Todos nós combatemos grandes e pequenas
guerras, geralmente extensões daquelas que travamos com nós mesmos: o desejo, a
higiene, o silêncio, a gentileza, as convenções sociais, o traje…
Com a globalização, para esvaziar o que
achavam ser o “poder sedutor” do marxismo, os senhores ricos, há meio século,
recorreram aos comportamentistas — psicólogos de variante pouco
sofisticada da reflexologia —, para impor causas edificantes “alheias à luta de
classes”. Estas passaram a ser estimuladas por fundações do grande capital
manipulando verbas de renúncia fiscal dos países centrais: a sublimação da
natureza e do indivíduo, a exaltação do passado (o romance épico), das culturas
subjugadas (o indigenismo) e comportamentos desviantes da moral dominante.
O modus operandi dessas
campanhas embute a lógica binária do pensamento anglo-germânico — a que reduz o
confronto à guerra e acredita que a contradição deve ser exposta e conduzida a
extremo radical para ser solucionada.
Na verdade, isso se aplica, no marxismo
(que é formulado no quadro da filosofia alemã, invertendo a dialética de
Hegel), ao confronto das classes sociais, “motor da História” — mas só
insensatos a proporiam como remédio para tensões complementares (como a dos
sexos biológicos ou idealizados), na disputa com outros seres vivos por espaço
na natureza ou quando o combate, em si, é destrutivo para o universo em que se
movem ambos os contendores.
É este nosso caso.
No apocalipse anunciado pelo excremento
da Besta que nos governa, não há ganho nem para os negros nem para os brancos
(já que os mestiços, que são maioria, decretou-se que não existem ou não
importam); as fêmeas ou os machos; os castos e os impuros; os caretas e os
chapados.
Todos perdem.
O episódio recente do enfarte, durante
interrogatório na polícia, do herdeiro de um império industrial falido cujo pai
morrera há algum tempo em idênticas circunstâncias; o desemprego que a
liquidação das indústrias de infraestrutura, de construção civil e naval
brasileiras provocou e será inevitável nas indústrias aeronáutica, audiovisual,
sabe-se lá onde mais; o assassinato das artes, entregues não a conservadores,
mas a incompetentes e a picaretas; a podridão que envolve a família Bolsonaro e
a exploração da pobreza na periferia do Rio por grupos de assassinos e ladrões
chamados de milícias; a evidente idiotia e turbação mental de ministros como
Damares ou Ernesto Araújo, e a ganância estelionatária de outros, como Paulo
Guedes; o esvaziamento do “soldado verde” e exaltação do “soldado amarelo” dos
causos nordestinos — tudo isso nos aponta para a necessidade de nos unirmos
para que a sobrevivência de todos nós: nossa nação, aquilo que fizemos no
passado e de que podemos nos orgulhar.
O que ocorre, na raiz dos fatos
políticos do presente, é a divisão entre os grupos financeiros dominantes no
mundo, parte dos quais insiste na globalização por outro caminho: nacionalismos
de fachada, atavismo cultural, totalitarismo com apoio de massas — ou,
simplificando, o fascismo revisitado.
Nesse contexto, nossos inimigos não são
“os militares”, “os bacharéis”, “os burocratas”, “o Judiciário”, “os
empresários”: todas essas corporações estão infiltradas de inimigos, mas nelas
também estamos nós ou os que são como nós. Os regimes militares aconteceram há
mais de três décadas; assassinatos e torturas frequentam ainda nossas prisões,
os campos, as florestas, as periferias. São coisa atual, e não passada e os
governos de generais nos legaram algumas das obras valiosas que os vândalos e
estúpidos estão demolindo.
As contradições mantidas por convencimento se retroalimentam pelo ódio e pela facilidade que é se livrar de problemas reais apenas ao apontar culpados, base de toda retórica dos fascismos, o novo e os antigos.
Trégua nas guerras particulares!
Pela união dos brasileiros lúcidos!
Ombro a ombro na grande guerra comum,
contra a liquidação de nossos direitos e instituições!
Nessa luta que travaremos juntos, que tal considerar as razões dos caras que nos tocam os ombros, à direita e à esquerda?
Haverá um dia seguinte.
Fonte: Publicado no Tijolaço
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