O site Propublica divulgou uma gravação em que é possível ouvir o sofrimento de meninos e meninas imigrantes da América Central, separados de seus pais após tentarem entrar ilegalmente nos Estados Unidos.
A gravação foi feita em um centro de detenção da Patrulha de Fronteira americana, na fronteira do país com o México.
Nela, as crianças não param de chorar e gritam, de forma inconsolável, "mamãe" e "papai".
"Eu não quero que detenham o meu pai. Não quero que deportem ele", diz uma delas, em espanhol, chorando.
Também
em espanhol, um agente da fronteira faz piada diante da lamentação
generalizada. Ele diz: "Bom, nós temos uma orquestra aqui. Faltava o
maestro".
homem grita, ao fundo, para que "não chorem!".
Em seguida, são ouvidas vozes de funcionários consulares, trocando
informações sobre "número de identificação" de alguém, perguntando de
onde as crianças são, onde estão seus pais e se era com eles que estavam
viajando.
As crianças que respondem são da Guatemala e de El Salvador.
Uma
delas é Alison Jimena Valencia Madrid, uma menina de seis anos de
idade, de El Salvador, que protagoniza boa parte da gravação.
Separada da mãe na semana passada, ela implora para que alguém ligue para sua tia, cujo número de telefone afirma saber de cor.
"Eu posso ir pelo menos com a minha tia? Quero que ela venha...", diz
a menina. "Quero que a minha tia venha. Ela pode me levar para a casa
dela."
Um homem afirma que alguém vai ajudá-la a fazer a ligação, se ela tiver o número.
No
áudio é possível ouvir os agentes falando em distribuir comida no
local. A menina então insiste sobre a ligação, perguntando se depois de
comer podem chamar a tia para buscá-la.
"Eu tenho o número de
cabeça", afirma Alison. "Você vai ligar para minha tia vir me buscar?
(...) Minha mãe disse para eu ir com a minha tia e que ela vai me buscar
lá (com a tia) o mais rápido possível", reforça, ainda chorando e em
meio a vozes de outras crianças gritando, aos prantos, "papai" e "meu
papai".
"Não chore. Olhe, ela vai explicar a você e vai lhe
ajudar", diz o agente à menina em determinado momento da gravação,
referindo-se à representante do consulado.
No final do áudio, uma oficial consular se oferece para ligar para a tia dela.
'Por favor, me tire daqui'
A
Propublica, que se descreve como uma redação independente, com sede em
Nova York, que produz jornalismo investigativo de interesse público
conseguiu falar com a mulher depois.
"Foi o momento mais difícil
da minha vida", disse ela. "Imagine receber um telefonema da sua
sobrinha de seis anos. Ela está chorando e me implorando para ir
buscá-la. Ela disse: 'Eu prometo que vou me comportar, mas, por favor,
me tire daqui, estou completamente sozinha'."
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Meninos imigrantes em centro de detenção: Relatos apontam que alguns chegam a ficar separados dos pais por semanas e até meses. Aduanas y Protección Fronteriza de Estados Unidos |
A tia, no entanto, afirmou, "com dor", que não podia fazer nada pela
menina. A mulher emigrou há dois anos com a filha pequena, fugindo da
violência em El Salvador, em busca de asilo nos Estados Unidos. Agora,
tem medo de se colocar em situação de risco com a filha, ao tentar
ajudar a sobrinha.
Ela disse que se mantém em contato com a
criança, que foi transferida das instalações da Patrulha da Fronteira
para um abrigo com camas. E que também pôde falar com a irmã, que foi
levada para um centro de detenção de imigrantes perto de Port Isabel, no
Texas.
Mãe e filha, no entanto, não puderam se comunicar.
Segundo a Propublica, o áudio foi gravado na semana passada dentro de um centro de detenção da Patrulha de Fronteira.
A
pessoa que fez a gravação, que pediu para não ser identificada por medo
de represálias, diz que "ouviu os gritos e o choro das crianças e ficou
arrasada".
Essa pessoa estimou que as crianças teriam entre quatro e dez anos de idade.
Ponderou,
ainda, que os funcionários do consulado tentavam tranquilizá-las
conversando com elas e lhes dando comida e brinquedos, mas que as
crianças não conseguiam se acalmar.
Por que as crianças estão sendo separadas de seus pais?
As
crianças estão sendo separadas dos pais na fronteira entre os EUA e o
México como resultado da política "tolerância zero" introduzida em maio
pelo procurador-geral dos Estados Unidos, Jeff Sessions, e alvo
crescente de críticas.
Essa política prevê que adultos que tentam
atravessar a fronteira - muitos deles planejando pedir asilo - sejam
colocados sob custódia e que enfrentem processos criminais por entrada
ilegal no país.
Como resultado, quase 2 mil crianças foram
separadas de seus pais depois de cruzarem ilegalmente a fronteira, de
acordo com balanço divulgado na última sexta-feira.
Elas ficam abrigadas em centros de detenção, mantidas longe de seus pais.
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O procurador-geral dos Estados Unidos, Jeff Sessions, afirma que quem entrar nos EUA de forma irregular será processado criminalmente. Reuters |
Mudança
Sessions afirmou que
aqueles que entrarem nos EUA de forma irregular serão processados
criminalmente. Até então, pessoas detidas tentando entrar ilegalmente
no país eram acusadas de crimes de menor potencial ofensivo.
Os adultos processados são separados dos filhos que viajam com eles - estes, passam a ser considerados menores desacompanhados.
Defensores da medida apontam que centenas de crianças são retiradas de pais que cometem crimes nos EUA diariamente.
Como
tal, elas são colocadas sob custódia do Departamento de Saúde e
Serviços Humanos e enviadas para um parente, lar adotivo ou um abrigo -
os funcionários desses locais já estão com falta de espaço para
abrigá-los.
Abrigos
Recentemente, uma antiga loja do Walmart no Texas foi transformada em centro de detenção para as crianças imigrantes.
Autoridades
também anunciaram planos de erguer acampamentos para abrigar outras
centenas delas no deserto do Texas, onde as temperaturas normalmente
alcançam 40 graus.
O legislador local, José Rodriguez, descreveu o
plano como "totalmente desumano" e "ultrajante". "(É um plano que) Deve
ser condenado por qualquer um que tenha um senso moral de
responsabilidade", disse ele.
Autoridades da Alfândega e Proteção
de Fronteiras dos EUA (CBP, da sigla em inglês) estimam que cerca de 1,5
mil pessoas são presas por dia por cruzarem ilegalmente a fronteira.
Nas duas primeiras semanas de "tolerância zero", 658 menores -
incluindo muitos bebês e crianças pequenas - foram separadas dos adultos
que as acompanhavam, de acordo com o CBP.
Relatos apontam, no entanto, que mais de 700 famílias foram afetadas entre outubro e abril.
Em
muitos dos casos, as famílias já foram reunidas, após os pais serem
libertados da detenção. No entanto, há casos em que a separação teria
durado semanas e até meses.
Trump
Trump
culpou os democratas pela política, dizendo que "temos que separar as
famílias" por causa de uma lei que "os democratas nos deram".
Não
está claro, porém, a que lei ele se refere, pois não há lei aprovada
pelo Congresso dos EUA que determine que as famílias migrantes sejam
separadas.
Verificadores de fatos dizem que a única coisa que mudou foi a
decisão do Departamento de Justiça americano de processar criminalmente
os pais pela primeira vez ao cruzar a fronteira. Como seus filhos não
são acusados de um crime, eles não podem ser presos junto com eles.
O repúdio das primeiras damas
A
polêmica sobre a política de imigração "tolerância zero" de Donald
Trump só aumentou nos últimos dias, especialmente depois que foram
conhecidas as condições em que se encontram muitas das mais de 2 mil
crianças separadas de seus pais desde abril.
Nas instalações onde estão detidas, existem grandes jaulas que, além
de abrigar imigrantes adultos, seriam também destinadas a crianças cujos
pais tentaram atravessar ilegalmente a fronteira sul com os Estados
Unidos.
A medida levou a primeira-dama Melania Trump a romper seu habitual silêncio, no domingo, para criticar a situação.
Por
meio de uma porta-voz, ela disse que "odeia ver crianças separadas de
suas famílias" e que espera que Republicanos e Democratas "finalmente"
trabalhem juntos para alcançar uma reforma imigratória bem-sucedida.
"Ela
(Melania) acredita que precisamos ser um país que segue todas as leis,
mas também um país que governa com o coração", acrescentou a porta-voz
Na
segunda-feira, ex-primeiras-damas de governos democratas e republicanos
também comentaram a questão, em repúdio público à política que Trump
vem adotando na fronteira.
"Eu vivo em um estado fronteiriço.
Entendo a necessidade de reforçar e proteger nossas fronteiras
internacionais, mas essa política de tolerância zero é cruel. É imoral. E
me parte o coração", escreveu a republicana Laura Bush em um artigo no
The Washington Post e no Twitter.
Michelle Obama compartilhou o
post em seu perfil no Twitter e escreveu junto à mensagem: "Às vezes, a
verdade transcende os partidos".
Hillary Clinton, por sua vez, condenou a administração Trump pela
medida e avaliou a situação como "uma afronta aos nossos valores".
Ela
acrescentou, também no Twitter: "O que está acontecendo a essas
famílias na fronteira é uma crise humanitária. Todos os pais que já
carregaram um filho em seus braços, todo ser humano com senso de
compaixão e decência, devem ficar indignados".
Fonte: Publicado na BBC Brasil
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