Por Miguel Enriquez
Moro resolveu acionar sua veia irônica durante a
audiência desta segunda feira, 11, em que ouviu o ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso como testemunha de defesa de Lula no processo que investiga o
sítio de Atibaia.
A certa altura do depoimento de FHC, que falava de
sua atuação como palestrante depois de deixar a presidência, no início de 2003, o
juiz da 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba fez uma interpelação delicada.
“Senhor ex-presidente, desculpe lhe indagar isso, o
senhor recebeu de uma maneira assim um pagamento por fora, reforma, alguma
coisa assim?”, indagou Moro, numa referência às benfeitorias supostamente
patrocinadas por algumas empreiteiras no sítio de Atibaia, cuja propriedade é
atribuída a Lula
De pronto, FHC negou ter se beneficiado desse tipo
de mimo, o que foi aceito sem qualquer contestação por parte de Moro.
De parte de FHC, prestes a completar 87 anos no dia
18 deste mês, que alegou não se lembrar de sequer ter feito palestras
para empreiteiras, é até razoável o esquecimento, a essa altura da vida.
No entanto, esse lapso de memória não significa que
o grão tucano não tenha sido agraciado com favores especiais de empresários,
fato amplamente conhecido pelos brasileiros razoavelmente informados, Moro
entre eles.
É o caso, entre outros, do aeroporto construído
pela empreiteira Camargo Corrêa, na vizinhança da fazenda Córrego da Ponte, no
município mineiro de Buritis, mantida em sociedade com o homem forte de seu
governo, o falecido Sérgio Motta, ministro das Comunicações.
Para refrescar a memória, vale a pena reproduzir um
trecho de uma reportagem de 1999, assinada pelo jornalista Mino Pedrosa,
da IstoÉ (a mesma que agraciou Moro com o título de Brasileiro do Ano de 2017).
O presidente Fernando Henrique Cardoso tem um
vizinho no município mineiro de Buritis que todo fazendeiro gostaria de ter. Em
vez de avançar a cerca sobre a propriedade alheia, como de hábito no meio
rural, a construtora Camargo Corrêa mantém sempre aberta a porteira que separa
sua fazenda da gleba presidencial. Quem também mora por ali está acostumado a
ver um intenso movimento entre as duas propriedades: pessoas saindo da fazenda
Córrego da Ponte, de FHC, entrando na Pontezinha, da Camargo Corrêa, e voltando
à Córrego da Ponte. A atração na Pontezinha é uma ampla pista de pouso que
costuma receber mais aviões tripulados pela corte do presidente do que jatinhos
de uma das maiores empresas do País. “Nunca vi avião nenhum da Camargo Corrêa
pousando ali. Mas da família de Fernando Henrique não para de descer gente”,
conta o fazendeiro Celito Kock, vizinho de ambos e atento observador do
trânsito aéreo na região.
Segundo a revista, a pista particular tem 1300
metros de comprimento e 20 de largura, asfaltados numa grande área descampada.
Um estacionamento com capacidade para 20 pequenas
aeronaves completa o aeródromo. Avaliada à época em R$ 600 mil, começou a ser
construída no dia 1º de julho de 1995 (seis meses após a posse de FHC, em seu
primeiro mandato) e foi concluída em 30 de setembro daquele ano.
E mais:
Apesar de ter os equipamentos necessários para a
obra, a Camargo Corrêa encomendou o serviço à Tercon – Terraplanagem e
Construções, numa autêntica troca de gentilezas. Meses antes, a Tercon havia
conseguido um bom negócio ao ser contratada pela Camargo Corrêa para fazer a
ampliação do Aeroporto Internacional de Brasília – empreitada que só terminou
anos depois.
Coincidência?
A proximidade umbilical e generosa com a
Camargo Corrêa foi reafirmada no fim do segundo mandato de Fernando Henrique,
em dezembro de 2002.
Luiz Nascimento, um dos controladores da
empreiteira fundada por seu sogro, Sebastião Camargo, foi um dos convivas de um
suntuoso jantar oferecido em pleno Palácio do Alvorada, residência oficial do
presidente da República, a 12 dos maiores empresários brasileiros.
Além de Nascimento, também faziam parte desse
seleto grupo nomes como Emilio Odebrecht (Odebrecht), David Feffer,
Lázaro Brandão (Bradesco), Benjamin Steinbruch (CSN) e Pedro Piva( Klabin), que
puderam saborear o menu caprichado, assinado pela estrelada chef Roberta
Sudbrack, que comandou por sete anos a cozinha do Alvorada-.
Na ocasião, em pleno mandato, FHC não titubeou em
passar o chapéu em busca de R$ 7 milhões (cerca de R$ 17 milhões em dinheiro de
hoje), cuja finalidade era bancar as atividades de seu instituto.
De acordo com a Época, “o dinheiro fará parte de um
fundo que financiará palestras, cursos, viagens ao Exterior do futuro
ex-presidente e servirá também para trazer ao Brasil convidados estrangeiros
ilustres. O instituto seguirá o modelo da ONG criada pelo ex-presidente
americano Bill Clinton.”
Detalhe: antes do ágape, articulado pelo amigão de
sempre de FHC, o empresário Jovelino Mineiro, esses mesmos empresários já
haviam contribuído para a aquisição da sede do Instituto, que ocupa um andar de
1 600 metros quadrados, no edifício Esplanada, no centro da capital paulista.
Jovelino, como se sabe, costuma ser apresentado
como o dono do apartamento da avenida Foch, um dos endereços mais caros de
Paris, ocupado por Fernando Henrique em suas estadas na Cidade Luz.
Há controvérsias: segundo revelou ao repórter
Joaquim de Carvalho, do DCM, a jornalista Miriam Dutra, ex-amante de FHC, este
é que seria o verdadeiro proprietário do imóvel.
A capacidade de cativar amigos empresários é um dos
pontos fortes do ex-presidente, um ativo inestimável em sua vida privada.
Prova disso é a compra, por um preço de pai para filho,
do apartamento em que FHC reside, na Rua Rio de Janeiro, no bairro de
Higienópolis, em São Paulo.
Com uma área de 450 metros quadrados, o apê foi
vendido a FHC pelo banqueiro Edmundo Safdié, do extinto Banco Cidade, pela
bagatela de R$ 1,1 milhão, preço considerado abaixo do valor de mercado pelos
próprio moradores do prédio.”
“Mas também podia ser um agrado de Safdié, para se
vangloriar de vender um imóvel para um ex-presidente”, escreveu o jornalista
Luis Nassif.
O que é inegável é que Safdié, morto em 2016, era
uma figura enrolada, operador de uma das lavanderias mais ativas do setor
financeiro.
Em 2006, tornou-se réu, acusado de lavagem de
dinheiro do prefeito de São Paulo Celso Pitta. Seis anos depois, viu-se
envolvido no propinoduto da Siemens, o trensalão, o cartel dos trens de São
Paulo, superfaturados pelos governos tucanos.
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