"Quando perdemos a capacidade de nos indignarmos com as atrocidades praticadas contra outros, perdemos também o direito de nos considerarmos seres humanos civilizados." ― Vladimir Herzog

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Painel Paulo Freire, obra de Luiz Carlos Cappellano.

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segunda-feira, 30 de julho de 2018

Pazes: “Ainda há Juízes no Brasil”

*Por João Marcos Buch
Por que uma pessoa decide tornar-se um juiz? Por que escolher como profissão algo que tem em seu centro o ato de julgar condutas e ações? O que leva alguém a optar por uma atividade que implica em reconhecer ou não direitos às pessoas, nos mais variados campos, de um impasse contratual a uma disputa pela guarda de um filho, de um conflito locatício a uma reintegração de posse envolvendo centenas de pessoas? O que leva alguém a escolher trabalhar para e pela Justiça?

A atenção à magistratura começa já nos bancos da faculdade. O estudante de direito tem a possibilidade de escolher, entre um leque de opções, a carreira jurídica com a qual melhor se identifica. São todas importantes, com significativas chances de realizações. Quando o acadêmico conclui que a carreira na magistratura é uma boa opção, passa a idealiza-la. Ele a vê como algo edificante. Após se graduar e começar a atuar em práticas jurídicas, estuda mais alguns anos.

Abdica do descanso e lazer. Por fim, um dia ele consegue a aprovação no concurso. E, uma vez juiz, se tinha alguma dúvida sobre a imagem que formara da magistratura, suas expectativas são logo correspondidas. Ela é edificante. Porém não é só. O jovem juiz aprende que o cotidiano não é tão glamouroso quanto imaginava e que julgar não é fácil. Ele percebe rapidamente que no peso da sua caneta muitas vezes está o peso do mundo. Que em suas mãos estão vidas e destinos de pessoas das mais variadas idades, origens, profissões, cada uma com suas próprias angústias e dissabores.

Entretanto, novamente não é só. O desafio vai além. Ao longo dos últimos anos o Poder Judiciário passou a ser chamado cada vez mais a atuar em áreas cruciais da vida das pessoas e da sociedade. Isso porque o Estado Social está em falta nas frentes que lhe são reservadas e obrigadas por imperativo constitucional, como na educação, saúde e segurança. Assim, para além de aplicador da lei, diante dos graves conflitos que lhe cabe resolver, o juiz é considerado primordialmente garantidor da Constituição. E face aos reflexos extensos e graves de suas decisões a ponderação e a coragem tornam-se o sangue que corre em suas veias abertas. Afinal, não importam as tormentas que se tenham que enfrentar, como em Berlim, ainda há juízes no Brasil.

*Joao Marcos Buch – Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais e Corregedor do Sistema Prisional da Comarca de Joinville/SC

Recomendação da Revista Pazes:

O autor deste texto publicou diversos livros de cunho altamente humanista. Clique aqui para conhecer esses livros.



 

Os Divergentes: PF quer ser a vítima no suicídio do reitor em Santa Catarina

UMA EXPLICAÇÃO PARA QUEM NÃO TEM FORMAÇÃO JURÍDICA. POR QUE A PRISÃO DO EX-PRESIDENTE LULA É ILEGAL E INCONSTITUCIONAL.

*Por Afrânio Silva Jardim 

Publicado originalmente na página do Facebook do autor

Afrânio Silva Jardim. Foto: Divulgação/Facebook

Tudo é muito simples e de fácil compreensão.

Dispõe o artigo 283 do Código de Processo Penal:

“Artigo. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).”.

Lula não foi preso em flagrante. Lula não está preso em razão de prisão temporária. Lula não teve prisão preventiva decretada.

Lula está preso como efeito automático e imediato de uma condenação que NÃO transitou em julgado (quando cabe recurso desta decisão).

Vale dizer, Lula está preso em razão de uma condenação da qual recorreu e que pode ser modificada (provavelmente será anulada, pois o seu processo está eivado de nulidades).

Assim, não sendo inconstitucional (muito ao contrário) a regra do citado artigo 283 do Código de Processo Penal, ela não pode deixar de ser aplicada.

Os tribunais não podem deixar de aplicar uma regra jurídica absolutamente constitucional !!!

Entretanto, cinicamente, estão mantendo o ex-presidente preso ao arrepio do que está expresso na lei. Isto é inusitado !!!!

Por outro lado, cabe uma outra dramática constatação. Estão executando uma condenação penal sem que ela tenha transitado em julgado.

Nada obstante, a Constituição da República diz expressamente que todos são presumidos inocentes até o trânsito em julgado de sua condenação. (artigo 5º, LVII da Constituição de 1988, que enuncia: “ninguém será considerado culpado até trânsito em julgado de sentença penal condenatória”).

Ora, como executar uma pena de alguém que a Constituição expressamente presume inocente???

Os tribunais não podem deixar de aplicar uma regra constitucional. Não há “princípio da colegialidade” que justifique isto. Aliás, juridicamente, este princípio não existe, não tem ele eficácia jurídica !!!

Desta forma, a prisão do ex-presidente Lula é uma verdadeira aberração jurídica, um acinte ao Estado de Direito, uma violência absurda, uma provocação ao povo brasileiro.

Algo há de ser feito para sanar estas ilegalidades antes que tenhamos um retrocesso irreparável em nossa combalida democracia!!!


*Afrânio Silva Jardim é professor associado de Direito Processual Penal da Uerj. Mestre e Livre-Docente em Direito Processual Penal pela Uerj. E considerado um dos maiores processualistas do Brasil.

GGN: "Brasil: um país sem futuro"

Arte Banksy
Ao se estudar a história particular de cada país se verá uma variedade de situações e de circunstâncias que aproximam algumas e distanciam outras. Uma dessas situações diz respeito ao fato de que alguns países são inovadores, conseguem superar as condicionalidades de um passado difícil e se modernizam com igualdade, justiça e progresso, enquanto que outros não conseguem se desenvolver e permanecem prisioneiros das determinações do passado e se tornam cativos da desigualdade, das injustiças e do atraso. O Brasil, certamente, é do segundo tipo. Aqui o passado determina o presente e bloqueia o futuro e os mortos governam os vivos.

O mais provável é que existam muitas razões para o triunfo do atraso e das determinações  do passado no Brasil. Aqui, apontar-se-á apenas uma: o problema da fundação, da gênese. Maquiavel, ao estudar o grande historiador de Roma antiga, Tito Lívio, assevera que as repúblicas mal fundadas tendem a permanecer extraviadas ao longo dos séculos, como que buscando um caminho na escuridão, e procuram encontrá-lo através da promulgação de um cipoal infindável de leis, pensando que estas podem consertar a realidade, mas que sequer entram em vigor. As décadas e os séculos passam sem que esta república encontre a sua verdade, sem que o povo esteja ao abrigo das misérias humanas e sem que a justiça, a igualdade e a liberdade sejam frutos acessíveis para a generalidade das pessoas.

Ainda de acordo com Maquiavel, com base em Tito Lívio, as repúblicas bem fundadas são aquelas que nascem de um ato de terror fundante, no qual, o arbítrio dos mais fortes é passado no fio da espada para fundar a validez da lei originária, alicerçada nos princípios da igualdade e da justiça. De tempos em tempos, esse ato precisa ser renovado com a punição exemplar daqueles que tentam violar ou corromper estes princípios. Sem este ato, os mais fortes não terão freios e exercerão o arbítrio, a dominação e a violência sobre os mais fracos.

Maquiavel vê atos de terror fundante exemplares em Moisés, quando desceu do monte Sinai e mandou passar no fio da espada 22.200 homens por terem implantado a desordem; em Ciro, ao se revoltar contra os medas e fundar o império Persa e em Rômulo, ao matar Remo para garantir a fundação e a segurança de Roma. Modernamente podemos ver esses atos nas Guerras de Independência  e de Secessão dos americanos, na Revolução Francesa, na Revolução Cubana e assim por diante.

Na história do Brasil, o poder político e suas formas constitucionais e jurídicas sempre foram produtos do trabalho usurpador das elites econômicas e políticas e expressão de seus interesses. Em nenhum momento dos processos fundantes desse poder o povo foi partícipe enquanto sujeito e sempre teve seus interesses e direitos excluídos dos arranjos legais e constitucionais que se efetivaram ao longo do tempo. Notadamente, a Independência se revestiu de uma transformação perpetrada por segmentos que representavam os interesses da metrópole e a Proclamação da República assumiu o caráter de um golpe do qual, o povo, bestializado, nos termos de Aristides Lobo, não participou e sequer compreendeu o seu significado.  

No Brasil, o povo nunca foi soberano, a lei nunca foi igual, a democracia nunca existiu para a grande maioria das pessoas pobres. As tentativas de refundar o fundar o Brasil, primeiro com Getúlio Vargas e, depois, com Lula, foram atacadas pela ação corrosiva das elites, por guerras políticas sem escrúpulos e sem quartel, pela violência, pela traição e por golpes que visaram perpetuar a ordem da dominação do passado, manter o presente do povo na miséria e interditar o futuro.

Se o Brasil é um país sem presente por conta de todos os males que assolam o povo - desemprego, falta acesso aos serviços de saúde, falta de educação, salários baixos, falta de cultura e de lazer, pobreza, preconceitos, falta de direitos, violência etc. - os dados da Revisão 2018 da Projeção da População do Brasil, divulgados na semana passada pelo IBGE, confirmam que o país não terá futuro.

O presente do Brasil é trágico, sem dúvida. Mas o seu futuro poderá ser ainda mais trágico. O país está envelhecendo de forma mais rápida do que se pensava. Em 2039, o número de pessoas com mais de 65 anos será superior ao número de crianças e jovens com menos de 15 anos. Em 2060, uma de cada 4 pessoas terá mais de 65 anos.

O problema é que o bônus demográfico evaporou: os jovens de hoje envelhecerão sem oportunidades, sem emprego, sem qualificação, sem poupança e, provavelmente, uma previdência razoável. Serão velhos, pobres e sem assistência e sem direitos. Os jovens de hoje e o sistema de trabalho de hoje não estão nem bancando sequer a previdência de hoje. O Brasil ocupa o sétimo lugar entre os países que mais matam jovens no mundo. Em todos os sentidos, o Brasil está queimando, dissipando, o seu futuro. Os jovens mesmo estão dominados pela ideologia do consumo. Não poupam e não se previnem. Não imaginam que amanhã poderão cair e que ninguém lhes dará a mão para se levantarem.

O Brasil está envelhecendo sem a  infraestrutura adequada para o progresso e sem a infraestrutura para a velhice. As cidades, os transportes, o sistema de saúde, o sistema previdenciário, a mobilidade urbana, as estruturas de comércio, nada está preparado para um país com forte presença de pessoas idosas. Sequer níveis satisfatórios de saneamento básico existem.

O pior de tudo é que, a partir do golpe, o Brasil está andando para trás. O governo e o Congresso golpistas estão empenhados em destruir políticas e programas que vinham contribuindo com a redução da pobreza e com a sustentabilidade ambiental. Governo e Congresso estão dominados por grupos criminosos, a exemplo do agronegócio, grupo que não tem nenhuma consideração com a dignidade humana e com a sustentabilidade ambiental, com o futuro dos brasileiros e com os brasileiros do futuro.

As diferenças entre ricos e pobres se tornam cada vez mais abissais, tenebrosas, terríveis. As exclusões históricas, de raça, de gênero etc., se aprofundam e políticas inclusivas, ou são extintas ou têm os recursos calcinados. Se as pessoas pobres já não tinham acesso a hospitais, hoje não têm acesso a médicos. Vivem doentes e morrem sem atendimento. Estamos entre os países mais violentos e desiguais do mundo. O Brasil está sob a égide de elites econômicas e políticas criminosas, perversas, cruéis.

Um dos poucos brasileiros que tem a força, a coragem e a sensibilidade para bloquear esse processo de destruição do presente e do futuro do Brasil está preso em Curitiba. Os interesses que prenderam Lula e que querem impedir que ele seja candidato à presidência da República são os interesses que massacram o povo, que espezinham a sua dignidade, que decepam o seu presente e o seu futuro.

O povo precisa alimentar um temor terrível dessa monstruosidade que está sendo feita contra ele. Este temor, que deve ser o temor pela vida desgraçada que leva à morte, precisa despertar a clarividência da razão. Da razão que ilumina e que desperta a consciência de que não há motivo para não lutar. Aliás, de que o principal motivo da vida, agora, é lutar. E aqueles que têm consciência precisam fazer apelos por corações irados, por organizações de irados, pela força de gente irada. As lideranças precisam fazer apelos pela indignação e pela fúria. É preciso organizar a fúria. Não dá para tratar com bons modos uma elite que trata o povo com brutalidade.

Os métodos tradicionais de luta não comportam mais a urgência de um agir mais contundente e corajoso. A vastidão da tragédia do povo brasileiro deve ser o metro das novas lutas. E que essas lutas, entre outras coisas, sejam capazes de arrancar Lula dos calabouços de Curitiba. É preciso consolidar a ideia de que se não querem deixar que o governo legitimamente eleito de Lula dê ao povo o que é direito seu, o povo tem o direito de buscar o que é seu com suas próprias mãos.

*Aldo Fornazieri  é Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).



sexta-feira, 27 de julho de 2018

Lula envia carta aberta aos blogueiros progressistas

"Quantas notícias ignoradas ou bloqueadas nos jornalões saíram pelos blogues, muitos deles com mais audiência que os sites dos jornalões? [...]". 

(Lula/Reuters)

Leia a íntegra da carta de Lula aos blogueiros progressistas:

A história ensina que numa guerra, a primeira vítima é a verdade. Encontro-me há mais de 100 dias na condição de preso político, sem qualquer crime cometido, pois nem na sentença o juiz consegue apontar qual ato eu fiz de errado. Isso porque setores da Polícia Federal, do Ministério Público e do Judiciário, com apoio maciço da grande mídia, decidiram tratar-me como um inimigo a ser vencido a qualquer custo.

A guerra que travam não é contra a minha pessoa, mas contra a inclusão social que aconteceu nos meus mandatos, contra a soberania nacional exercida pelos meus governos. E a principal arma dos meus adversários sempre foi e continuará sendo a mentira, repetida mil vezes por suas poderosas antenas de transmissão.

Tenho sobrevivido a isso que encaro como uma provação, graças à boa memória, à solidariedade e ao carinho do povo brasileiro em geral.

Dentre as muitas manifestações de solidariedade, quero agradecer o espírito de luta dos homens e mulheres que fazem do jornalismo independente na internet uma trincheira de debate e verdade.

Desde que deixei a Presidência, com 87% de aprovação popular, a maior da história deste país, tenho sido vítima de uma campanha de difamação também sem paralelo na nossa história.

Trata-se, sabemos todos, da tentativa de apagar da memória do povo brasileiro a ideia de que é possível governar para todos, cuidando com especial carinho de quem mais precisa, e fazer o Brasil crescer, combatendo sem tréguas as desigualdades sociais e regionais históricas.

Foram dezenas de horas de Jornal Nacional e incontáveis manchetes dedicadas a espalhar mentiras – ou, para usar a linguagem da moda, fake news – contra mim, contra minha família e contra a ideia de que o Brasil poderia ser um país grande, soberano e justo.

Com base numa dessas mentiras, contada pelo jornal O Globo e transformada num processo sem pé nem cabeça, um juiz fez com que eu fosse condenado à prisão, por “ato indeterminado”, usando como pretexto a suposta posse de um imóvel “atribuído” a mim, do qual nunca fui dono.

Contra essa aliança espúria entre alguns procuradores e juízes e a mídia corporativa, a blogosfera progressista ousou insurgir-se. Sem poder contar com uma ínfima parcela dos recursos e dos meios à disposição dos grandes veículos alinhados ao golpe, esses homens e mulheres fazem Jornalismo. Questionam, debatem e apresentam diariamente ao povo brasileiro um poderoso contraponto à indústria da mentira.

Lutaram e continuam a lutar o bom combate, tendo muitas vezes apenas o apoio do próprio povo brasileiro, por meio de campanhas de financiamento coletivo (R$ 10 reais de uma pessoa, R$ 50 reais de outra).

Foram eles, por exemplo, que enfrentaram o silêncio da mídia e desvendaram as ligações da Globo com os paraísos fiscais, empresas de lavagem de dinheiro e a máfia da Fifa. Que demonstraram a cumplicidade de Sérgio Moro com a indústria das delações. Que denunciaram a entrega das riquezas do país aos interesses estrangeiros. Tudo com números e argumentos que sempre são censurados pela imprensa dos poderosos.

Por isso mesmo a imprensa independente é perseguida por setores do judiciário, por meio de sentenças arbitrárias, como vem ocorrendo com tantos blogueiros, que não têm meios materiais de defesa. Enfrentam toda sorte de perseguições: tentativa de censura prévia, conduções coercitivas e condenações milionárias, entre outras formas de violência institucional.

E agora, numa investida mais sofisticada – mas não menos violenta – agências de “checagem” controladas pelos grandes grupos de imprensa “carimbam” as notícias independentes como “Fake News”, e dessa forma bloqueiam sua presença nas redes sociais. O nome disso é censura.

Alguns desses homens e mulheres que pagam um alto preço por sua luta são jornalistas veteranos, com passagens brilhantes pela grande imprensa de outrora, outros sem qualquer vínculo anterior com o jornalismo, mas todos movidos por aquela que deveria ser a razão de existir da profissão: a busca pela verdade, a informação baseada em fatos e não em invencionices. Lutaram e lutam contra o pensamento único que a elite econômica tenta impor ao povo brasileiro.

Quantas derrotas nossos valentes Davis já não impuseram aos poderosos Golias? Quantas notícias ignoradas ou bloqueadas nos jornalões saíram pelos blogues, muitos deles com mais audiência que os sites dos jornalões?

Mesmo confinado na cela de uma prisão política, longe de meus filhos e amigos, impedido de abraçar e conversar com o povo brasileiro, tenho hoje aprovação maior e rejeição menor que meus adversários, que fracassaram no maior dos testes: melhorar a vida dos brasileiros.

Eles, que tantos crimes cometeram – grampos clandestinos no escritório de meus advogados, divulgação ilegal de conversas entre mim e a presidenta Dilma, todo o sofrimento imposto à minha família, entre muitos outros –, até hoje não conseguiram contra mim uma única prova de qualquer crime que seja.  A cada dia mais e mais pessoas percebem que o golpe não foi contra Lula, contra Dilma ou contra o PT. Foi contra o povo brasileiro.

Mais do que acreditar na minha inocência – porque leram o processo, porque checaram as provas, porque fizeram Jornalismo – os blogueiros e blogueiras progressistas estão contribuindo para trazer de volta o debate público e resgatar o jornalismo da vala comum à qual foi atirado por aqueles que o pretendem não como ferramenta capaz de lançar luz onde haja escuridão, mas apenas e tão somente como arma política dos poderosos.

A democracia brasileira agradece, eu agradeço a vocês, homens e mulheres que fazem da luta pela verdade o seu ideal de vida.

Hoje a (in)justiça brasileira não só me prende como impede sem nenhuma razão que vocês possam vir aqui me entrevistar, fazer as perguntas que quiserem. Não basta me prender, querem me calar, querem nos censurar.

Mas assim como são muitos os que lutam pela democracia nas comunicações e pelo jornalismo independente, e não caberiam aqui onde estou, essa cela também não pode aprisionar nem a verdade nem a liberdade. Elas são muito mais fortes do que as mentiras mil vezes repetidas pelo plim-plim, que quer mandar no Brasil e no povo brasileiro sem jamais ter tido um único voto. A verdade prevalecerá. A liberdade triunfará.

Forte abraço, 

Lula 

 

Fonte: Publicado no Pragmatismo Político 

DCM: A carta de Lula e a luta da imprensa independente em defesa do Brasil

Sem a verdadeira imprensa livre, o Brasil fica refém dos homens e mulheres de negócios
A carta de Lula aos blogs progressistas é um documento histórico em defesa da liberdade de expressão e o resultado de uma análise lúcida sobre o papel da imprensa no desenvolvimento de uma nação. Um trecho resume bem essa análise:

“Mais do que acreditar na minha inocência – porque leram o processo, porque checaram as provas, porque fizeram Jornalismo – os blogueiros e blogueiras progressistas estão contribuindo para trazer de volta o debate público e resgatar o jornalismo da vala comum à qual foi atirado por aqueles que o pretendem não como ferramenta capaz de lançar luz onde haja escuridão, mas apenas e tão somente como arma política dos poderosos.”

Este é, precisamente, o ponto que separa a imprensa livre, que é chamada também de independente ou progressista, da mídia corporativa ou velha imprensa: jogar luz onde haja escuridão.

Esta é a missão do Jornalismo (Lula escreve, corretamente, com letra maiúscula): Explicar em vez de confundir, buscar a informação capaz de transformar, informação que surpreenda e, surpreendendo, quebre a corrente do senso comum e ajude na luta contra a pior das pragas de uma nação: o preconceito, fruto ignorância.

Ignorância não no sentido da falta de escolaridade formal ou de estudo, mas da ausência do conhecimento sobre a verdade factual. Ignorância que é construída, diariamente, pela velha imprensa.

Neste momento, faço a cobertura sobre os furos do processo do sítio de Atibaia e me deparei com exemplos concretos sobre o que a desinformação pode fazer numa sociedade. 

A farsa de que Lula é dono de um sítio nasceu de um boato que circulava insistentemente no bairro do Portão, em Atibaia, depois que Marisa Letícia foi vista comprando pão e mortadela Ceratti na padaria local, e bebendo café em copo descartável.
   
Isso é crime?

Não.

Mas, como ela ia com a família ao sítio de amigos perto dali, logo começou o zunzunzum de que era proprietária da área.

O boato chegou ao conhecimento dos procuradores da república, que estavam empenhados na Operação Lava Jato, e a força-tarefa baixou lá.

O que isso tem a ver com a Petrobras, o que justifica a Lava Jato? Em princípio, nada, mas a os procuradores foram a Atibaia do mesmo jeito.

Gesuldo, o gerente da padaria, conta que dois homens — um deles o procurador Roberson Pozzobon, sei porque mostrei a foto e ele confirmou — estiveram na padaria, sentaram em uma mesa e pediram para falar com o gerente.

Pozzobon queria saber se ele tinha visto Lula pela região. O gerente negou, mas, mais tarde, ligou no número que o procurador tinha deixado para dizer: não tinha visto Lula, mas Marisa.

Começou, então, uma negociação para que ele gravasse um depoimento, e ele gravou, sem mostrar o rosto, com o celular voltado para o alto e captando o áudio.

Ele disse que viu Marisa comprando pão e mortadela.

O que isso prova?
 
Nada.
   
Mas foi usado como fumaça num caso em que não havia fogo. Os procuradores procuraram outras pessoas, pessoas que prestaram serviço no sítio.

Queriam saber se a propriedade era do Lula, se era ele, a mulher ou um dos filhos que pagava pelos serviços.

Nada.

Mesmo sem nada de concreto na mão, o Ministério Público Federal incluiu a ação de busca e apreensão no sítio de Atibaia em 4 de março de 2016, o dia do espetáculo da condução coercitiva de Lula.
 
Entrou no pacote que, ao fim e ao cabo, contribuiu decisivamente para a criação do ambiente político hostil que levou ao impeachment de Dilma Rousseff.

Agora se sabe que, naquele dia, o único depoimento colhido na região foi de uma mulher tirada de casa pela manhã e levada com o filho pequeno, de 7 anos de idade, sem mandado judicial, para depor no sítio.

Rosilene da Luz Ferreira havia prestado serviço como faxineira no sítio e, questionada sobre quem lhe fez o pagamento, disse mais de uma vez: Fernando Bittar. 

A resposta evidencia que era Bittar o dono de direito — a escritura está no nome dele — e de fato da propriedade — é ele quem dá ordens ali.

Mas o depoimento dessa senhora foi suprimido da denúncia, porque não contribuía para a farsa que seria evidenciada pelo power point: Lula como chefe de uma organização criminosa.

O depoimento de Rosilene veio a público há pouco, quando seu marido denunciou ao juiz Sergio Moro o que pode ser interpretado como abuso por parte dos procuradores e da Polícia Federal.

A velha imprensa ignorou. Mas quem lê o Diário do Centro do Mundo tomou conhecimento do caso e teve oportunidade de ver o vídeo em que a criança aparece, assustada, ao lado da mãe durante o depoimento — em que a mulher conta que recebeu a diária da faxina de Fernando Bittar.

Este é um exemplo, dentre tantos outros, em que a mídia independente combate o bom combate, como disse Lula em sua carta.
 
Não é fácil, mas o resultado tem sido reconhecido, não apenas por Lula, mas pelo publico em geral, como mostram os números da audiência — no caso do DCM, triplicou em um ano —, uma evidência de que o público já não confia na velha imprensa e busca outras fontes de informação.

A situação política no Brasil é dramática — o líder disparado nas pesquisas está sendo impedido de concorrer —, mas tem um efeito pedagógico: mostra quem é quem.

No caso da velha imprensa, já está claro que não trabalha pelo Brasil, mas por interesses muito específicos.

Por que tanto medo do Lula?
 
Por que tanta violência institucional para impedir que o povo decida livremente se o quer ou não na presidência.

São perguntas que começam a ser respondidas e, quando tudo estiver bem claro, o Brasil já estará maduro para tirar de cena aqueles que, realmente, trabalham para evitar que o o país se encontre com sua vocação: a grandeza.

E dou mais um exemplo: no dia 10 de julho estive em Curitiba, em mais uma tentativa de entrevistar Lula — nosso pedido foi negado pela juíza Carolina Lebbos — e fiz uma transmissão ao vivo da frente da Polícia Federal.

Fiz conforme o protocolo, me apresentei aos policiais militares do Paraná e comecei a gravar, no espaço que é usado pela imprensa em geral, entre o cordão de isolamento e a Superintendência da Polícia Federal.

Depois que terminei a transmissão e comecei a tirar fotos, um policial, o cabo Azevedo, disse que eu não poderia permanecer ali.

Por quê?

Ele me disse que eu deveria permanecer junto com os manifestantes da Vigília Livre. Nada contra, mas perguntei se a imprensa não poderia permanecer no local onde eu estava.

Ele me respondeu: “depende”.

Do quê?

“Se for imprensa imparcial, pode.”

Questionei sobre que critérios ele usava para definir o que parcial ou imparcial.

Ele não respondeu nada.

Como já tinha terminado meu trabalho, fui embora, e depois denunciei o policial à corregedoria da PM.

O que ele fez é fruto da ignorância.

Mas mesmo os ignorantes precisam ser instruídos, e que a corporação a que pertence decida.

O importante é que fiz o meu trabalho e o público foi informado.

É uma luta árdua.

Mas quem disse que ajudar a construir uma nação seria fácil?


  

quarta-feira, 25 de julho de 2018

GGN: Para (a esquerda) entender (e parar de menosprezar) o eleitor de Bolsonaro



A esquerda comete um erro ao escantear ou desistir de entender as ideias do brasileiro que se declara eleitor de Jair Bolsonaro. Essa é a avaliação da cientista social Esther Solano, professora da Unifesp e autora de uma recente pesquisa sobre o perfil da "nova direita" que vê no "mito" algum potencial para presidente da República.

No estudo "Crise da democracia e extremismos de direita", Solano afirma: "Com frequência, setores progressistas menosprezam estas posturas por considerarem que 'pobre que vota na direita é burro', 'seguidor de Bolsonaro é burro' e por aí vai. É um grande erro caricaturar ou desestimar a importância de um fenômeno que tem densas raízes sociais e que pouco tem de trivial ou transitório."

E explica porque, para a esquerda, revisar essa conduta seria providencial: "O primeiro passo para combater posturas antidemocráticas, que colocam em risco o avanço nos direitos e garantias fundamentais, é entender este processo em toda sua complexidade e multidimensionalidade."

Entrevistando, apenas em São Paulo, vários eleitores de Bolsonaro com perfis distintos (em termos socioeconômico, de faixa etária, gênero, etc), Solano levantou, em tópicos, o que pena a massa que defende as mesmas bandeiras do parlamentar.

O GGN expõe abaixo um resumo das principais observações segmentado pelos temas abordados nas entrevistas:

1. SEGURANÇA 

Na avaliação de Solano, Bolsonaro conseguiu canalizar muito bem o medo que as pessoas sentem, a percepção de "insegurança permanente".

"Fato também é que durante muito tempo, os partidos de esquerda têm se furtado a um debate sério e propositivo sobre segurança pública, deixando em mãos da direita mais punitiva e totalitária este assunto emergencial para grande parte da população."

O estudo revelou ser questão "recorrente" que existe uma visão de que os bandidos foram vitimizados "numa alteração da ordem social" que faz com que o "cidadão de bem” esteja "desprotegido". A vítima dos crimes ficam abandonadas e o criminoso é superprotegido pelo Estado". 

Bolsonaro angaria adeptos porque rompe com essa lógica de humanizar o bandido ou de lhe conceder qualquer direito. 

2. "DIREITOS HUMANOS PARA HUMANOS DIREITOS" 

Na esteira do sentimento de que o cidadão de bem tem menos privilégios do que os bandidos, destaca-se a ideia de que "a polícia passa por um processo de criminalização e perseguição constante pela mídia e pelos grupos de esquerda, além do abandono pela cúpula da corporação e pelo próprio Estado. O policial virou bandido e não pode mais fazer seu trabalho, o que acaba tendo como resultado o aumento do crime."

"Diante disso, as repostas de Bolsonaro convencem: mão dura, disciplina, cadeia, redução da maioridade penal, aumento das penas no Código Penal, prisão perpétua, porte de arma, dar muito mais poder e proteção à polícia, acabar com a vitimização do bandido."

"(...) para todos, a saída está na disciplina. Botar ordem na casa. Autoridade. O militarismo como modelo, inclusive as escolas militares são amplamente defendidas por todos."

3. CORRUPÇÃO E ANTIPOLÍTICA 

"Consequência direta da operação Lava Jato e sua espetacularização, os brasileiros enxergam
um sistema político totalmente corrompido."


"Neste sentido, todos os entrevistados da pesquisa atual coincidem que Bolsonaro é o único, ou um dos únicos políticos honestos de Brasil. Na visão deles, a corrupção perpassa
todos os partidos. Não tem diferença entre esquerda e direita."


Quando questionados sobre os procedimentos polêmicos da Operação Lava Jato, a maioria reflete a ideia de que investigados, réus, corruptos não deveriam ter direitos. "(...) político corrupto não é sujeito de direito, político corrupto merece punição, cadeia e o resto é 'mimimi'. Sérgio Moro apresentava-se envolvido em narrativas messiânicas-salvacionistas."

4. MERITOCRACIA E VITIMISMO 

A pesquisadora chamou atenção, em várias passagens do relatório, para os eleitores que vivem na periferia e ascenderam socialmente nos últimos anos, inclusive abrangidos por políticas públicas criadas pelos governo do PT (como Fies), mas que são unânimes em afirmar que esse crescimento não teve nenhuma relação com Lula e Dilma. Eles entendem que venceram por conta própria e se identificam com o discurso do "self-made man" de João Doria. Agora, dizem que não são mais pobres e que apenas os pobres e nordestinos votam no PT. E, para com o partido, não sentem que têm nenhuma dívida.

Nessa perspectiva, eles acreditam que os "mais desfavorecidos e que são beneficiários de políticas sociais existentes seriam parasitas do Estado, não se esforçam o suficiente no trabalho e, por sua vez, o Estado faz uso destas políticas públicas para controlar eleitoralmente estes grupos."

"O voto no PT, a aceitação de políticas assistenciais é sinônimo, para eles, de grupos empobrecidos que precisam deste tipo de ajuda."

Sobre cotas raciais, acreditam no discurso de Bolsonaro, de que se trata de duplo racismo, pois acabam com o mérito do negro ao mesmo tempo em que estimulam nos estudantes brancos um sentimentos de que foram prejudicados pelo Estado.

Ao "movimento negro, feminismo ou o movimento LGBTQIA, as respostas são padrão. Eles são grupos que sofrem preconceito, sim, mas estão abusando de seus direitos."

Contra essas minorias, Bolsonaro não faria discurso de ódio. A maioria relativiza os rompantes do candidato, afirmando que as frases polêmicas são fruto apenas da franqueza e da personalidade dele, que é mais "bruto" mesmo. Mas diferente da esquerda, Bolsonaro trata um gay, por exemplo, como se fosse um "cidadão qualquer": sem privilégio.

Os entrevistados se sentem atraídos pelo estilo de Bolsonaro, que "não segue a norma do politicamente correto, ele fala o que pensa, com sinceridade. Não é discurso de ódio, é liberdade de expressão."

"O que para o campo progressista é percebido como luta por direitos historicamente negados, os entrevistados entendem como grupos querendo impor seus interesses e modelos de vida e, portanto,ultrapassando a linha do direito e chegando ao privilégio."

5. DIREITA POP 

Entre jovens - a pesquisadora promoveu uma roda de conversas em turmas do ensino médio de uma escola pública em São Paulo - Bolsonaro é visto como um "rebelde" que sabe tratar com a nova geração e que se opõe à classe política dominante.

"O uso das redes sociais, a utilização de vídeos curtos e apelativos, o meme como ferramenta de comunicação, a figura heroica e juvenil do “mito Bolsonaro”, falas irreverentes até ridículas, falas fortes, destrutivas, contra todos, são aspectos que atraem os jovens. Se nos anos 70, ser rebelde era ser de esquerda, agora, para muitos destes jovens, é votar nesta nova direita que se apresenta de uma forma cool."

"Um tema que aparece nas entrevistas é que essa nova direita é próxima das pessoas, Bolsonaro fala a língua da gente, não é como os outros políticos que a gente nem entende."

6. RESGATE DOS VALORES TRADICIONAIS 

"Uma das questões que os entrevistados mais defendem desta nova direita é que estaria protegendo os valores que têm sido perdidos no Brasil, depois de tantos anos de governo de esquerda. Família, religião, disciplina, autoridade, ética são questões que agora podem ser discutidas de novo, mas que durante muito tempo estavam fora do debate público."

Nesse contexto está a "ressignificação da ditadura num período saudoso em que o cidadão de bem era protegido pelo Estado e imperava a ordem e não a confusão."

Sobre projetos como o Escola sem Partido, Solano observou que "onde muitos de nós [progressistas] enxergamos posturas de patrulhamento ideológico ou censura acadêmica, os entrevistados enxergam preocupação com o cuidado e a proteção da moral e os bons costumes."

7. DE LULA A BOLSONARO 

Para o eleitorado de Bolsonaro, o deputado ocupa, de alguma forma, a lacuna deixada por Lula como um líder carismático e próximo do povo.

E nesse paralelo fica mais visível a história de como o sentimento anti-PT foi trabalhado.

"Em paralelo, um assunto que aparece recorrentemente nas entrevistas com pessoas de regiões periféricas, mas que foram beneficiadas pelas políticas de inclusão dos governos petistas, o aumento de emprego e renda é seu autoenquadramento como classes médias, ou classes consumidoras e a naturalização de valores típicos das classes médias como a adesão ao combate a corrupção ou a rejeição a programas de inclusão social, dos quais eles mesmos foram beneficiados direta ou indiretamente. A rejeição ao PT por estes grupos tem muito a ver com a construção de uma nova identidade, diferente à de periférico, pobre ou excluído. Como um taxista me disse um dia eu não voto no PT porque quem vota no PT é pobre, a nova classe média vota no PSDB." 

A pesquisa completa está em anexo. 

Arquivo

segunda-feira, 23 de julho de 2018

GGN: Xadrez da maior aposta de Lula

Peça 1 – entendendo a estratégia

A estratégia do PT para as eleições consiste dos seguintes passos:

Passo 1 – a pré-campanha, mantendo a candidatura de Lula até o fim

Objetivo – manter o eleitorado coeso, aumentar a adesão ao candidato permitindo até aumentar sua força eleitoral e fortalecendo o ungido, que deverá substituir Lula.

Passo 2 – a campanha do 1º turno

São feitas duas apostas na cabeça de Lula.

A primeira é que a jurisprudência do STF (Supremo Tribunal Federal) permite a candidatura de candidatos condenados em 2ª instância. Ela será por conta e risco do candidato. Lula imagina que, se eleito não haverá como despojá-lo da presidência.

A segunda convicção é que, quanto mais prorrogar a candidatura, mais a opinião pública entenderá a perseguição de que está sendo alvo, e maior será a transferência de votos para o seu candidato.

 

Passo 3 – o 2º turno


Passando para o 2º turno, montar o arco de alianças de esquerda para enfrentar o candidato de direito: Bolsonaro ou Geraldo Alckmin.

 

Passo 4 – o 3º turno


Vencendo as eleições, enfrentar as ameaças de impugnação, confiando no clamor popular.

 

Peça 2 – a correlação de forças

Como Garrincha já dizia, faltou combinar com os russos.

Eleição não se confunde com Poder. Em países democráticos, todo poder emana do povo. Em situações de estado de exceção, como a atual, o povo, ora, o povo! O sentimento democrático desaparece até de quem deveria defender a Constituição, o STF (Supremo Tribunal Federal) e a Procuradoria Geral da República (PGR)

Grosso modo, a estrutura de Poder é representada pelos seguintes grupos.
  1. Mídia, melhor dizendo, Globo, potencializando a influência do mercado.
  2. Judiciário: a corrente Lava Jato à TRF4 à STJ/TSE à STF, francamente anti-PT e disposta a punir os recalcitrantes internos.
  3. Os empresários, subdivididos em três grupos: as associações empresariais, as grandes corporações e o mercado. As associações aceitam até Bolsonaro; mais informadas, as grandes corporações não chegam a tanto. Mas em todos eles consolidou-se o sentimento anti-PT.
  4. O poder armado: Forças Armadas, Política Federal e Polícia Militar. Estão a reboque do poder central, mas sempre disponíveis para utilizar o poder da borduna contra os inimigos.
  5. O crime organizado e as milícias.
  6. Finalmente, os setores minoritários:
  • Sindicatos de trabalhadores.
  • Movimentos populares
  • Mídia alternativa
  • Setores da sociedade civil
  • Setores minoritários da Justiça
  • Consciências individuais que participam dos poderes anteriores.

Em relação à correlação de forças, há uma frente fechada anti-PT, uma aliança tão intransponível, que tacitamente admite até a alternativa Bolsonaro, se for para evitar a volta de Lula.

Esse é um dado da realidade, que não será removido com o uso da fé. Historiadores já descreveram a marcha da insensatez que acomete nações e civilizações. O Brasil claramente atravessa um desses momentos, sem que uma massa crítica de racionalidade se interponha no caminho do desastre.

Enquanto essa frente tosca não for rompida, não se deve alimentar nenhuma veleidade de se impor em nome do estado de direito e da consciência democrática.

Restam as eleições, como tentativa de freada de arrumação.

Dentro de cada Poder existem as pessoas de bom senso percebendo a loucura. Mas não ousam colocar o pescoço para fora, temendo – com razão – serem alvos de represália. Daí a importância das eleições e de saídas que, se não forem o sonho ideal do eleitor, pelo menos represente uma redução de danos do futuro próximo.

 

Peça 3 – o que os russos irão fazer

Entendido isso, vamos a uma análise da estratégia de Lula, colocando os russos – o Poder – em campo.

 

Etapa 1 – a pré campanha

Já se tem os resultados aí.

Houve o absurdo da juíza da execução impedir até entrevistas de Lula, e não haver nenhum poder capaz de revogar o arbítrio.
 
Conseguiu-se, com isso, afastar Lula de qualquer articulação política. E, pior ainda, nenhuma liderança petista se habilitou a essas negociações.

Por outro lado, fortaleceu a imagem de Lula e a percepção da perseguição política a que está exposto. Além disso, manteve a união do PT, evitando a implosão do partido, que poderia se converter em um arquipélago de tendências e regiões, perdendo a noção de projeto nacional.

 

Etapa 2 – o 1º turno


Agora se entra na parte mais delicada, de definição da estratégia para o 1º turno.
O que se tem de objetivo:
  • Jair Bolsonaro mantendo seu índice de votação.
  • Geraldo Alckmin fazendo a liga entre o governo Temer, o mercado e a mídia, montando um arco de alianças que o deixará sozinho no campo da direita.
Aí entra o fator transferência de votos de Lula. Não se sabe quem será o ungido, mas em apenas 20 dias o eleitor terá que saber que ele é o indicado de Lula.

Haverá o seguinte desenho no período:
  • A PGR e a Lava Jato, em parceria com a mídia, soltando denúncias a torto e a direito contra o ungido.
  • A mídia tratando-o como corrupto e recorrendo a toda sorte de factoides, que não serão  eternos, posto que factoides, mas infinitos enquanto durar o 1º turno.
  • O PT com 90 segundos por dia para informar o eleitor quem é o candidato de Lula. E ainda dividindo votos especialmente com Ciro Gomes.
  • Blogs e portais independentes falando para o público de militantes e para os democratas dispersos.

Etapa 3 – o 2º turno
Na hipótese do ungido passar para o 2º turno, haverá uma guerra mundial. A jurisprudência do Supremo, TSE, TRE e o escambau serão  confrontadas com o estado de exceção em vigor.

Etapa 4 – a pós-eleição

E, afianço, nem o algoritmo do Supremo ou do TSE terá muito trabalho, porque a maioria dos Ministros e juízes já faz parte da frente anti-Lula e votará com o que o Poder determinará.

Peça 4 – a revisão da estratégia

Com o auxílio do tapetão, as possibilidades de um 2º turno com Alckmin e Bolsonaro é real. Há que se analisar, então, o segundo tempo da estratégia. Esse é o busílis da questão.

Na luta contra a droga, adota-se a política de redução de danos.

Lula está fazendo a maior aposta da sua vida.

Não se poder dizer que Judiciário, Ministério Público, a própria Polícia Federal, sejam organizações homogêneas. Os abusos antidemocráticos cometidos contra Lula, as negociatas com o serviço público, a incapacidade de recuperação da economia, a volta do país ao mapa da fome, decorrem de uma aliança pontual cimentada pelo antipetismo, com um poder de represália capaz de demover as reações individuais internas em cada setor. Repito: o único fator de coesão desse banquete bárbaro é o anti-petismo.

Só se recuperará o caminho democrático se se romper essa aliança. E, aí, exigirá uma articulação que vá  além do PT, que seja multipartidária, e, mais que isso, suprapartidária.

Mais quatro anos do estilo Temer, aprofundado com a eleição de Alckmin, significará jogar definitivamente as forças democráticas no gueto, os movimentos populares na clandestinidade e os direitos sociais no lixo.

Prosseguirá a demolição de qualquer ponto de resistência, o próprio PT, sindicatos, governadores de oposição, imprensa independente, juízes independentes, procuradores que defendam direitos humanos e, especialmente, uma certa convicção democrática que começa a florescer internamente nesses poderes, fruto dos abusos reiterados de Temer e companhia.

O que está em jogo é o legado de Lula e seu próprio futuro político e seu papel na história. Se falhar nessa aposta de tudo-ou-nada, esquerda, centro-esquerda, forças democráticas estarão definitivamente fora do jogo. E Lula se tornará apenas um retrato na parede, lembrando os tempos em que o país parecia ter encontrado o seu destino.

Daí a importância de se analisar a política de redução de danos e compor a frente democrática antes que seja tarde. Mesmo que signifique o PT abdicar de um protagonismo que, por direito, deveria ser seu.