As reformas propostas inviabilizam que o
Fundo cumpra seus dois objetivos fundamentais: formar um pecúlio para o
trabalhador e financiar as políticas sociais do país. É um desmonte de um
patrimônio de toda a sociedade
O FGTS foi criado em 1966 com o objetivo
de cumprir duas funções: 1) formar uma poupança ao longo da vida profissional do
trabalhador para auxiliá-lo em situações de demissão sem justa causa, doença ou
velhice; e 2) formar um fundo financeiro para a realização dos programas de
habitação popular, saneamento ambiental e infraestrutura urbana.
A base atual desses programas foi criada
no governo Fernando Henrique, sejam eles: Carta de Crédito Individual e
Associativa, Apoio à Produção, Pró-Moradia, Programa de Arrendamento
Residencial, Pró-Saneamento e FCP/SAN. Os governos petistas deram continuidade
aos mesmos e trabalharam na busca de seu aperfeiçoamento, como na
reestruturação e expansão das políticas de subsídios. Foram inovações o
programa Pró-Cotista, Saneamento para Todos, Pró-Transporte, Minha Casa Minha
Vida e o FI-FGTS. Entre os méritos alcançados está a grande expansão dos
financiamentos concedidos e as melhores condições para a tomada de crédito, por
meio da queda da taxa de juro e aumento do prazo de pagamento.
Estes recursos cumpriram um papel
importantíssimo para a economia e toda a sociedade brasileira, colaborando para
a melhora das cidades e gerando milhões de empregos ao longo dos anos. Abaixo é
possível ver o impacto do FGTS ao financiar os programas de habitação,
saneamento e infraestrutura:
Todavia, as propostas de reforma do
governo Bolsonaro ameaçam mudar completamente a trajetória virtuosa dos
programas.
As reformas para o FGTS:
Uma das principais críticas do governo
recai sobre remuneração dos recursos dos trabalhadores, equivalente a Taxa
Referencial + 3% a.a., que é considerada muito baixa. Para elevar a
remuneração, o governo propõe construir um FGTS “completamente diferente” do
existente hoje, cogitando até mesmo o fim da administração realizada pela Caixa
e a abertura para que investidores (inclusive estrangeiros) adquiram cotas de
participação do Fundo.
Elevar a remuneração dos recursos dos
trabalhadores faz parte de um debate antigo que, todavia, ameaça a capacidade
de o FGTS atuar como fonte de financiamento para as políticas públicas. Isso
ocorre porque o aumento da remuneração para os cotistas equivale a uma elevação
do juro cobrado pelo crédito ofertado. Caso isso ocorra, estará sendo
interrompida a trajetória dos últimos 20 anos de busca por condições de
financiamento realmente acessíveis às famílias de baixa renda e capazes de
fomentar o setor da construção civil.
Atualmente, as famílias com renda mensal
bruta até R$2.600 são as mais beneficiadas ao arcarem com um juro de apenas 5%
a.a. e ganharem subsídio completo para o restante do juro de 2,16% a.a. Os
subsídios ainda estão garantidos (em porcentagens menores) para as famílias com
renda até R$4.000, valendo ressaltar que mesmo as famílias com renda superior
(até R$7.000 ou independente da renda caso seja um trabalhador com conta
vinculada ao FGTS) pagam um juro máximo de 8,16% a.a., um valor muito baixo
comparado às taxas do mercado.
As melhores condições para a contratação
de crédito envolvem também as pessoas jurídicas e a esfera pública: para o
setor habitacional o juro varia entre 8% a.a. e 9% a.a.; para o setor de
saneamento o juro varia entre 7% a.a. e 9% a.a.; finalmente, no setor de
infraestrutura o juro varia entre 7,5% a.a. e 8% a.a..
Defender uma maior remuneração dos
recursos dos trabalhadores equivale a inviabilização da oferta de crédito com
juro baixo. Os impactos negativos se darão em termos econômicos e sociais:
desestimulando o setor da construção civil e excluindo novamente as famílias de
baixa renda do sistema de financiamento habitacional.
A descapitalização do Fundo de Garantia:
Outra proposta que aparece nas pautas do
governo é sobre a liberalização de recursos do FGTS para impulsionar a
atividade econômica no curto prazo. Essa medida polêmica foi realizada durante
o governo Temer, que flexibilizou a legislação do FGTS para permitir o saque
das contas inativas dos trabalhadores. Entre 2016 e 2017, estima-se que saiu
das contas inativas um total de R$ 44 bilhões, um marco na história do FGTS,
que nunca havia liberado uma soma dessas.
Contudo, as contas inativas têm o
importante papel de contribuir para a manutenção do equilíbrio financeiro do
Fundo. Elas constituem reservas em dinheiro para que o FGTS garanta a solidez
do fundo e lide com situações de aumento dos saques (nas modalidades
tradicionais) e dos financiamentos.
Com um impacto ainda mais perverso,
temos o Projeto de Lei PLS 392/2016, que pretende liberar o saque do FGTS para
os trabalhadores que pedirem demissão.
Apesar de esses saques parecerem
vantajosos para o trabalhador e até para a economia, devemos ter atenção! Esse
recurso vai chegar ao trabalhador em montantes pequenos, acabará sendo usado no
consumo diário, impedindo a formação de uma poupança que possibilite a
realização de investimentos significativos em sua vida: como desfrutar de mais
bem-estar na aposentadoria, reformar sua casa ou até mesmo ter segurança para
momentos de dificuldade, como na descoberta de uma doença grave.
Além disso, a dissolução dos recursos no
curto prazo descapitaliza o Fundo, acabando pouco a pouco com a sua capacidade
de financiar os programas de habitação, saneamento e infraestrutura. Significa
abrir mão do uso do FGTS como um instrumento para fomentar o investimento e
gerar empregos; um instrumento que, inclusive, permite enfrentar a desigualdade
do país, pois conta com uma estrutura única de financiamento e subsídio, que
permite até as famílias mais pobres realizarem o sonho de ter a casa
própria.
As reformas propostas inviabilizam que o
FGTS cumpra seus dois objetivos fundamentais: formar um pecúlio ao trabalhador
e financiar as políticas sociais do país. Trata-se do desmonte de um patrimônio
de toda a sociedade brasileira e definitivamente não trará benefícios
significativos ao trabalhador.
Fontes:
CEF – Caixa Econômica Federal. Manual
de Fomento Pessoa Física. Superintendência Nacional do FGTS, Brasília, 2018.
CUBERO, Marília Ceci. Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço: o financiamento da política habitacional, de
saneamento e infraestrutura urbana. Dissertação de mestrado em
Desenvolvimento Econômico. Campinas: Unicamp, 2019.
FGTS – Fundo de Garantia do Tempo de
Serviços. Relatório de Gestão, exercício de 1999. Brasília, 2000.
_____. Relatório de Gestão,
exercício de 2000. Brasília, 2001.
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exercício de 2001. Brasília, 2002.
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exercício de 2002. Brasília, 2003.
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de 2004. Brasília, 2005.
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exercício de 2006. Brasília, 2007.
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exercício de 2007. Brasília, 2008.
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exercício de 2008. Brasília, 2009.
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exercício de 2009. Brasília, 2010.
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exercício de 2010. Brasília, 2011.
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exercício de 2011. Brasília, 2012.
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exercício de 2012. Brasília, 2013.
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exercício de 2013. Brasília, 2014.
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exercício de 2014. Brasília, 2015.
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exercício de 2015. Brasília, 2016.
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exercício de 2016. Brasília, 2017.
_____. Relatório de Gestão,
exercício de 2017. Brasília, 2018.
*É
economista, mestra em Desenvolvimento Econômico e doutoranda em Ciências
Econômicas na Unicamp
(Crédito da foto da página inicial:
Portal Brasil)