"Alguns juízes passaram a atuar como cruzados em guerra contra aqueles que elegeram como inimigos"
Por Dilma Rousseff
O episódio deste domingo em relação ao ex-presidente Lula escancara
uma realidade perturbadora: parte do Poder Judiciário brasileiro perdeu
não apenas a serenidade necessária à sua missão constitucional como tem
abdicado do respeito a normas éticas e disciplinares importantes do
direito e da magistratura.
Alguns juízes passaram a atuar como cruzados em guerra contra aqueles
que elegeram como inimigos. Não julgam, perseguem; não deliberam,
militam; não sentenciam; tentam destruir. São movidos por ideologia,
ativismo político e afirmação de poder.
O preconceito, a intolerância, o golpe contra um governo legítimo, a
prisão de um líder inocente e o ambiente de violência política
caracterizam um país doente e contaminado pelo ódio. E o Judiciário,
como parte relevante do país, não escapou do contágio.
Pelo poder que tem e pelo poder absoluto a que tem se arvorado
eventualmente, o Judiciário torna-se por vezes o maior propagador desta
enfermidade que assola o Brasil.
O que aconteceu domingo, quando a decisão de um desembargador foi
afrontada por um juiz de primeira instância que já não tem mais qualquer
responsabilidade ou atribuição sobre o destino do cidadão que está
preso, diagnostica a doença e lhe dá um nome: anomia.
A intervenção de um juiz de primeira instância, pressionando a
polícia a não cumprir decisão de um desembargador de tribunal superior,
revela desrespeito à ordem jurídica do país. O que houve foi uma grave
quebra de hierarquia. Mais do que isto, um ato deliberado de obstrução
da justiça.
Faz parte do funcionamento normal do Judiciário que os
desembargadores de um tribunal superior deliberem, debatam e cheguem por
conta própria a uma decisão, ainda que qualquer cidadão tenha direito
de discordar e recorrer contra ela. Mas que um juiz que não pertence a
este tribunal interfira e exerça pressão direta para impedir a aplicação
de uma medida liminar, é algo que desqualifica a justiça e ameaça a
todos. Se este tipo de ilegalidade e abuso pode ser cometido contra um
ex-presidente da República, o que podem esperar da justiça os demais
cidadãos?
DILMA ROUSSEFF
(Arte Café com Sociologia)
Fonte: Publicado no Jornal GGN
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