Por Roseli Garcia
Sala de aula |
A educação continua sob ataques de grupos fundamentalistas, capitaneados
por evangélicos, que querem evitar que seus filhos tenham contato com a
diversidade e com as discussões políticas de diferentes matizes, proporcionadas
pelo acesso à escola tradicional.
Definir regras que permitam o ensino domiciliar no Brasil é a nova batalha
que será travada na Câmara dos Deputados, com a participação do governo de Jair
Bolsonaro que encaminhou ao Congresso Nacional um projeto de lei sobre o tema.
Em 2018, foi travada uma guerra na Câmara para evitar a aprovação do
Escola sem Partido, sob um pretexto de doutrinação ideológica, mas que
representava um retrocesso à liberdade de cátedra.
A digital fundamentalista é tão
clara que a proposta do governo foi elaborada pela pastora e ministra da
Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, e não pelo Ministério
da Educação. A proposta exige projeto pedagógico dos pais e avaliação anual do
MEC.
Defensores da educação pública preparam argumentos para mostrar aos
parlamentares que só a convivência nas unidades de ensino pode transformar os
estudantes em cidadãos.
E eles já garantiram uma vitória: o governo decidiu enviar a proposta ao
Congresso por meio de projeto de lei e não por medida provisória – que tem
força de lei – como previsto inicialmente.
O ensino em casa será restrito à elite e considerado segregacionista num
país com desigualdades profundas como o Brasil.
“É um abandono de uma função do Estado pelo governo Bolsonaro, que será
relegada às famílias, que já estão pressionadas em obter renda com o alto
índice de desemprego”, alerta o coordenador-geral da Campanha Nacional pelo
Direito à Educação, Daniel Cara.
Ele adianta que a proposta tem por objetivo também a criação de mercado
para as instituições de educação a distância.
Segundo a Constituição, a responsabilidade pela educação cabe ao Estado,
aos pais e ainda à sociedade. Não há previsão de ensino domiciliar, mas alguns
pais retiram seus filhos da escola, correndo o risco de serem processados pelo
crime de abandono intelectual.
Por essa razão, eles insistem na votação pelo Congresso de uma lei que
regulamente o tema.
“A educação domiciliar como processo pedagógico é um equívoco, avessa à
modernidade e não disfarça o elitismo do atual governo”, afirma a deputada
federal Margarida Salomão (PT-MG), pesquisadora, escritora e professora
universitária.
Representa um extraordinário retrocesso na concepção da educação
brasileira que reconhece o papel da sociedade na formação do cidadão,
acrescenta.
Em sua opinião, a proposta é uma forma de aprendizagem restritiva e
equivocada, pois estudos mostram que a capacidade cognitiva se desenvolve com
os diferentes.
Daniel Cara usa argumentos semelhantes aos da deputada Margarida para
defender a educação nos estabelecimentos de ensino: “A proposta de educação
domiciliar é negativa para a população brasileira, porque agride a
Constituição que determina que a missão da educação é o pleno desenvolvimento
da pessoa e seu preparo para o mundo do trabalho, ou seja, é impossível
garantir essas duas premissas, a preparação do exercício da cidadania, sem a
convivência com professores e com outras pessoas”.
A educação domiciliar contraria, segundo o coordenador da Campanha pelo
Direito à Educação, um princípio fundamental que é tratar a escola pública como
a principal instituição de uma república.
Tratar a escola pública como principal instituição do Brasil. Ele
acredita também que a possibilidade de ensino em casa vai acirrar a segregação
social no país.
“A escola é um espaço de desconstrução do ódio. É claro que tem algumas
escolas em que professores ou membros da comunidade escolar propagam ódio, mas
são minorias”, observa Cara. Na escola existe um debate aberto e nele se
constrói a percepção de sociedade. A educação domiciliar é isolacionista e vai
fazer com que o núcleo familiar seja a única fonte de referência para a
criança.
A deputada e professora Rosa Neide Sandes (PT-MT), ex-secretária estadual
de Educação e única mulher eleita para a Câmara dos Deputados por Mato Grosso,
diz que a educação domiciliar impede as crianças de conviverem com as
diferenças e de se socializarem.
“O Brasil não tem essa cultura e o Bolsonaro está tentando atender
promessa de campanha feita a um determinado grupo”. Ela também defende que a
educação é um dever do Estado e das famílias, mas principalmente do Estado.
“Famílias com padrão de vida elevado querem separar os filhos do contato
com outras pessoas, mas a vida não é assim, na vida você está envolvido com
todos”, afirma a parlamentar. Rosa Neide destaca ainda a importância da escola
na formação de cidadania, do caráter, dos princípios éticos e dos valores.
A deputada acrescenta que à família não é negada a complementaridade da
educação de seus filhos. “Tem pais que dominam línguas, artistas, músicos,
intelectuais que podem complementar a educação de seus filhos. Mas a
aprendizagem acadêmica e de relações humanas deve acontecer nas escolas
formais”.
O papel da escola é fundamental e precisa ser bastante discutido. “Temos
um universo de 48 milhões de estudantes enquanto a educação domiciliar pode
atender a um pequeno segmento”.
As famílias interessadas nessa modalidade de ensino criaram a Associação
Nacional de Educação Domiciliar (Anad) para representar seus interesses.
Segundo a entidade, 5 mil famílias praticam a educação domiciliar.
Entre os objetivos, enumera a preservação das convicções morais,
religiosas e ideológicas das famílias, e a má qualidade da educação e eventos
de violência.
Além da Anad, a Associação Brasileira de Educação a Distância defende o
ensino domiciliar, segundo Daniel Cara, para formação de mercado.
Propostas sobre o assunto não são novidades na Câmara dos Deputados. Entre
1994 e 2008, cinco projetos de lei sobre o tema foram rejeitados na Comissão de
Educação. Em fevereiro de 2019, o deputado federal Alan Rick (DEM-AC), pastor
evangélico e apresentador de TV, solicitou à Mesa da Câmara o desarquivamento
de seu projeto de educação domiciliar.
O grupo tem pressa. A proposta recebeu parecer favorável da deputada e
professora Dorinha Rezende (DEM-GO) na Comissão da Educação. Ela havia
apresentado relatório favorável ao projeto de outro deputado, Lincoln Portela
(PR-MG), na legislatura passada.
A modalidade de ensino familiar ocorre nos EUA e em alguns países da
Europa. É proibida na Espanha, Alemanha e Suécia.
A
Constituição Federal
Seção I, que
trata da Educação:
Art.
205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.
Art.
206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I –
igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
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