Por Pedro Torres
O Ministério da Educação lançou
quarta-feira (17) o ‘Future-se’, projeto que pretende reestruturar o
financiamento de institutos e universidades federais. Por meio da iniciativa
privada, as instituições seriam responsáveis por captar a própria receita a partir
de experiências empreendedoras e baseadas em modelos de negócios. O modelo, que
prevê consulta pública até 7 de agosto antes de ser implementado, é uma ameaça
à autonomia das instituições federais – já ameaçadas pelos cortes no orçamento
para educação do Governo Bolsonaro.
Para diminuir os impactos dos cortes de
verbas anunciados em abril, o MEC apresentou a proposta que prevê às
Universidades e Institutos participantes a capacidade de ceder prédios, criar
fundos com doações e até vender nomes de campi e edifícios, como em estádios,
para ampliar a arrecadação no orçamento.
Entenda os principais pontos do projeto,
dividido em três eixos:
Eixo 1: Gestão, governança e
empreendedorismo
O eixo é a principal ancoragem para o
capital privado nas instituições. O programa defende que institutos e
universidades se aliem a diversos modelos de fundos de investimentos para
ampliar suas receitas e criar ambientes favoráveis aos negócios.
Dessa forma, será possível:
Criação de fundos de investimentos
imobiliários
As universidades podem celebrar
contratos de gestão compartilhada acerca do seu próprio patrimônio imobiliário
e da União. Seria permitido às reitorias estabelecer parcerias público-privadas,
comodato ou cessão de prédios e lotes.
Criação de fundos patrimoniais
Permitidas doações de empresas ou
ex-alunos para financiar pesquisas ou investimentos de longo prazo.
Ceder nomes de espaços
Ceder nomes de campi e edifícios para
alguma marca e, em contrapartida, obter patrocínio para construção e
revitalização de suas estruturas. É o que acontece nos estádios de futebol que
levam nomes de bancos ou seguradoras.
Promover ações de cultura
A ideia é permitir que a modernização de
museu e bibliotecas e ações de extensão possam captar verbas via Lei Rouanet. O
governo afirma que, no modelo, a Sesu (Secretaria de Educação Superior) e o
Ministério da Economia viram indutores de boas iniciativas.
Para criar o ‘Fundo Future-se’,
responsável por prever uma receita fixa já destinada ao orçamento desse fundo,
o MEC anunciou o aporte de R$ 50 bilhões em patrimônio, vindos do Ministério da
Economia, que será integrado ao programa de maneira a garantir a
previsibilidade do fundo..
Eixo 2: Pesquisa, inovação e internacionalização
Nos eixos de pesquisa e inovação, o
governo fala em criar um portfólio das boas práticas existentes nos institutos
e universidades federais e buscar recursos internacionais, que possam ser
utilizados na modernização de parques tecnológicos ou na geração de
patentes.
O MEC defende ainda a parceria com
instituições internacionais de ensino para a oferta de cursos à distância,
gratuitos ou pagos, que gerem créditos aos estudantes brasileiros.
Eixo 3: Pela cultura do esforço
Outro ponto defendido pelo programa é o
de premiar as melhores iniciativas das instituições e dos professores, que
serão incentivados a buscar rentabilidade a suas produções acadêmicas, em uma
perspectiva individual.
“Estamos tornando o cargo de professor universitário
o melhor cargo do Brasil, porque além dele ter o seu salário garantido [com o
aporte dos fundos de investimentos] tudo o que ele conseguir captar será dele”,
colocou o secretário exemplificando que um professor de Economia que publicar
sua produção em uma revista como a Econométrica, será remunerado.
O governo também declarou a
possibilidade dos docentes estabelecerem sociedade com propósitos específicos,
explorarem patentes ou ainda serem fundadores ou sócios de startups dentro das
universidades, “desde que isso volte para a educação”, declarou Arnaldo Barbosa
de Lima Júnior.
Instituições terão que aderir ao projeto
para sobreviver
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Para o presidente da Adurn Wellington Duarte, a lógica do Future-se é a maximização dos lucros |
O programa, que após consulta pública
será votado no plenário da Câmara dos Deputados, não prevê a cobrança de mensalidades
nas Universidades públicas, como afirma o ministro da Educação, Abraham
Weintraub, mas em contrapartida ataca diretamente a autonomia das instituições
ao responsabilizá-las de captar a própria receita cedendo espaço para
iniciativas e interesses privados.
De acordo com a Andifes (Associação
Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior), o
contingenciamento de verbas da educação, anunciado pelo governo em abril,
afetará de 15% a 54% dos recursos das federais.
“A finalidade da proposta é a de
reordenar os recursos destinados às universidades e institutos federais,
retirando-lhes do Orçamento da União e empurrando-a para o sistema de captação
do setor privado, cuja lógica não centra-se no desenvolvimento e formação de
cidadãos, e sim na maximização dos lucros”, afirma Wellington Duarte,
presidente da Adurn (Sindicato dos Docentes da UFRN).
“Não é possível aceitar que a produção
do conhecimento e a formação de profissionais com qualidade fiquem na
dependência da Bolsa de Valores, desconhecendo qual é a característica de uma
universidade como centro de conhecimento e dos institutos federais como bases
de formação profissional com qualidade para favorecer o desenvolvimento da
nação”, pontua a nota divulgada pela Adurn em resposta ao projeto apresentado
pelo MEC.
A aplicação do programa é um alerta às
instituições federais de que cada vez menos recursos estatais serão repassados
e que cada vez mais a “autonomia didático-científica, administrativa e de
gestão financeira e patrimonial”, prevista pela constituição federal no artigo
207, será atacada com a implementação desse novo modelo de negócio.
‘Nós precisamos salvar a universidade’
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O presidente da UNE Iago Montavão cobrou a devolução às universidades dos recursos bloqueados pelo MEC |
Para Iago Montalvão, novo presidente da
UNE (União Nacional dos Estudantes), é importante que as instituições federais
façam parcerias sem que isso afete a promoção, contudo, de políticas públicas.
“Precisamos debater como retomar os
cortes que foram feitos, como devolver o dinheiro do contingenciamento. Os
estudantes estão dispostos a dialogar, mas queremos respostas para hoje (…) Os
estudantes estão nos procurando desesperados, porque não conseguem fazer suas
pesquisas. Precisamos de uma resposta imediata”, indaga o representante da UNE.
“Afrouxar leis e fazer as universidades
irem à luta atrás de recursos próprios tem o claro objetivo de reduzir a conta
do governo e, mais adiante, cortar seus orçamentos federais. Não custa lembrar,
mais uma vez, que estudantes e professores foram às ruas justamente por essa
razão”, completa Helena Chagas, do Jornalistas Pela Democracia, em artigo
para o Brasil 247.
*Com informações de Carta Capital.
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