"Quando perdemos a capacidade de nos indignarmos com as atrocidades praticadas contra outros, perdemos também o direito de nos considerarmos seres humanos civilizados." ― Vladimir Herzog

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Painel Paulo Freire, obra de Luiz Carlos Cappellano.

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segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Episódio de Janot e Mendes ilustra bem as instituições judiciais, por Frederico de Almeida

São os herdeiros da família patriarcal brasileira, da casa grande e da tradição do uso da violência nas relações públicas e privadas

(Foto: Lula Marques)
É muito mais do que (mais) um episódio bizarro da política brasileira a confissão de Rodrigo Janot de que, quando PGR, chegou a ir armado ao STF para matar o ministro Gilmar Mendes e depois suicidar-se.

Admitindo-se não ser mera bravata, o destempero de Janot poderia ter resultado em uma tragédia poucas vezes vista na história da República – como o assassinato de João Pessoa, em 1930, ou os tiros disparados pelo senador Arnon de Melo contra o colega Silvestre Péricles, em 1963, e que acabaram matando o senador José Kairala, dentro do plenário do Senado Federal.

Janot havia alegado a suspeição de Gilmar Mendes, alegando que a esposa do ministro era sócia do escritório de advocacia que defendia Eike Batista, réu em uma ação iniciada pelo MPF; Mendes então teria feito insinuações de que a filha de Janot atuava na defesa criminal da OAS, empreiteira também acusada pelo MPF no âmbito da Lava Jato. Janot pensou em assassinato e suicídio em defesa da honra de sua filha e de sua própria.

Homens da elite branca e de origem aristocrática defendendo na bala a honra de sua família ou seus interesses políticos pode parecer coisa do passado, que persistiram apenas nos rincões supostamente imunes às “luzes” da civilização e da modernidade; mas os elementos dessa tragédia são terrivelmente presentes e arraigados na sociedade brasileira e no funcionamento das instituições judiciais.

A eleição de Bolsonaro se deu com a emersão desses elementos na cena política, baseada em misoginia, machismo, autoritarismo e defesa das armas – fazer “arminha com a mão” se tornou um símbolo de Bolsonaro e de seus seguidores. Eleito presidente, o ex-militar fez avançar sua agenda armamentista, em paralelo com o desmonte das políticas de gênero e de combate à violência contra a mulher, aos cuidados da fundamentalista Damares Alves, defensora de modelos “tradicionais” de família.

Segundo pesquisa do Ibope do início deste ano, a flexibilização do acesso legal a armas proposta por Bolsonaro tem mais defensores no Sul “desenvolvido” do que no Nordeste “atrasado”, e tem mais apoio entre homens (50%) do que entre mulheres (27%).

Não é à toa essa diferença de gênero: de acordo com o Atlas da Violência, embora nos números gerais os homens sejam as vítimas preferenciais de homicídios no Brasil (60.556 em 2017, quando 4.936 mulheres foram mortas), as mulheres morrem vítimas de disparos de armas de fogo em situações muito específicas de sua condição de gênero: 28,5% das mulheres assassinadas morreram dentro de casa, e se o percentual de mulheres mortas por armas de fogo fora de casa caiu 3,3% entre 2007 e 2017, o número de mortes de mulheres por armas de fogo dentro de casa aumentou 17,1%.

Esse dado reforça a constatação do problema do feminicídio (o homicídio praticado contra mulheres em razão de seu gênero, na maior parte das vezes por homens de seu convívio doméstico) como um grave problema de violência de gênero. A vitimização de mulheres negras nessas condições é ainda mais acentuada. Outros dados revelam a relação entre masculinidade, morte e arma de fogo: homens são os que mais se suicidam, e embora o enforcamento seja o meio mais empregado por pessoas de ambos os gêneros, o uso de armas de fogo é mais recorrente entre homens do que entre mulheres.

Essa relação é social e culturalmente construída, e fundamenta a produção de subjetividades masculinas medidas pelas força e pela violência, com raízes antigas e profundas, mas que se atualizam no contexto atual de avanços dos movimentos feminista e LGBTQ+, de difusão de discursos de ressentimento e ódio de gênero pela internet e de mobilizações políticas associadas à masculinidade violenta, como as de Bolsonaro.
Apesar do aparente lustro de erudição e civilidade, o mundo do direito não está imune às manifestações dessa masculinidade violenta – e não apenas quando descobrimos um caso como esse de Janot.
Como mostram os estudos da socióloga Maria da Glória Bonelli, apesar do aumento do número de mulheres nas faculdades de direito e nas carreiras jurídicas desde os anos 1960, as operadoras do direito enfrentam ambientes masculinizados, que restringem suas oportunidades profissionais e criam “lugares” e “roteiros” pré-determinados para seu desenvolvimento profissional. Por isso é que quando olhamos para as posições superiores das hierarquias das carreiras jurídicas, o percentual de mulheres em cargos de liderança (sócias de escritórios, procuradoras, desembargadoras e ministras de tribunais superiores) diminui drasticamente.

Essa desigualdade independe do emprego da violência física pelos homens que dominam o mundo do direito, mas é repleto de violência simbólica: para um desembargador federal, juízas “têm vocação para as varas de família”, e seriam mais rigorosas como juízas criminais por terem recebido uma formação “mais teórica, voltada para os estudos, do que propriamente para atividades que exigem luta intensa e diária, como a advocacia” (ou porque “sendo mães, trazem consigo a missão de educar, de mostrar os erros e os acertos”); para um juiz e ex-candidato à presidência da Associação dos Magistrados Brasileiros, a presença de poucas mulheres nos tribunais superiores é uma “conquista simbólica”, que representa “uma atenção acurada aos detalhes, flexibilidade e intuição”, e “mais sensibilidade para a administração da justiça”.

Aliás, a história de duas pioneiras na presença feminina em tribunais superiores demonstra bem a força dessas pequenas violências simbólicas em um universo predominantemente masculino. Na sabatina para a aprovação da indicação de Ellen Gracie Northfleet como a primeira ministra do STF, em 2006, um senador usou sua formação como médico ginecologista para dizer que aprendeu “a lidar de perto com as mulheres, a entender muito profundamente a sensibilidade feminina”. Primeira mulher a assumir uma cadeira no STJ, Eliana Calmon sempre contou com descontração as dificuldades que enfrentou ao se ver obrigada a utilizar o banheiro masculino, o único disponível no plenário do tribunal aos seus ministros.

Além de homens e ocupantes de posições institucionais de liderança no sistema judicial, Janot e Mendes são descendentes de velhas elites que continuam a se reproduzir na sociedade e também no mundo do direito: Janot é um Monteiro de Barros, família de proprietários de terras e políticos com títulos nobiliárquicos no Império escravocrata, e que já produziu um ministro do antigo Supremo Tribunal de Justiça (o equivalente ao STF no regime monárquico); Mendes é de uma conhecida família de latifundiários do Mato Grosso, recorrentemente acusada de práticas violentas e nada republicanas. 

São, assim, os herdeiros da família patriarcal brasileira, da casa grande e da tradição do uso da violência nas relações públicas e privadas. Deixando de lado eventuais problemas psiquiátricos e de caráter, não representam nada de novo no Brasil de Bolsonaro, que vê emergir das sombras o que há de mais brutal em nossa história e em nossa sociabilidade.

Bibliografia complementar:


(Este texto não reflete necessariamente a opinião de CartaCapital)

*Cientista político, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas e coordenador do PolCrim – Laboratório de Estudos de Política e Criminologia.



Cresce a desigualdade de renda no Brasil

Aumento do trabalho informal e menos protegido desde 2016, com consequente redução do recebimento de rendimentos eventuais, como férias e décimo terceiro, são alguns dos fatores que explicam esse crescimento, mostra pesquisa do CEM

Texto: Janaína Simões/Assessoria de Comunicação do CEM
Pesquisa do Centro de Estudos da Metrópole analisou dados do IBGE sobre emprego e renda, de 2012 a 2019 – Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
Pesquisa do Centro de Estudos da Metrópole (CEM-Cepid/Fapesp) mostra que as diferenças de renda aumentaram entre os que estão na base e no topo da pirâmide dos ganhos e explica as razões para esse crescimento. O trabalho é de Rogério Jerônimo Barbosa, pós-doutorando do CEM, e revela como o desemprego, o desalento – quando a pessoa desiste de procurar emprego – e a informalidade afetaram a desigualdade. Os resultados parciais foram divulgados na última edição do Boletim Mercado de Trabalho – Conjuntura e Análise do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

Para este estudo, Barbosa considera dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD Contínua (2012-atual), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A série anual da PNAD (1976-2015) apenas captava a chamada “renda habitual” do trabalho, que consiste dos vencimentos básicos ou médios. Já a PNAD Contínua passou a captar também o que denominou de “renda efetiva”, que inclui adicionais eventuais (como 13º, adicionais por férias, horas extras, abonos, comissões, participação nos lucros etc.), além de descontos (devido a faltas, atrasos etc.).

Segundo Barbosa, os efeitos de curto prazo associados ao período de recessão são mais bem captados pela renda efetiva. Os adicionais esporadicamente recebidos, por estarem tipicamente associados aos postos formais, são, na realidade, bastante regulares e orientam o comportamento de consumo e poupança dos indivíduos e famílias. Tais quantias podem servir para a aquisição de bens duráveis, para investimentos específicos (inclusive em capital humano) ou mesmo quitação de dívidas, trazendo consequências duradouras para os indivíduos e a economia, de forma geral. 
O estudo divide a desigualdade nos anos recentes em quatro fases. A última, que começa em 2016, é marcada pelo crescimento do mercado informal – Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Por meio de cálculos feitos com base na evolução dos dados da PNAD e PNAD Contínua, Barbosa mostra que, “em meados de 2014, os 50% mais pobres se apropriavam de cerca de 5,7% de toda a renda do trabalho. No primeiro trimestre de 2019, aquela fração cai para 3,5%. Para esse grupo, essa redução de apenas 2.2 pontos percentuais representa, em termos relativos, uma queda de quase 40%”. No outro extremo, “o grupo dos 10% mais ricos da população recebia cerca de 49% do total da renda do trabalho em meados de 2014 – e vinha apresentando redução nessa parcela, ao longo dos anos anteriores. No início de 2019, sua fração apropriada cresce para 52%. Isso significa que o topo da distribuição chega ao pós-crise não apenas recuperando suas perdas, mas também obtendo ganhos.”

Desigualdade em quatro fases

O comportamento da desigualdade recente pode ser dividido em quatro fases. Na primeira, de 2012 até o fim de 2014, o Brasil apresentava uma tendência de queda, basicamente guiada pela redução da desigualdade entre trabalhadores. A partir de então, entre 2014 e 2015, essa tendência se interrompe e o desemprego emerge como principal vetor do processo de aumento da desigualdade. Além do desemprego, o desalento emerge com intensidade. A partir de 2016, na terceira fase, a destruição de postos formais passa a ter impacto direto sobre o aumento da desigualdade. Neste ano, há aumentos mais rápidos, pois a desigualdade entre trabalhadores passa a atuar também.

A quarta fase tem início no primeiro trimestre de 2017 e se estende até o último ponto da série de dados. Já no início de 2017, a soma dos dois componentes era responsável pelo aumento de mais de 20 pontos no Índice Gini, que mede a concentração de renda em determinados grupos. “Em 2017 e 2018, desemprego e desalento se estabilizam em níveis extremamente altos e então as tendências gerais passam a refletir basicamente as desigualdades entre trabalhadores”, aponta Barbosa no estudo.

A reforma trabalhista de 2017, que flexibilizou algumas formas de contratação via Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), parece não ter contribuído para reverter esse quadro. “Tendo em vista a redução de postos formais e a flexibilização de algumas formas de contratação via CLT após a reforma trabalhista de 2017, aqueles benefícios extras e típicos do setor formal se tornaram mais escassos e concentrados”, destaca o estudo.

Nesse mesmo ano, o setor informal, que sempre fora mais desigual e instável, passa a se expandir, o que mitiga os impactos da crise e desacelera o desemprego. “Com isso, a informalidade passa a atuar, inadvertidamente, de forma equalizadora – uma vez que ter renda instável e desigual ainda é situação preferível à ausência de rendimentos”, afirma ele na pesquisa.

Porém, se até 2016 a geração de postos de trabalhos informais contribuiu para a queda da desigualdade, a partir de então não exibe tendência relevante e passa, além disso, a experimentar instabilidades e flutuações para além da sazonalidade existente no mercado informal. Entre os trabalhadores dessa categoria, os rendimentos eventuais passam a apresentar maior concentração e, em decorrência disso, a contribuir para o aumento da desigualdade.
A reforma trabalhista de 2017 flexibilizou as formas de contratação via CLT, porém não conseguiu reverter o aumento da desigualdade – Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Além da informalidade, a redução de postos formais e  com direito a benefícios também causa grande impacto. “Esse aumento da desigualdade entre trabalhadores guarda relação com o fato de que benefícios e direitos típicos (e sazonais) do setor formal se tornaram mais escassos e concentrados, em função da grande dissolução de postos de trabalho protegidos”, diz ele. “O comportamento desse componente “flutuante” da renda efetiva foi responsável pelo crescimento da desigualdade entre ocupados nos dois anos mais recentes e pela continuidade da tendência de crescimento da concentração de renda, a despeito da desaceleração do desemprego”, completa.

No presente, pouca perspectiva de mudança

O mercado de trabalho pós-crise dá poucos sinais de recuperação. O amortecimento dos efeitos mais perniciosos, desemprego e desalento, se origina da baixa geração de postos no setor informal, mais instável, desprotegido e menos produtivo. “Para os trabalhadores mais pobres, a recessão ainda não terminou, sua renda ainda está em queda, mesmo quando são descontados os efeitos do desemprego”, ressalta o pesquisador.

A pouca recuperação que ocorre beneficia os trabalhadores mais bem posicionados, formalizados e empregados em determinados setores, como Educação, Saúde, Administração Pública e serviços financeiros. “Os três primeiros setores são justamente áreas de maior investimento estatal e gastos públicos. Uma evidência indireta de que as forças tipicamente de mercado não foram capazes de promover a dinâmica necessária”, finaliza.

Para acessar a pesquisa na íntegra, acesse o link.

Sobre o CEM:

Criado em 2000, o Centro de Estudos da Metrópole (CEM) é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Cepid-Fapesp) e reúne cientistas de várias instituições para realizar pesquisa avançada, difusão do conhecimento e transferência de tecnologia em Ciências Sociais, investigando temáticas relacionadas a desigualdades e à formulação de políticas públicas nas metrópoles contemporâneas. Sediado na Universidade de São Paulo (USP) e no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), o CEM é constituído por um grupo multidisciplinar, que inclui pesquisadores demógrafos, cientistas políticos, sociólogos, geógrafos, economistas e antropólogos.



A invasão do sistema político pelo sistema de Justiça, por Ney Bello

Rompe-se a barreira da separação funcional entre o sistema político e o sistema jurídico quando os fins políticos passam a ser justificadores de atuações jurídicas. 

Brasilia, DF. 05/07/11. Supremo Tribunal Federal, Praca dos Tres Poderes. (Foto: Dorivan Marinho)
A última fronteira da racionalidade democrática talvez seja a vedação do uso político do processo penal. 

A razão democrática nos impõe que as contendas políticas sejam resolvidas nas urnas, por meio do voto e do desejo da maioria, e que a mão do Estado não discrimine gregos e bahianos, troianos e filisteus. 

Ser democraticamente racional implica condenar ou absolver quem quer que seja independentemente do comunismo ou fascismo professado, fazendo-o em razão do ato praticado e do reconhecimento dos elementos objetivos e subjetivos do tipo penal. 

Essa mesma racionalidade exige que Judiciário e Ministério Público obedeçam a suas funções constitucionais e não pratiquem atos com o objetivo de melhor pontuar no jogo político. 

O binômio amigo x inimigo construído por Carl Schmitt não pode ser usado por instituições e Poderes do Estado sem que isso cause uma ruptura na própria ideia de Estado, democraticamente considerado.

Ministério Público, como parte que é, pode ter adversários em processos judiciais, mas não pode ter inimigos. O Judiciário, como imparcial que é, não pode ser combatente de nada, mas sim ente decisor de uma contenda. 

Isso se dá pela só razão de o Estado ocupar uma função superior ao binômio amigo x inimigo, que se restringe ao campo da disputa política para controle do Governo, e não se aplica às relações do Estado com os cidadãos.

Rompe-se a barreira da separação funcional entre o sistema político e o sistema jurídico quando os fins políticos passam a ser justificadores de atuações jurídicas. 

Quando as condenações e as absolvições são usadas não para realizar o direito penal objetivamente considerado, mas como etapa do processo político, já deixamos de ser Estado Democrático de Direito e voltamos a período anterior à modernidade. 

Esse desvio de finalidade — ou erro funcional — na atuação das instituições do sistema de justiça, que por óbvio não deveriam compor o sistema político, também se demonstra através da linguagem. 

Sujeitos do embate jurídico professam o mantra maniqueísta do combate à corrupção: ou se é a favor da corrupção ou contra ela. Obviamente, aquele que se prende aos pressupostos do direito penal objetivo e não vê crime cometido ou não vê justa causa para uma prisão cautelar — conforme a lógica do discurso maniqueísta — não é um aplicador do direito, é “a favor da corrupção”! 

Da mesma maneira, aquele que pede ou defere uma prisão sem justa causa, movido por sua íntima convicção, é contrário à corrupção, mesmo que pratique um crime para combatê-la, segundo o mantra ideológico por muitos professado. 

A linguagem não é neutra, muito ao revés! O uso de terminologias ideologicamente construídas — como o termo “combate à corrupção” — ocupa um papel central na legitimação pelo senso comum de uma lógica ideológica para o Judiciário e Ministério Público que os confundem com a política. É o discurso político invadindo o sistema de Justiça. 

E quando o Ministério Público ou o Judiciário deseja ocupar o lugar de fala do Executivo ou do Congresso Nacional? Obviamente o que ocorre é a invasão do espaço político pelo sistema jurídico. Um “senador do MP em cada Estado da Federação” ou uma bancada de “deputados que sejam juízes na Câmara”... isso nada mais é do que uma inversão de valores, uma invasão do jurídico no político, uma desconstrução do universo da política e, consequentemente, do próprio Judiciário. 

O desejo do sistema jurídico de controlar a política — e fazê-lo após destruí-la — além de antidemocrático demonstra a incoerência do discurso.

Como negar um espaço do qual o interlocutor quer fazer parte? Como demonizar a política almejando dela fazer parte? Como rejeitar o espectro político e querer ocupar seu lócus? 

Essas questões só deixam a nu uma realidade: não podemos confundir política com Poder Judiciário; sistema político com sistema de Justiça. Se o fazemos, destruímos a política e a Justiça, e abrimos as portas para a barbárie institucional e a falência da democracia.

Quando a invasão indevida de espaços é levada a cabo pelo direito penal ou processual penal, o distanciamento da modernidade é mais latente. 

O Juiz estará usando da limitação do direito de ir e vir como instrumento de desejo político, como via de acesso à posição mais favorável no jogo político e ideológico. 

A racionalidade do processo penal é a última fronteira porque através da aparente juridicidade de condutas se afastam adversários - ou inimigos - e se joga o jogo da política através da limitação patrimonial e do direito de ir e vir.

Quem ganhou a eleição deve governar; quem se elegeu deve legislar; quem passou no concurso deve julgar. A cada um aquilo que o espaço democrático lhe atribuiu. 

Juízes não são legisladores; promotores e procuradores não são senadores; nenhum de nós é o presidente. 

A contenção do poder dá-se pelo seu correto exercício, nos exatos termos previstos num Estado Democrático de Direito.

*Ney Bello é desembargador no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, professor da Universidade de Brasília (UnB), pós-doutor em Direito e membro da Academia Maranhense de Letras.



O caso Lula, o STF e a modulação de efeitos: o confuso jogo do uso indevido das delações premiadas, por Tania Maria de Oliveira


A questão das delações premiadas, contudo, é ainda mais profunda e complexa do que a obediência a um roteiro de oitiva sucessiva entre delatores e delatados.

 
A sentença que condenou o ex-presidente Lula em 2017, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, pela propriedade de um apartamento triplex na cidade do Guarujá, no litoral paulista, foi de tal forma uma deformidade legal, que causou grande reação do meio jurídico, de pessoas preocupadas com a defesa dos parâmetros do devido processo legal constitucional.

Diante disso, os professores Carol Proner, Giselle Cittadino, Gisele Ricobom e João Ricardo Dornelles organizaram um livro, que foi publicado em agosto de 2017 chamado “Comentários a uma Sentença Anunciada – O Processo Lula”. São ao todo 101 artigos curtos, de 122 autores, que abordam variados aspectos, equivocados ou ilegais, da sentença divulgada em 12 de julho de 2017, pelo juiz Sérgio Moro.

O título da obra é inequívoco: não houve surpresa com a sentença em seu desfecho, diante da postura totalmente parcial do juiz, evidenciada em todas as fases do processo. A certeza da condenação era um fato. O que estava em jogo, portanto, era conhecer os fundamentos da peça final do processo, que não logrou apresentar nenhuma prova do cometimento dos crimes pelos quais o ex-presidente fora condenado.

Convidada pela organização, quando escrevi o artigo para o livro, resolvi trazer à luz uma das questões que mais me incomodaram no desfecho: o papel de José Aldemario Pinheiro Filho, executivo da empresa OAS, mais conhecido como Léo Pinheiro. Tratado como delator pela força-tarefa da operação Lava Jato, e tendo recebido benefícios de delator pelo juiz Sérgio Moro, ele não tinha, contudo, acordo assinado com o Ministério Público Federal, como exige o art. 4º, §§ 6º e 7º da Lei 12.850/2013, que regulamenta o instituto das delações premiadas.

Dois anos depois, precisamente no último dia 13 de setembro de 2019, com parecer contrário da então Procuradora-Geral da República Raquel Dodge, o ministro Edson Fachin homologou o acordo de delação premiada de Leo Pinheiro. Nesse caso, a situação dele se estabelece legalmente, e passa a ter os benefícios que a lei lhe confere. De igual modo, sua localização processual em relação aos demais no processo não é mais apenas de corréu.

Ao julgar, na quarta-feira (26) o Habeas Corpus 166373, impetrado pelo ex-gerente de empreendimentos da Petrobras, Márcio de Almeida Ferreira, condenado no âmbito da operação Lava Jato, o Supremo Tribunal Federal firmou a tese, por 7 votos a 3, de que que é direito dos delatados se manifestarem depois dos delatores nos autos. Com maioria formada, o presidente Dias Toffoli adiou a apresentação de seu voto para a próxima quarta-feira (02/10), para definir como a decisão será aplicada aos processos em andamento nas outras esferas do Poder Judiciário.

Não é de pouca relevância que o STF tenha, afinal, proferido uma decisão com vistas a anular uma agressão ao devido processo legal, praticada no âmbito da operação Lava Jato. Afinal, da divulgação de grampos ilegais envolvendo uma presidenta da República, a vazamentos de conteúdos sob sigilo em datas determinadas para obter resultado político, a investigação possui abundância em ilicitudes.

A questão das delações premiadas, contudo, é ainda mais profunda e complexa do que a obediência a um roteiro de oitiva sucessiva entre delatores e delatados.

O instituto, cuja criação serviria, em tese, para auxiliar o Estado na busca da verdade nas apurações sobre o funcionamento das organizações criminosas, onde o agente indica os caminhos a serem trilhados, em rastreio das provas que confirmarão seu depoimento, transmutou-se, com o uso indevido, em um  fim em si mesmo, realizado de forma vulgarizada e espetaculosa, com réus presos, sendo publicadas antes mesmo que qualquer prova seja apresentada, e sem qualquer cuidado com as regras do jogo democrático.

O reconhecimento do Supremo, na sessão plenária do dia 26 de setembro, importa no sentido de constatar o óbvio. Embora estejam formalmente no campo passivo da ação, réu delator e réu delatado estão, na prática, em posições processuais diversas. Ao primeiro não interessa sua defesa, uma vez que assumiu culpa e negociou benefícios, que vão da redução da pena até o perdão judicial. Seu interesse é tão somente fornecer informações, que possam levar à condenação do segundo.  O prazo comum viola, sem dúvida alguma, os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, garantias para os administrados e dever para todo e qualquer órgão, entidade ou agente público.

A delação premiada implica na renúncia ao direito ao silêncio. O acusado que, voluntariamente, colaborar com a investigação, poderá ter sua pena reduzida. Para tanto, não basta que mencione delitos que teriam sido cometidos por outras pessoas. É essencial que as informações prestadas sejam corroboradas com provas, para serem tidas por verdadeiras, e aptas para a comprovação dos atos apontados.

Nesse ponto, o passo seguinte de nossa Suprema Corte, com vistas a corrigir procedimentos distorcidos nas operações de investigação, das quais a Lava Jato é a hipótese emblemática, seria o reconhecimento de que a não confirmação, com dados evidentes, da palavra do delator, também gera a nulidade do acordo de colaboração, e de qualquer ato processual produzido com base no conteúdo de seu depoimento.

Não se trataria de reexame de provas, que não pode ser efetuada pelos tribunais superiores, mas de afirmação das regras postas na lei própria. Seria um passo importante para afirmação de um Judiciário comprometido com as regras processuais impostas pelo processo civilizatório, com punições dentro das regras processuais e com o respeito constitucional, não de exceção ou de transgressão, patrocinadas por personagens que se guiam por interesses particulares.

Por ora, estamos em vias de saber, com a conclusão do julgamento no plenário do STF na próxima quarta-feira (02), que limites e condições pretende o Tribunal impor ao seu próprio julgado. A modulação, prevista no art. 927, § 3º do Código de Processo Civil, é medida excepcional que, em regra, não se aplica ao habeas corpus, sendo presumível – pelo teor dos debates havidos – que a nulidade das sentenças seja decretada apenas quando as defesas tenham questionado a ordem das alegações finais, na primeira instância.

A rigor, após a homologação da delação de Leo Pinheiro, a decisão se amolda perfeitamente às duas condenações do ex-presidente Lula: a ação do apartamento do Guarujá e a do sitio de Atibaia. No entanto, não sendo Leo Pinheiro, ao tempo do julgamento, um delator, como poderia a defesa do ex-presidente Lula solicitar prazos sucessivos? Por outro lado, agora sido admitida sua condição real, impõe-se o reconhecimento da ilegalidade perpetrada.

Desse modo, ao se propor a modular efeitos ao reconhecimento do princípio constitucional violado, o Supremo pode assumir uma posição ambígua e oscilante para diversos casos concretos, postando-se como parte do problema e não de sua solução, correndo o risco de  transformar uma decisão muito importante em uma vitória de pirro para a racionalidade do Estado Democrático de Direito, pelo respeito ao seu regramento, ao deixar de reconhecer a violação ocorrida em hipóteses idênticas à do habeas corpus concedido.

Sendo essa a modulação feita, é necessário que o STF analise situações anômalas, como a do ex-presidente Lula no julgamento do Triplex, em que a defesa não poderia embargar decisão de prazo comum de um corréu, que somente se confirmaria delator dois anos após ter prestado depoimento, e cujas declarações foram consideradas nevrálgicas para a condenação, conforme consta na sentença de primeiro grau, o que a coloca no campo da nulidade apontada no julgamento proferido pela Corte, diante do prejuízo evidente.

*Tania Maria de Oliveira participa da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia



Sobre novos julgamentos de Lula, por Eugênio Aragão

Novos julgamentos de Lula não resolverão o imbróglio criado pela hipócrita turma dos novos convertidos ao #LulaLivre.
 A coluna de Mônica Bergamo, na Folha de São Paulo, notícia hoje que integrantes da velha equipe de Rodrigo Janot na Operação Lava Jato sugerem que, “para pacificar o país”, seria necessário julgar Lula novamente, considerando que pesam sobre Sérgio Moro e a turma do MPF em Curitiba fundadas razões de parcialidade ante as revelações do The Intercept Brasil.

Devemos lembrar, todavia, que suspeitas de ação política não pesam somente contra os procuradores e juízes de Curitiba. Parece que a fonte da colunista da Folha de São Paulo está, mais do que buscando a “pacificação”, tentando esquivar-se do julgamento histórico que a toda Operação Lava Jato atingirá, em Curitiba e no resto do Brasil.

Em Brasília, a atuação de Rodrigo Janot foi responsável pelo vendaval que derrubou a presidenta Dilma Rousseff, através de um golpe parlamentar. Foi o ex PGR que comandou o tempo do ataque e dos recuos no cenário político. Foi ele também, que fez vazar a delação de Delcidio do Amaral em plena crise, para dar um “empurrãozinho” no governo prestes a ser destituído por um vingativo Eduardo Cunha. E disse a mim, enquanto eu ocupava a cadeira de ministro da Justiça, que o vazamento saíra do gabinete do ministro Teori, exibindo, para isso, uma cópia da delação com marca d’água do STF. A delação de Delcídio serviu para acusar a presidenta Dilma de querer obstruir a justiça com a indicação do então desembargador federal Marcelo Navarro ao STJ, sendo que o próprio ex PGR pedira por essa indicação. Agora, talvez para se mostrar generoso, diz na mesma entrevista que revela ter tentado assassinar um ministro do Supremo e suicidar-se depois, que sempre achou Dilma honesta.

Depois, não satisfeito com a forma como Michel Temer lidava com a questão sucessória da PGR, quis também derrubá-lo, usando, para tanto, uma escuta ambiental de uma conversa entre Joesley Batista e o então presidente. A escuta fora plantada sem autorização judicial, sob orientação da equipe de Rodrigo Janot, ao que tudo indica. O objetivo era claro: vincular Michel Temer a suposto suborno de Eduardo Cunha para que este ficasse de boca fechada.

O estratagema não deu certo e o que veio à tona foi toda armação de projeto de delação premiada engendrado pelo auxiliar do ex PGR, Marcelo Miller, que, apesar de ainda não exonerado do cargo de procurador da República, já atuava articulado com um grande escritório de advocacia, mediante pagamento de honorários, para livrar Joesley da cadeia. E, segundo Miller, tudo com conhecimento do chefe de gabinete de Janot.

Em resumo, o comando da Operação Lava Jato agiu criminosamente. Prevaricou, chantageou e agiu com perfídia contra o governo constitucional. E seus atores, agora, querem “pacificar” o país, ao atribuir toda culpa pelo caos aos colegas de Curitiba e a Sérgio Moro, lambuzados pelas revelações do The Intercept Brasil.

Novos julgamentos de Lula não resolverão o imbróglio criado pela hipócrita turma dos novos convertidos ao #LulaLivre.

O ambiente midiático criado por esses maus procuradores contra a pessoa e a liderança política de Lula, com o escopo de retirá-lo da campanha presidencial, não permite uma revisão imparcial do julgamento. Os fatos que lhe foram atribuídos politiqueiramente já passaram pelo distorcido crivo da chamada “opinião pública” e qualquer julgador estará inexoravelmente submetido a intoleráveis pressões numa eventual revisão dos processos. Não há neutralidade possível diante da campanha de pré-julgamento calunioso que movimentou toda a sociedade. Não se pode depender do caráter fora do comum de um juiz raro que não se deixe influenciar pela balbúrdia. Juízes federais, lembre-se, fizeram abaixo-assinados em prol de Moro. Sua associação nacional se posicionou. E agora se acham capazes de promover um julgamento justo? É o coletivo de magistrados que se politizou nessas causas que está sob suspeita! E a contaminação pelo fúria linchadora atingiu todas as instâncias, porque todas coonestaram os abusos da operação, “olhando para as ruas”, como recomendava Joaquim Barbosa ao colega Gilmar Mendes num dos embates notórios entre “galos de briga togados”.

Já que até mesmo os operadores da Lava Jato do gabinete de Janot reconhecem as inúmeras injustiças cometidas nos processos contra Lula e se dizem prontos para “pacificar o país”, que tenham a coragem de reconhecer sua própria suspeição, como instituição persecutória, e, anuladas as decisões de Sérgio Moro e de sua sucessora Gabriela Hardt, postularem o arquivamento dos processos por absoluta inviabilidade da prestação jurisdicional imparcial. Qualquer outra solução não pacificará o Brasil e manterá no Ministério Público e no judiciário a pecha eterna da prevaricação politiqueira.



quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Brasil quebrado, uma questão ideológica, por Andre Motta Araujo

Assim, quanto mais cortes menos arrecadação, o que agrava a crise fiscal. O método clássico de combate à recessão é pela expansão da renda e não pela sua contração, é a receita consagrada por Keynes e por Schahct na década de 30.

Reprodução Facebook
Na grande imprensa brasileira não há contraponto ao credo neoliberal, os comentaristas repetem o coro de “O Brasil está quebrado” ou uma variante “Não há mais dinheiro, o Estado está quebrado”. Desde que se inventou o dinheiro de papel sem lastro não há Estado quebrado em sua própria moeda, que o diga os Estados Unidos que, em 1971 aboliu o lastro ouro que garantia o dólar, hoje moeda papel pura, sem lastro algum e com expansão de sua base ano a ano, seja em moeda papel seja em bônus do Tesouro, com isso garantindo a prosperidade relativa do País.

No Brasil falta moeda circulante, a economia está estagnada e, porque não se expande a base monetária, há enorme espaço para isso.

Quando a economia está em recessão, com 60 milhões de desempregados, subempregados, biqueiros, desalentados, isso significa, em qualquer manual básico de economia, que falta combustível para a máquina da economia funcionar e falta muito, a economia está estagnada há cinco anos.

E por que não se emite moeda, não se expande a base monetária? Por ideologia, crença de seita, não há outra razão.

MÉTODO DE EXPANSÃO

Como se pode expandir a base monetária? Um exemplo, há múltiplos, o BNDES começa a financiar obras de infraestrutura para tomadores públicos e privados. Para fazer funding para esse programa, emite BÔNUS DE INFRAESTRUTURA, taxa de juros SELIC, à razão de R$50 bilhões por mês, faz leilão no mercado. Não havendo compradores o BANCO CENTRAL compra o que não for vendido emitindo moeda. O volume de R$50 bilhões ao mês nem faz cócegas à inflação. Há 30% de capacidade ociosa no PIB brasileiro, as fábricas podem produzir imediatamente um terço a mais em um só turno, há enorme sobra de mão de obra disponível, inflação só dá sinais quando o estoque de mão de obra acaba e a capacidade ociosa se esgota.

Quanto aos títulos públicos, como em qualquer País do mundo, seus compradores obrigatórios são os bancos, que não tem como guardar sua liquidez a não ser em títulos públicos, não são títulos que competem no mercado, são papeis de encaixe de liquidez, moeda com juros, há muito espaço para aumentar a dívida pública.

MAIS CORTES, MENOS ARRECADAÇÃO

A política de cortes sucessivos nas despesas correntes, especialmente concentrada em serviços públicos para os mais pobres, produz quedas de receitas porque essas despesas são, no seu lado contrário, renda de alguém, por trabalho ou prestação de serviço, o que produz arrecadação direta ou indireta.

Assim, quanto mais cortes menos arrecadação, o que agrava a crise fiscal. O método clássico de combate à recessão é pela expansão da renda e não pela sua contração, é a receita consagrada por Keynes e por Schahct na década de 30. Custa a crer que o grupo de economistas que comanda a política econômica brasileira desde o Plano Real só conheça a fórmula ortodoxa. Dirão que nos governos do PT aplicou-se a receita keynesiana e provocou problemas.

O sucesso da receita não depende só dela, depende do bom cozinheiro, a receita keynesiana em mãos inábeis pode fazer desandar o prato.

Nos governos do PT houve fases de sucesso e outras não tanto por erros de operação e não de conceito. Por exemplo, o uso de recursos vultuosos do BNDES para a política de “Campeões Nacionais” foi um erro. Os recursos do BNDES foram usados para comprar empresas (caso JBS) e não para criar empregos ou construir infraestrutura, pior ainda, comprar empresas quebradas nos EUA. O que o Brasil ganharia com isso? Fortalecemos os EUA como nosso concorrente na exportação de carne, foi um grande erro e que não tem a lógica keynesiana.

A IDEOLOGIA DO AJUSTE FISCAL

A velhíssima ideologia do ajuste fiscal transformou a crise financeira de 1929 em Grande Depressão durante o Governo Hoover, que chegou até 1933 e perdeu, por isso mesmo, a reeleição para Franklin Roosevelt.  Herbert Hoover achava que, com cortes no orçamento, resolveria a crise, só a agravou ao máximo, levando o desemprego a 27% em 1933, da mesma  forma que o economista Heinrich Bruning, Chanceler da Alemanha antes  de Hitler elevou o desemprego a 40%, com a fórmula do ajuste fiscal, a mesma que hoje se aplica no Brasil.

Por trás da tese “o Brasil quebrou” está a noção pedestre muito usada pelos ajustistas de que “a economia de um País é como a de uma casa”, ideia que exposta por um economista deveria levar à cassação de seu diploma por ignorância absoluta. Um Estado arrecada impostos e pode emitir moeda, coisa que uma dona de casa não pode. Quando um Estado irriga a economia com gastos, ele recolhe de volta parte desses gastos como arrecadação porque os gastos retornam à economia como demanda e esta gera impostos. Da mesma forma, moeda injetada na economia provoca demanda e esta novamente gera impostos. O segredo está no MANEJO delicado e sensível desses mecanismos, em um processo de solta e aperta a ser operado diariamente com ajustes finos de estímulos e contrações, como Alan Greenspan fez por 20 anos à testa do Federal Reserve.

Delfim Neto também operava com um processo de ação e contração ajustado todos os dias e com isso o Brasil atingiu altas taxas de crescimento mesmo em meio a crises cambiais sérias. Indexação, tabelamento de preços, todos instrumentos de política econômica, NADA É SAGRADO EM ECONOMIA, deve-se operar com todos os instrumentos conhecidos, o que exige AGILIDADE MENTAL que os neoliberais de cartilha não têm. Eles seguem fórmulas fixas, o AJUSTE FISCAL é uma delas, a META DE INFLAÇÃO é outra, também CÂMBIO FLUTUANTE. A ideia é que sem isso não se atrai investimentos do exterior, MAS eles mantêm as amarras como quando não vem há muito tempo investimento do exterior, como em 2019. Quer dizer, pagamos todo o custo de manter um cenário atraente para o investidor externo e ele não vem, ao contrário, está indo embora.

O MITO DO PAÍS QUEBRADO

Um País com quase 400 bilhões de dólares de reservas internacionais, grande exportador de alimentos, com enormes ativos industriais e minerais, sólido sistema bancário, autossuficiente em petróleo e energia elétrica, como pode estar quebrado? Está sim, por crença ideológica. É como dizer que uma pessoa de ótima saúde, rija e forte, está derrubada por desanimo, um quadro mais psicológico do que físico. É o caso do Brasil.

O País tem todas as condições de prosperidade e está derrubado, derrotado, no chão, porque tem um governo que optou pelo caminho da recessão, da derrubada da economia produtiva, da pesquisa, da educação, tendo uma população jovem e sedenta de educação e trabalho. Está quebrado porque há uma ideologia de derrotismo que vem de longe, começa no Plano Real com o PROER, as privatizações, a entrega do Banco Central aos economistas de mercado a serviço dos banqueiros do rentismo. A partir do Plano Real se criou a DÍVIDA PÚBLICA FEDERAL, que não existia em 1994, era muito pequena e fracionada em algumas estatais, valia pouco e podia ser resgatada com grande deságio, a dívida escalou pela ortodoxia burra.

A LEI DO TETO DE GASTOS

Na marcha da insensatez na política econômica depressiva, uma Lei de Teto de Gastos, inédita no mundo por sua completa aberração lógica, contribui para o fracasso de qualquer ideia de crescimento econômico. Com a maior parte do orçamento federal comprometido legalmente com salários e previdência, o LIMITE DE GASTOS cai sobre as despesas não obrigatórias, já muito pequenas, que são exatamente as que atendem a população das faixas C, D e E.

Quer dizer, mantém por força de lei salários de 40, 50 ou 80 mil nas corporações dos três poderes e corta-se o remédio nos postos de saúde.

A LEI DO TETO DE GASTOS não oferece solução para gastos que compõe 93% do orçamento e joga todo o peso do ajuste nos 7% discricionários que são os de pesquisa, educação e saúde, voltados especialmente para os mais pobres. É uma Lei diabólica, além de insensata, concentradora de renda e até genocida, uma vez que fechamento ou neutralização de hospitais leva à morte de carentes que dependem do SUS para sobreviver.

Os gastos orçamentários devem sim ser controlados, mas no campo certo. Aluguéis do CNJ, viagens de Ministros do STM para a Grécia para participar de “seminários”, três bilhões por ano em passagens aéreas gastos pela União, há um oceano de DESPERDÍCIOS que continuam flutuando impávidos e que desconhecem qualquer teto de gastos. A Lei tem que ser revogada antes que o País se inviabilize como nação minimamente organizada.

Essa LEI DE TETO DE GASTOS é completamente IDEOLÓGICA, atende a uma fé cega na religião da ortodoxia econômica, na linha “um País é como uma casa de família”.

O AVISO DAS AGÊNCIAS DE RATING

A agência classificadora MOODY´S acaba de avisar que o Brasil está em observação para rebaixamento PORQUE NÃO CRESCE. Quer dizer, a “lição de casa” dos ortodoxos neoliberais do Plano Guedes não consegue agradar o mercado internacional, que já vem retirando mês a mês recursos da Bolsa brasileira, com sua Lei de Teto de Gastos, sucateamento da pesquisa, educação e saúde públicas, não está adiantando nada. ELES QUEREM VER O PAÍS CRESCER e,  para isso, a política é outra, não é essa sendo executada que já não convence o mundo fora do Brasil.

Enquanto isso o México, cuja orientação econômica é PRIMEIRO OS POBRES, está classificado TRES níveis acima do grau de investimento, com um governo de esquerda.

Uma política econômica nefasta, que agrava uma concentração de renda já historicamente péssima, ameaçando o sucateamento do Estado, dos programas mínimos de saúde e educação, das Forças Armadas, de uma INFRAESTRUTURA abandonada, tudo em nome de um louco” AJUSTE FISCAL” que desconstrói o País para atingir metas de tesouraria que tampouco melhoram o perfil do País nos mercados, uma política de fórmulas gastas aprendidas há 40 anos quando o mundo era outro. Nada disso está dando certo e o País caminha para o abismo por incompetência e mediocridade.