As posições adotadas nos primeiros 250
dias do governo pesselista tendem a produzir retaliações, tendem a produzir
derrotas, e deverão tornar o Brasil um país mais isolado.
*Por Cesar Calejon ǀ Artigos - GGN
Brazilian President Jair Bolsonaro arrives at Kansai airport in Izumisano city, Osaka prefecture, on June 27, 2019 ahead of the G20 Osaka Summit. (Photo by CHARLY TRIBALLEAU / AFP) |
Em menos de nove meses de governo
Bolsonaro, a Política Externa Brasileira, conhecida como PEB pelos
profissionais, acadêmicos e estudantes de Relações Internacionais, sofreu a
maior reviravolta da sua história desde a redemocratização do país e tornou-se
a Política Externa Bolsonarista, para a qual serve o mesmo acrônimo. Alguns
especialistas da disciplina arriscam dizer até que nem mesmo a ditadura militar
foi tão desastrosa na condução da PEB, a legítima, como a mais recente
administração federal do Brasil.
O Itamaraty, antes principal
formulador, foi relegado ao papel de observador/organizador, na melhor das
hipóteses, das decisões que são tomadas pelos núcleos mais fundamentalistas do
atual gabinete da gestão Bolsonaro e, atabalhoadamente, pelo próprio
presidente.
Durante apenas os três primeiros
trimestres de 2019, a PEB, bolsonarista, removeu a população LGBT da lista de
políticas e diretrizes destinadas à promoção dos Direitos Humanos do Governo
Federal do Brasil, retirou o país do Pacto de Migração da ONU, liberou a posse
de armas de fogo no território nacional e enfrentou a sua maior crise de imagem
e reputação global com os acentuados incêndios que consomem a floresta
amazônica.
Além disso, de forma absolutamente
gratuita e unilateral, derrubou a exigência de visto para os estadunidenses,
agrediu com ofensas de caráter pessoal a esposa do presidente francês, Brigitte
Macron, reivindicou a ditadura chilena de Pinochet ao atacar o pai de Michelle
Bachelet, Comissária dos Direitos Humanos das Nações Unidas, e deixou, em ato
de submissão sem precedente na nossa história, dois navios iranianos, o MV
Bavand e o MV Termeh, desabastecidos por quase cinqüenta dias no Porto de
Paranaguá, no Paraná: a Petrobras se negou a abastecer as embarcações, porque o
governo iraniano está sob sanções aplicadas pelos Estados Unidos.
Essas decisões sobre temas que lidam com
as questões do meio-ambiente, do multilateralismo e dos direitos humanos são
esdrúxulas. Os Estados Unidos suspenderam a participação na UNESCO, saíram do
Conselho de Direitos Humanos, saíram do Acordo de Paris, e a Política Externa
Bolsonarista quer imitar a agenda do Trump neste sentido. Contudo, o custo de
não honrar estes acordos é muito maior para o Brasil do que para os Estados
Unidos.
O Brasil construiu uma relação histórica
com a ONU e com o multilateralismo de forma geral que não pode ser simplesmente
abandonada por um determinado governo. Isso nos coloca um risco muito grande, que
tem a ver com a nossa reputação. “Esquecer que a gente depende do
multilateralismo para se projetar internacionalmente pode trazer um risco de
credibilidade real”, profetizou sensatamente Guilherme Casarões, doutor e
mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, em uma conversa
realizada ainda em novembro de 2018.
Além disso, agredir gratuitamente alguns
dos principais líderes da sociedade internacional não serve qualquer propósito
para a recuperação econômica do nosso mercado doméstico ou para avançar
interesses saudáveis pelo Brasil no exterior. Pelo contrário, este alinhamento
automático e serviçal à administração Trump que a Política Externa Bolsonarista
já demonstrou até aqui aponta ainda três outros pontos centrais da sua futura possível
atuação que merecem atenção: a integração regional da América do Sul e a
Venezuela, Israel e o mundo árabe e a China e o anticomunismo.
No que diz respeito à Venezuela, o
Brasil sempre zelou demais pelas relações regionais e sempre se orientou por um
conjunto de princípios, entre os quais está o princípio da não-intervenção e do
respeito à soberania dos Estados. É possível que a Política Externa
Bolsonarista tope ou ajude a organizar uma intervenção estadunidense na
Venezuela. Isso não precisa ser uma guerra aberta contra a Venezuela, mas pode
ser um porto naval, sanções econômicas etc. Existem certas ferramentas de
diplomacia econômica que podem ser usadas, o que contrariaria basicamente um
século de relações do Brasil com o nosso hemisfério.
A Venezuela era um dos principais
parceiros econômicos do Brasil e nós chegamos a superar a marca de cinco
bilhões de dólares de saldo positivo na balança comercial com os vizinhos
venezuelanos. Esse volume foi de R$ 5,13 bilhões, em 2008, para R$ 0,577, em
2018, de acordo com dados do Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento.
Outro ponto importantíssimo para os
rumos do Brasil na sociedade internacional durante os próximos quatro anos é a
relação do novo governo com Israel. Este é um tema particularmente arriscado,
porque se por um lado Bolsonaro joga para a plateia, por outro o mundo árabe
está de olho e disposto a começar a embargar as importações do Brasil, que
somam mais de US$ 20 bilhões em comércio com os países islâmicos. Ainda durante
a segunda semana do novo governo, no dia 11 de janeiro de 2019, a Liga Árabe
enviou uma carta por meio de um diplomata à gestão Bolsonaro. “O mundo árabe tem
muito respeito pelo Brasil e queremos não apenas manter as relações, mas também
melhorá-las e diversificá-las. Mas a intenção de transferir a embaixada para
Jerusalém pode prejudicá-las”, alertaram os árabes por meio desta
correspondência.
O último ponto de atenção é o caráter
anticomunista da Política Externa Bolsonarista. No dia 14 de janeiro de 2019,
uma comitiva com dez deputados federais eleitos pelo PSL embarcou para a China,
a convite do Partido Comunista Chinês. A Embaixada Chinesa no Brasil confirmou
que o convite foi feito pelo governo local. O saldo comercial (US$ 20,166
bilhões) e as exportações brasileiras para a China (US$ 47,488 bilhões)
atingiram o recorde histórico em 2017, impulsionados, principalmente, pela
demanda aquecida do país asiático, cuja economia expandiu mais do que o
esperado.
A China está reorganizando os
investimentos para o consumo interno, que era voltado para o comércio externo.
Cerca de 55% dos chineses (mais de 750 milhões de pessoas) vivem agora em áreas
urbanas, o que aponta uma continuidade de expansão da demanda interna.
Espera-se que, até 2030, 70% da população chinesa esteja vivendo em áreas
urbanas. Ou seja, a China é um mercado quase inesgotável e absolutamente vital
para os produtos brasileiros, caso agressões desnecessárias e retóricas
anticomunistas do século passado sejam evitadas pela atual gestão federal
brasileira.
Assim, o principal desafio deste novo
governo é entender que existem regras na sociedade internacional. Essas
posições adotadas nos primeiros 250 dias do governo pesselista tendem a
produzir retaliações, tendem a produzir derrotas, e deverão tornar o Brasil um
país mais isolado. Ou seja, o governo Bolsonaro adotou o discurso de que
antes havia muita ideologia, mas nunca houve tanta ideologia nas tomadas de
decisão de um governo como neste momento. Conforme sintetizou de forma
brilhante o coordenador do mestrado profissional em Gestão e Políticas Públicas
da FGV, Cláudio Gonçalves Couto: “é a ideologia se sobrepondo tanto ao
pragmatismo, quanto à lógica de funcionamento das instituições. Isso vale para
dentro e para fora. Acho difícil que isso não custe muito caro ao Brasil”,
concluiu o acadêmico.
*Cesar Calejon é jornalista com
especialização em Relações Internacionais pela Fundação Getúlio Vargas e
escritor, autor do livro A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI
Fonte: Publicado no Jornal GGN
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