O horror à divergência é consequência
automática do complexo de inferioridade que os acompanha a vida toda, seja
pelas vulnerabilidades de origem, seja pela fraqueza intelectual.
Por Luis Nassif
Peça 1 – elite, povo e lumpem
Uma das peças centrais do governo
Bolsonaro é o desmonte de qualquer forma de proteção social e de regulação
capitalista da economia. Embrulha tudo isso na embalagem do empreendedorismo e
da liberdade de atuação das empresas.
Mas não se trata nem de um representante
da elite, nem do proletariado, nem do empreendedorismo. A divisão é outra: é
entre a economia formal e a economia da zona cinza, ou irregular ou criminosa.
Peça 2 – desregulação e economia do
crime
Sua última decisão, de proibir que as
Juntas Comerciais comuniquem suspeitas de crimes na constituição de
empresas, somado ao apoio às restrições do COAF, visam justamente abrir espaço
para a ocupação da economia pelas organizações clandestinas, algumas nitidamente
criminosas.
Vão na mesma direção o desmonte da
Funai, da ICMBio, a flexibilização dos agrotóxicos pela Agência Nacional de
Saude, a abertura para importação de armas, e a liberação de armas para a
população, até temas menores, como a proposta dos Bolsonaro de anular as multas
das vans que trafegam em faixa de ônibus no Rio de Janeiro. Sua última
decisão foi permitir a distribuição de gás em botijão semi-cheio e sem
menção à distribuidora.
Não se pense em motivação ideológica ou
qualquer forma de pensamento elaborado. A escola de Bolsonaro são as milícias.
Vez por outra, ele vai buscar no neoliberalismo selvagem motes para o desmonte
do Estado formal.
Peça 3 – desmonte de toda forma de
organização
Assim como em outros movimentos
fascistas, Bolsonaro não admite o contraditório ou qualquer forma de
organização, seja social seja de corporações públicas.
É o que explica o fim dos conselhos, os
ataques às organizações sociais, o fato de colocar Supremo, Procuradoria Geral
da República e Lava Jato de joelhos. E também a iniciativa de acabar com as
contribuições ao sistema S, ou o processo descontrolado de abertura da
economia.
Incluem-se aí as disputas com as
corporações públicas, com o Judiciário, especialmente com a elite do
funcionalismo público, possível próxima etapa do desmonte bolsonarismo. O golpe
final será sobre as Forças Armadas.
Peça 4 – a apropriação dos serviços
públicos pelo lumpem empresariado
Uso o termo lumpem empresariado para
diferenciar dos setores empresariais modernos e dos tradicionais. São os que
exploram nichos como bingo, manicômios, clínicas psiquiátricas, escolas para
deficientes e, no caso das milícias, transporte público, construções
irregulares em áreas de preservação, venda de gatos e de gás, venda de proteção
privada.
A última decisão do governo foi retirar
médicos, psiquiatras especialistas e conselhos das decisões sobre saúde mental.
Peça 5 – o preconceito contra os
miseráveis e contra a elite
Uma característica da classe média
baixa, em seu processo de ascensão econômica, é a ampla ojeriza a qualquer
forma de miséria que possa lembrar suas origens, e a revolta contra qualquer
grau de hierarquia social, como expressão da revolta pelas humilhações
sofridas.
A negação de qualquer forma de
solidariedade aos mais pobres é um instrumento de afirmação da sua condição
social, de quem saiu da pobreza, mas não chegou a elite.
O resultado é um tipo com profundo
preconceito em relação aos mais pobres, é uma repulsa contra os salões da
elite, aos quais nunca teve acesso.
A família Bolsonaro enquadra-se
perfeitamente nesse perfil. O pai sempre demonstrou uma raiva descontrolada em
relação à memória do ex-deputado Rubens Paiva, cujo pai era grande fazendeiro
na cidade em que Bolsonaro foi criado.
Por isso, é tolice considera Bolsonaro
como aliado das elites. Ele é um representante típico do lumpem. Fica à vontade
com o lumpem, as formas de expressão são típicas do lumpem, assim como as
demonstrações de machismo, o símbolo fálico das armas, as piadas escatológicas.
E o ódio a qualquer forma de conhecimento especializado, visto por eles como um
sinal de prepotência do intelectual em relação ao ignaro.
Peça 6 – o horror a qualquer tipo de
divergência
O horror à divergência é consequência
automática do complexo de inferioridade que os acompanha a vida toda, seja
pelas vulnerabilidades de origem, seja pela fraqueza intelectual.
Só confiam nos seus. Dai a exigência de
obediência absoluta, que faz os espíritos mais fracos se comportarem de forma
vergonhosamente subserviente. Como bem anotou Jânio de Freitas, Bolsonaro tem a
compulsão da morte.
Não há saída democrática nesse perfil. A
cada dia que passa, mais aprofundará as posturas autoritárias, o atropelo das
instituições e das normas, até o confronto final, a hora da verdade, quando se
irá conferir se as forças que aglutinou em seu apoio serão superiores ou não ao
grande pacto que começa a se formar de resistência às suas loucuras.
Fonte: Publicado no Jornal GGN
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