"Quando perdemos a capacidade de nos indignarmos com as atrocidades praticadas contra outros, perdemos também o direito de nos considerarmos seres humanos civilizados." ― Vladimir Herzog

Obrigado pelo acesso ao nosso blog
!

Painel Paulo Freire, obra de Luiz Carlos Cappellano.

Painel Paulo Freire, obra de Luiz Carlos Cappellano.
#PauloFreireMereceRespeito #PatonoDaEducaçãoBrasileira #PauloFreireSempre

quarta-feira, 20 de junho de 2018

Hoje, dia 20 de junho, é celebrado o Dia Mundial do Refugiado

 
Neste Dia Mundial do Refugiado, relembramos o artigo "E se fosse você a precisar de refúgio?", de autoria de João Amorim, professor de Direito Internacional e colunista do Observatório do 3º Setor, que traz uma importante reflexão sobre por que devemos ser solidários com os refugiados. Leia o artigo na íntegra logo abaixo: 


E se fosse você a precisar de refúgio?

*Por João Amorim


Vou começar minha participação nesta coluna propondo a você que tente responder às seguintes perguntas: O que você faria se, de um dia para outro, perdesse tudo que mais ama na vida? Como você se sentiria se fosse obrigado a deixar a sua casa, sua cidade, seu país, simplesmente porque alguém que não conhece e nunca viu decidiu que todos os que têm sua cor, sua raça, sua orientação sexual, sua religião, sua etnia, sua religião ou sua opinião política devem morrer?  Já imaginou como se sentiria se a cidade em que você vive fosse, de um dia para o outro, engolida pelo inferno da guerra e você tivesse de fugir, sem destino certo, apenas com a roupa do corpo, ou com o pouco que conseguiu juntar, para não morrer?

São situações desesperadoras e cenas terríveis de se imaginar, não?

Pois bem. Infelizmente, essa é a realidade que está por trás dos mais de 59 milhões de seres humanos forçados a se deslocar de suas casas em todo o mundo por questões relacionadas a conflitos armados, preconceito racial, étnico, religioso, de gênero ou orientação sexual, perseguição política ou ideológica ou grave e generalizada violação de direitos humanos. Destes, quase 22 milhões são refugiados e solicitantes de refúgio.

Segundo a Organização das Nações Unidas, refugiados são pessoas comuns, de todos os gêneros e idades, que foram forçadas a abandonar seus lares devido a conflitos armados, violência generalizada, perseguições religiosas ou por motivo de nacionalidade, raça, grupo social e opinião pública, e buscam abrigo e proteção em outros países para reconstruir suas vidas com dignidade, justiça e paz.

Ao se verem forçadas a sair do seu local de vida habitual, deixam para trás não apenas a realidade de agressão, ameaça e violação que lhes gerou o fundado temor de perseguição, mas também suas raízes e referências socioculturais, sua história, seus sonhos e projetos. Muitas vezes, deixam para trás seus entes queridos, seus afetos, sua referência cultural e humana.

Não fazem essa escolha por espírito de aventura ou por ambição, mas por desespero e medo de morrer, e na esperança de conseguir sair daquela situação e de encontrar abrigo e proteção, ainda que em terras distantes.

Chegam por vezes sozinhos – assustados e traumatizados, e sem saber do paradeiro e do destino de seus entes queridos –, a lugares completamente diferentes de sua terra natal. Não falam o idioma. Não conhecem ninguém. Sentem fome. Sentem sede. Sentem frio. E, mais que tudo, ainda sentem muito medo.

No caminho, não é raro serem vítimas das quadrilhas e máfias do tráfico de pessoas ou mesmo são condenadas à invisibilidade e a rejeição.

Muitos sequer conseguem chegar ao seu destino incerto. Naufragam nas águas do Mediterrâneo, ou do Atlântico, ou do Índico; morrem de desidratação, ou de fome, ou de insolação, ou de doenças oportunistas que se instalam com a fraqueza e o cansaço.

Como todo ser humano comum, suas vontades e anseios básicos consistem em poder desenvolver suas vidas e atividades cotidianas, em um ambiente que lhes propicie, além de um entorno de proteção e de segurança, a sensação de pertinência e integração sociais.

Daí a importância vital de se entender a condição de um refugiado ou solicitante de refúgio e de se estabelecer medidas de integração local eficazes e efetivas dentro do regime jurídico de proteção dos refugiados.

A proteção dada por um determinado poder soberano a estrangeiros vítimas de perseguição existe desde a Antiguidade. No século XX, esta prática de proteção ganha a disciplina e a institucionalização do direito internacional, adjetivada pelo termo humanitária. A proteção internacional humanitária tem como um de seus principais instrumentos o refúgio[1].

Mas, para ser efetiva, a proteção internacional humanitária não pode ficar apenas no direito internacional. A conduta de acolhimento, de proteção, de integração, de respeito aos direitos humanos deve estar inserida nas leis internas dos Estados e, principalmente, ser uma realidade cotidiana na cultura social deste país.

O Brasil, no âmbito jurídico, é um país modelo em termos de reconhecimento de direitos e recepção de refugiados e solicitantes de refúgio.

É um dos poucos países no mundo que estabelece em lei uma política pública clara em relação aos refugiados e solicitantes de refúgio – a lei 9.474/97 –, que reconhece direitos básicos desde o momento da solicitação e estabelece um procedimento administrativo com etapas, exigências e órgãos decisórios específicos e com competências bem definidas.

Ao contrário de muitos países europeus – que diariamente têm protagonizado cenas lamentáveis de xenofobia e um vergonhoso jogo de empurra-empurra a respeito de uma solução efetiva para os refugiados que chegam ao continente –, o Brasil não impõe restrições à chegada de solicitantes de refúgio, nem antecipadamente os julga ou fecha suas fronteiras.

A posição do país é a de garantir, aos solicitantes de refúgio, o reconhecimento e a concessão de direitos básicos a todos (como, por exemplo, direito à estada regular, direito a um documento de identificação, direito à saúde, à proteção social, à educação etc.), enquanto dura o processo administrativo perante o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE) – órgão encarregado de analisar e processar os pedidos de reconhecimento da condição de refugiado –, e assegurar o respeito a estes direitos àqueles que têm seu pedido de refúgio aceito pelo governo brasileiro e, por isso, estão sob sua proteção.

Mas, o fim do sofrimento e da condição de vulnerabilidade destas pessoas não depende apenas de uma lei clara, ou de um procedimento administrativo e do reconhecimento de direitos.

Estes passos são obviamente importantes e fundamentais, mas, para a efetiva inserção dos refugiados numa sociedade é necessário que esta os acolha, os veja como seres humanos, como pessoas iguais a qualquer um de seus membros, que os trate com igualdade, sem racismo, sem discriminação, sem segregação.

E, principalmente, que assegure a estes seres humanos a oportunidade de recomeçar as suas vidas em paz, para que possam tranquilizar seus medos e buscar a realização de seus desejos de vida normalmente como toda e qualquer pessoa.

A primeira e uma das principais barreiras enfrentadas pelos refugiados ao chegar a um novo país – e que agrava profundamente a sensação de desterro e de desespero – é a do idioma.

Não saber se comunicar na língua do país dificulta imensamente a inserção social do refugiado. Essa barreira o impede, por exemplo, de conhecer e de exercer plenamente seus direitos, de se locomover livremente, de se comunicar com as autoridades locais, de conseguir um trabalho.

Para ter uma pequena ideia do que isso representa, imagine a seguinte situação: você, que lê esta coluna, desperta amanhã em uma cidade completamente desconhecida, por exemplo, no interior da China, ou da Arábia Saudita, onde ninguém fala outro idioma a não ser sua própria língua nativa (a qual você não conhece). Todas as placas, informações, jornais, etiquetas de produtos, nomes de ruas, livros, revistas, estão escritos apenas com o alfabeto local. Como você se sentiria?

Nestas condições, você iria desejar que alguém, com boa vontade, o ajudasse, certo?

Ou seja, você desejaria que alguém entendesse a sua dificuldade e a sua situação e te ajudasse a se integrar naquela sociedade.

Pois bem. É exatamente isso o que acontece diariamente com a maioria dos refugiados e solicitantes de refúgio no Brasil e em outros países.

Por isso é tão importante que a sociedade como um todo compreenda a condição e as dificuldades diárias dos refugiados.

Além de uma série de problemas e de questões que também são enfrentados por boa parte da população carente do Brasil, os refugiados e solicitantes de refúgio, em sua esmagadora maioria, ainda têm de lidar com problemas que são específicos de sua condição de estrangeiro: a barreira do idioma, atitudes xenófobas, preconceitos culturais, dentre outros.

A integração local dos refugiados faz parte da proteção inter­nacional no seu sentido mais amplo, como obrigação conjunta do Estado e da própria sociedade civil sobretudo no que se refere ao acesso a políticas públicas de saúde, educação, trabalho, bem como a todas as questões relacionadas à prática da cidadania.

Mais do que ajuda humanitária, é neces­sário que cada vez mais a sociedade brasileira distribua humanidade.

Numa época em que mercadorias e di­nheiro possuem mais importância e transitam internacionalmente com mais facilidade do que os seres humanos; numa atualidade onde os discursos de ódio perdem a vergonha e ganham facilmente as bocas de pessoas sem escrúpulos e imbuídas dos mais escusos interesses, é necessário e urgente que a sociedade se mobilize e aja no sentido de acolher os refugiados e fazer prevalecer o elo mais elementar que nos une a todos: a humanidade.

Não é assim que você gostaria de ser tratado?

[1] Para conhecer e entender a evolução histórica do instituto do refúgio e da proteção humanitária, AMORIM, João Alberto Alves. Concessão de Refúgio no Brasil: A Proteção Internacional Humanitária no Direito Brasileiro. Revista Internacional Direito e Cidadania, disponível em http://www.reid.org.br/?CONT=00000303

*João Amorim é professor de Direito Internacional e coordenador da Cátedra Sérgio Vieira de Melo, do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Foi coordenador do escritório regional da Comissão Nacional da Verdade (SP) e advogado do Centro de Referência para Refugiados (SP). Cursou a Academia de Direito Internacional de Haia (Holanda) e graduou-se pelo Centro Hemisférico de Estudos de Defesa, da National Defense University (Washington/EUA). É autor dos livros Direito das Águas - Regime Jurídico da Água Doce no Direito Internacional e no Direito Brasileiro e A ONU e o Meio Ambiente - Direitos Humanos, Mudanças Climáticas e Segurança Internacional no Século XXI.



El País: O choro desesperado das crianças separadas dos seus pais na fronteira dos EUA

'O choro desesperado das crianças separadas dos seus pais na fronteira dos EUA'

Por Ginger Thompson (ProPublica)/Washington


O desesperado pranto de 10 crianças centro-americanas separadas de seus pais num dia da semana passada pelas autoridades de imigração norte-americanas é algo atroz de escutar. Muitas parecem chorar com tanta força que mal conseguem respirar. Gritam repetidamente mami e papi, como se fossem as únicas palavras que conhecem.

A voz de barítono de um agente da patrulha fronteiriça retumba por cima do choro. Bom, temos uma orquestra por aqui, brinca. Só falta o maestro. Então, uma angustiada menina salvadorenha de seis anos suplica várias vezes para que alguém ligue para a sua tia. Só um telefonema, roga a qualquer um que a escute. Diz que decorou o número do telefone e, em um dado momento, recita-o de uma só vez a um representante consular. E minha mami, depois que a minha tia vier me buscar, virá o mais rápido possível para eu ir embora com ela”, choraminga.

Uma gravação de áudio obtida pela ProPublica põe som ao sofrimento real de um polêmico debate político do qual até agora foram excluídos aqueles que mais têm interesses em jogo: as crianças imigrantes. Mais de 2.300 delas foram separadas de seus pais desde abril, quando a administração Trump lançou sua política migratória de tolerância zero, que exige que todas as pessoas que tentarem ingressar ilegalmente no país sejam processadas e separadas das crianças que porventura tragam consigo. Mais de 100 dessas crianças são menores de quatro anos. Elas são instaladas inicialmente em depósitos, barracas de camping ou lojas de departamentos transformadas em centros de detenção da patrulha fronteiriça.

As recriminações a esta política foram rápidas e agudas, inclusive por parte de alguns dos partidários mais confiáveis da administração. Uniu conservadores religiosos e ativistas dos direitos dos imigrantes, para os quais a tolerância zero equivale a zero humanidade. Paramentares democratas e republicanos se pronunciaram durante o fim de semana contra os esforços da administração. A ex-primeira-dama Laura Bush descreveu as práticas do Executivo como cruéis e imorais, e comparou as imagens das crianças imigrantes detidas em canis às dos campos de internação de japoneses nos EUA durante a Segunda Guerra Mundial. E a Associação Americana de Pediatras declarou que a prática de separar as crianças de seus pais pode causar-lhes um dano irreparável.

Ainda assim, a administração reiterou sua política. O presidente Trump culpa os democratas e diz que seu Governo só está aplicando leis já existentes, embora isso não seja verdade. Não há nenhuma lei que obrigue a separar os filhos de seus pais, ou que exija a abertura de ação penal contra todos os indivíduos que cruzem a fronteira sem documentos. Essas práticas foram estabelecidas pela administração Trump.

O secretário de Justiça dos EUA, Jeff Sessions, citou passagens da Bíblia numa tentativa de estabelecer uma justificação religiosa para essa política. Na segunda-feira, defendeu-a novamente dizendo ser uma questão de estado de direito. Não podemos e não incitaremos a pessoas a trazerem crianças ao dar-lhes imunidade geral frente a nossas leis. Um porta-voz da patrulha fronteiriça ecoou esse raciocínio em uma declaração por escrito.

Nos últimos dias, as autoridades na fronteira começaram a permitir visitas rigidamente controladas às instalações, com o objetivo de pôr um rosto humano a esta política, mas as câmeras estão fortemente restritas. E as crianças retidas não podem falar com jornalistas.

O áudio obtido pela ProPublica rompe esse silêncio. Foi gravado na semana passada dentro de um centro de detenção da patrulha fronteiriça. A pessoa que fez a gravação pediu para não ser identificada, por medo de represálias. Essa pessoa proporcionou o áudio a Jennifer Harbury, uma conhecida advogada de direitos civis que viveu e trabalhou durante quatro décadas no Vale do Rio Grande, ao longo da fronteira do Texas com o México. Harbury, por sua vez, entregou a gravação à ProPublica. Disse que a pessoa que a fez era uma cliente sua que escutou os lamentos e o choro das crianças e ficou devastada.

Essa pessoa supõe que os meninos da gravação tenham entre 4 e 10 anos. Parecia que estavam há menos de 24 horas no centro de detenção, por isso a angústia por terem sido separados de seus pais ainda estava à flor de pele. Os funcionários do consulado tentaram tranquilizá-los com sanduíches e brinquedos, mas as crianças estavam inconsoláveis.

A menina que mais se destacou foi a salvadorenha de seis anos que tinha um número de telefone decorado. No final do áudio, um funcionário consular se oferece para ligar para a tia da menina. A ProPublica digitou o número que a menor recitou no áudio e falou com a tia sobre o telefonema.

Foi o momento mais difícil da minha vida, disse. Imagine receber uma ligação da sua sobrinha de seis anos. Está chorando e me implora que vá procurá-la. Ela diz: ‘Prometo que vou me comportar, mas, por favor, me tire daqui. Estou completamente sozinha’.

Para essa tia, o que tornou o telefonema mais doloroso foi o fato de que não havia nada a ser feito. Ela e sua filha de nove anos procuram asilo nos Estados Unidos depois de emigrarem há dois anos pelos mesmos motivos e pela mesma rota que sua irmã e sua sobrinha viriam a seguir. São procedentes de um pequeno povoado chamado Armenia, uma hora de carro a noroeste de San Salvador, mas ao alcance das paralisantes ondas de criminalidade da capital salvadorenha. A tia disse que as gangues estavam em todas as partes de El Salvador: Estão nos ônibus. Estão nos bancos. Estão nas escolas. Estão na polícia. Não há nenhum lugar onde a pessoas normais se sintam seguras”.

Disse que sua sobrinha e sua irmã partiram para os Estados Unidos há mais de um mês. Pagaram 7.000 dólares (26.200 reais) a um traficante de pessoas para que as guiassem através da Guatemala e México, e cruzaram a fronteira com os Estados Unidos. Agora, acrescentou, todo o risco e o investimento parecem perdidos.

A tia disse temer que qualquer tentativa de intervir na situação de sua sobrinha ponha em risco o seu próprio o asilo e o da sua filha, sobretudo depois que a administração Trump anulou as proteções de asilo para as vítimas de gangues e de violência doméstica. Ela disse que conseguiu falar com sua irmã, que foi transferida para um centro de detenção de imigrantes perto de Port Isabel, no Texas. E se mantém em contato telefônico com sua sobrinha, Alison Jimena Valencia Madrid. Mãe e filha, entretanto, não puderam se comunicar.

A tia disse que Alison havia sido transferida das instalações da patrulha fronteiriça para um abrigo onde tem uma cama de verdade. Mas que as autoridades do refúgio advertiram à menina que sua mãe, Cindy Madrid, de 29 anos, poderia ser deportada sem ela.

Sei que ela não é cidadã norte-americana, disse a tia sobre sua sobrinha. Mas é um ser humano. É uma criança. Como podem tratá-la desta maneira?


BBC: A comovente gravação que mostra o sofrimento das crianças separadas da família pela Imigração nos EUA

O site Propublica divulgou uma gravação em que é possível ouvir o sofrimento de meninos e meninas imigrantes da América Central, separados de seus pais após tentarem entrar ilegalmente nos Estados Unidos.

A gravação foi feita em um centro de detenção da Patrulha de Fronteira americana, na fronteira do país com o México.

Nela, as crianças não param de chorar e gritam, de forma inconsolável, "mamãe" e "papai".

"Eu não quero que detenham o meu pai. Não quero que deportem ele", diz uma delas, em espanhol, chorando.

Também em espanhol, um agente da fronteira faz piada diante da lamentação generalizada. Ele diz: "Bom, nós temos uma orquestra aqui. Faltava o maestro".

homem grita, ao fundo, para que "não chorem!".
Criança em centro de detenção de imigrantes na cidade fronteiriça de McAllen, no Texas (EUA): Milhares teriam sido separadas dos pais desde abril ao tentarem entrar ilegalmente nos Estados Unidos. Getty Images
Em seguida, são ouvidas vozes de funcionários consulares, trocando informações sobre "número de identificação" de alguém, perguntando de onde as crianças são, onde estão seus pais e se era com eles que estavam viajando.

As crianças que respondem são da Guatemala e de El Salvador.

Uma delas é Alison Jimena Valencia Madrid, uma menina de seis anos de idade, de El Salvador, que protagoniza boa parte da gravação.

Separada da mãe na semana passada, ela implora para que alguém ligue para sua tia, cujo número de telefone afirma saber de cor.

"Eu posso ir pelo menos com a minha tia? Quero que ela venha...", diz a menina. "Quero que a minha tia venha. Ela pode me levar para a casa dela."

Um homem afirma que alguém vai ajudá-la a fazer a ligação, se ela tiver o número.

No áudio é possível ouvir os agentes falando em distribuir comida no local. A menina então insiste sobre a ligação, perguntando se depois de comer podem chamar a tia para buscá-la.

"Eu tenho o número de cabeça", afirma Alison. "Você vai ligar para minha tia vir me buscar? (...) Minha mãe disse para eu ir com a minha tia e que ela vai me buscar lá (com a tia) o mais rápido possível", reforça, ainda chorando e em meio a vozes de outras crianças gritando, aos prantos, "papai" e "meu papai".

"Não chore. Olhe, ela vai explicar a você e vai lhe ajudar", diz o agente à menina em determinado momento da gravação, referindo-se à representante do consulado.

No final do áudio, uma oficial consular se oferece para ligar para a tia dela. 

'Por favor, me tire daqui'

A Propublica, que se descreve como uma redação independente, com sede em Nova York, que produz jornalismo investigativo de interesse público conseguiu falar com a mulher depois.

"Foi o momento mais difícil da minha vida", disse ela. "Imagine receber um telefonema da sua sobrinha de seis anos. Ela está chorando e me implorando para ir buscá-la. Ela disse: 'Eu prometo que vou me comportar, mas, por favor, me tire daqui, estou completamente sozinha'."
Meninos imigrantes em centro de detenção: Relatos apontam que alguns chegam a ficar separados dos pais por semanas e até meses. Aduanas y Protección Fronteriza de Estados Unidos
A tia, no entanto, afirmou, "com dor", que não podia fazer nada pela menina. A mulher emigrou há dois anos com a filha pequena, fugindo da violência em El Salvador, em busca de asilo nos Estados Unidos. Agora, tem medo de se colocar em situação de risco com a filha, ao tentar ajudar a sobrinha.

Ela disse que se mantém em contato com a criança, que foi transferida das instalações da Patrulha da Fronteira para um abrigo com camas. E que também pôde falar com a irmã, que foi levada para um centro de detenção de imigrantes perto de Port Isabel, no Texas.

Mãe e filha, no entanto, não puderam se comunicar.

Segundo a Propublica, o áudio foi gravado na semana passada dentro de um centro de detenção da Patrulha de Fronteira.

A pessoa que fez a gravação, que pediu para não ser identificada por medo de represálias, diz que "ouviu os gritos e o choro das crianças e ficou arrasada".

Essa pessoa estimou que as crianças teriam entre quatro e dez anos de idade.

Ponderou, ainda, que os funcionários do consulado tentavam tranquilizá-las conversando com elas e lhes dando comida e brinquedos, mas que as crianças não conseguiam se acalmar.

Por que as crianças estão sendo separadas de seus pais?

As crianças estão sendo separadas dos pais na fronteira entre os EUA e o México como resultado da política "tolerância zero" introduzida em maio pelo procurador-geral dos Estados Unidos, Jeff Sessions, e alvo crescente de críticas.

Essa política prevê que adultos que tentam atravessar a fronteira - muitos deles planejando pedir asilo - sejam colocados sob custódia e que enfrentem processos criminais por entrada ilegal no país.

Como resultado, quase 2 mil crianças foram separadas de seus pais depois de cruzarem ilegalmente a fronteira, de acordo com balanço divulgado na última sexta-feira.

Elas ficam abrigadas em centros de detenção, mantidas longe de seus pais.
O procurador-geral dos Estados Unidos, Jeff Sessions, afirma que quem entrar nos EUA de forma irregular será processado ​​criminalmente. Reuters

Mudança

Sessions afirmou que aqueles que entrarem nos EUA de forma irregular serão processados ​​criminalmente. Até então, pessoas detidas tentando entrar ilegalmente no país eram acusadas de crimes de menor potencial ofensivo.

Os adultos processados são separados dos filhos que viajam com eles - estes, passam a ser considerados menores desacompanhados.

Defensores da medida apontam que centenas de crianças são retiradas de pais que cometem crimes nos EUA diariamente.

Como tal, elas são colocadas sob custódia do Departamento de Saúde e Serviços Humanos e enviadas para um parente, lar adotivo ou um abrigo - os funcionários desses locais já estão com falta de espaço para abrigá-los.

Abrigos

Recentemente, uma antiga loja do Walmart no Texas foi transformada em centro de detenção para as crianças imigrantes.

Autoridades também anunciaram planos de erguer acampamentos para abrigar outras centenas delas no deserto do Texas, onde as temperaturas normalmente alcançam 40 graus.

O legislador local, José Rodriguez, descreveu o plano como "totalmente desumano" e "ultrajante". "(É um plano que) Deve ser condenado por qualquer um que tenha um senso moral de responsabilidade", disse ele.

Autoridades da Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA (CBP, da sigla em inglês) estimam que cerca de 1,5 mil pessoas são presas por dia por cruzarem ilegalmente a fronteira.


Nas duas primeiras semanas de "tolerância zero", 658 menores - incluindo muitos bebês e crianças pequenas - foram separadas dos adultos que as acompanhavam, de acordo com o CBP.

Relatos apontam, no entanto, que mais de 700 famílias foram afetadas entre outubro e abril.

Em muitos dos casos, as famílias já foram reunidas, após os pais serem libertados da detenção. No entanto, há casos em que a separação teria durado semanas e até meses. 
 

Trump

Trump culpou os democratas pela política, dizendo que "temos que separar as famílias" por causa de uma lei que "os democratas nos deram".

Não está claro, porém, a que lei ele se refere, pois não há lei aprovada pelo Congresso dos EUA que determine que as famílias migrantes sejam separadas.

Verificadores de fatos dizem que a única coisa que mudou foi a decisão do Departamento de Justiça americano de processar criminalmente os pais pela primeira vez ao cruzar a fronteira. Como seus filhos não são acusados ​​de um crime, eles não podem ser presos junto com eles. 
 

O repúdio das primeiras damas

A polêmica sobre a política de imigração "tolerância zero" de Donald Trump só aumentou nos últimos dias, especialmente depois que foram conhecidas as condições em que se encontram muitas das mais de 2 mil crianças separadas de seus pais desde abril.

Imagen de imigrantes dentro de uma grande jaula, em centro de detenção, foi publicada por autoridades. Jornalistas afirmam terem visto crianças que chegaram desacompanhadas em condições semelhantes. Aduanas y Protección Fronteriza de Estados Unidos
Nas instalações onde estão detidas, existem grandes jaulas que, além de abrigar imigrantes adultos, seriam também destinadas a crianças cujos pais tentaram atravessar ilegalmente a fronteira sul com os Estados Unidos.

A medida levou a primeira-dama Melania Trump a romper seu habitual silêncio, no domingo, para criticar a situação.

Por meio de uma porta-voz, ela disse que "odeia ver crianças separadas de suas famílias" e que espera que Republicanos e Democratas "finalmente" trabalhem juntos para alcançar uma reforma imigratória bem-sucedida.

"Ela (Melania) acredita que precisamos ser um país que segue todas as leis, mas também um país que governa com o coração", acrescentou a porta-voz

Na segunda-feira, ex-primeiras-damas de governos democratas e republicanos também comentaram a questão, em repúdio público à política que Trump vem adotando na fronteira.

"Eu vivo em um estado fronteiriço. Entendo a necessidade de reforçar e proteger nossas fronteiras internacionais, mas essa política de tolerância zero é cruel. É imoral. E me parte o coração", escreveu a republicana Laura Bush em um artigo no The Washington Post e no Twitter.

Michelle Obama compartilhou o post em seu perfil no Twitter e escreveu junto à mensagem: "Às vezes, a verdade transcende os partidos".
Hillary Clinton, por sua vez, condenou a administração Trump pela medida e avaliou a situação como "uma afronta aos nossos valores".

Ela acrescentou, também no Twitter: "O que está acontecendo a essas famílias na fronteira é uma crise humanitária. Todos os pais que já carregaram um filho em seus braços, todo ser humano com senso de compaixão e decência, devem ficar indignados".


sexta-feira, 15 de junho de 2018

BBC: 'Salas lotadas e pouca valorização: ranking global mostra desgaste dos professores no Brasil'

Para OCDE investimentos em 'quantidade' de professores são geralmente feitos em detrimento da qualidade do ensino. Imagem: Pedro Ribas/ANPR

Noventa dias sem respostas: Polícia ainda não sabe quem matou Marielle e Anderson

'Silêncio com relação às investigações preocupa Anistia Internacional e Ministério Público é pressiona'

Por Juliana Gonçalves e Thales Gomes

Anderson Gomes e Marielle Franco foram executados há três meses; caso segue sob sigilo sem respostas / Reprodução Facebook
Passados três meses da execução da quinta vereadora mais votada do Rio de Janeiro em 2016, o crime segue sem resposta. Marielle Franco, do PSOL, ficou conhecida por seu histórico de defesa dos direitos humanos e por fazer política articulando cirurgicamente as questões de gênero, raça e classe.  Dias antes de seu assassinato, ela foi nomeada relatora da comissão criada na Câmara de Vereadores para monitorar a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro.

Na manhã desta quarta-feira, familiares de Marielle acompanharam a ação realizada pela Anistia Internacional em frente ao prédio do Ministério Público  (MP) do Rio. Renata Neder, coordenadora de pesquisa, políticas e advocacy  da entidade classificou o silêncio das autoridades sobre o fato como "preocupante".  Segundo ela o ato que culminou na entrega de ofício pedindo atuação mais firme do MP é uma cobrança necessária. 

"A Anistia Internacional também espera que o Ministério Público exerça seu papel de controle externo da atividade policial, acompanhando e monitorando a atuação da Polícia Civil nas investigações." , diz Renata. Para ela, o MP precisa reafirmar o comprometimento e prioridade no caso.

O Ministro extraordinário da Segurança Pública, Raul Jungmann, afirmou em áudio divulgado por meio de sua assessoria de imprensa, que o caminho da investigação aponta, sem dúvidas, para a responsabilização das milícias. 

"Esse caso também teve impacto internacional. O que de fato acontece é que esse é um crime de desvendamento complexo. Pelo menos até onde eu saiba, e eu devo voltar ao Rio essa semana, não se tinha informação do motivo. Qual foi a ameaça? Qual foi o conflito que Marielle se envolveu para que acontecesse essa tragédia que aconteceu com ela. Evidentemente tem indícios que apontam com clareza para milícia", afirmou o ministro.

A sofisticação do assassinato corrobora para essa versão pela premeditação do crime e o profissionalismo dos executores. Agora a Polícia Civil investiga se Marielle era alvo de escuta. Segundo informações divulgados pelo jornal O Globo, pessoas ligadas ao gabinete relatam que as placas do teto foram alteradas depois do recesso do final do ano. 

Vice-coordenadora da comissão externa da Câmara dos Deputados criada para acompanhar as investigações sobre os assassinatos, a deputada federal do PCdoB Jandira Feghali afirma que também está estranhando a demora na resolução do crime

"Até agora não temos notícias concreta e objetiva sobre as investigações, já fizemos reuniões várias vezes com autoridades policiais e da intervenção, já fizemos reuniões com entidades da sociedade civil, reuniões fechadas com criminalistas e peritos e agora vamos ao Ministério Público", disse Feghali. 

Mais do que quem puxou o gatilho, a motivação do crime é decisiva para compreensão do caso no país que tem um vereador morto por mês segundo dados da União de Vereadores do Brasil (UVB). Entre 2017 e março deste ano, mês da morte de Marielle,  pelo menos 23 prefeitos e vereadores foram assassinados no Brasil.

De grande complexidade, a própria Polícia Civil comparou as investigações a outros casos como os assassinatos da juíza Patrícia Acioli, em 2011, e do pedreiro Amarildo Dias de Souza, em 2013. No entanto, ambos demoraram cerca de dois meses para serem finalizados enquanto as mortes de Marielle e Anderson seguem por 90 dias sem respostas.

Para Feghali as mortes têm conjunturas bem diferentes, sobretudo, por Marielle e Anderson serem executados num contexto de intervenção militar no Rio de Janeiro.

"O crime da Amarildo e da Patrícia têm características diferentes, o crime contra Marielle tem característica de crime político muito mais evidente e aconteceu sob intervenção [federal/militar], tem complexidade maior no ponto de vista do simbolismo e do que envolve", disse a deputada federal do PC do B. 

Jandira pontua que a comissão que não investiga, mas acompanha, vai ter que aumentar o nível de cobrança junto ao MP e a Polícia Civil. 

Linha do Tempo do crime

14/03 - Pelo menos 13 tiros foram disparados contra o carro que levava a vereadora Marielle Franco. Quatro deles atingiram Marielle na cabeça que morreu na hora, assim como seu motorista, Anderson Gomes, baleado nas costas. 

15/03 - É criada e instalada, no âmbito da Câmara dos Deputados, a Comissão Externa destinada a acompanhar, no Rio de Janeiro, as investigações referentes aos assassinatos tendo como Coordenador o deputado Jean Wyllys (PSOL/RJ), a deputada Jandira Feghali como Vice-Coordenadora e o deputado Glauber Braga como Relator. 

16/03 - Constatou-se que a munição (lote UZZ18) pertencia a um lote vendido para a Polícia Federal de Brasília em 2006. Munição do mesmo lote já foi utilizada em diversos crimes no país, inclusive na Chacina de Osasco (uma das maiores da história do Brasil). 

21/03 - A comissão externa da Câmara dos Deputados criada para acompanhar as investigações sobre os assassinatos faz sua primeira reunião. Soube-se que cinco das 11 câmeras de trânsito da Prefeitura do Rio que estavam no trajeto de Marielle estavam desligadas. 

29/03 - O Secretário de Estado de Segurança do RJ, o general Richard Nunes afirmou em entrevista que a investigação caminha no sentido de confirmar a tese de que fora um crime com motivações políticas. 

03/04 - Após cogitar a possibilidade de federalização da investigação, o Conselho Nacional do Ministério Público decide manter, no âmbito estadual, a investigação do órgão sobre o caso. 

04/04 - Investigadores descobrem o número do celular do motorista do carro usado no dia dos assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson. 

14/04  -  Um mês depois da execução. O secretário de Estado de Segurança Pública, general Richard Nunes, afirmou na imprensa que foram descartadas possíveis motivações pessoais ou uma suposta retaliação de funcionários do gabinete de Marielle. Vários vereadores foram chamados para prestar depoimento, entre eles Marcello Siciliano, do PHS. Manifestações em diversas cidades do Brasil e do mundo realizaram atos pedindo justiça e contra a intervenção militar do estado do Rio de Janeiro. 

24/04 - É anunciado o fim da perícia, 41 dias após o crime. 

03/05 - Imprensa divulga que câmeras no Estácio foi desligada na véspera das mortes de Marielle e Anderson. 

07/05 - Reportagem da Record, afirma que Marielle foi morta por submetralhadora e não pistola, é de uso restrito das forças de segurança e pode ter sido desviada do arsenal da própria Polícia Civil. 

08/05 - Delator, ex-miliciano, acusa Orlando Oliveira Araújo, conhecido como Orlando Curicica em ser mandante do crime ao lado do vereador Marcelo Siciliano do PHS. De acordo com a testemunha, a morte de Marielle foi decretada porque as ações de consciencialização que ela fazia em favelas contrariava interesses dos dois principais suspeitos. A milícia de Orlando controla sob o poder e o terror das armas várias favelas na zona oeste do Rio de Janeiro, nomeadamente na região de Curicica, e onde o vereador Marcello Siciliano também tem reduto eleitoral. Ambos negaram envolvimento em depoimento. Inclusive Curicica o fez em carta divulgada pela imprensa. 

10/05 - Polícia Civil realiza reconstituição do caso. Conclusões não foram divulgadas. 

14/05 - 60 dias sem respostas sobre os crimes. Justiça autoriza transferência de Curicica para presídio federal por questões de segurança, o que até hoje não aconteceu. Curicica está preso desde outubro por ter mandado matar um homem que instalou um circo em uma área dominada por ele, sem autorização. Segundo relatos da mídia, a circunstância do assassinato são parecidas com a que pôs fim a vida de Marielle.  

11/06 -  Comissão Externa que acompanha as investigações reuniram-se com Maria Laura Canineu, representante da ONG Internacional Human Rights Watch, para discutir os últimos desdobramentos do caso e as estratégias para pressionar por mais celeridade e empenho das instituições do Estado em chegar à conclusão deste atentado contra a democracia. 

13/06 - Anistia Internacional exige atuação mais estratégica do Ministério Público depois de 90 dias sem solução do caso. 

14/06 - Três meses do assassinato de Marielle e Anderson na mesma semana do aniversário de quatro meses da intervenção federal/militar no Rio de Janeiro.  


 Fonte: Publicado no Brasil de Fato