O mau uso do Direito e da Justiça
ocorreram durante a Lava Jato porque os amadores da imprensa preferiram
silenciar os especialistas em Direito Constitucional, Direito Penal e Direito
Processual Penal
Aqui mesmo no GGN já fiz
alguns comentários
sobre a crise do discurso jurídico. Também dissertei sobre o estrago que
foi causado ao Sistema de Justiça e volto ao
assunto para debater a mesma questão à luz das novidades que
tem sido reveladas ao respeitável público.
Os chats entre Sérgio Moro e Deltan
Dellagnol, que foram publicados pelo The Intercept, Folha, Veja, etc… revelam
um fenômeno importante: o uso político do Direito. Sérgio Moro interferiu para
proteger Fernando Henrique Cardoso e Eduardo Cunha e ajudou a acusação a
perseguir Lula. O maquiavelismo jurídico jugar do juiz lavajateiro foi
fundamental para que ele chegasse ao Ministério da Justiça depois que ele
garantiu a vitória de Jair Bolsonaro tirando da disputa o candidato preferido
pelo povo brasileiro.
O Direito é oriundo da política, mas sua
aplicação pelos órgãos do Sistema de Justiça deveria obedecer aos princípios da
publicidade, moralidade, imparcialidade e impessoalidade. Sérgio Moro e Deltan
Dellagnol definiam em segredo de que maneira aplicariam a Lei de maneira
parcial, imoral e seletiva. Os processos judiciais eram simulacros em cujos
autos os heróis lavajateiros apenas simulavam atuar da maneira adequada.
A essência do que ambos estavam
realmente fazendo veio a público. Mas até o presente momento nenhuma
consequência jurídica operou efeitos. Lula continua preso. Sérgio Moro não quer
abandonar o posto que conquistou utilizando politicamente seu cargo de juiz e
sacrificando o Direito. Deltan Dellagnol não foi responsabilizado pelas
infrações funcionais e, eventualmente, criminais que cometeu.
O uso politico do Direito é perigoso
pois corrompe o princípio da igualdade perante a Lei e desgasta profundamente
aqueles que deveriam resguardar a credibilidade da Justiça. Os juízes e
procuradores não devem utilizar seus cargos para proteger seus amigos e
perseguir seus inimigos. Amizade e inimizade comprometem a imparcialidade
judicial e a impessoalidade do órgão de acusação. Por isso a legislação obriga
o juiz e o procurador a se afastar dos casos em que estejam emocionalmente
comprometidos.
Durante todo o século XX os políticos
fizeram um mal uso da história. Uma parcela de culpa pelas catástrofes que isso
provocou foi atribuída aos historiadores:
“… os historiadores não são cientistas,
e se não estão se fazendo entender pelo público interessado em história, outros
virão correndo ocupar o vácuo que deixarão. Os líderes políticos e de outras
naturezas quase sempre vão em frente com o uso incorreto ou o abuso prejudicial
que fazem da história para seus interesses individuais, uma vez que o resto das
pessoas não sabe como contestá-los. O muito de história que o público lê e
aprecia é escrito por historiadores amadores. Algumas coisas são de boa
qualidade, mas a mair parte não é. A história de má qualidade conta apenas
parte de histórias complexas.” (Usos e Abusos da História, Margaret
Macmillan, editora Record, Rio de Janeiro-São Paulo, 2010, p. 52)
Durante vários anos a história jurídica
da Lava Jato foi contada apenas por jornalistas. Apenas uma versão parcial foi
contada ao ‘respeitável público’. Segundo ela, tudo o que os heróis
lavajateiros estavam fazendo era assegurado pela legislação. Até mesmo os
abusos que eles cometeram (o abuso de prisões cautelares para obter delações, o
grampo criminoso de Dilma Rousseff, a condução coercitiva de Lula, etc…) foram
aplaudidos pelos rábulas da imprensa.
Os juristas que criticavam as
ilegalidades da Lava Jato eram silenciados pela imprensa e relegados à margem
dos acontecimentos. Alguns deles (digo isso pensando no professor Afrânio
Jardim) fizeram apelos dramáticos no Facebook, mas foram simplesmente ignorados.
Os juízes que ousaram tentar frear a energia criminosa que crescia nos porões
da República de Curitiba foram severamente criticados por jornalistas que se
apresentavam ao público como especialistas em Direito e defensores da
legalidade lavajatiana.
A imprensa é e deve ser livre.
Entretanto, o mal uso da liberdade de imprensa (como ocorreu durante a Lava
Jato) pode produzir distorções políticas profundas e causar estragos duradouros
nas instituições. Nesse momento em que a própria liberdade de imprensa começa a
ser atacada pelo ex-juiz da Lava Jato, nós devemos refletir de maneira
profunda. Não apenas acerca da necessidade de frear a partidarização do
Judiciário e do MPF, mas também sobre como a própria imprensa deve se conduzir
diante de problemas jurídicos complexos que os jornalistas ignoram.
O mau uso da história, segundo Margaret
Macmillan, ocorre porque os historiadores profissionais deixam um vácuo que é
utilizado pelos amadores. O mau uso do Direito e da Justiça ocorreram durante a
Lava Jato porque os amadores da imprensa preferiram silenciar os especialistas
em Direito Constitucional, Direito Penal e Direito Processual Penal. Se o
debate jurídico na imprensa é inevitável (em alguns casos ele é desejável) é
essencial que a própria imprensa se abra aos especialistas sem selecionar
apenas aqueles que reforçarão a “linha da casa”. Se continuar silenciando os
especialistas, a imprensa livre acabará se tornando vítima de sua própria
ambição autoritária.
Fonte: Publicado no Jornal GGN
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