"Quando perdemos a capacidade de nos indignarmos com as atrocidades praticadas contra outros, perdemos também o direito de nos considerarmos seres humanos civilizados." ― Vladimir Herzog

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Painel Paulo Freire, obra de Luiz Carlos Cappellano.

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segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Xadrez dos embargadores da verdade de Lula


Por baixo dos data vênias, do latim, das citações, o direito, assim como a economia, tem que obedecer à lógica. Às vezes, há temas complexos, exigindo desenvolver conceitos mais sofisticados. Em outros casos, são situações corriqueiras, que exigem apenas decifrar os pontos centrais do que está em julgamento. É o caso do julgamento de Lula.

Nele, havia um conjunto de indícios e duas narrativas possíveis.

Peça 1 - Os fatos

Marisa Lula tinha uma cota em um apartamento da Bancoop cooperativa que entrou em crise.

Anos atrás, OAS assumiu o edifício e negociou com os moradores a transformação das cotas em apartamentos.

Marisa tinha um apartamento menor. Na divisão foi-lhe facultado adquirir um maior.

O triplex foi reformado pela OAS de acordo com o gosto do casal.

Em determinado momento Lula desistiu do apartamento e Marisa pediu o dinheiro de volta.

Esses são os fatos.

Os pontos de dúvida

1.     Qual a motivação da OAS reformando o apartamento para o casal Lula?

2.     O casal chegou ou não a ter a propriedade do imóvel?

Peça 2 - A narrativa lógica

1.     Na política econômica dos campeões nacionais, as empreiteiras foram o setor mais beneficiado. Ao mesmo tempo, Lula saiu do governo como o mais popular estadista do planeta, com imagem pública e relacionamentos consolidados nos países de interesse da empreiteira.

2.     Por tudo isso, a OAS pretendeu oferecer um mimo a Lula, turbinando a cota de apartamento que tinha no edifício Solaris.

3.     Após duas reuniões, Lula desistiu do apartamento. Ou porque se deu conta da exploração política que poderia advir do episódio, ou porque se desinteressou do apartamento.

Peça 3 - A narrativa da Lava Jato

1.     A OAS tinha uma conta-corrente de propina com o PT proveniente de contratos com a Petrobras.

2.     Descontou da conta R$ 3 milhões para fazer as reformas do apartamento.

3.     Passou o apartamento para Lula, mas manteve em seu nome para esconder o novo proprietário.

As evidências apresentadas

Ponto  1 - O tratamento diferenciado concedido a Lula, em relação aos demais condôminos.

Ponto 2 - Vários depoimentos dando conta de que o apartamento estava sendo preparado para a família Lula.

Ponto 3 - Depoimento de Léo Pinheiro, presidente da OAS, de que a diferença entre o que foi gasto e o que foi recebido da família Lula saiu da conta do PT.

Peça 4 - Sobre a relevância das evidências

Entre as três, apenas o terceiro ponto tem relevância para o processo.

Ponto 1 – se em lugar de Lula fosse uma atriz de novela da Globo, o tratamento seria igualmente diferenciado. Uma personalidade pública é, por definição, uma personalidade diferenciada. Qualquer empreendimento gostaria de ter o casal Lula como condômino.

Ponto 2 – nunca houve a menor dúvida sobre o interesse inicial do casal Lula pelo tríplex durante determinado período. O ponto central é se o casal ficou ou não com a posse.

Ponto 3 - Esse é o cerne da acusação. As dezenas de evidências recolhidas pela Lava Jato se referem apenas aos Pontos 1 e 2, que não são condições suficientes para confirmar o Ponto 3.

A lógica canhestra da manipulação consiste em juntar uma enxurrada de depoimentos que apenas reafirmam dois pontos incontroversos: Lula estava sendo um tratamento especial; e em determinado período, a OAS estava preparando o apartamento para o casal Lula. Morre aí, totalmente insuficiente para a condenação.

Peça 5 – a prova definitiva

Aí entra o depoimento de Léo Pinheiro, trazendo a prova considerada definitiva pelos juízes: uma mera declaração de que o apartamento era de Lula e o valor foi descontado das propinas devidas ao PT.

A prova decisiva: uma conversa entre Léo Pinheiro e o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto.

Coloco em negrito e sublinhado porque toda a construção da acusação se baseia nesse ponto.

A denúncia de Léo Pinheiro obedeceu à seguinte trajetória:

1.     01/06/2016 Delação de Léo Pinheiro trava após inocentar Lula (https://goo.gl/kp3whZ).

2.     23/11/2016 recebeu sentença de 26 anos de prisão confirmado pelo TRF4 (https://goo.gl/qFEvgB).

3.     12/07/2017 por ter ajudado no processo contra Lula, Sérgio Moro reduz a pena de Léo Pinheiro a 10 anos e 8 meses.

4.     21/09/2017 Procuradoria Geral da República não aceita a delação de Léo Pinheiro por não ter apresentado nenhum elemento de prova (https://goo.gl/4kn7tF).

5.     Mesmo assim, Moro mantém o depoimento de Léo Pinheiro e o TRF4 reduz sua pena para três anos e seis meses. Como já cumpriu uma parte, deverá ser solto em breve (https://goo.gl/TaY6kp).

E toda a acusação se baseou apenas nisso, declarações de Léo Pinheiro, de que o gasto foi descontado da conta de propina do PT, claramente, nitidamente em troca da redução da sua pena. Sem o acerto, ele passaria o resto de sua vida na prisão.

O tal acerto teria sido combinado em uma reunião com o tesoureiro do PT João Vaccari Neto. Apenas duas pessoas poderiam confirma a conversa: ele e Vaccari. Vaccari não foi ouvido. Léo não apresentou um documento sequer. No ano passado, declarou não possuir documentos porque Lula teria aconselhado a se desfazer deles.

Nem se entre em outros detalhes, como a desproporção entre a suposta propina ao suposto chefe maior do esquema e o que era pago ao terceiro escalão da Petrobras.

O ponto central foi esse.

Ponto 6 – a retórica midiática de defesa da condenação

Entendido isso, leia agora o artigo “Questão de ordem: Provas, sim, e claríssimas”, de Marcelo Coelho na fonte. É interessante para comprovar a maneira como a mídia em geral constrói seus sofismas.

 O artigo tem 4.058 caracteres, divididos da seguinte maneira.

4058
100,0%
toques
758
18,7%
sobre isenção de Moro
256
6,3%
sobre não cerceamento da defesa
398
9,8%
sobre não encontrar o caminho do dinheiro
619
15,3%
sobre o ap não estar em nome de Lula
654
16,1%
para dizer que Lula se interessou pelo ap
804
19,8%
se Lula nomeou os diretores da Petrobras,  ele é o responsável pela corrupção
377
9,3%
para reafirmar que "as provas eram claríssimas"

Marcelo é um dos bons colunistas da Folha. No artigo, extenso, falou de todas as preliminares, mas não consumou o ato: a prova “acima de qualquer dúvida” de que o apartamento era de fato de Lula. Limitou-se a endossar todas as afirmações dos desembargadores, como se fossem verdades comprovadas, de fontes intelectualmente idôneas.

O editorial da Folha, “Condenado”: 

2573
100,0%

1378
53,6%
Para enaltecer o comportamento dos magistrados
537
20,9%
para atacar a irracionalidade de quem é contra
243
9,4%
mostra o interesse de Léo Pinheiro na obra como prova
162
6,3%
para enfatizar que Lula nomeou diretores da Petrobras
253
9,8%
para afirmar que a democracia se fortalece

Editorial do Estadão, “Acima de qualquer dúvida

4323
100,0%

856
19,8%
para descrever o julgamento
1788
41,4%
se foi 3x0, logo Lula é corrupto
1679
38,8%
para enaltecer mais uma vez os desembargadores




Ponto 7 – sobre a nova retórica

Todo o jogo é esse, uma sucessão de argumentos retóricos em que o objetivo final não é a busca da verdade, mas o convencimento do público.

A propósito, é um dos temas desenvolvidos por Chain Perelman, pensador já falecido, que estudou as implicações da “Nova Lógica”, no pensamento jurídico (https://goo.gl/2auhPn)

“Para os retóricos não existe nada em absoluto. As coisas estão mais ou menos corretas, mais ou menos entendidas, mais ou menos aceitas. O embate retórico contra a certeza e contra a objetividade fez-se projetar como teoria do aproximado, do inconcluso, do relativo. [...] Não se espera convencer através de um argumento específico em qualquer debate gerado pela vida quotidiana ou jurídica, a práxis dos falantes revela que o argumentador não sabe ao certo qual dos seus argumentos –perante o auditório ou o juiz- pesará mais. Então ele busca a quantidade, a diversidade e espera, desta forma, ser mais persuasivo.

Entende PERELMAN que para a solução de problemas cotidianos que tenham envolvimento com valores a melhor forma de se buscar uma solução é através da chamada arte da discussão.

O objeto da retórica, segundo PERELMAN, “é o estudo das técnicas discursivas que visam provocar ou a aumentar a adesão das mentes às teses apresentadas a seu assentimento

Destarte, podemos dizer que a Retórica é a adesão intelectual de um ou mais espíritos apenas com o uso da argumentação; é o preocupar-se mais com a adesão dos interlocutores do que com a verdade; é não transmitir noções neutras, mas procurar modificar não só as convicções daqueles espíritos, como as suas atitudes”.


quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Poesia Crítica Social: "PROVAS"

PROVAS

Por Eduardo de Paula Barreto

Quando o homem de toga
Abre mão das provas
Para condenar por convicção
Ele anula a justiciabilidade
E impõe à sociedade
O Estado de Exceção.


Ao transformar o Judiciário
Num Poder autoritário
Que limita a cidadania
Ele produz como efeito
A supressão dos direitos
E a morte da Democracia.

Diante de tais abusos
Banaliza-se o uso
Dos julgamentos sumários
Porque não importa a inocência
Quando as Suas Excelências
Ficam convictos do contrário.

Que o juiz bata o martelo
Só depois que o libelo
Apresente provas cabais
Antes que a injustiça
Faça ressurgirem das cinzas
As masmorras medievais.


Fonte: Publicado em 15/09/2016 na página do Facebook "Poesia Crítica Social"

Tribunal canguru: 'Foi uma grande farsa', diz ex-ministro de FHC sobre condenação de Lula

Para Paulo Sérgio Pinheiro, com o julgamento, Judiciário assume papel de "assessor do golpe". "Essa decisão confirma que não há condições de Lula ser examinado por uma Justiça equânime", afirma
Para Paulo Sérgio Pinheiro, se a sociedade não reagir, os grupos que conduzem o golpe vão se fortalecer cada vez mais. (MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL)
“O Judiciário (do Brasil) assume o papel de assessor do golpe. Uma decisão extremamente politizada. Apesar de os juízes tentarem mostrar que respeitam a democracia, foi uma grande farsa, a segunda parte da farsa desde o impeachment”, definiu Paulo Sérgio Pinheiro, ex-ministro de Direitos Humanos de Fernando Henrique Cardoso, em entrevista para a Rádio Brasil Atual, pouco após o término do julgamento no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) que manteve a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

“Realmente foram sentenças inacreditáveis. Eles não conseguiram achar nenhum defeito na sentença do Moro, que já era um escândalo”, afirmou. Para Pinheiro, a impressão é que os três juízes combinaram os votos, além de terem se “arvorado” como defensores da democracia, algo que, na opinião dele, é totalmente fora de contexto.

“Não é só uma decisão inaceitável, mas certamente gravíssima na perspectiva de um Judiciário independente. Essa decisão confirma que no atual Judiciário do Brasil não há condições de Lula ser examinado por uma Justiça equânime. Nos Estados Unidos se chama isso de 'tribunal canguru', quando já se sabe que o réu está condenado”, afirmou Paulo Sérgio Pinheiro, que desde 1995 tem desempenhado diversas funções na Organização das Nações Unidas (ONU), entre elas, a de presidente da Comissão Internacional de Investigação para a Síria.

Repercussão


Pinheiro disse acreditar que a sentença dada nesta quarta-feira (24) pelo TRF4, ajudará no pedido da defesa do ex-presidente Lula feito ao Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). “Com todas as irregularidades, vai chamar a atenção dos membros do Comitê para essa decisão eminentemente política.”

O ex-coordenador da Comissão Nacional da Verdade (CNV) ainda ponderou que a sentença de Lula não repercute apenas na Europa ou outros países, mas é um péssimo precedente para o sistema de justiça de todo o continente latino-americano. “Não há a menor dúvida que essa sentença combinada visa tirar Lula das eleições.”

Para o ex-ministro de FHC, é preciso haver uma grande mobilização para impedir que o golpe se fortaleça cada vez mais. “Se a sociedade ficar imóvel, os grupos que avançam em direção a um governo totalitário só irão se fortalecer.”


Não houve julgamento no TRF 4, mas uma medida de exceção visando a extinção de Lula. Por Pedro Serrano

Os desembargadores do TRF 4
POR PEDRO SERRANO, advogado, professor de Direito Constitucional da PUC-SP, mestre e doutor em Direito do Estado pela PUC/SP com pós-doutorado pela Universidade de Lisboa*

O julgamento obviamente seria 3 a 0 pelo início de fundamentação do desembargador Victor Laus, autor do último voto.

Há tempos digo que esse julgamento seria contra Lula e que ele seria condenado. Não tinha nenhuma esperança de um voto sequer favorável a ele.

Isso tem a ver com a narrativa do meu trabalho sobre medidas de exceção no interior da democracia praticadas pelo sistema de justiça.

Nessa novela das medidas de exceção não cabe a história de preservar quem é acusado no final.

A lógica é a destruição simbólica do indivíduo num processo penal que visa, inclusive, prender e evitar sua vida social.

No caso de Lula, o que se pretende é destruir sua imagem política e ao mesmo tempo evitar que ele seja candidato. 

O que se quer é criar um prejuízo grande à sua candidatura.

Os direitos do ex-presidente não foram observados no processo.

Houve uma suspensão da forma jurídica e do direito em si, não houve um processo penal de fato — só um arremedo disso, com aparência legal, que culmina numa decisão que não tem nada no sentido de aplicar a lei.

É uma decisão política inaugural e instauradora de uma persecução a um líder político.

O que tivemos hoje não foi um julgamento e sim, repito, uma medida de exceção: um soberano que suspende o direito e visa a função política de lidar não apenas com a liberdade, mas com a morte ou a vida do chamado inimigo.

Lula foi tratado como inimigo e não como alguém que errou, se considerado que ele errou.

Não foi tratado como um simples cidadão.

*Depoimento a Marcelo Godoy