melhor remuneração e o fim da impunidade. Até o momento, há na maioria dos países uma falta de vontade política para realizar mudanças tão amplas.  

"Se [os governos] quiserem se manter estáveis por tempo prolongado, eles não terão outra escolha", afirma Costa. Caso contrário, a espiral da violência continuará a aumentar e os distúrbios sociais se agravarão. "Vimos nos protestos recentes em países diferentes: quanto mais a polícia comete excessos contra as pessoas, mais as manifestações são reforçadas".



sábado, 10 de outubro de 2020

Ninguém segura a boiada de Tereza Cristina, por Moisés Mendes

Não é brincadeira. A boiada de Cristina avança há muito tempo sobre pastos, árvores, rios, bichos e índios.

Por Moisés Mendes 

 

Se o Pantanal tivesse mais boi pastando, haveria menos incêndios. A maioria ri de uma tese ‘científica’ desse porte. Mas muita gente não ri, porque a bobagem é uma mensagem.

A tese da ministra Tereza Cristina sobre o boi-bombeiro tem coerência com as histórias esdrúxulas de Damares, de Ernesto Araújo, dos filhos de Bolsonaro e do próprio Bolsonaro.

A especialidade do governo é produzir besteiras. Mas o boi-bombeiro não é da mesma família da Terra plana, não é a mesma coisa.

Parece engraçado, e de fato é, mas é na verdade um produto de outra ala da fábrica de barbaridades do governo. Tereza Cristina é integrante da turma ‘racional’ do governo.

A racionalidade da sua tese é da mesma linha dos raciocínios de Ernesto Araújo e seu anticomunismo obsessivo no Itamaraty, de Milton Ribeiro e seu moralismo na Educação, de Ricardo Salles e seu poder destruidor no Meio Ambiente. Todos já tiveram o seu boi-bombeiro, ou o seu boibeiro.

Uma ministra diz publicamente, e não numa roda de conversa, que o pasto mais ralo evitaria incêndios, e na sequência os jornais saem a ouvir os cientistas.

A reação dá sentido à sua fala e a eleva à condição de controvérsia. Mas não se enganem. O boibeiro não é o terraplanismo de Tereza Cristina.

Não é uma bobagem que aparentemente só fomenta ignorâncias. É uma tentativa de colocar o boi na conversa.

O boibeiro é mais um esforço para que abram todas as porteiras e deixem passar a boiada. O que ela disse é: encham o Pantanal de bois, como estão fazendo com a Amazônia.

É preciso baixar o pasto, com mais boi comendo o que estiver pela frente, porque o fogo não gosta de pasto ralo.

Se der, além do pasto, que cortem arbustos e árvores, que tirem do fogo o pretexto para que avance e destrua o Pantanal.

Sem pasto, sem árvores e sem bichos selvagens. O Pantanal poderá ser salvo e se transformar numa imensa invernada.

Tereza Cristina está mandando recados. Está dizendo aos fazendeiros que eles devem tomar conta do Pantanal, onde houver pasto. É o governo quem diz.

Ah, mas cientistas e ambientalistas não recomendam. Os cientistas apenas dizem o que pensam. Quem manda é o governo. E Tereza Cristina está mandando: passem a boiada, porque é o que eu e Bolsonaro desejamos.

Tereza Cristina não é uma Damares. O que Damares tem é um rebanho religioso. A ministra tem rebanhos de bois e de fazendeiros.

Não é brincadeira. A boiada de Cristina avança há muito tempo sobre pastos, árvores, rios, bichos e índios.


Fonte: Publicado no Blog do Moisés Mendes 


segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Escola Especial não é inclusiva, por Ana Laura Prates

Se o MEC tem encontrado problemas para efetivamente sustentar uma educação inclusiva e não capacitista, conforme prevê nossa Constituição, esses problemas precisam ser enfrentados e resolvidos e para isso é necessário vontade política

Sou mãe de um jovem adulto com Síndrome de Down, o Gabriel. Quando ele nasceu eu morava em um pequeno prédio de dois andares no bairro do Paraíso, em São Paulo. Lembro-me que da minha varanda eu via passar diariamente uma senhora com seu filho adulto, também com Síndrome de Down. Caminhavam de mãos dadas, e ele ia de cabeça baixa e puxando um carrinho de brinquedo por um cordão. Aquela cena me entristecia muito, não por eventuais limitações daquele homem: cognitivas, motoras ou quaisquer que fossem, mas sim pela posição infantil na qual ele se encontrava, testemunhando as consequências terríveis da segregação de pessoas com deficiência, inclusive no âmbito das relações familiares.

Quando o Gabriel nasceu eu dava aulas em uma Universidade, e uma das disciplinas se chamava “Psicologia do Excepcional”, termo que já me incomodava profundamente. Eu passava o curso lendo com as alunas e alunos autores como Goffman e Canguilhem para descontruir a ideia de que a deficiência é uma patologia.  Algum tempo depois, veio o supostamente benevolente deslocamento de “excepcional” para “especial”. Antes ainda, eu havia dado aulas de “educação especial” no curso de Pedagogia. Ali pude acompanhar a extensa produção de artigos, até os anos 70, sustentando ideias atualmente consideradas absurdas como, por exemplo, que os surdos não desenvolvem raciocínio abstrato.  Felizmente muito se avançou em relação a este ponto graças, sobretudo, à militância dos surdos e suas famílias. O mesmo movimento de reação ao preconceito encontramos entre os cegos, pessoas com deficiência física e intelectual.

Especificamente em relação à educação, sabemos que no Brasil é proibido negar o acesso escolar a crianças com deficiência desde 1989. O artigo 8º da Lei nº 7.853, diz que “constitui crime punível com reclusão de um a quatro anos e multa (…) recusar, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar, sem justa causa, a inscrição de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado por motivos derivados de deficiência”. A Constituição de 1988, por sua vez, reafirma o direito universal à educação. Na prática, entretanto, a aplicação efetiva desta lei exigiu um esforço enorme por parte das famílias para garantir seus direitos, muitas vezes precisando apelar para a Justiça, impetrando mandados de segurança para que as escolas “aceitassem” as matrículas de seus filhos.

Nos últimos 30 anos o Brasil avançou de modo decisivo no que diz respeito à garantia do direito à educação das pessoas com deficiência em escolas comuns, como o atestam: o artigo 24 da Convenção Internacional de Direitos das Pessoas com Deficiência do qual o Brasil é signatário, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva de 2008 e a Lei Brasileira de Inclusão que afirma o direito à educação em um sistema educacional inclusivo.

Meu filho Gabriel entrou na escola Espaço Viva Vida com dois para três anos, onde ficou até o final da educação infantil, pois à época naquela escola não havia ainda o ensino fundamental. 2006 foi um ano de muita apreensão em nossa família, pois a matrícula de uma criança com deficiência no ensino fundamental ainda era uma luta. Era uma época, aliás, em que crianças com deficiências eram chamadas de “especiais”. Mas nós havíamos conseguido a matrícula em uma escola que tinha fama de inclusiva. Finalmente eu estava segura, com a matrícula paga e conversas feitas com a coordenação. Eis que recebo um telefonema da dita escola inclusiva, comunicando que a matrícula do Gabriel estava mantida, mas em outro período, pois de manhã já havia uma criança com Síndrome de Down matriculada no primeiro ano. O mundo desabou. Na época era simplesmente impossível administrar uma mudança de período com os horários de trabalho e os horários de minha filha Luiza, apenas um ano mais nova, além de todas as atividades necessárias: fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, etc. Simplesmente impossível. Além disso, como ficava a relação de confiança com a escola, que havia se comprometido e depois recuava daquela forma, em pleno mês de novembro?

Repito, o mundo desabou. Era uma sexta-feira no final da tarde e a angústia atingiu níveis quase insuportáveis. Todo mundo sabe que em novembro todas as crianças já estão matriculadas. Como conseguir uma escola que abrisse as portas para uma criança com Síndrome de Down, fora do período oficial de matrícula? Foi graças à abertura da educadora Paula Cury – que atualmente participa da Casa Pitanga em Lisboa – que conseguimos resolver o problema. Na segunda-feira estávamos a postos para uma reunião com a Paula, e no mesmo dia o Gabriel estava matriculado na Escola Santi. Ele foi o primeiro aluno com Síndrome de Down daquela Escola.  Esse é um caso muito interessante, pois a própria Santi havia se recusado a receber o Gabriel na Educação Infantil, alegando não estar preparada. Mas como se preparar a não ser a partir da própria experiência?

Essa geração abriu muitas portas. Era a transição da era da segregação das escolas especiais para a era da inclusão. Sempre digo que, se falamos em inclusão, é porque a possibilidade da exclusão está nos rondando onde menos esperamos. Hoje, por exemplo, não teríamos separado o Gabriel de seus queridos amigos porque ele “precisava” repetir o primeiro ano, por não estar alfabetizado. Atualmente já sabemos que uma criança com deficiência pode aprender através de outros recursos, se tiver acesso a materiais adaptados, que inclusive estimulam o próprio processo do letramento, que especificamente para o Gabriel foi bastante lento. Na época não sabíamos disso.

Disseram que ele não aprenderia matemática. Mas ele aprendeu. Disseram “pra que línguas?” e hoje ele tem aulas regulares de inglês, porque gosta. O Gabriel se formou no Ensino Fundamental II da Escola Santi, dez anos depois daquela matrícula dramática e hoje ela recebe vários alunos com Síndrome de Down e com outras deficiências. Estou certa de que os professores e colegas poderão testemunhar o quanto aprenderam com a presença do Gabriel na Escola.

Em 2017, começamos um novo desafio no Ensino Médio. Apostilas e mais apostilas, muitas matérias e professores diferentes. Desde o Fundamental II o Gabriel sempre contou com a presença de um mediador, e assim seguimos no Anglo da Vila Clementino, pequena escola de bairro que infelizmente fechou, logo após a formatura da turma do Gabriel. Disseram: “pra que física?”, “pra que química?”. Respondemos: “Porque não?” Nessa Escola, Gabriel pôde viver sua adolescência convivendo com a diversidade, fazendo amigos que testemunharam profundas transformações a partir da convivência com ele. Tivemos sorte, mas também muito apoio, especialmente dos profissionais do Espaço Mosaico que, entretanto, enquanto “instituição especializada” não pode nem deve substituir a Escola. No nosso caso, tanto os mediadores quanto a adaptação de material sempre foi pago à parte da mensalidade escolar, por nossa família. Esse “detalhe” revela que a educação inclusiva ainda precisa avançar muito para ser uma realidade estabelecida em nosso país, em nível das escolas privadas que, lembremos, são concessões públicas.

Hoje o Gabriel toca bateria, namora, sai e viaja com os amigos, malha, anda sozinho de metrô. Mas, principalmente, é um cara boa praça, e um homem de seu tempo, lidando com suas limitações e talentos. Está se preparando para possivelmente ingressar na Universidade, onde nova luta certamente terá início, e para o tão almejado curso de DJ, assim que pudermos sair da quarentena que estamos cumprindo devido à Pandemia. Todo esse testemunho retrata a realidade de uma família de classe média, branca, privilegiada, na cidade de São Paulo. Precisamos lembrar que, no Brasil, mais de 70% das crianças estudam em escolas públicas, tornando ainda mais importante a luta pela efetiva inclusão de crianças com deficiência, sobretudo daquelas que já sofrem a segregação econômica, dentre outras. Isso implica em formação de corpo técnico especializado, além de várias adaptações de acessibilidade, como material pedagógico, arquitetura, linguagem, etc.

Nesse contexto, o Decreto 10.502 publicado em 01/10/2020 pelo Governo Federal é um retrocesso absurdo e injustificável. Se o MEC tem encontrado problemas para efetivamente sustentar uma educação inclusiva e não capacitista, conforme prevê nossa Constituição, esses problemas precisam ser enfrentados e resolvidos e para isso é necessário vontade política, trabalho qualificado e investimento em equipamento e formação. Mas sabemos muito bem que esse Decreto na verdade é uma manobra para desviar recursos do MEC para “instituições especializadas”, portanto, mais uma vez o que está em jogo são interesses dos grupos econômicos que sustentam o atual governo. Daí a razão pela qual ele não ter sido debatido com entidades representativas das pessoas com deficiência e suas famílias, tampouco com a sociedade, especialistas e educadores. Trata-se, portanto, fundamentalmente, de mais um ataque à educação pública em nosso país.  A ideia cínica contida no Decreto de que a escola inclusiva ou especial é uma escolha das famílias esconde na verdade mais uma medida claramente fascista deste governo, desta vez em relação às pessoas com deficiência.

O que nós precisamos, ao contrário, é ampliar a acessibilidade de modo a garantir os direitos das pessoas com deficiência no sistema educacional e uma escola pública de qualidade para todos, em todos nos níveis. O direito à segregação é uma falácia! É preciso que toda a sociedade se mobilize com urgência contra o imenso e perverso retrocesso que o Decreto 10.502 pretende nos impor.



sábado, 3 de outubro de 2020

A História espera Celso de Mello, por Moisés Mendes

Celso de Mello não é um juiz comum. A História sabe com quem está lidando. É a História que vai esperá-lo na saída, na porta do Supremo.

Há quem imagine que Celso de Mello antecipou o retorno ao Supremo, depois da licença médica, para ter tempo de limpar com calma as gavetas, despedir-se dos colegas e dos servidores e fazer um anúncio aos jornalistas.

Na porta, com as pastas sob o braço, o ministro diria que o processo sobre a suspeição de Sergio Moro é assunto para quem continua no STF, porque ele já está fora.

O roteiro é tão improvável quanto desrespeitoso com Celso de Mello. O ministro só tem duas alternativas nesse caso. A primeira é a mais óbvia: votar sem volteios pela suspeição.

Nessa primeira alternativa, Celso de Mello deixará a lição histórica da despedida de um sábio. Não será uma aula de firulas jurídicas, que qualquer jurista mediano poderia tricotear, muitas vezes para que a forma camufle o conteúdo precário.

A lição será de senso de História. Não senso de oportunidade de acordo com as circunstâncias, mas de História mesmo, de compromisso com a perenidade dos atos, mesmo que em um palco tão degradado.

Celso de Mello pode repetir tudo o que já foi dito sobre os desatinos de Sergio Moro na condução do processo do tríplex e de toda a Lava-Jato. Ele já subiu outras vezes cada degrau dos argumentos repetidos por outras vozes.

Poderá desqualificar sem muito esforço as ‘provas’ que levaram à condenação do ex-presidente. Poderá até inovar na abordagem dos erros e delitos de Moro e surpreender com algum aspecto que outros não tenham percebido.

Mas não terá o direito de ser circular e gongórico, para dizer que Moro errou, apontar os erros que não deveria ter cometido e concluir que suas falhas devem ser relevadas.

Celso de Mello não poderá discorrer sobre os desvios de Moro, em cada detalhe, para dizer ao final que, apesar do que todos sabem, seus descaminhos não são suficientes para levar à revogação das decisões do líder de uma operação que precisa ser preservada.

Por esse argumento circular, a Lava-Jato como missão, acima de tudo e de todos, salvaria Sergio Moro. Mas não há como tergiversar, não agora. Porque não é Moro quem está em julgamento.

São os atos de Moro e da sua turma, incluindo o Ministério Público que a ele se subordinava, e o que esses atos representaram como afronta ao Judiciário.

Não há como livrar a cara de Moro sem deixar intactas as sequelas de suas ações como juiz que investigava, acusava e punia. E que depois confirmou, por adesão formal, sua subserviência política ao mais desqualificado ajuntamento político formado desde a redemocratização do país.

Celso de Mello está diante da oportunidade histórica, sem outro exemplo em passado recente, de pegar o Judiciário pelo braço (e não só o Supremo) e puxá-lo do pântano em que foi atolado até o pescoço pelos homens da Lava-Jato e seus patrocinadores.

O decano tem a possibilidade única de resgatar a Justiça das mãos dos que fomentaram os atos de Moro, dentro e fora das instituições, para transformá-lo em justiceiro e aliado político sem escrúpulos, primeiro da direita e depois da extrema direita.

Celso de Mello tem a chance que ninguém teve em décadas de fazer a defesa da Corte que o acolheu por 31 anos e que andou desde 2015 a reboque da Lava-Jato. O ministro pode lavar a alma da Justiça.

Por essa primeira alternativa, seu voto será uma aula depois incorporada ao currículo de todas as universidades brasileiras.

Celso de Mello já tem o reconhecimento como um dos mais brilhantes magistrados do STF em todos os tempos. Mas falta essa aula.

Essa é a primeira alternativa, a da transformação do seu voto em uma escultura em bronze. A segunda é a do voto circular, que andará como uma piorra em volta de si mesmo e pode se esfarelar como um vaso de gesso.

Celso de Mello não pode ter voltado ao Supremo – e antecipado sua despedida em duas semanas – para dizer que tem desprezo pelas chances oferecidas pela História.

Um juiz qualquer, indeciso e ainda construindo sua carreira, poderia optar pelo voto rococó inconsequente. Um juiz vacilante cercaria Moro, expondo tudo o que fez de errado. Mas no último momento permitiria a absolvição de Moro e da Lava-Jato, porque o pito hermenêutico bastaria como punição.

Celso de Mello não é um juiz comum. A História sabe com quem está lidando. É a História que vai esperá-lo na saída, na porta do Supremo.

*É jornalista em Porto Alegre. Foi colunista e editor especial de Zero Hora. Escreve também para os jornais Extra Classe, DCM e Brasil 247. É autor do livro de crônicas 'Todos querem ser Mujica' (Editora Diadorim)



O baú de penas, por Fernando Brito

Já passou muito da hora de dar-se fim a este escândalo de perseguição judicial que sofre o ex-presidente

A honra, diz o velho adágio, é como um baú de penas: depois de aberto ao vento, é impossível reuni-las todas.

Só por uma nota da revista Veja, esta manhã, é que se soube da decisão da juíza substituta de 13ª Vara Federal de Curitiba, Gabriela Hardt, reconhecendo que foram legais as palestras remuneradas que o ex-presidente Lula fez após deixar o governo e, por isso, determinou o desbloqueio de valores de seu plano de previdência e de contas do Instituto Lula.

As palestras de Lula foram colocadas sob suspeita em 2016 pela Lava Jato e, no início de 2018, foram bloqueados dois fundos de pensão em nome do ex-presidente: um plano de previdência empresarial com R$ 7,1 milhões acumulados e uma plano individual, com R$ 1,8 milhões. Na época, Moro condicionou a liberação dos recursos à comprovação da origem lícita dos recursos, numa claríssima inversão do princípio jurídicos que exigiria a indicação de que os recursos seriam ilícitos.

O bloqueio foi, na época, agitado como “prova” de que Lula teria forjado as palestras. Mas, ao contrário, foi quase na surdina que a juíza substituta de Moro assinou uma decisão em que reconhece que “Não houve comprovação de que os valores bloqueados possuem origem ilícita” que, portanto, “deve-se presumir sua licitude”, como reproduz a revista Veja

“A justificativa para manter-se o bloqueio da integralidade dos ativos financeiros de Luiz Inácio Lula da Silva baseava-se na suspeita da prática de crimes envolvendo as palestras ministradas pelo ex-presidente. Todavia, a autoridade policial concluiu não haver indícios nesse sentido, com o que concordou o MPF. Por tais motivos, o bloqueio integral de tais valores não mais se sustenta”

Muito bem, fez-se Justiça? Foi?

Quem devolverá ao ex-presidente a honra? Que castigo se dará a procuradores e ao juiz que, desprezando a prudência, avançaram sobre a imagem de um homem público que depende dela para ser ouvido pela população?

No caso do powerpoint produzido por Deltan Dallagnoll, tudo foi para o arquivo morto. E agora, fazer o quê?

Já passou muito da hora de dar-se fim a este escândalo de perseguição judicial que sofre o ex-presidente, sem o que o jogo político no Brasil jamais voltará à normalidade.



quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Homenagem a Quino

Cartunistas homenageiam a Joaquín Salvador Lavado Tejón, conhecido como Quino e criador da personagem Mafalda, que morreu nesta quarta-feira (30), aos 88 anos.

Por Renato Aroeira

Por Toni D'Agostinho


Por Bira Dantas


Por Paulo Batista

Por Carlos Latuff