Mercado e seus porta-vozes apostam as fichas na reforma previdenciária, que, porém, não tem poder para reanimar a economia exangue. Juntando-se insatisfação social e inoperância das instituições, há o cenário propício para saídas autoritárias
O mercado financeiro, assim como analistas independentes, vai ajustando
para baixo, a cada semana, suas previsões para o crescimento do PIB em 2019.
Começam a surgir as primeiras previsões de crescimento anual abaixo de 1%, e é
quase uma unanimidade que houve retração no primeiro trimestre. Naturalmente, é
cedo ainda para afirmações, mas os indícios são de que teremos mais um ano de
crescimento decepcionante, se não houver mesmo um novo recuo do PIB, como
vivenciamos em 2015 e 2016.
Esse cenário de prolongada estagnação tem evidentes reflexos sobre o emprego
e a renda, fazendo com que seja muito difícil que haja qualquer recuperação
alavancada pelo consumo das famílias. Mesmo os ainda empregados tendem a ser
mais cautelosos, por receio do desemprego. Decisões de consumo são adiadas,
sempre que possível, em favor de uma redução do endividamento ou do reforço das
reservas pessoais.
A falta de crescimento econômico também impacta diretamente na
arrecadação de tributos. A situação fiscal, quer da União, quer dos entes
subnacionais, já deteriorada, vai se agravando ainda mais. Os gastos
obrigatórios do governo não são facilmente compressíveis, sendo que os gastos
previdenciários, com ou sem a aprovação da reforma tal qual proposta pelo
governo, continuarão crescendo nos próximos anos. Assim, não é difícil prever
que, dadas as limitações impostas pelo teto constitucional, os gastos
discricionários, como os investimentos – que já estão em um patamar
historicamente baixo – continuarão sendo deprimidos.
O comércio exterior vem dando mostras de retração desde o início do ano.
Segundo dados do MDIC, o saldo comercial do ano, até a segunda semana de abril,
está 9,2% menor que o do mesmo período no ano passado, com os mesmos 71 dias
úteis. Às “caneladas” na política exterior do presidente da república e seus
exóticos chanceleres – o de jure e
o de facto – adicionam-se o cenário de guerra
comercial entre as duas grandes potências, os colapsos das economias
venezuelana e argentina – dois de nossos grandes compradores no passado recente
– e o baixo crescimento da zona do euro, entre outras questões. O quadro não
permite qualquer previsão otimista, muito pelo contrário.
Mesmo com o empenho do governo Temer – que aparentemente o governo
Bolsonaro tentará aprofundar – em reduzir o custo do trabalho e preservar as
margens de lucro, os empresários não se animam a contratar trabalhadores e
muito menos a investir. As empresas em geral podem aumentar sua produção, se
necessário, sem investimentos, devido à alta capacidade ociosa. E dadas as
perspectivas para o consumo das famílias, as decisões de investimento vão sendo
postergadas, à espera de momento mais favorável.
Em resumo: vindo do consumo das famílias, das exportações ou do
investimento – público ou privado –, não há sinais no horizonte que indiquem um
impulso para tirar a economia brasileira do atoleiro em que está desde 2015.
O mercado e seus porta-vozes, na academia e na imprensa, apostam todas
as suas fichas na reforma previdenciária. Mas, mesmo na hipótese improvável de
que a proposta seja aprovada na íntegra, o espaço fiscal que o governo espera
obter levaria alguns anos para se concretizar. Para reanimar uma economia
exangue tal como a nossa se encontra, haja bafejo da “fada da confiança”, para
utilizar a feliz expressão do laureado economista Paul Krugman.
Agora se soma a esse cenário econômico desanimador o de balbúrdia
institucional generalizada. O sistema jurídico-policial está envolvido numa
guerra de todos contra todos, onde a corporação policial, o Ministério Público
e os tribunais superiores, mais a Lava Jato – que aparentemente quer tornar-se
um poder autônomo, inclusive com orçamento próprio – buscam sobrepujar os
demais, com a finalidade de obterem para si mesmos mais vantagens e mais poder.
O próprio Supremo Tribunal Federal, a quem caberia o papel de árbitro, está
envolvido no conflito até a garganta. Permitiu, desde o processo do assim
chamado mensalão, toda sorte de abusos de poder, sempre que direcionados a um
dos lados do espectro político. Agora que o arbítrio bate à sua porta, tenta
afirmar-se usando medidas tão autoritárias como desastradas, como a censura
prévia, expressamente proibida pela Carta Constitucional.
Juntam-se a esse caldeirão um Congresso Nacional tão ou mais fisiológico
que os anteriores – desta vez com a maior coleção já vista de delegados fulano,
sargentos sicrano e capitães beltrano – e um poder executivo paralisado pelas
lutas entre suas facções internas, tentando impor à sociedade pautas econômicas
impopulares e desperdiçando energia com questões ideológicas ou irrelevantes.
O desemprego e o desalento vêm avançando, os serviços públicos estão
sendo comprimidos até o colapso por uma agressiva política austericida e as
políticas-chave que o governo tenta aprovar – reforma da previdência e pacote
anticrime – conduzirão a mais desgaste da popularidade do presidente, que já
ostenta os piores níveis de aprovação para um governo em seu início, desde 1995.
Tudo isso aponta para o crescimento da inquietação social.
Insatisfação social em alta, instituições inoperantes e economia inerte.
Tal combinação produz um quadro muito favorável à adoção de saídas
autoritárias, como vem advertindo analistas atilados, como o governador do
Maranhão, Flávio Dino. O quadro é tão opaco que é impossível arriscar
previsões, mas a extrema direita, nas redes sociais e nas corporações, vem
demonstrando desenvoltura.
A esperança é que seja despertada na sociedade a necessidade de busca do
entendimento, de uma espécie de pacto social que aponte saídas negociadas para
o duradouro impasse que vivemos. Alguns apoiadores de primeira hora do governo
já percebem que o aprofundamento do austericídio conduziria a um beco sem
saída. Empresários, jornalistas e economistas neoclássicos começam a alertar
para a necessidade de se conter o avanço sem freios do rentismo e do abismo
social que se vai aprofundando. Implantar reformas tão antipopulares a ferro e
fogo poderia conduzir a um grave esgarçamento do tecido social, aí sim de
consequências imprevisíveis.
Não é muito, mas é a esperança que existe. Uma longa e difícil
resistência nos espera. Oxalá encontremos as melhores soluções para esta que é
a mais longa crise econômica de nossa História.
*É economista,
mestre em História Econômica pela USP.
(Crédito
da foto da página inicial: Tânia Rêgo/Arquivo/Agência Brasil)
Fonte: Publicado no Brasil Debate
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