Por Bruna de Lara
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Destaque: Uma garota cola cartazes contra estupro em tapume no MASP, na avenida Paulista. São Paulo, maio de 2016. Foto: Diego Padgurschi/Folhapress
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Uma menina de 12 anos, no Tocantins, sofria abusos recorrentes do padrasto.
Ao assistir a uma palestra no colégio sobre violência sexual, foi
inevitável se reconhecer nas falas dos oradores. Sua aflição chamou
atenção dos profissionais, que a chamaram para conversar. Foi então que
se deu conta: era uma vítima de estupro.
A dificuldade para identificar o crime não está restrita às crianças.
Sem acesso à educação sexual, muitas jovens não sabem que são
estupradas – e muitos agressores não sabem que estupram. E, se depender
do movimento Escola sem Partido, não terão chance alguma de entender.
Em 2014, uma pesquisa com
universitários americanos revelou que 13% estuprariam uma mulher, se
não houvesse consequências. Alheios ao fato de que sexo sem
consentimento é estupro, um terço respondeu que forçaria alguém a
transar. No Brasil, 13%
dos jovens já cometeram violência sexual contra uma mulher na
universidade, segundo dados de 2015 do Instituto Avon. O mesmo estudo
mostra que um terço de nossos universitários acha que abusar de uma
garota alcoolizada não é um ato violento. Acreditando que estupros são
cometidos por estranhos armados em becos escuros, nenhum desses homens
se vê como um criminoso.
Igualmente expostas ao estereótipo da violência sexual, muitas
mulheres também não se veem como vítimas. Elas sentem o trauma do abuso e
seus efeitos devastadores, mas não pensam no que aconteceu como
estupro.
“A gente acha que tem que satisfazer o parceiro. Aconteceu algumas
vezes do meu ex-namorado me pegar contra minha vontade. Na época, eu não
sabia que aquilo estava errado”, contou uma garota de 21 anos a
pesquisadores do Instituto Énois em 2015. Segundo o psicólogo David
Lisak, especialista em estupros cometidos por conhecidos, isso é muito
comum. “Com frequência, a experiência delas não se encaixa nos moldes
que têm em mente [do que seria um estupro]”, explicou.
Se homens e mulheres não entendem os limites entre sexo e da
violência, é preciso ensiná-los. Nas escolas, porém, sexo costuma ser
tema restrito às aulas de biologia, em que é discutido sob o ponto de
vista da reprodução humana e da prevenção de doenças. As formas
saudáveis de estabelecermos relações sexuais e afetivas, a importância
do consentimento e a definição de violência sexual ainda passam longe das salas de aula.
Se bem-sucedido, o projeto de lei do Escola sem Partido acabará com
qualquer possibilidade de prevenção efetiva da violência sexual. O PL
pretende, entre outras medidas, proibir a educação sexual nas escolas e deixá-la inteiramente a cargo das famílias.
Segundo o Ipea, um quarto dos estupros de crianças,
como o da menina de Tocantins, são cometidos no núcleo familiar. Ainda
que não fosse assim: em tempos da retomada moralista e conservadora,
quantos pais estão dispostos a falar abertamente sobre sexualidade com
seus filhos? E, quando um terço dos brasileiros culpa as mulheres por serem estupradas, quantos estão preparados para ensinar as diferenças entre sexo e abuso?
No Brasil, quase metade das brasileiras de 14 a 24 anos, com renda familiar de até R$ 6 mil, já foram estupradas por um parceiro.
Se concretizado, o silenciamento dos professores só irá contribuir para
a perpetuação desses números. É simples: não se pode prevenir aquilo
que ninguém entende o que é.
A ONU Mulheres, em 2017, alertou que “para prevenir a violência decorrente do machismo, é necessário promover a igualdade de gênero em escolas
e universidades” – compromisso assumido internacionalmente pelo Brasil,
por exemplo, na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência contra a Mulher. No ano anterior, a organização
afirmou que o Escola sem Partido “viola frontalmente a Constituição e os tratados internacionais ratificados pelo Estado brasileiro”.
Em 8 de maio, o projeto recebeu parecer favorável
de seu relator – o deputado Flavinho, do Partido Social Cristão – na
comissão especial que o analisa. Ainda não há previsão para a votação em
plenário.
Correção: 5 de junho, 18h
Uma versão anterior desse texto afirmava que 38% dos jovens
brasileiros já cometeram violência sexual contra uma mulher na
universidade. Na verdade, 38% já cometeram algum tipo de violência
contra mulheres no ambiente universitário. 13% cometeram violência
sexual.
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