A esquerda comete um erro ao escantear ou desistir de entender as ideias do brasileiro que se declara eleitor de Jair Bolsonaro. Essa é a avaliação da cientista social Esther Solano, professora da Unifesp e autora de uma recente pesquisa sobre o perfil da "nova direita" que vê no "mito" algum potencial para presidente da República.
No estudo "Crise da democracia e extremismos de direita", Solano
afirma: "Com frequência, setores progressistas menosprezam estas
posturas por considerarem que 'pobre que vota na direita é burro',
'seguidor de Bolsonaro é burro' e por aí vai. É um grande erro
caricaturar ou desestimar a importância de um fenômeno que tem densas
raízes sociais e que pouco tem de trivial ou transitório."
E explica porque, para a esquerda, revisar essa conduta seria
providencial: "O primeiro passo para combater posturas antidemocráticas,
que colocam em risco o avanço nos direitos e garantias fundamentais, é
entender este processo em toda sua complexidade e
multidimensionalidade."
Entrevistando, apenas em São Paulo, vários eleitores de Bolsonaro com
perfis distintos (em termos socioeconômico, de faixa etária, gênero,
etc), Solano levantou, em tópicos, o que pena a massa que defende as
mesmas bandeiras do parlamentar.
O GGN expõe abaixo um resumo das principais observações segmentado pelos temas abordados nas entrevistas:
O GGN expõe abaixo um resumo das principais observações segmentado pelos temas abordados nas entrevistas:
1. SEGURANÇA
Na avaliação de Solano, Bolsonaro conseguiu canalizar muito bem o medo que as pessoas sentem, a percepção de "insegurança permanente".
"Fato também é que durante muito tempo, os partidos de esquerda têm se furtado a um debate sério e propositivo sobre segurança pública, deixando em mãos da direita mais punitiva e totalitária este assunto emergencial para grande parte da população."
Na avaliação de Solano, Bolsonaro conseguiu canalizar muito bem o medo que as pessoas sentem, a percepção de "insegurança permanente".
"Fato também é que durante muito tempo, os partidos de esquerda têm se furtado a um debate sério e propositivo sobre segurança pública, deixando em mãos da direita mais punitiva e totalitária este assunto emergencial para grande parte da população."
O estudo revelou ser questão "recorrente" que existe uma visão de que
os bandidos foram vitimizados "numa alteração da ordem social" que faz
com que o "cidadão de bem” esteja "desprotegido". A vítima dos crimes
ficam abandonadas e o criminoso é superprotegido pelo Estado".
Bolsonaro angaria adeptos porque rompe com essa lógica de humanizar o bandido ou de lhe conceder qualquer direito.
Bolsonaro angaria adeptos porque rompe com essa lógica de humanizar o bandido ou de lhe conceder qualquer direito.
2. "DIREITOS HUMANOS PARA HUMANOS DIREITOS"
Na esteira do sentimento de que o cidadão de bem tem menos privilégios do que os bandidos, destaca-se a ideia de que "a polícia passa por um processo de criminalização e perseguição constante pela mídia e pelos grupos de esquerda, além do abandono pela cúpula da corporação e pelo próprio Estado. O policial virou bandido e não pode mais fazer seu trabalho, o que acaba tendo como resultado o aumento do crime."
"Diante disso, as repostas de Bolsonaro convencem: mão dura, disciplina, cadeia, redução da maioridade penal, aumento das penas no Código Penal, prisão perpétua, porte de arma, dar muito mais poder e proteção à polícia, acabar com a vitimização do bandido."
"(...) para todos, a saída está na disciplina. Botar ordem na casa. Autoridade. O militarismo como modelo, inclusive as escolas militares são amplamente defendidas por todos."
Na esteira do sentimento de que o cidadão de bem tem menos privilégios do que os bandidos, destaca-se a ideia de que "a polícia passa por um processo de criminalização e perseguição constante pela mídia e pelos grupos de esquerda, além do abandono pela cúpula da corporação e pelo próprio Estado. O policial virou bandido e não pode mais fazer seu trabalho, o que acaba tendo como resultado o aumento do crime."
"Diante disso, as repostas de Bolsonaro convencem: mão dura, disciplina, cadeia, redução da maioridade penal, aumento das penas no Código Penal, prisão perpétua, porte de arma, dar muito mais poder e proteção à polícia, acabar com a vitimização do bandido."
"(...) para todos, a saída está na disciplina. Botar ordem na casa. Autoridade. O militarismo como modelo, inclusive as escolas militares são amplamente defendidas por todos."
3. CORRUPÇÃO E ANTIPOLÍTICA
"Consequência direta da operação Lava Jato e sua espetacularização, os brasileiros enxergam
um sistema político totalmente corrompido."
"Neste sentido, todos os entrevistados da pesquisa atual coincidem que Bolsonaro é o único, ou um dos únicos políticos honestos de Brasil. Na visão deles, a corrupção perpassa
todos os partidos. Não tem diferença entre esquerda e direita."
Quando questionados sobre os procedimentos polêmicos da Operação Lava Jato, a maioria reflete a ideia de que investigados, réus, corruptos não deveriam ter direitos. "(...) político corrupto não é sujeito de direito, político corrupto merece punição, cadeia e o resto é 'mimimi'. Sérgio Moro apresentava-se envolvido em narrativas messiânicas-salvacionistas."
"Consequência direta da operação Lava Jato e sua espetacularização, os brasileiros enxergam
um sistema político totalmente corrompido."
"Neste sentido, todos os entrevistados da pesquisa atual coincidem que Bolsonaro é o único, ou um dos únicos políticos honestos de Brasil. Na visão deles, a corrupção perpassa
todos os partidos. Não tem diferença entre esquerda e direita."
Quando questionados sobre os procedimentos polêmicos da Operação Lava Jato, a maioria reflete a ideia de que investigados, réus, corruptos não deveriam ter direitos. "(...) político corrupto não é sujeito de direito, político corrupto merece punição, cadeia e o resto é 'mimimi'. Sérgio Moro apresentava-se envolvido em narrativas messiânicas-salvacionistas."
4. MERITOCRACIA E VITIMISMO
A pesquisadora chamou atenção, em várias passagens do relatório, para os eleitores que vivem na periferia e ascenderam socialmente nos últimos anos, inclusive abrangidos por políticas públicas criadas pelos governo do PT (como Fies), mas que são unânimes em afirmar que esse crescimento não teve nenhuma relação com Lula e Dilma. Eles entendem que venceram por conta própria e se identificam com o discurso do "self-made man" de João Doria. Agora, dizem que não são mais pobres e que apenas os pobres e nordestinos votam no PT. E, para com o partido, não sentem que têm nenhuma dívida.
Nessa perspectiva, eles acreditam que os "mais desfavorecidos e que são beneficiários de políticas sociais existentes seriam parasitas do Estado, não se esforçam o suficiente no trabalho e, por sua vez, o Estado faz uso destas políticas públicas para controlar eleitoralmente estes grupos."
"O voto no PT, a aceitação de políticas assistenciais é sinônimo, para eles, de grupos empobrecidos que precisam deste tipo de ajuda."
Sobre cotas raciais, acreditam no discurso de Bolsonaro, de que se trata de duplo racismo, pois acabam com o mérito do negro ao mesmo tempo em que estimulam nos estudantes brancos um sentimentos de que foram prejudicados pelo Estado.
Ao "movimento negro, feminismo ou o movimento LGBTQIA, as respostas são padrão. Eles são grupos que sofrem preconceito, sim, mas estão abusando de seus direitos."
Contra essas minorias, Bolsonaro não faria discurso de ódio. A maioria relativiza os rompantes do candidato, afirmando que as frases polêmicas são fruto apenas da franqueza e da personalidade dele, que é mais "bruto" mesmo. Mas diferente da esquerda, Bolsonaro trata um gay, por exemplo, como se fosse um "cidadão qualquer": sem privilégio.
Os entrevistados se sentem atraídos pelo estilo de Bolsonaro, que "não segue a norma do politicamente correto, ele fala o que pensa, com sinceridade. Não é discurso de ódio, é liberdade de expressão."
"O que para o campo progressista é percebido como luta por direitos historicamente negados, os entrevistados entendem como grupos querendo impor seus interesses e modelos de vida e, portanto,ultrapassando a linha do direito e chegando ao privilégio."
A pesquisadora chamou atenção, em várias passagens do relatório, para os eleitores que vivem na periferia e ascenderam socialmente nos últimos anos, inclusive abrangidos por políticas públicas criadas pelos governo do PT (como Fies), mas que são unânimes em afirmar que esse crescimento não teve nenhuma relação com Lula e Dilma. Eles entendem que venceram por conta própria e se identificam com o discurso do "self-made man" de João Doria. Agora, dizem que não são mais pobres e que apenas os pobres e nordestinos votam no PT. E, para com o partido, não sentem que têm nenhuma dívida.
Nessa perspectiva, eles acreditam que os "mais desfavorecidos e que são beneficiários de políticas sociais existentes seriam parasitas do Estado, não se esforçam o suficiente no trabalho e, por sua vez, o Estado faz uso destas políticas públicas para controlar eleitoralmente estes grupos."
"O voto no PT, a aceitação de políticas assistenciais é sinônimo, para eles, de grupos empobrecidos que precisam deste tipo de ajuda."
Sobre cotas raciais, acreditam no discurso de Bolsonaro, de que se trata de duplo racismo, pois acabam com o mérito do negro ao mesmo tempo em que estimulam nos estudantes brancos um sentimentos de que foram prejudicados pelo Estado.
Ao "movimento negro, feminismo ou o movimento LGBTQIA, as respostas são padrão. Eles são grupos que sofrem preconceito, sim, mas estão abusando de seus direitos."
Contra essas minorias, Bolsonaro não faria discurso de ódio. A maioria relativiza os rompantes do candidato, afirmando que as frases polêmicas são fruto apenas da franqueza e da personalidade dele, que é mais "bruto" mesmo. Mas diferente da esquerda, Bolsonaro trata um gay, por exemplo, como se fosse um "cidadão qualquer": sem privilégio.
Os entrevistados se sentem atraídos pelo estilo de Bolsonaro, que "não segue a norma do politicamente correto, ele fala o que pensa, com sinceridade. Não é discurso de ódio, é liberdade de expressão."
"O que para o campo progressista é percebido como luta por direitos historicamente negados, os entrevistados entendem como grupos querendo impor seus interesses e modelos de vida e, portanto,ultrapassando a linha do direito e chegando ao privilégio."
5. DIREITA POP
Entre jovens - a pesquisadora promoveu uma roda de conversas em turmas do ensino médio de uma escola pública em São Paulo - Bolsonaro é visto como um "rebelde" que sabe tratar com a nova geração e que se opõe à classe política dominante.
"O uso das redes sociais, a utilização de vídeos curtos e apelativos, o meme como ferramenta de comunicação, a figura heroica e juvenil do “mito Bolsonaro”, falas irreverentes até ridículas, falas fortes, destrutivas, contra todos, são aspectos que atraem os jovens. Se nos anos 70, ser rebelde era ser de esquerda, agora, para muitos destes jovens, é votar nesta nova direita que se apresenta de uma forma cool."
"Um tema que aparece nas entrevistas é que essa nova direita é próxima das pessoas, Bolsonaro fala a língua da gente, não é como os outros políticos que a gente nem entende."
Entre jovens - a pesquisadora promoveu uma roda de conversas em turmas do ensino médio de uma escola pública em São Paulo - Bolsonaro é visto como um "rebelde" que sabe tratar com a nova geração e que se opõe à classe política dominante.
"O uso das redes sociais, a utilização de vídeos curtos e apelativos, o meme como ferramenta de comunicação, a figura heroica e juvenil do “mito Bolsonaro”, falas irreverentes até ridículas, falas fortes, destrutivas, contra todos, são aspectos que atraem os jovens. Se nos anos 70, ser rebelde era ser de esquerda, agora, para muitos destes jovens, é votar nesta nova direita que se apresenta de uma forma cool."
"Um tema que aparece nas entrevistas é que essa nova direita é próxima das pessoas, Bolsonaro fala a língua da gente, não é como os outros políticos que a gente nem entende."
6. RESGATE DOS VALORES TRADICIONAIS
"Uma das questões que os entrevistados mais defendem desta nova direita é que estaria protegendo os valores que têm sido perdidos no Brasil, depois de tantos anos de governo de esquerda. Família, religião, disciplina, autoridade, ética são questões que agora podem ser discutidas de novo, mas que durante muito tempo estavam fora do debate público."
Nesse contexto está a "ressignificação da ditadura num período saudoso em que o cidadão de bem era protegido pelo Estado e imperava a ordem e não a confusão."
Sobre projetos como o Escola sem Partido, Solano observou que "onde muitos de nós [progressistas] enxergamos posturas de patrulhamento ideológico ou censura acadêmica, os entrevistados enxergam preocupação com o cuidado e a proteção da moral e os bons costumes."
"Uma das questões que os entrevistados mais defendem desta nova direita é que estaria protegendo os valores que têm sido perdidos no Brasil, depois de tantos anos de governo de esquerda. Família, religião, disciplina, autoridade, ética são questões que agora podem ser discutidas de novo, mas que durante muito tempo estavam fora do debate público."
Nesse contexto está a "ressignificação da ditadura num período saudoso em que o cidadão de bem era protegido pelo Estado e imperava a ordem e não a confusão."
Sobre projetos como o Escola sem Partido, Solano observou que "onde muitos de nós [progressistas] enxergamos posturas de patrulhamento ideológico ou censura acadêmica, os entrevistados enxergam preocupação com o cuidado e a proteção da moral e os bons costumes."
7. DE LULA A BOLSONARO
Para o eleitorado de Bolsonaro, o deputado ocupa, de alguma forma, a lacuna deixada por Lula como um líder carismático e próximo do povo.
E nesse paralelo fica mais visível a história de como o sentimento anti-PT foi trabalhado.
"Em paralelo, um assunto que aparece recorrentemente nas entrevistas com pessoas de regiões periféricas, mas que foram beneficiadas pelas políticas de inclusão dos governos petistas, o aumento de emprego e renda é seu autoenquadramento como classes médias, ou classes consumidoras e a naturalização de valores típicos das classes médias como a adesão ao combate a corrupção ou a rejeição a programas de inclusão social, dos quais eles mesmos foram beneficiados direta ou indiretamente. A rejeição ao PT por estes grupos tem muito a ver com a construção de uma nova identidade, diferente à de periférico, pobre ou excluído. Como um taxista me disse um dia eu não voto no PT porque quem vota no PT é pobre, a nova classe média vota no PSDB."
A pesquisa completa está em anexo.
Arquivo
Para o eleitorado de Bolsonaro, o deputado ocupa, de alguma forma, a lacuna deixada por Lula como um líder carismático e próximo do povo.
E nesse paralelo fica mais visível a história de como o sentimento anti-PT foi trabalhado.
"Em paralelo, um assunto que aparece recorrentemente nas entrevistas com pessoas de regiões periféricas, mas que foram beneficiadas pelas políticas de inclusão dos governos petistas, o aumento de emprego e renda é seu autoenquadramento como classes médias, ou classes consumidoras e a naturalização de valores típicos das classes médias como a adesão ao combate a corrupção ou a rejeição a programas de inclusão social, dos quais eles mesmos foram beneficiados direta ou indiretamente. A rejeição ao PT por estes grupos tem muito a ver com a construção de uma nova identidade, diferente à de periférico, pobre ou excluído. Como um taxista me disse um dia eu não voto no PT porque quem vota no PT é pobre, a nova classe média vota no PSDB."
A pesquisa completa está em anexo.
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