"Quando perdemos a capacidade de nos indignarmos com as atrocidades praticadas contra outros, perdemos também o direito de nos considerarmos seres humanos civilizados." ― Vladimir Herzog

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Painel Paulo Freire, obra de Luiz Carlos Cappellano.

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segunda-feira, 29 de abril de 2019

Bolsonaro é o produto tosco que a elite fabricou, por Fernando Brito

É preciso certa condescendência com Jair Bolsonaro, embora não a suficiente para absolvê-lo do fato de ser o executor de uma política de destruição do país, da mesma forma que não se pode achar que o pistoleiro é o grande culpado pela morte encomendada.

Bolsonaro, a rigor, foi o produto possível de um processo de destruição política do Brasil que pouco tem a ver com ele próprio.

Não passaria, em outras circunstâncias, de um apresentador de tevê  ou rádio vespertino, destes de programas onde se derramam hemorragias do “mundo cão”, ou de um policial-parlamentar de baixa extração, como tivemos aqui no Rio o “Sivuca”, o  delegado que veio da turma dos formadores do Esquadrão da Morte e criador, em 1986, do slogan “bandido bom é bandido morto”.

Seria impensável, nos 40 anos que nos separam de indicação do General João Figueiredo para a Presidência imaginarmos uma figura tão tosca à frente da Nação. E diga-se, sobre Figueiredo, que era grotesco e canhestro, mas não um imbecil.

Bolsonaro não chegou à presidência, portanto, por méritos políticos próprios e nem mesmo por uma conspiração militar. Os militares, à certa altura, apenas embarcaram na candidatura de um sujeito que, para eles, era um rastaquera, embora rastaquera seja também quem de rastaqueras se servem.

Bolsonaro é fruto de outra gestação, a da violação da democracia política pelas elites político-judicial-midiática deste país. De sua adesão à mixórdia do baixo-clero político que se sucedeu às duas derrotas eleitorais de 2006 e 2010 e ao fracasso de  sua última tentativa, já usando um escroque como Aécio Neves, de alcançar o poder pela via eleitoral.
Compôs-se com um golpe de estado que não poderia alcançar sua consumação senão pelo aparelhamento completo da Justiça e da mídia.

De tal forma, porém, exagerou na dose que despertou um primitivismo que, agora, empalmou o poder e, pior, tomou conta de parte expressiva da sociedade.

Não é que hoje a conservadorismo seja maior. Ele anda como sempre foi, ao longo da história , em torno de um terço dos brasileiros.

A diferença é que se tornou selvagem, agressivo.

A direita civilizada, parte legítima e natural do jogo político, tanto quanto a esquerda, está sem representação. Elevar Rodrigo Maia à condição de seu líder e porta-voz, dada a sua inexpressão, é a prova do seu aniquilamento.

Perdemos a estima mútua e a autoestima. O discurso dominante é o de aceitarmos nossa mediocridade, o de ajeitarmo-nos na pobreza e na exclusão, o de nos desfazermos de tudo o que temos e o de entregar o país ao “mercado” e aos investidores que vão nos remir, sabe deus quando, da miséria, embora jamais da pobreza.

Abdicamos  de um projeto de Nação, trocamo-lo por um desejo colonial.

Jair Bolsonaro é só o resultado do que a gente “de bem” deste país escolheu fazer dele para que continuasse a ser assim.

É o enterro de qualquer projeto de convivência harmônica no Brasil, já tão difícil dado o nosso nível de desigualdade.

A elite brasileira escolheu ter a cara de um monstro, e só esta.

Terá dificuldade de ser vista com outra aparência.




Bolsonaro e as Ciências Humanas, por Aldo Fornazieri

Movidos por ressentimentos e recalques, ele e seus milicianos ideológicos investem contra a cultura, contra a diversidade, contra os direitos, contra a intelectualidade, contra o conhecimento, contra a ciência e contra a arte.

No exercício recorrente da aventura da sua própria ignorância, Bolsonaro se especializou em causar um mal-estar cotidiano a amplos setores da sociedade brasileira. Somente os seus seguidores se comprazem com o grotesco ensandecimento dos ataques permanentes ao razoável, ao bom senso, à razão, ao comedimento, ao respeito, à responsabilidade é à própria dignidade do cargo presidencial.

Numa hora com seus filhos, noutra com o velho e o novo ministro da Educação, em terceira hora com o ministro das Relações Exteriores e, a todo momento com o tresloucado guru da Virgínia, Bolsonaro não se cansa em causar desconforto à opinião pública, em envergonhar o Brasil junto aos brasileiros e ao mundo. Movidos por ressentimentos e recalques, ele e seus milicianos ideológicos investem contra a cultura, contra a diversidade, contra os direitos, contra a intelectualidade, contra o conhecimento, contra a ciência e contra a arte.

Motivado por uma vontade de ditador – uma vontade absolutista – Bolsonaro quer submeter tudo aos seus desejos. Quer violar permanentemente as determinações da realidade, as mediações das instituições, os limites interpostos pelas leis, os direitos instituídos, a diversidade como forma da existência, a pluralidade da democracia e as intercorrências das contingências. No seu modo de pensar bruto e no seu agir grotesco, quer submeter tudo e todos à violência de suas decisões, aos desatinos de sua vontade. Investe contra o vice-presidente, contra ministros, contra o presidente da Câmara, contra as oposições, contra as maiorias e minorias sociais, contra a liberdade de imprensa, contra a publicidade que não lhe agrada e, agora, contra as Ciências Humanas e Sociais e contra a Filosofia.

Com seus ressentimentos fundados nos seus medos e fobias, ataca gays, grupos LGBT, negros, índios, mulheres, jovens, camponeses e pobres. É notável a fixação que Bolsonaro tem por gays e temas sexuais de um modo em geral. Chega a impressionar tanto a repulsa que nutre aos gays, quanto a profusão de suas metáforas ligadas a relações amorosas de casais quando quer se referir ao relacionamento dele com outras pessoas, mesmo se referindo a homens, a exemplo de Rodrigo Maia, Mourão ou Benjamin Netanyahu. Talvez haja alguma explicação freudiana em tudo isso. No fundo, o que parece odiar são as liberdades de escolha das pessoas.

O ataque de Bolsonaro e do seu ministro da Educação às Ciências Sociais e Humanas e à Filosofia expressa o mais profundo ressentimento à reflexão, ao raciocínio complexo e ao pensamento crítico. Não é por acaso que a dupla, assim como as mentes autoritárias e totalitárias em geral, alimentam repulsão à Filosofia e às Ciências Humanas. Como se sabe, movimentos autoritários e  totalitários se fundam na mentira e se sustentam no poder pela mentira, pela negação da realidade e pela projeção de uma realidade imaginária e arbitrária.

Os estudos clássicos de Theodor Adorno sobre o ressentimento da personalidade autoritária identifica na mesma os seguintes elementos: fixação obsessiva por valores conservadores e tradicionais; submissão cega e inconteste às lideranças; desejos e tendências de punir os outros, a alteridade e a diversidade; reações negativas a elementos subjetivos-reflexivos; projeção de pulsões ao mundo exterior (desejos de matar ou estuprar, por exemplo); obsessão por temas sexuais. Não é preciso fazer grandes pesquisas para identificar esses elementos no bolsonarismo.

Com Sócrates, Platão e Aristóteles, a Filosofia nasceu para interditar a arbitrariedade da linguagem discursiva e o ardil sofistico e mentiroso da opinião. O princípio da não-contradição das assertivas e o rigor lógico do método retórico estabeleceram um limite ao vale-tudo nas relações e nas afirmações humanas. São esses limites que Bolsonaro e os seus buscam violar com sua violência discursiva, com sua pós-verdade, com suas mentiras que serviram de instrumento da disputa eleitoral e servem de instrumento de governo.

Bolsonaro e seu ministro da Educação certamente desconhecem que a Filosofia é a mãe de todas as ciências e que a Filosofia, assim como as Ciências Sociais e Humanas continuam sendo essenciais para o desenvolvimento de todas as outras ciências – da Física à Biologia. Desconhecem que o mundo, a humanidade e as sociedades não avançam, não se desenvolvem orientadas por sentidos sem a reflexão crítica da Filosofia e das Ciências Sociais e Humanas.

Bolsonaro e seu ministro talvez sejam filhos diletos do caráter tosco do mundo moderno que deificou a técnica. Por isto, decidiram investir apenas nos cursos de caráter técnico. A técnica, que também é filha da Filosofia, tem um caráter limitado e surgiu para atender necessidades humanas. Por isto, a técnica nunca foi capaz e não será capaz de dar respostas razoáveis aos sentidos da existência humana. Se as religiões procuram suprir esta lacuna, elas mesmas têm um limite, pois a humanidade instrumentalizada pelas ciências e pela técnica, por paradoxal que possa parecer, requer respostas que nem uma e nem outra são capazes de fornecer. “Quem somos”, “de onde viemos” e “para onde vamos”, continuam ser questões essenciais e angustiantes para a humanidade. Novamente aqui, a Filosofia e as Ciências Sociais e Humanas, são chamadas a dar respostas e a fornecer aquilo que já havia sido anunciado por Platão: a Filosofia proporciona o uso do saber em proveito do homem.

Em grande medida, a crise do mundo moderno é a crise da capitulação aos meios, a crise da capitulação à técnica. O enfraquecimento da reflexão filosófica, sociológica, antropológica, política e histórica, por um lado, fez emergir legiões endemoniadas de pastores e bispos que arrecadam bilhões de dólares tangendo pobres e desesperançados. Por outro, perdeu-se a capacidade de refletir e agir segundo fins, proporcionando a morte dos sentidos éticos das sociedades. Refletir e agir segundo fins estava na origem das sociedades políticas e da Filosofia Política e tinham sido estabelecidas como exigências maiores da ação política por Aristóteles, São Tomás de Aquino, Maquiavel e tantos outros.

A perda de capacidade de dotação de sentidos para a existência humana e para as sociedades em particular mergulha o mundo em crises sem saída e em grandes riscos como os da pobreza, os da desigualdade, os das injustiça, os das migrações, os das epidemias, os de novas guerras e, principalmente, o grande risco ambiental que é um risco que afeta as próprias condições de existência da humanidade.

A incapacidade de construção de sentidos faz com que a humanidade tenha perdido a consciência de seu destino trágico. Com isso, perdeu-se também a consciência de que a tarefa da humanidade na Terra consiste em completar a incompletude do mundo fazendo uso da reflexão, do conhecimento, da ciência e da técnica. Agir apenas segundo os meios, segundo a técnica, como querem os arautos da nova direita, significa optar por uma “infinitude má” e não pela universalidade boa, fundada nos Direitos do Homem. Submeter-se às soluções técnicas, desprovidas de reflexão crítica e orientadora, significa aceitar que as sociedades e a humanidade caminham cegamente num presente caótico desprovido de futuro, fechado em si mesmo. A técnica, por ser um meio e por limitar-se a funções instrumentais, precisa ser presidida pelo pensamento e pela reflexão crítica para não tornar-se mera potência do poder de dominação e de ganho dos mais fortes como é hoje.

Não por acaso, Bolsonaro, os seus e a nova direita atacam os Direitos Humanos em nome de um nacionalismo vazio de conteúdo, em nome de um xenofobismo perverso e desumano. A Declaração dos Direitos do Homem, surgida no final do século XVIII e sua ratificação no pós-Segunda Guerra, foi um marco decisivo para a perspectiva de humanização da humanidade e para a universalização da liberdade e igualdade. Este marco significou que o Homem, através dos seus consensos fundados nos direitos, e não em Deus, nos costumes, nas supostas leis históricas ou na vontade arbitrária de ditadores e tiranos são os fundamentos das leis humanas.

Não é por acaso que Bolsonaro e os seus odeiam os Direitos Humanos. Os Direitos Humanos são instrumentos de libertação das camadas oprimidas da tutela dos grupos privilegiados das sociedades. Eles são instrumentos de contenção do arbítrio e da violência dos poderosos. Eles são instrumentos das lutas por liberdade, igualdade e justiça, valores inarredáveis para o desenvolvimento da perspectiva de uma universalizante boa das sociedades e da humanidade.

*Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).




“A EJA não tem lugar no MEC atualmente”, afirma Sonia Couto

'Com a extinção da secretaria responsável pela EJA, o fim do organismo participativo da agenda e a interrupção da distribuição de materiais didáticos, modalidade é abandonada pelo Governo Federal'

Créditos: EBC
Os primeiros meses de governo Bolsonaro registraram várias incertezas para a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Já no dia 2 de janeiro, ao nomear a equipe do Ministério da Educação, o presidente dissolveu a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI).

O órgão era responsável não apenas pela modalidade de EJA em específico, como também por outras modalidades cujos sujeitos, frequentemente, são também estudantes da EJA, como a Educação do Campo e a Educação nas Prisões.

Em seu lugar, foram criadas duas novas secretarias: a Secretaria de Alfabetização e a Secretaria de Modalidades Especializadas da Educação. No decreto que as instituiu, entretanto, não há nenhuma diretoria específica dedicada à modalidade.

As estratégias e princípios da EJA tampouco aparecem no desenho atual da Política Nacional de Alfabetização. Meta dos 100 dias de governo assinada em 11 de abril, o documento tem uma única menção à Educação de Jovens e Adultos: o desenvolvimento de materiais didático- pedagógicos.

O Programa Nacional do Livro Didático (EJA), entretanto, teve sua última distribuição de livros em 2016: é o que afirma Luiz Alves Junior, diretor presidente da Global Editora, única editora no Brasil que atende estudantes de EJA no Ensino Médio.

“Temos um universo grande, de milhões de estudantes que estão marginalizados pelo governo. De jovens e adultos que não têm material para dar continuidade aos estudos, não têm acesso ao material didático há 3 anos. Este é o maior crime com estas pessoas. Eu considero isso uma tremenda traição a este povo. A preocupação da editora é colher neste momento alguma informação do governo sobre a continuidade da atenção à EJA. O próprio MEC não tem ninguém respondendo até o momento como coordenação de EJA”, relata.

Ainda agravando a conjuntura, a Comissão Nacional de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos (CNAEJA), que reunia representantes de movimentos sociais e da sociedade civil para assessorar a política de EJA no MEC, foi extinta no início de abril por um decreto federal que modificou o Sistema Nacional de Participação Social.

Diante deste cenário de incertezas, o especial Educação em Disputa: 100 dias de Bolsonaro ouviu três especialistas no assunto:

Roberto Catelli Jr., pesquisador da EJA, doutor em educação pela Universidade de São Paulo (USP) e coordenador executivo da Ação Educativa

Sonia Couto Feitosa, doutora em educação pela Universidade de São Paulo (USP), professora aposentada da Rede Municipal de Educação de São Paulo e diretora do Instituto Paulo Freire

Miguel Arcanjo Caetano, representante do Fórum EJA na Comissão Nacional de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos (CNAEJA/SECADI/MEC)

Para começar, você poderia fazer um breve panorama sobre a escolaridade de jovens e adultos no Brasil atual?

Roberto Catelli: Sabemos que cerca da metade dos brasileiros com 15 anos ou mais não concluiu o Ensino Fundamental no Brasil. É uma dívida social enorme. Temos cerca de 3 milhões de matrículas e cerca de somente metade dessas pessoas concluindo um período letivo. Falta investimento do Estado na modalidade, que é marginal no país. Tem o menor orçamento e pouco se investe na formação de educadores, metodologias e criação de escolas apropriadas para jovens e adultos.

Sonia Couto: A maioria é composta por pessoas que não conseguiram se alfabetizar na infância. Algumas tiveram uma passagem pela escola, mas não conseguiram dar continuidade por questões financeiras. É um público bastante diverso na sua faixa etária. É também diverso na questão étnica, tem indígenas e quilombolas. Temos, principalmente, pessoas de origem pobre. Pessoas do campo. Muitas mulheres. Adultos que não conseguiram terminar sua escolaridade. Alguns nunca chegaram a iniciar, outros começaram, mas tiveram que largar. São mais de 12 milhões de brasileiros.

Miguel Caetano: O Brasil tem uma população em torno 25 milhões de jovens entre 15 e 29 anos ou mais de idade que não frequentam a escola e que não têm o Ensino Fundamental completo. O número de estudantes matriculados na modalidade EJA é mais de 3,7 milhões de pessoas. (INEP/MEC,2017). Da população com 15 anos ou mais de idade, há uma estimativa de 11,5 milhões de analfabetas [7,%]. (PNAD/IBGE,2017). Dito isto, é óbvio que o ideal seria fomentar polÍticas públicas para superar o analfabetismo no Brasil, compreendendo que a ação alfabetizadora deve oportunizar a continuidade dos estudos em turmas de Educação de Jovens e Adultos. Pois, do contrário, todo esforço feito a partir de 2003 com o PBA –Programa Brasil Alfabetizado seria inócuo.

O que é imprescindível para uma boa política de EJA?

Catelli: É importante levar em conta a diversidade de seus sujeitos, propondo modelos educativos que contemplem a heterogeneidade e não simplesmente um padrão homogêneo que não atende aos diversos sujeitos: idosos, jovens, trabalhadores urbanos e rurais, jovens em liberdade assistida, encarcerados e um grande conjunto de pessoas que. por diversas razões, foram excluídas da escola.

Além disso, é necessário investir em currículos adequados, criação de espaços educativos de fácil acesso para estes jovens e adultos e lançar mão de um conjunto de políticas intersetoriais que possam promover a permanência desses sujeitos nesse espaço educativo.

Couto: Primeiro, vontade política de conhecer a EJA como direito, não favor ou caridade. Pensar que essas pessoas tiveram esse direito negado, há uma dívida social com elas. É imprescindível o reconhecimento de que essas pessoas têm direito de ler e escrever, de ter acesso à tecnologia, de ter conhecimentos matemáticos, de conhecer seu território, de saber as questões sociais que permeiam sua vida. Segundo, o financiamento. São duas coisas que andam juntas. Por mais que se tenha boa vontade, não se faz política sem recurso. E a EJA sempre foi privada disso. Teve menor índice de investimento.

Às vezes, os políticos entendem a educação como gasto. Mas ela tem que ter uma centralidade e, por isto, precisa de recursos adequados. Aliado a tudo isto tem uma questão social de que muitas escolas não querem ofertar a EJA. Estados e municípios precisam ter incentivo para ofertá-la. Como nos recursos do FUNDEB os percentuais para outras modalidades são maiores, as escolas acabam valorizando outras modalidades.

Caetano: A EJA necessita de muitas ações políticas para que esta modalidade cumpra seu papel social e resgate o direito à escolarização desta população que foi abandonada pelo estado. Isto exigirá, de gestores e gestoras e dos governos, compressão de que a adoção de uma política pública específica para estes sujeitos não se constrói de forma solitária, mas com a participação da sociedade como um todo, de modo a superar formas veladas, sutis e/ou explícitas de exploração e exclusão, das quais a desigualdade se vale. Para isso, será preciso revisitar os documentos já construídos por todos os movimentos que orbitam em torno da modalidade.

Quais ações, programas e políticas desenvolvidas para a EJA foram implementadas nos últimos anos? Como funcionavam?

Catelli: Tivemos o Programa Brasil Alfabetizado no campo da alfabetização, programas específicos para a população do campo, como o Saberes do Campo, o Projovem e também o PROEJA, que aliou a formação escolar com a profissional. Elas conseguiram atingir públicos específicos com diferentes perfis, mas não chegaram a ter o alcance que poderiam para fazer com que o país avance no processo de escolarização de jovens e adultos.

Couto: No começo do século passado, a preocupação com a EJA era inexistente. Só a partir de 1947 houve um dos primeiros programas que se dedicaram a jovens, adultos e adolescentes. Como outros programas, ocorreu em caráter de campanha. O grande problema que atinge a EJA é que os programas federais não são pautados em uma política, e sim em caráter de campanha, de assistencialismo. Procuram dar respostas imediatas a um problema que é secular e que precisa de uma política centrada em sua resolução.

Tivemos o sistema Paulo Freire, que foi um divisor de águas nessa questão da educação para adultos. Com a saída de Paulo Freire, o Mobral perpetuou até 1985. Foi então fundada a Fundação Educar, gerida pelo governo federal para apoiar as Secretarias na EJA. Aqui em São Paulo, esse trabalho não era desenvolvido pela Secretaria de Educação, mas pela de Bem Estar Social. Então a EJA estava deslocada de seu âmbito, que deveria ser a educação. Depois, com Collor, houve o Programa Nacional Alfabetização e Cidadania (PNAC), seguido pelo Alfabetização Solidária (PAS) do Fernando Henrique. E, desde 2003, temos o Programa Brasil Alfabetizado (PBA).

Todos eles têm caráter de repasse de recursos, não existe uma definição, um alinhamento metodológico. Há uma parceria feita com instituições que se incumbem de fazer o acompanhamento, dar formação, mas cada uma com sua linha metodológica. Então acontece de acordo com os interesses de quem está desenvolvendo. Não existe política nacional que amarre tudo isso.

Caetano:

1 – O Programa Brasil Alfabetizado – PBA : que possui uma flexibilidade para atender uma diversidade regional e de público em um país com as dimensões do Brasil. Contempla várias metodologias e práticas. Teve seu início em 2003 sem garantir a continuidade da escolarização.

2 – Em 2012, após muita luta dos movimentos sociais, a Resolução/CD/FNDE nº 48, de 2 de outubro de 2012, editada para garantir a abertura de novas turmas de EJA com auxílio do governo federal.

3 – Proeja FIC: Associar cursos de qualificação profissional (FIC) a turmas de EJA (Ensino Médio ou Fundamental) novas ou em desenvolvimento

4 – Proeja Técnico: Articular EJA e cursos técnicos, nas formas integrada e concomitante

5 – Pronatec EJA: Matrículas de EJA (ensinos fundamental e médio) articulada à Educação Profissional

E hoje, que ações, programas e políticas têm sido desenvolvidos?

Catelli: Vivemos hoje uma grande crise, não temos clareza sobre os destinos do programa de alfabetização, o Projovem foi extinto e o programas para o campo vem sendo descontinuados. Nem mesmo material didático para a modalidade está sendo distribuído pelo governo. Não há programas ou propostas no nível federal desde, pelo menos, 2016.

Couto: O PBA ainda está sendo ofertado, mas com uma redução absurda. Para se ter uma ideia, em 2013/2014, o PBA atendeu mais de 1 milhão de pessoas. Em 2014, 7961 mil. Hoje, apenas 250. Ou seja, menos de ¼ do que se atendia.

E a população de pessoas não alfabetizadas não diminui. Porque além da oferta para alfabetização ser pequena, não há continuidade. As pessoas aprendem a ler e escrever e não conseguem vagas para seguir sua escolarização. Então, entram em um processo de esquecimento. Chegam a aprender algo, mas com o tempo esquecem. O processo tem que ser contínuo. Terminou a alfabetização, segue ao Fundamental e então ao Médio. Mas, infelizmente, as portas se fecham a cada dia.

Eu dei aula na rede pública por 31 anos. E vi como a escola acaba criando estratégias para não fazer essa oferta. Por exemplo, o aluno chegava perguntando se tinha vaga. Se falava que não. Mas para a Secretaria se falava que não havia demanda. Então, há uma demanda invisibilizada e a falsa ausência de demanda justifica o fechamento da EJA.

Caetano: A partir de 2017, o retrocesso tem acabado com tudo que conseguimos construir a duras penas no MEC, inclusive permitindo, com sua omissão, o fechamento indiscriminado de turmas de EJA em todo brasil e, agora em 2019, com as indefinições no ministério e o fim da SECADI, a secretaria que se propunha ao menos ouvir os reclames dos movimentos sociais, ficamos órfãos de vez.

Quem está cuidando da EJA no MEC hoje?

Catelli: Até 2018 havia a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), uma secretaria dedicada ao tema da diversidade. Com a posse de Bolsonaro, um dos primeiros atos do governo foi extinguir a SECADI. Ao que se sabe, decretou-se também o fim da política de EJA no governo federal. Embora ela tenha sido alocada formalmente na Secretaria de Educação Básica (SEB), não há diretoria ou coordenação responsável pela EJA. Ela existe só no papel, não há programa, gestor, proposta para a modalidade. O programa de alfabetização também só se refere às crianças. É trágico, considerando nossa enorme dívida social no campo da educação.

Couto: Com a extinção da SECADI, que era a secretaria em que a EJA estava abrigada, foram criadas a SEMESP e a Secretaria de Alfabetização. Então a gente percebe que há um não lugar da EJA. A EJA não tem lugar dentro do MEC atualmente. Se o cenário está complicado para as modalidades que sempre tiveram prestígio, imagina para a EJA, que não tinha prestígio social.

A gente ainda tem alguma coisa de PRONATEC, em parceria com o Sistema S, mais voltado ao Ensino Técnico. Em São Paulo, tem o Movimento de Alfabetização de Adultos (MOVA). Mas, em nível federal, apenas o PBA.

Lastimo muito que vários órgãos de participação popular tenham sido extintos, entre eles a Comissão Nacional de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos (CNAEJA), que era uma comissão que eu e o Catelli fazíamos parte, composta por diferentes segmentos, e que tinha por responsabilidade assessorar o Ministro da Educação no estabelecimento de uma política pública para a EJA. Mesmo em governos mais progressistas era uma missão difícil, mas tínhamos um momento de escuta. Íamos até o MEC, ouvíamos as propostas, falávamos das nossas pautas.

Construímos um documento de Política Nacional de EJA, que delineava quais os pontos e diretrizes necessárias para a melhoria da qualidade da EJA no Brasil. Com a extinção desse órgão, nem este momento de escuta existe mais. Nem nós sabemos como se está pensando a política, nem o MEC ouvirá nossas demandas e pautas. Infelizmente, essa ausência de diálogo vai comprometer muito a qualidade e a oferta de EJA no Brasil.

Caetano: De janeiro para cá fomos jogados no vento, não sabemos nem se ainda existimos na estrutura do MEC, pois o mesmo não se pronuncia oficialmente.

Silêncio institucional

O especial tentou contato com o Ministério da Educação e enviou à assessoria de imprensa do órgão alguns pedidos de esclarecimento sobre a política para a modalidade. Até hoje, entretanto, não houve resposta. As informações solicitadas foram:

– Após a dissolução da SECADI, as atribuições da Educação de Jovens e Adultos (EJA) migraram, formalmente, para a Secretaria de Educação Básica (SEB). No organograma do Ministério da Educação (MEC) disponível no site do governo federal, entretanto, não há nenhuma diretoria ou profissional dedicado exclusivamente à modalidade. Quem é atualmente responsável pela EJA? Em que diretoria a modalidade está alocada?

– Que ações, programas e políticas serão realizadas para esta modalidade?

– No site do Ministério, não há nenhuma informação recente sobre o Programa Brasil Alfabetizado. Qual é a perspectiva para o programa?

– O PNLD EJA desde o ano passado não distribui livros. Ele será descontinuado?




Importância da sociologia e filosofia para a sociedade, por Válber Almeida


'O que leva Bolsonaro e seu ministro da educação a cometer este crime contra a sociedade e a economia? Desconhecimento e despreparo'
Sociologia e Filosofia não dão retorno social e econômico para a sociedade?



Precisamos esclarecer que é exatamente o inverso. Sociologia e Filosofia foram as áreas que mais deram e dão retorno social para as sociedades.

Começa pelo fato de que os estudos sociológicos e filosóficos foram centrais na montagem dos arranjos institucionais jurídicos e políticos que garantiram a integração e a coesão social das sociedades modernas.

Tais arranjos deram uma face mais humana ao capitalismo, sem a qual tais sociedades teriam se desintegrado em lutas de classe.

Os estudos sociológicos e filosóficos estão na base do desenvolvimento dos direitos políticos, sociais e trabalhistas; nas políticas de redução das desigualdades sociais e educacionais, de distribuição de riqueza, bem-estar social, ampliação das oportunidades sociais e qualidade de vida nas sociedades capitalistas centrais.

Também embasaram tanto as lutas por direitos, cidadania, bem-estar e dignidade quanto os arranjos político-institucionais que daí resultaram, os quais constituíram fantásticas tecnologias de promoção civilizatória, de transformação do capitalismo numa força histórica civilizadora.

Sem a fundamentação científica e a crítica emancipatória do conhecimento filosófico e sociológico, o conhecimento e as tecnologias desenvolvidos em outras áreas continuariam como meras mercadorias raras, caras e seriam ainda mais inacessíveis às amplas parcelas precarizadas da sociedade.

O retorno social destas duas áreas de conhecimento, portanto, é fantástico. Mas o retorno econômico também.

Especificamente no caso da Sociologia, minha área, vou dar dois exemplos práticos… Na área da saúde, a Sociologia está presente numa disciplina que em algumas universidades é chamada Abordagem Socioantropológica da Saúde.

Este ramo especializado das Ciências Sociais é responsável pelos avanços mais importantes na área da higienização e epidemiologia, assim como pelos programas de saúde preventiva, formação de equipes multidisciplinares e interdisciplinares, e, ainda, pelo desenvolvimento dos sistemas públicos de saúde.

Parte do princípio de que a saúde e a doença se explicam não somente por fatores naturais, biológicos e físicos, mas por um arranjo sistemático de variáveis ambientais naturais, sociais, políticas, culturais e econômicas. No Brasil, consolidou-se na abordagem da Saúde Coletiva e resultou no SUS.

São bilhões que os governos e as sociedades economizam com estes programas e estes trabalhos em equipe. Além disso, eleva a eficiência da prevenção, do diagnóstico e do tratamento, o que também significa economia de tempo e recursos.

Outra, nas grandes empresas é cada vez mais requisitada a presença de Sociólogos, na medida em que os Investimentos Sociais Privados (ISPs) voltados para alcançar a Licença Social para Operar (LSO) são entendidos como uma ação preventiva, a qual antecipa e reduz perdas decorrentes de conflitos sociais.

Os casos de Brumadinho e Mariana são exemplares. A Vale S.A. está aprendendo a duras penas o custo econômico da negligência socioambiental e a importância de tratar estas áreas como fator de eficiência também econômica para a empresa.

Nos trens da empresa, cada paralisação decorrente de intervenções comunitárias em suas ferrovias pode gerar milhões de prejuízos por hora.

Portanto, tanto na esfera pública quanto empresarial, é imenso o retorno econômico da aplicação da Sociologia.

Então, o que leva Bolsonaro e seu ministro da educação a cometer este crime contra a sociedade e a economia? Desconhecimento? Sim! Despreparo? Sim!

Mas, é preciso entender também a tentativa de invisibilizar a concentração ainda maior da riqueza da nação na parte minoritária dos super ricos que suas medidas econômicas deverão produzir.

É, também, um passo a mais rumo a um governo de terror, o qual tem entre suas marcas históricas a perseguição ao pensamento social científico e emancipatório, que tem na Sociologia e na Filosofia seus quartéis generais.

Por fim, a busca de consolidar um governo que só se sustenta sobre a disseminação de mentiras e fantasias: proíbe-se a divulgação de dados sobre suas reformas, ao mesmo tempo em que proíbe o conhecimento crítico…

É a barbárie abrindo caminho, pedindo passagem, à galope!

*Válber Almeida – Sociólogo; Doutor em Sociologia; Pós-Doutor em Socioeconomia e Sustentabilidade.