*Por Edgard Telles Ribeiro
Jornais e TVs falam sobre Lula. Decorridos dois meses de sua prisão,
porém, já não tanto como homem. Falam dele como um dado estatístico, uma
referência relevante na corrida presidencial. Surge nas simulações das
pesquisas de opinião. E só. Lula vive e sobrevive apenas nas redes
sociais, como se personagem central fosse de um mundo alternativo,
vagamente clandestino, certamente subterrâneo.
Mas nessas análises midiáticas mais ostensivas, precisas e frias, como
elas em geral são, vai dito que, “com ele” o candidato tal sobe ou desce
nas pesquisas. Ou que “sem ele” tal outro cenário torna-se plausível.
No entanto, “ele”, o ser humano, o líder que domina esses dados e lhes
dá sentido, o homem de carne e osso que definirá a eleição de uma forma
ou de outra, o coringa em um baralho recheado de cartas marcadas – essa
figura sai de cena. E, a seu redor, faz-se o silêncio. Pesado, esse
silêncio. Impressiona. E confere ao castigo sua visibilidade maior.
Com isso, a grande mídia, que condenou o réu antes mesmo de julgá-lo, já
não precisa tomar qualquer tipo de providência a seu respeito: basta
calar-se, eliminando-o de um mapa no qual as notícias indignas de nota
só merecem a indiferença.
A depender do noticiário mais ostensivo, então, tudo ignoramos, hoje,
desse ser incômodo. Dele, fora algumas breves mensagens transmitidas por
terceiros, só sabemos que está preso. E como poderíamos esperar algo de
diferente? Os muros, afinal, são altos... E se, por uma pequena
cortesia do carcereiro-mor, suas janelas não têm grades nem sua porta,
cadeados, tudo mais a seu redor se mantém trancado a sete chaves. Imerso
em silêncio e solidão.
Ainda assim algumas informações filtram aqui e ali. Tomamos conhecimento
que, em datas e horários previamente acordados, recebe visitas a
conta-gotas. De quando em quando, em nossas TVs, observamos pessoas se
esgueirando por entre os carros de um pátio até chegarem a um
determinado portão com grades. Entram em fila indiana, portando sacolas
que serão abertas e examinadas com zelo. A humilhação de que o
prisioneiro é alvo raramente recai apenas sobre ele, estende-se também a
seus familiares e aos que lhe são caros.
O contraste entre essas cenas e as últimas horas de liberdade vividas
por Lula é de tal ordem que choca. E essa é a imagem que me vem, então, à
mente: a do mar humano que o abraçou na histórica noite da despedida.
Em um momento de grande ternura – de que político algum neste país seria
alvo nos dias que correm.
Imagem, no entanto, que correu o mundo. Uma massa multicolorida unida em
um único e interminável abraço. Entregando seu líder pacificamente aos
carcereiros que aguardavam dentro de veículos sombrios. Embalando-o em
um derradeiro afago para enfrentar as longas noites que ainda viriam.
Como terá sido cruzar os muros dessa prisão? Decorridos dois meses do
início da pena, como estará sendo seu dia a dia? Dada a figura pública
que foi, e continua sendo, parece inconcebível que – excetuadas as raras
visitas – suas poucas palavras diárias se restrinjam aos carcereiros.
Do lado de fora, um candidato formidável, que mantém todos os demais em
cheque. Do lado de dentro, que gênero de homem será, quando entregue a
si mesmo, nos momentos que realmente contam?
É certo que as visitas ocasionais lhe terão proporcionado algum alívio.
Mas imagino que nada de muito próximo a um real consolo advirá desses
reencontros em ambiente restrito e vigiado. Pelo inevitável desgaste de
que certas palavras cedo ou tarde se revestem.
Palavras de solidariedade, de esperança, de indignação... Ainda que
reiteradas com sinceridade e afeto, elas inevitavelmente perdem força
com o tempo, já não ecoam com a intensidade de antes. Mesmo porque as
portas sempre se fecham atrás dos visitantes. E o silêncio volta a
pesar. Cedendo, então, espaço a uma candidatura que, a cada noite,
recobra forças em seus sonhos.
Devem ser longas as horas passadas entre quatro paredes, em um espaço
tão acanhado. Mesmo quando menino – mesmo quando viveu a pobreza que
raros políticos deste país terão enfrentado na infância –, espaço a seu
redor nunca lhe terá faltado.
Agora, resta-lhe apenas uma paisagem. Mas não é pouco. Ao contrário:
para quem, como ele, percorreu uma trajetória singular, é tudo. Porque é
daquelas que não se medem em metros ou quilômetros nem dependem de
janelas, portas ou muros. É das que fazem, das prisões, ritos de
passagem. E que vão do sertão, de onde veio o menino, ao mar que abraçou
o adulto. Porque, como Glauber já avisara mais de meio século atrás, o
sertão virou mar e o mar virou sertão.
* Escritor
Nenhum comentário:
Postar um comentário