Diante do escasso conhecimento do
presidente Jair Bolsonaro, não deveria surpreender sua defesa do trabalho
infantil. Ele não deve ter lido Meninos Carvoeiros, de Manuel Bandeira, e os
versos que relatam as “crianças raquíticas”, da “ingênua miséria"
José Eduardo Dutra, geólogo por
profissão, foi senador da República, pelo Estado de Sergipe, e, depois,
presidente do PT. Entre uma coisa e outra, acabou sendo presidente da Petrobras
no primeiro governo Lula.
Já notaram que nada foi levantado
contra ele pela Operação Lava-Jato? Isso, contudo, não impediu que, durante seu
velório, em Belo Horizonte, após dolorosa doença, membros de nossa elite
capitalista-colonial fincassem no local do funeral uma placa com os seguintes
dizeres: “Petista bom é petista morto”.
Para manter-se vivo, trabalhar
Muito antes de morrer, José Eduardo
Dutra já era crucificado por algo de importante que fizera para a dignificação
do trabalhador brasileiro. Tramitava no Senado Federal a Reforma da Previdência
de FHC: a Proposta de Emenda à Constituição nº 33, de 1996.
Ciente da intenção do governo de
estabelecer a idade mínima para a concessão do benefício de aposentadoria, o
então senador sergipano sugeriu elevar, também, a idade mínima de ingresso no
mercado de trabalho formal. Essa passaria a ser de 16 anos, facultando-se,
desde os 14 anos, o trabalho, apenas na condição de aprendiz, vinculado ao
ensino regular.
Argumentou que seria injusto
estabelecer a idade mínima para a concessão da aposentadoria sem que se
elevasse o piso da idade mínima para o trabalho. Como os pobres eram – e são –
os que mais cedo começam a trabalhar, por óbvia motivação de subsistência
familiar, mais tempo precisariam trabalhar até que a idade mínima de obtenção
do benefício previdenciário fosse atingida.
Sua sugestão foi apresentada na
forma de uma emenda, assim redigida como modificação do inciso XXXIII do art.
7º da Constituição: “proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a
menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na
condição de aprendiz, a partir de quatorze anos”.
A emenda de José Eduardo Dutra
acabou sendo acatada pelo Senador Beni Veras (PSDB-CE), relator da matéria.
Como, ao fim e ao cabo, o Senado Federal apresentou um substitutivo, a matéria
voltou à Câmara dos Deputados.
Lá, por conta do famoso cochilo do
Deputado Antonio Kandir (PSDB-SP), a idade mínima caiu, mas a modificação
sugerida pelo senador petista acabou ficando. É contra esse paredão
constitucional que se insurge Jair Bolsonaro, em seu elogio do trabalho
infantil.
Trabalho infantil empobrece
“O trabalho infantil enobrece”,
disse o presidente da República. Essa mesma pregação era assacada pelos
adversários políticos de Dutra, justamente no Nordeste, onde é grave a prática
do trabalho infantil.
Devemos observar que quanto mais
subdesenvolvida é uma região, maiores são os índices de exploração do trabalho
infantil. Submeter uma criança ou adolescente à expropriação de sua força
laboral implica subtrair-lhe o tempo necessário à obtenção de uma educação de
qualidade e crítica, pressuposto inafastável para que qualquer país possa
progredir.
Presidente apedeuta
Se isso já era imperativo no século
XX, o que dizer, então, no século XXI? O elogio em boca própria do presidente
da República é um exemplo das limitações de quem passou a infância conduzindo
tratores em plantações de banana no lugar de estudar: comete erros crassos no
uso no português, não domina qualquer língua estrangeira, nada entende de
História, não sabe distinguir chefe de governo de chefe de Estado, e por aí
vai.
Desconfio que, na Matemática, não
vai além da regra de três. Desconhece um fundamento econômico do reino das
mercadorias: trabalho infantil suprime postos de trabalho de pais de família e
rebaixa o valor da mão de obra como um todo.
Sua última barbaridade foi do campo
da Geografia, matéria fundamental na formação do militar: ao convidar Angela
Merkel para sobrevoar a “Floresta Amazônica” entre Boa Vista a
Manaus parecia não saber que o bioma dominante no Estado de Roraima é o
cerrado.
“Espantalhos desamparados”
Faz sentido Bolsonaro preconizar o
abuso da mão de obra infantil quando se concebe para o bem do Brasil uma
economia extrativista, nitidamente colonial, voltada ao fornecimento de
matérias-primas vegetais e minerais às metrópoles do hemisfério norte.
Parafraseando John O´Sullivan, esse seria o nosso destino manifesto: produzir
bens primários vulgares, em condições sociais e ambientais cada vez mais
precárias.
Afinal, como diz o comandante
supremo das Forças Armadas, o Brasil não passa de uma virgem cobiçada por
tarados. Que venham os tarados, não é mesmo, senhor presidente?
Bolsonaro nunca leu os versos que falam
das “crianças raquíticas”, da “ingênua miséria”, no célebre poema “Meninos
Carvoeiros”, de Manuel Bandeira. Bolsonaro nunca conseguiu ler a Constituição
Federal de cabo a rabo.
Quando muito, sabe identificar o
enunciado constitucional que confere às Forças Armadas a garantia da lei e da
ordem. Se lesse, veria a homenagem que, um dia, um petista bom, já morto,
conseguiu ali insculpir aos “adoráveis carvoeirinhos”, que trabalhavam como se
brincassem, “encarapitados nas alimárias, apostando corrida, dançando,
bamboleando nas cangalhas como espantalhos desamparados”.
*Thales Chagas Machado Coelho
é mestre em Direito Constitucional UFMG, professor de Pós-Graduação em
Direito Eleitoral no Centro de Estudos em Direito e Negócios (CEDIN)
Fonte: Publicado em Os Divergentes
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