Por Erick Morais
Carl Jung disse certa vez que “Todos nós
nascemos originais e morremos cópias”. Ao analisar a frase de Jung à luz da
contemporaneidade, poderíamos encontrar um enorme problema, uma vez que vivemos
em um mundo regido sumariamente pela liberdade. Isto é, o fundamento maior da
nossa sociedade é a liberdade, que se ramifica em diversos aspectos, desde o
econômico até o comportamental. Entretanto, se olharmos com profundidade,
perceberemos que essa estrutura de mundo “livre” existe tão somente no plano
teórico e, assim, somos só reprodutores da ordem vigente ou simplesmente
cópias, como argumenta Jung.
Obviamente, a nossa cosmovisão sofre
influências externas, esse é um processo natural. Da mesma maneira que a vida
em sociedade necessita de regras a fim de manter o convívio social dentro de
certos limites éticos. Sendo assim, pensar no exercício da liberdade como algo
ilimitado é impossível, já que todas as coisas possuem o seu contraponto e
limitações. Apesar disso, a existência de pontos limitadores não implica a
inexistência da liberdade e o condicionamento irrestrito a valores passados por
uma ordem “superior”.
Todavia, é isso que tem acontecido,
temos sido escravizados ou, lembrando o João Neto Pitta, “colonizados pelo
pensamento alheio”. E pior, por uma ideologia extremamente nociva para nós
enquanto seres humanos. Fomos reduzidos a estatística, na qual somos divididos
entres os condicionados e os condicionáveis. Ou seja, não existe nessa
estrutura a concepção de um ser livre, que exerce a capacidade de raciocínio e
afeto para discernir sobre o que quer e deseja. Todos são domesticáveis em
potencial.
Esse controle é feito por meio da
conversão à sociedade de consumo e seus valores fundamentais, que reduz tudo a
um valor mercadológico precário, rotativo e obsoleto. A mídia com todos os seus
tentáculos está a serviço do grande capital, que não visa outra coisa a não ser
a conversão de mais pessoas, contemplando o deus consumo em seu templo maior:
os shoppings centers. Lugar de alegria, satisfação, preenchimento de vazios e
liberdade irrestrita, pelo menos teoricamente ou midiaticamente. Mas, em um
mundo regido também pelas aparências, pelo espetáculo, o importante não é o que
é, e sim, o que aparenta ser, sobretudo, aos olhos dos outros.
Aliás, nesse esquema, não basta ter, é
necessário parecer que tenha, expor, mostrar, iludir, ganhar aplausos, tapinhas
nas costas, sorrisos falsos e olhar invejosos. Em outras palavras, é preciso
confessar ao mundo que você é um vencedor, que é um bom filho de “Deus”, que é
recompensado por seguir os seus preceitos, ir ao seu templo e contemplá-lo 24
horas por dia. E existem ferramentas muito úteis para isso, as redes sociais
que o digam.
Toda essa teatralidade da vida
cotidiana, montada com cortinas que nunca se fecham, é apresentada como verdade
e nós — com nossa psique altamente fragilizada — a compramos com extrema
facilidade. Para os mais duros na queda, nada que mil repetições não sejam
capazes de construir, afinal, como disse Joseph Goebbels, ministro da
propaganda na Alemanha Nazista: “Uma mentira repetida mil vezes torna-se
verdade”.
Apesar disso, a grande maioria de nós
não está revoltada com a sua condição, pelo contrário, aceitamos o jugo de bom
grado. Ou pior, o buscamos. É claro que não possuímos o domínio das relações de
força na sociedade, não controlamos as leis, o sistema jurídico, tampouco, a
mídia. Somos “apenas” espectadores vorazes de uma batalha desigual e opressora.
Entretanto, será que não há o que ser feito? Será que não existem alguns pontos
de luz que tentam nos iluminar? Eu sei o quanto é difícil se libertar e quão
alto é o preço que se paga pela liberdade. Mas de que adianta ter o conforto de
uma vida “segura”, se é por meio dessa “segurança” que a servidão e os males
decorrentes desta se tornam possíveis?
Como disse Rosa Luxemburgo: “Quem não se
movimenta, não sente as correntes que o prendem”. É preciso, então, se
movimentar, correr, gesticular, falar, até que o som das correntes seja
insuportável e nós consigamos despertar de um sonho ridículo que apresenta um
espetáculo celestial em meio a um inferno cercado de grades manchadas com
sangue, suor e sofrimento. Se uma mente que se abre jamais volta ao tamanho
original, a que se liberta jamais aceita retornar à prisão; porque por mais que
as condições sejam adversas, o princípio da autonomia está dentro de nós,
quando decidimos romper o medo de abrir os olhos e passamos a enxergar. Sendo
assim, o cárcere não é criado do lado de fora, é criado do lado de dentro, já
que a chave que prende é a mesma que liberta, pois não existe pior prisão do
que uma mente fechada.
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