'Taxa de assassinatos femininos por
disparos aumentou em 17 das 27 unidades da federação entre 2006 e 2016, revela
o Observatório da Mulher contra a Violência do Senado'
Por Eliane Barros
Uma mulher participa de um protesto contra a violência machista, na cidade do México, em fevereiro deste ano. PEDRO PARDO (AFP) |
A taxa de mortes de mulheres por
armas de fogo (homicídios e suicídios) no Brasil caiu em 2,4% entre 2006 e
2016. Embora pareça trazer uma boa notícia, a redução da violência letal contra
mulheres com emprego de arma de fogo, esse número
esconde uma situação preocupante: em 17 das 27 unidades federativas foi
registrado aumento das taxas de homicídios de mulheres por armas de fogo no
período analisado. Esse é o resultado do levantamento realizado pelo Observatório da Mulher contra a
Violência (OMV), do Senado Federal, a pedido da Agência Patrícia Galvão.
Além de revelar uma grave disparidade
regional nos registros desses assassinatos
de mulheres, o resultado chama a atenção para a importância da
análise de dados para orientar decisões relacionadas aos processos de formulação,
implementação, avaliação e aprimoramento de políticas públicas.
No caso analisado pelo OMV, quatro
dos cinco Estados mais populosos do Brasil apresentaram uma considerável
redução na taxa de mortes de mulheres por armas de fogo, seja em razão de
homicídios ou de suicídios, entre 2006 e 2016. A queda dessas taxas em São
Paulo (-59,2%), Rio de Janeiro (-41,3%), Minas Gerais (-26,5%) e Paraná
(-32,2%) ajuda a explicar a redução na ordem de -2,4% do número de mortes por
armas de fogo por 100 mil mulheres no Brasil no período considerado. Contudo,
esse dado esconde que a maioria dos Estados apresentou um aumento alarmante
desses índices. Em Estados como Acre (+524,1%), Maranhão (+182,2%), Ceará
(+165,2%), Rio Grande do Norte (+155,5%) e Roraima (+110,6%)
verificou-se que a taxa de mortes de mulheres por armas de fogo em 2016 mais do
que dobrou na comparação com 2006.
Mais armas, mais feminicídios
A análise desses dados ganha
relevância no debate em torno das possíveis consequências de políticas públicas
voltadas à segurança das mulheres. O Governo do presidente Jair
Bolsonaro tem, por exemplo, na política
de flexibilização da posse de armas de fogo um dos pilares para
dar maior segurança à população. Coletivos feministas têm alertado para o risco
de um aumento do assassinato e suicídio de mulheres em um contexto de violência
doméstica e familiar, conforme mostra a campanha
#ArmadasDeInformação.
Isso porque, em geral, o autor do
homicídio no contexto de violência
doméstica é o companheiro da vítima. O coordenador do
Observatório da Mulher contra a Violência do Senado, Henrique Ribeiro,
manifesta preocupação de que “o acesso à arma de fogo poderia levar a um
aumento no número de suicídios de mulheres em razão de sofrerem violência
doméstica”. Ele lembra que um estudo publicado em 2016 pelo Ministério da Saúde
já apontou que mulheres identificadas como em situação de violência pelos
serviços de saúde apresentaram 29 vezes mais chances de serem vítimas de
assassinato ou de cometerem suicídio em comparação com a população feminina em
geral.
Dados de fontes seguras
sistematizados em séries históricas têm ajudado a dimensionar o fenômeno
da violência
machista. Segundo Henrique Ribeiro, no caso das mortes de mulheres
por armas de fogo, por exemplo, “a análise de informações em nível de
município, ou mesmo de bairro, por exemplo, poderiam ajudar o poder público a
evitar um maior número dessas mortes”.
Embora estejam sendo produzidas
cada vez mais pesquisas que reúnem evidências importantes sobre a urgência e
gravidade da violência de
gênero, a subnotificação, ou seja, as vítimas que não denunciam casos
de violência por medo ou vergonha, é apontada como um dos desafios a serem
superados para abordar políticas públicas eficientes. A disseminação de uma
cultura de dados abertos é visto como um fator fundamental que órgãos públicos
podem facilitar nesse sentido.
Conteúdo produzido pela agência de
notícias do Instituto
Patrícia Galvão, uma organização feminista que atua nos campos dos
direitos das mulheres e da comunicação desde 2001.
INFORMAÇÃO CONTRA A VIOLÊNCIA
O levantamento realizado pelo
Observatório da Mulher contra a Violência, a pedido da Agência Patrícia
Galvão, é apenas um exemplo simples de como a análise de dados pode ser
útil ao desenvolvimento de ações governamentais mais efetivas. Na verdade,
quanto mais informações puderem ser consideradas na análise, maiores as chances
de se desenharem melhores ações.
Em março de 2019, o OMV lançou
o Painel de Violência contra
as Mulheres, uma ferramenta de consulta que sistematiza dados
oficiais de homicídios, notificações de violência doméstica pelos serviços de
saúde, ocorrências policiais e processos judiciais relacionados a casos de
violência contra mulheres no Brasil e em cada estado nos últimos anos.
Nesse mesmo sentido, o Instituto
Patrícia Galvão e o Instituto Avon lançaram em 2018 a plataforma digital Violência
contra as Mulheres em Dados, que reúne pesquisas e dados recentes
sobre a violência de gênero no Brasil, com foco na violência doméstica, sexual
e online, no feminicídio e na intersecção com o racismo e a LGBTTfobia.
Fonte: Publicado
no EL PAÍS Brasil
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