Por Gustavo Macedo, doutorando em
Ciência Política pela USP, e Andrea Garcia, doutoranda em Ecologia Aplicada
pela USP
Setembro começou com um ataque contra a
ciência mundial. O governo brasileiro acaba de anunciar cortes adicionais nas
bolsas federais de pesquisa. Até agora, em 2019, 17.424 bolsas de fomento à
pesquisa foram cortadas, afetando todos os níveis do sistema educacional
nacional. O Brasil enfrentou contingências orçamentárias em governos
anteriores, mas nunca como parte de uma estratégia aberta contra a
credibilidade dos cientistas e de suas instituições.
Em 2019, também aprendemos que a ciência
entrou na longa lista de espécies ameaçadas de extinção em todo o mundo. Não é
por acaso que a Amazônia queima enquanto cientistas brasileiros são demitidos e
os financiamentos científicos são cortados.
O recente caso de demissão de Ricardo
Galvão como diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), um
pesquisador premiado internacionalmente, é outro exemplo dos dias sombrios que
os cientistas brasileiros estão enfrentando. Galvão foi demitido depois que o
Inpe publicou um relatório sobre o aumento alarmante do desmatamento da
Amazônia.
Impedir que novos cientistas se formem e
silenciar aqueles que estão fazendo seu trabalho é uma ameaça para décadas de
conhecimento reunido por instituições nacionais, resultando em consequências
globais devastadoras.
A proteção da Amazônia diz respeito a
nossa própria condição neste planeta. No entanto, grande parte da
responsabilidade pela proteção de um dos recursos naturais mais valiosos da
Terra está em um país.
A Amazônia se estende por nove países da
América do Sul, mas 60% dela está localizada dentro do território brasileiro.
Essa é uma das principais razões pelas quais todos os governos preocupados com
o futuro de seus cidadãos devem trabalhar em estreita colaboração com as
autoridades brasileiras. Isso também significa que declarações de interferência
internacional na soberania nacional brasileira podem não ser a melhor
estratégia para salvar nosso planeta de drásticas mudanças.
Se a Amazônia é tão importante para o
mundo inteiro, como os líderes do G7 reconheceram, políticos e cidadãos de
países desenvolvidos devem se opor a esses ataques e apoiar a comunidade
científica brasileira.
Os cientistas são mais do que técnicos.
E a maioria deles não conhece o poder que tem em suas mãos e como a diplomacia
científica pode ajudar a moldar o mundo em momentos cruciais como este. Os
cientistas são agentes políticos, que podem levar a humanidade à paz e ao
desenvolvimento – ou à sua devastação.
A diplomacia científica é possível
porque as comunidades científicas estão vinculadas pela busca comum do
conhecimento. Embora não sejam imunes às paixões humanas, os cientistas são
cidadãos altamente educados, treinados em línguas estrangeiras, habituados à
internacionalização, politicamente conscientes e ocupando posições de liderança
nos setores público e privado. Eles podem mobilizar recursos e redes através
das fronteiras e informar o debate público sobre questões urgentes, como sobre
como projetar paisagens sustentáveis, abraçando desenvolvimento e serviços
ecossistêmicos.
Além disso, todos os países compartilham
a responsabilidade de proteger a Amazônia, mas isso deve acontecer de acordo
com as regras de cooperação e com respeito às soberanias nacionais.
Não há nada de novo nisso. Mecanismos
internacionais que podem financiar pesquisas científicas que nos levam a uma
melhor compreensão da Amazônia – seus recursos, conservação e uso sustentável –
já estão definidos no Acordo de Paris de 2015, dentro da Convenção-Quadro das
Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC).
Ainda, os cientistas brasileiros têm
colaborado e liderado esforços internacionais para desenhar soluções de
mitigação e adaptação diante das mudanças locais e globais.
Um exemplo clássico é o Experimento de
Larga Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA), desenvolvido na década de
90 para descrever o papel da floresta amazônica e do seu desmatamento no clima
global. O LBA foi financiado pela Nasa, o Ministério da Ciência e Tecnologia do
Brasil e uma parte menor pelos países europeus – unindo 280 instituições em
todo o mundo, promovendo o conhecimento sobre o papel da floresta no clima.
Outro exemplo é o Fundo Amazônia. Uma
iniciativa de US $ 1,3 bilhão que investe em projetos destinados a prevenir,
monitorar e combater o desmatamento e apoiar o desenvolvimento sustentável na
Amazônia. É um mecanismo REDD+ projetado pelo governo brasileiro no qual os
países desenvolvidos captam recursos de acordo com os resultados alcançados
para evitar o desmatamento e promover o desenvolvimento sustentável. O fundo
apoiou inúmeras missões para controlar o desmatamento e o fogo, impulsionou
atividades produtivas sustentáveis para 162 mil pessoas e melhorou o
gerenciamento de 190 áreas protegidas. Também apoiou 465 publicações
científicas ou informativas produzidas por 368 pesquisadores e técnicos.
Estes são alguns dos inúmeros exemplos
de como a ciência e outros atores podem, intencionalmente ou não, gerar
sinergias. Os cientistas locais devem mobilizar suas redes para descobrir
oportunidades, trocar ideias, e convidar para a mesa seus governos locais e
representantes do setor privado.
Esse movimento deve ser promovido pelo
engajamento ativo de agências de financiamento transnacionais, redes
científicas e empresas de Pesquisa e Desenvolvimento interessadas em apoiar
pesquisadores nacionais – os guardiões do conhecimento nacional que, de outra
forma, serão perdidos.
Pressionar nossos governos, criar
subsídios para pesquisa e financiamentos em cooperação, ou simplesmente
compartilhar o local de fala com cientistas locais, são apenas alguns dos
passos que podemos tomar para promover a diplomacia científica para a Amazônia.
Fonte: Publicado no Jornal da USP
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