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Painel Paulo Freire, obra de Luiz Carlos Cappellano.

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segunda-feira, 16 de setembro de 2019

FIESP e a tragédia das entidades patronais brasileiras, por Andre Motta Araujo

E resulta numa FARSA de representação porque todas essas entidades estão de um modo ou de outro a serviço do Governo de plantão, seja qual for, são ENTIDADES OFICIALISTAS e não de representação independente de seus associados e setores.

Banksy
O sistema de representação empresarial no Brasil vem do Estado Novo, como cópia da Câmara de Corporações do regime fascista de Benito Mussolini.

A cada setor de produção industrial e comercial corresponde um ÚNICO sindicato na sua base territorial, um do lado dos trabalhadores e outro do lado patronal. Esses sindicatos são a base da pirâmide, acima se liga às Federações, uma para cada setor em cada Estado, chegando ao cume da pirâmide com uma Confederação para a Indústria, no lado dos trabalhadores outra do mesmo tipo, a CNI.

É o mais puro modelo fascista, um sistema de Estado, e não muda PORQUE INTERESSA AO PODER NO BRASIL. O modelo, que também se reproduz no ESPORTE, vindo da mesma raiz mussoliniana, permanece ileso até nossos dias e resulta numa FARSA de representação porque todas essas entidades estão de um modo ou de outro a serviço do Governo de plantão, seja qual for, são ENTIDADES OFICIALISTAS e não de representação independente de seus associados e setores.

A FIESP

A maior e mais prestigiosa entidade patronal do Brasil, a FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DE SÃO PAULO, é anterior ao sistema do Estado Novo. Foi fundada em 1931 pela elite dos grandes industriais de São Paulo, à frente Francisco Matarazzo e Horácio Lafer, depois se acoplou ao modelo varguista que foi sistematizado pela CLT. É uma mega entidade cujo prestígio ultrapassa, em muito, o Estado de São Paulo, mas é vítima dos defeitos do sistema.

A CNI

No topo da indústria brasileira está a CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA, a CNI, a mais chapa branca das entidades patronais, comandada desde sua fundação mais por políticos do que por industriais, todos do Nordeste e de Minas Gerais, só teve um de São Paulo (Mario Amato), porque o sistema é de eleição de um voto a cada Estado, o voto da FIESP vale tanto quanto o da Federação das Indústrias do Acre, o que facilita o conchavo pela aglutinação de votos dos Estados pequenos que juntos formam a maioria, são os políticos que conseguem juntar esses votos e dominam o sistema.

Na base ocorre o mesmo mecanismo, na FIESP votam 133 sindicatos, 10 são expressivos, os demais são os chamados “sindicatos de gaveta” porque muitos tem sede na mesma sala, alguns tem três ou quatro empresas socias, ramos quase em extinção, como o de guarda chuvas, o de roupas brancas para senhoras, mas todos tem o mesmo peso de votação, juntando a maioria se elege o Presidente da FIESP, o modelo se repete pelo País.

COMO O MODELO SE SUSTENTA

O mecanismo econômico que mantém o sistema é baseado em duas fontes de financiamento: o Imposto Sindical, agora aguado pela reforma trabalhista, e a gestão do Sistema S, no caso da indústria o SESI e o SENAI, que tem fontes parafiscais de arrecadação própria, o mecanismo se repete no comércio, nos transportes e na agricultura, as entidades não precisam lutar pela arrecadação, ela é garantida por lei e é automática, cai na conta sem esforço.

A GOVERNANÇA VICIADA

O modelo estadonovista facilita e até conduz necessariamente ao CONCHAVO DE PATOTAS para a perpetuação no poder dentro das entidades.

Na CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO COMÉRCIO, Antonio de Oliveira Santos ficou 38 anos, quatro décadas no comando; na FEDERAÇÃO DA AGRICULTURA DO ESTADO DE SÃO PAULO, a mesma família controla há 45 anos; na FIESP E FIRJAN, as duas mais poderosas confederações, a Presidência que deveria ser de dois mandatos está atravessando a tradição (e o Estatuto) e está se perpetuando sabe-se lá até quando, misturando-se com a política.

Outro dado interessante é que, em frequentes situações, o Presidente da entidade NÃO É EMPRESÁRIO, embora aparente ser, ou porque vendeu a empresa ou porque nunca foi e finge que é. A política tem SÓLIDA INFILTRAÇÃO nas entidades. Desde o primeiro Presidente da CNI, o Deputado Federal mineiro Euvaldo Lodi, o presidente da FIESP se candidatou a Governador de SP, muitos políticos saíram ou passaram pelas entidades que sempre se colocaram dentro do campo do INTERESSE PESSOAL de seus dirigentes, muito acima do interesse do setor que representam.

No lado dos trabalhadores, mantém a tradição do controle das entidades por grupos que se perpetuam. Na Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria, o célebre José Calixto está na presidência desde 1984; na do Comércio, o Almeidinha também não larga o osso. O esquema desce até os sindicatos, onde presidentes ficam por décadas.

Mas os sindicatos dos trabalhadores são muito mais frágeis financeiramente porque não tem o Sistema S na retaguarda. E a Reforma Trabalhista desmontou a estrutura financeira dos sindicatos de empregados. Aliás, esse foi um dos seus objetivos. A registrar que a inoperância da CNTI, a confederação oficial dos operários, fez com que fossem criadas as “CENTRAIS” de trabalhadores, cúpulas fora do sistema CLT, sendo a maior a CUT – Central Única dos Trabalhadores.

A CRÍTICA AO SISTEMA

Por não ser de escolha voluntária e sim por mover-se dentro do quadro político oficial, as entidades patronais deixam de representar a essência dos problemas dos setores que deveriam defender e passam a servir a interesses e projetos pessoais de seus dirigentes.

Por necessidade, os empresários criaram as ASSOCIAÇÕES EMPRESARIAIS, de direito civil e fora da CLT, que tem mais liberdade e muitas vezes se movem em posição crítica ao Governo. Mas muitas estão acopladas aos Sindicatos oficiais, funcionam no mesmo endereço e acabam, por osmose, se contaminando de oficialismo e gosto pela adulação do Governo, qualquer governo, o que é de longe a maior tradição das entidades patronais.

A DESINDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA

O Brasil perdeu larga participação da indústria no PIB entre 1980 e 2019. A indústria era uma quarta parte do PIB, hoje não chega a um décimo.

Não se viu nas entidades patronais da indústria nenhum movimento expressivo na defesa do setor, como se estivessem em Marte, ocupados com sua própria burocracia e ligações com o Governo, com as carreiras políticas de seus dirigentes, muitos dos quais também funcionam como lobistas de empresas e projetos. É curioso que muitos ex-políticos, deputados que não se reelegeram, tenham empregos nessas entidades ou peçam empregos para apaniguados e são atendidos. As entidades gostam muito do cheiro do poder,  se inebriam com a proximidade dos palácios.

OS SISTEMAS AMERICANO, ALEMÃO E JAPONÊS

A representação patronal nos países ricos geralmente se dá por poderosas ENTIDADES VOLUNTÁRIAS. Nos EUA, a National Manufcturers Association, criada em 1895; na Alemanha, a Federação da Indústria Alemã, a BDI; e, no Japão, a KEINDANREIN, a Federação de Empresas do Japão. Nenhuma delas ligada ao Estado e todas muito agressivas na defesa da indústria, algo que nossas entidades têm horror a fazer, elas querem é agradar o Governo, qualquer um.

A REFORMA DO SISTEMA

Se dará pela ELEIÇÃO DIRETA do comando das entidades e pela sua manutenção por contribuição voluntaria.  O atual sistema interessa às cúpulas das entidades e interessa ao Governo, é a razão por que não muda, cabe à indústria e ao comércio e às novas gerações de empresários mudar o modelo viciado.

O atual sistema é inútil de alto a baixo, não se auto reforma, garante boa vida a famílias e compadres por gerações e não defende os setores.

A DEFESA DAS EMPRESAS, DOS SETORES E DOS EMPREGOS

Na maior e mais duradoura crise econômica do Brasil, com 22.300 fabricas e 270.000 lojas fechadas nos últimos dois anos, não se encontra na mídia maiores preocupações das entidades empresariais PORQUE A CRISE NEM TOCA NELAS, no conforto de suas cúpulas que anda de jatinhos, nos empregos para a família e compadres, na folgada situação de seus orçamentos, as entidades perderam sua função representativa e viraram um fim em si mesmas.

Minhas observações não são acadêmicas, convivi nas décadas de 70 e 80 dentro do modelo como diretor tesoureiro, segundo no comando depois do presidente, no maior sindicato patronal do País à época, cuja sede era no edifício da FIESP, que frequentei diariamente por 12 anos. No mesmo período, também fui dirigente da associação empresarial ligada ao sindicato, chefe do comitê de campanha de Mario Amato à FIESP. Posso escrever um livro sobre essa vivência e seus múltiplos episódios que fazem parte da história econômica brasileira, especialmente no período do regime de 1954.


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