Movidos por
ressentimentos e recalques, ele e seus milicianos ideológicos investem contra a
cultura, contra a diversidade, contra os direitos, contra a intelectualidade,
contra o conhecimento, contra a ciência e contra a arte.
No exercício
recorrente da aventura da sua própria ignorância, Bolsonaro se especializou em
causar um mal-estar cotidiano a amplos setores da sociedade brasileira. Somente
os seus seguidores se comprazem com o grotesco ensandecimento dos ataques
permanentes ao razoável, ao bom senso, à razão, ao comedimento, ao respeito, à
responsabilidade é à própria dignidade do cargo presidencial.
Numa hora com
seus filhos, noutra com o velho e o novo ministro da Educação, em terceira hora
com o ministro das Relações Exteriores e, a todo momento com o tresloucado guru
da Virgínia, Bolsonaro não se cansa em causar desconforto à opinião pública, em
envergonhar o Brasil junto aos brasileiros e ao mundo. Movidos por
ressentimentos e recalques, ele e seus milicianos ideológicos investem contra a
cultura, contra a diversidade, contra os direitos, contra a intelectualidade,
contra o conhecimento, contra a ciência e contra a arte.
Motivado por uma
vontade de ditador – uma vontade absolutista – Bolsonaro quer submeter tudo aos
seus desejos. Quer violar permanentemente as determinações da realidade, as
mediações das instituições, os limites interpostos pelas leis, os direitos
instituídos, a diversidade como forma da existência, a pluralidade da
democracia e as intercorrências das contingências. No seu modo de pensar bruto
e no seu agir grotesco, quer submeter tudo e todos à violência de suas
decisões, aos desatinos de sua vontade. Investe contra o vice-presidente,
contra ministros, contra o presidente da Câmara, contra as oposições, contra as
maiorias e minorias sociais, contra a liberdade de imprensa, contra a
publicidade que não lhe agrada e, agora, contra as Ciências Humanas e Sociais e
contra a Filosofia.
Com seus
ressentimentos fundados nos seus medos e fobias, ataca gays, grupos LGBT,
negros, índios, mulheres, jovens, camponeses e pobres. É notável a fixação que
Bolsonaro tem por gays e temas sexuais de um modo em geral. Chega a
impressionar tanto a repulsa que nutre aos gays, quanto a profusão de suas
metáforas ligadas a relações amorosas de casais quando quer se referir ao
relacionamento dele com outras pessoas, mesmo se referindo a homens, a exemplo
de Rodrigo Maia, Mourão ou Benjamin Netanyahu. Talvez haja alguma explicação
freudiana em tudo isso. No fundo, o que parece odiar são as liberdades de
escolha das pessoas.
O ataque de
Bolsonaro e do seu ministro da Educação às Ciências Sociais e Humanas e à
Filosofia expressa o mais profundo ressentimento à reflexão, ao raciocínio
complexo e ao pensamento crítico. Não é por acaso que a dupla, assim como as
mentes autoritárias e totalitárias em geral, alimentam repulsão à Filosofia e
às Ciências Humanas. Como se sabe, movimentos autoritários e totalitários
se fundam na mentira e se sustentam no poder pela mentira, pela negação da
realidade e pela projeção de uma realidade imaginária e arbitrária.
Os estudos
clássicos de Theodor Adorno sobre o ressentimento da personalidade autoritária
identifica na mesma os seguintes elementos: fixação obsessiva por valores
conservadores e tradicionais; submissão cega e inconteste às lideranças;
desejos e tendências de punir os outros, a alteridade e a diversidade; reações
negativas a elementos subjetivos-reflexivos; projeção de pulsões ao mundo
exterior (desejos de matar ou estuprar, por exemplo); obsessão por temas
sexuais. Não é preciso fazer grandes pesquisas para identificar esses elementos
no bolsonarismo.
Com Sócrates,
Platão e Aristóteles, a Filosofia nasceu para interditar a arbitrariedade da
linguagem discursiva e o ardil sofistico e mentiroso da opinião. O princípio da
não-contradição das assertivas e o rigor lógico do método retórico
estabeleceram um limite ao vale-tudo nas relações e nas afirmações humanas. São
esses limites que Bolsonaro e os seus buscam violar com sua violência
discursiva, com sua pós-verdade, com suas mentiras que serviram de instrumento
da disputa eleitoral e servem de instrumento de governo.
Bolsonaro e seu
ministro da Educação certamente desconhecem que a Filosofia é a mãe de todas as
ciências e que a Filosofia, assim como as Ciências Sociais e Humanas continuam
sendo essenciais para o desenvolvimento de todas as outras ciências – da Física
à Biologia. Desconhecem que o mundo, a humanidade e as sociedades não avançam,
não se desenvolvem orientadas por sentidos sem a reflexão crítica da Filosofia
e das Ciências Sociais e Humanas.
Bolsonaro e seu
ministro talvez sejam filhos diletos do caráter tosco do mundo moderno que
deificou a técnica. Por isto, decidiram investir apenas nos cursos de caráter
técnico. A técnica, que também é filha da Filosofia, tem um caráter limitado e
surgiu para atender necessidades humanas. Por isto, a técnica nunca foi capaz e
não será capaz de dar respostas razoáveis aos sentidos da existência humana. Se
as religiões procuram suprir esta lacuna, elas mesmas têm um limite, pois a
humanidade instrumentalizada pelas ciências e pela técnica, por paradoxal que
possa parecer, requer respostas que nem uma e nem outra são capazes de
fornecer. “Quem somos”, “de onde viemos” e “para onde vamos”, continuam ser
questões essenciais e angustiantes para a humanidade. Novamente aqui, a
Filosofia e as Ciências Sociais e Humanas, são chamadas a dar respostas e a
fornecer aquilo que já havia sido anunciado por Platão: a Filosofia proporciona
o uso do saber em proveito do homem.
Em grande
medida, a crise do mundo moderno é a crise da capitulação aos meios, a crise da
capitulação à técnica. O enfraquecimento da reflexão filosófica, sociológica,
antropológica, política e histórica, por um lado, fez emergir legiões
endemoniadas de pastores e bispos que arrecadam bilhões de dólares tangendo
pobres e desesperançados. Por outro, perdeu-se a capacidade de refletir e agir
segundo fins, proporcionando a morte dos sentidos éticos das sociedades.
Refletir e agir segundo fins estava na origem das sociedades políticas e da
Filosofia Política e tinham sido estabelecidas como exigências maiores da ação
política por Aristóteles, São Tomás de Aquino, Maquiavel e tantos outros.
A perda de
capacidade de dotação de sentidos para a existência humana e para as sociedades
em particular mergulha o mundo em crises sem saída e em grandes riscos como os
da pobreza, os da desigualdade, os das injustiça, os das migrações, os das
epidemias, os de novas guerras e, principalmente, o grande risco ambiental que
é um risco que afeta as próprias condições de existência da humanidade.
A incapacidade
de construção de sentidos faz com que a humanidade tenha perdido a consciência
de seu destino trágico. Com isso, perdeu-se também a consciência de que a
tarefa da humanidade na Terra consiste em completar a incompletude do mundo
fazendo uso da reflexão, do conhecimento, da ciência e da técnica. Agir apenas
segundo os meios, segundo a técnica, como querem os arautos da nova direita,
significa optar por uma “infinitude má” e não pela universalidade boa, fundada
nos Direitos do Homem. Submeter-se às soluções técnicas, desprovidas de reflexão
crítica e orientadora, significa aceitar que as sociedades e a humanidade
caminham cegamente num presente caótico desprovido de futuro, fechado em si
mesmo. A técnica, por ser um meio e por limitar-se a funções instrumentais,
precisa ser presidida pelo pensamento e pela reflexão crítica para não
tornar-se mera potência do poder de dominação e de ganho dos mais fortes como é
hoje.
Não por acaso,
Bolsonaro, os seus e a nova direita atacam os Direitos Humanos em nome de um
nacionalismo vazio de conteúdo, em nome de um xenofobismo perverso e desumano.
A Declaração dos Direitos do Homem, surgida no final do século XVIII e sua
ratificação no pós-Segunda Guerra, foi um marco decisivo para a perspectiva de
humanização da humanidade e para a universalização da liberdade e igualdade.
Este marco significou que o Homem, através dos seus consensos fundados nos
direitos, e não em Deus, nos costumes, nas supostas leis históricas ou na
vontade arbitrária de ditadores e tiranos são os fundamentos das leis humanas.
Não é por acaso
que Bolsonaro e os seus odeiam os Direitos Humanos. Os Direitos Humanos são
instrumentos de libertação das camadas oprimidas da tutela dos grupos
privilegiados das sociedades. Eles são instrumentos de contenção do arbítrio e
da violência dos poderosos. Eles são instrumentos das lutas por liberdade,
igualdade e justiça, valores inarredáveis para o desenvolvimento da perspectiva
de uma universalizante boa das sociedades e da humanidade.
*Aldo Fornazieri
– Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).