Portanto, é preciso compreender que a única forma de combate à violência política passa necessariamente por uma reforma política que garanta a efetividade da participação feminina também nesse espaço de Poder, já que apenas países que possuem maior representatividade feminina se tornam países com democracias mais fortes, estabelecidas e maduras.
Não faz muito
tempo que as brasileiras puderam votar. A batalha pelo direito ao voto,
primeiro marco da participação feminina na política data de 1927 quando algumas
mulheres puderam escolher seus candidatos, mas tiveram seus votos anulados em
seguida pela então Comissão de Poderes do Senado.
Em 1932, por
sua vez, o voto feminino passou a ser permitido apenas para algumas mulheres:
as com autorização de seus maridos, as solteiras com renda ou as viúvas. O voto
universal e obrigatório para todas as mulheres só se tornou uma realidade em
1946.
De lá para cá
a participação feminina na política sempre ficou próxima de zero, até o advento
da primeira legislação eleitoral de cotas ser aprovada em 1995, reproduzida em
1997 e finalmente consolidada em 2009 quando só então se tornou obrigatória a
reserva de gênero no patamar de 30% de vagas para as candidaturas
proporcionais.
Torna-se
importante ressaltar, neste particular, que apesar da lei garantir textualmente
“reserva de gênero”, o que fatalmente constatamos é que a reserva se dá para o
gênero feminino já que são as mulheres aquelas a quem não são dadas as mesmas
condições na disputa eleitoral, comprovando a triste realidade de que o que era
para ser garantia de percentual mínimo, passou a ser patamar máximo, ou seja, o
tão conhecido teto de vidro, mas agora no viés da participação feminina na
política.
Portanto,
apenas com as alterações legislativas propositivas é que os índices de mulheres
eleitas nas esferas legislativas que girava em torno de 5% (eleições de 1994,
1998 e 2002), 10% (eleições de 2006, 2010, 2014 e 2016) saltou para 15%
(eleições de 2018).
Neste ainda
cenário de sub representação, o grande diferencial que contribuiu para o
crescimento de aproximadamente 50% de mulheres eleitas entre 2016 e 2018, se
deu justamente pela obrigatoriedade de se ampliar proporcionalmente às
candidaturas femininas o mesmo percentual de financiamento de campanha e a
aparição na propaganda eleitoral gratuita, o que se consubstancia na efetiva
visibilidade das candidatas, demonstrando assim que a disputa na narrativa
eleitoral é mais do que querem fazer crer alguns dirigentes partidários de que
falta interesse de mulheres para a política.
Entretanto,
mesmo com o aumento de eleitas, não é por acaso o Brasil ostenta a pior posição
na América Latina nos índices de participação feminina nestes espaços de Poder.
Não menos por acaso que atualmente ocupa a posição de número 133 no ranking de
representatividade feminina no parlamento segundo o relatório da ONU e da União
Interparlamentar (2019), ficando atrás de países como a Paquistão, Afeganistão
e Arábia Saudita, onde as mulheres conquistaram apenas no ano passado o direito
de dirigir.
Há que se
perquirir o motivo pelo qual as mulheres que são 52% da população brasileira, e
correspondem a 44% de mulheres filiadas a partidos políticos não se encontram
devidamente representadas nos Poderes Legislativos, e menos ainda nos Poderes
Executivos (são 13% nos Municípios e 3,84% nos Governos).
A resposta
infelizmente está estampada em nosso semblante nas inúmeras formas de violência
sofridas pelas mulheres deste país. Além de estarem expostas à violência
emocional, física, financeira, sexual, obstétrica e tantas outras violências
experimentadas diariamente por algumas mulheres, nos deparamos com a mais
velada delas: a violência política.
Essa
violência é sofrida nos mais diversos espectros da trajetória política: Seja
quando disputam espaço nos diretórios partidários (a esmagadora maioria deles
ainda são presididos por homens), quando se tornam candidatas (muitas não tem o
mesmo espaço ou investimento nas próprias campanhas enquanto outras são
completamente enganadas com a promessa de que serão prioridade eleitorais) e
finalmente quando são eleitas (o Senado, por exemplo, só instalou um banheiro
feminino no Plenário em 2016, apesar de desde 1979 uma senadora exercer seu
mandato).
Atualmente
essa violência também adquire uma nova roupagem com as candidaturas laranja,
onde mulheres são enganadas com a promessa de que terão apoio político e
financeiro na campanha eleitoral, enquanto outras sequer sabem que são
candidatas e não votam nelas mesmas (em 2016 quase quinze mil candidatas não
votaram em si próprias). O roteiro é sempre o mesmo: essas mulheres são usadas
apenas para comporem o percentual de reserva de gênero para o deferimento da
chapa, sendo posteriormente abandonadas.
E não
bastassem tais violências, ainda são rés em diversas ações propostas porquanto
a jurisprudência dominante entende que todos(as) os(as) candidatos(as) da chapa
devem constar no polo passivo da ação, ainda que não sejam as candidatas
laranja que se beneficiaram da fraude na cota de gênero. Assim, temos o
inimaginável: aquelas que são as verdadeiras vítimas de um processo eleitoral
fraudulento transformam-se em rés no sistema judicial brasileiro.
Surge assim
um novo ciclo de violência política.
Além disto, e
oscilando muitas vezes entre os micros e macros machismos as mulheres
experimentam mais uma forma de violência quando sofrem tentativas de
silenciamento, quando suas opiniões não são levadas em consideração, quando são
descreditadas, sexualizadas e finalmente mortas (Marielle Franco, por exemplo,
foi assassinada em virtude de seu mandato em 2018).
Os
agressores, por sua vez, de maneira velada e outras vezes declarada, temendo
que as mulheres tenham voz e voto, fazem questão de não compreender que a
participação feminina na política é um direito fundamental e que deve ser
priorizada em um país que está entre aqueles que mais mata mulheres em virtude
de gênero (Brasil ocupa o 5º lugar no ranking mundial de Feminicídio, segundo o
Alto Comissariado das Nações Unidas pra os Direitos Humanos – ACNUDH).
Enquanto a
igualdade de homens e mulheres no recorte eleitoral não for uma realidade, há
evidente necessidade de cotas eleitorais de candidaturas e/ou de representação
porquanto os pontos de partida e de chegada entre os gêneros não é
equânime.
Portanto, é
preciso compreender que a única forma de combate à violência política passa
necessariamente por uma reforma política que garanta a efetividade da
participação feminina também nesse espaço de Poder, já que apenas países que
possuem maior representatividade feminina se tornam países com democracias mais
fortes, estabelecidas e maduras.
*Maíra
Calidone Recchia Bayod é advogada e atual Secretária-Geral da
Comissão de Direito Eleitoral da OABSP.
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