'Porque, a esta altura, a missão de defender a democracia e os valores duramente conquistados contra o discurso do ódio a da brutalidade não é apenas das instituições. É de toda a sociedade.'
Por Helena Chaga
A questão não é
a defesa da exploração mineral em áreas indígenas, pois isso há muito tempo faz
parte do debate – e deve ser decidido no Congresso Nacional. O problema é o
discurso de um presidente da República que quer fazer os índios deixarem e ser
índios e saírem de seus “zoológicos”, abrindo caminho a atos de brutalidade
como a invasão da aldeia Waiãpi por garimpeiros e o assassinato do cacique
Emyra – do qual Jair Bolsonaro duvidou esta manhã. Com todo esse estímulo para
defender os índios, a Funai e a Polícia Federal levaram três dias para chegar à
aldeia.
Para muitos que
votaram nele, também não foi um grande problema, por si só, o fato de o
presidente da República ser um militar que, lá em 1964, esteve ao lado do
golpe. Mas mesmo esses devem estar estarrecidos com as palavras de Jair
Bolsonaro nesta manhã, quando agrediiu o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz,
com o mais abjeto dos discursos, afirmando que, se ele quisesse, poderia
explicar como o pai dele, Fernando Santa Cruz, desapareceu durante a ditadura
militar.
O que fez o
presidente da OAB? Deixou que a entidade impedisse que a Polícia Federal
quebrasse o sigilo telefônico de um dos advogados de Adélio Bispo, autor das
facadas que levou na campanha eleitoral. É possível também que, ao investir
contra a OAB, Bolsonaro esteja querendo intimidar a instituição, que tem tido
papel importante na defesa de direitos junto ao Judiciário.
Imaginávamos que
essa página já estivesse virada com o reconhecimento, pelo Estado, das
atrocidades que resultaram nos mortos e desaparecidos da ditadura. Mas o
discurso do ódio e da brutalidade de Jair Bolsonaro a trouxe de volta. E
talvez, do ponto de vista histórico, essa tentativa diária de corrosão dos
valores que forjaram a democracia em que vivemos hoje, e que permitiu sua
eleição, seja o maior dano do governo do capitão ao Brasil. Pior até do que a
inépcia e a incapacidade de governar e resolver problemas como o desemprego e a
estagnação econômica.
Foram
necessários muitos anos, muito sofrimento e muitas vidas para derrubar a
ditadura. Foi uma conquista da sociedade brasileira que, dividida em 1964,
juntou-se vinte anos depois contra o regime militar – depois de muita censura e
arbítrio. Depois, sobretudo, de a classe média conservadora que fora às ruas
defender o golpe ver seus filhos serem mortos, torturados, desaparecidos.
É bem possível
que tenham aprendido a lição, e quem sabe a tenham transmitido a seus filhos e
netos. Porque, a esta altura, a missão de defender a democracia e os valores
duramente conquistados contra o discurso do ódio a da brutalidade não é apenas
das instituições. É de toda a sociedade. Passou da hora de encarar as afirmações
tresloucadas de Bolsonaro como exotismos inofensivos.
Fonte: Publicado em Os Divergentes
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