"Quando perdemos a capacidade de nos indignarmos com as atrocidades praticadas contra outros, perdemos também o direito de nos considerarmos seres humanos civilizados." ― Vladimir Herzog

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Painel Paulo Freire, obra de Luiz Carlos Cappellano.

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segunda-feira, 11 de junho de 2018

JB: Paisagem, silêncio e solidão

*Por Edgard Telles Ribeiro

Jornais e TVs falam sobre Lula. Decorridos dois meses de sua prisão, porém, já não tanto como homem. Falam dele como um dado estatístico, uma referência relevante na corrida presidencial. Surge nas simulações das pesquisas de opinião. E só. Lula vive e sobrevive apenas nas redes sociais, como se personagem central fosse de um mundo alternativo, vagamente clandestino, certamente subterrâneo.

Mas nessas análises midiáticas mais ostensivas, precisas e frias, como elas em geral são, vai dito que, “com ele” o candidato tal sobe ou desce nas pesquisas. Ou que “sem ele” tal outro cenário torna-se plausível. No entanto, “ele”, o ser humano, o líder que domina esses dados e lhes dá sentido, o homem de carne e osso que definirá a eleição de uma forma ou de outra, o coringa em um baralho recheado de cartas marcadas – essa figura sai de cena. E, a seu redor, faz-se o silêncio. Pesado, esse silêncio. Impressiona. E confere ao castigo sua visibilidade maior. 

Com isso, a grande mídia, que condenou o réu antes mesmo de julgá-lo, já não precisa tomar qualquer tipo de providência a seu respeito: basta calar-se, eliminando-o de um mapa no qual as notícias indignas de nota só merecem a indiferença.

A depender do noticiário mais ostensivo, então, tudo ignoramos, hoje, desse ser incômodo. Dele, fora algumas breves mensagens transmitidas por terceiros, só sabemos que está preso. E como poderíamos esperar algo de diferente? Os muros, afinal, são altos... E se, por uma pequena cortesia do carcereiro-mor, suas janelas não têm grades nem sua porta, cadeados, tudo mais a seu redor se mantém trancado a sete chaves. Imerso em silêncio e solidão.

Ainda assim algumas informações filtram aqui e ali. Tomamos conhecimento que, em datas e horários previamente acordados, recebe visitas a conta-gotas. De quando em quando, em nossas TVs, observamos pessoas se esgueirando por entre os carros de um pátio até chegarem a um determinado portão com grades. Entram em fila indiana, portando sacolas que serão abertas e examinadas com zelo. A humilhação de que o prisioneiro é alvo raramente recai apenas sobre ele, estende-se também a seus familiares e aos que lhe são caros.  

O contraste entre essas cenas e as últimas horas de liberdade vividas por Lula é de tal ordem que choca. E essa é a imagem que me vem, então, à mente: a do mar humano que o abraçou na histórica noite da despedida. Em um momento de grande ternura – de que político algum neste país seria alvo nos dias que correm. 

Imagem, no entanto, que correu o mundo. Uma massa multicolorida unida em um único e interminável abraço. Entregando seu líder pacificamente aos carcereiros que aguardavam dentro de veículos sombrios. Embalando-o em um derradeiro afago para enfrentar as longas noites que ainda viriam. 

Como terá sido cruzar os muros dessa prisão? Decorridos dois meses do início da pena, como estará sendo seu dia a dia? Dada a figura pública que foi, e continua sendo, parece inconcebível que – excetuadas as raras visitas – suas poucas palavras diárias se restrinjam aos carcereiros.

Do lado de fora, um candidato formidável, que mantém todos os demais em cheque. Do lado de dentro, que gênero de homem será, quando entregue a si mesmo, nos momentos que realmente contam?

É certo que as visitas ocasionais lhe terão proporcionado algum alívio. Mas imagino que nada de muito próximo a um real consolo advirá desses reencontros em ambiente restrito e vigiado. Pelo inevitável desgaste de que certas palavras cedo ou tarde se revestem.

Palavras de solidariedade, de esperança, de indignação...  Ainda que reiteradas com sinceridade e afeto, elas inevitavelmente perdem força com o tempo, já não ecoam com a intensidade de antes. Mesmo porque as portas sempre se fecham atrás dos visitantes. E o silêncio volta a pesar. Cedendo, então, espaço a uma candidatura que, a cada noite, recobra forças em seus sonhos.

Devem ser longas as horas passadas entre quatro paredes, em um espaço tão acanhado. Mesmo quando menino – mesmo quando viveu a pobreza que raros políticos deste país terão enfrentado na infância –, espaço a seu redor nunca lhe terá faltado. 

Agora, resta-lhe apenas uma paisagem. Mas não é pouco. Ao contrário: para quem, como ele, percorreu uma trajetória singular, é tudo. Porque é daquelas que não se medem em metros ou quilômetros nem dependem de janelas, portas ou muros. É das que fazem, das prisões, ritos de passagem. E que vão do sertão, de onde veio o menino, ao mar que abraçou o adulto. Porque, como Glauber já avisara mais de meio século atrás, o sertão virou mar e o mar virou sertão.

* Escritor



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