*Por Leonardo Yarochewsky
Sétimo dos oito filhos de um casal de lavradores analfabetos que
vivenciaram a fome e a miséria na zona mais pobre de Pernambuco,
Aristides Inácio da Silva e Eurídice Ferreira de Melo, Luiz Inácio da
Silva nasceu em 27 de outubro de 1945 em Caetés, que à época era um
distrito do município de Garanhuns, interior de Pernambuco. Como ele
mesmo disse:
"Somente quem passou fome sabe o que é a fome. Uma coisa é a fome de
literatura. Uma coisa é a fome de você saber, por ouvir dizer, que
alguém está com fome. Outra coisa é a fome de quem passa fome. Outra
coisa é uma dona de casa ver o sol se pondo, um fogão de lenha com uma
boca só, um pedacinho de madeira queimando, um pouquinho de água
fervendo e não ter 300 gramas de feijão para colocar naquela água, não
ter o arroz, não ter o leite e muito menos o pão. E não é apenas um dia.
São vários dias, durante vários meses e, às vezes, durante vários
anos".
Antes de chegar à presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva
amargou três derrotas. A primeira derrota do homem de origem humilde,
nordestino, torneiro mecânico, metalúrgico do ABC paulista, sindicalista
e fundador do Partido dos Trabalhadores (PT), veio nas eleições diretas
após a redemocratização do país. Em 1989, Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) chega ao segundo turno das eleições, mas perde para o candidato
Fernando Collor de Mello (PRN) – o caçador de marajás - que recebeu
amplo apoio da mídia e do empresariado que se sentiam ameaçados pelo
"radicalismo" do ex-sindicalista de esquerda.
Naquela época, até a barba, ainda negra, cultivada por Lula causava
arrepios na classe dominante que avistava com medo a possibilidade de
ser governada por um homem que fugia completamente o perfil idealizado e
cultivado pela "fina flor" e pela classe média. Um homem que embora
fosse a cara do povo brasileiro e, talvez, por isso fosse odiado pela
elite e pela oligarquia. De igual modo, o neófito Partido dos
Trabalhadores(PT), fundado em 1980, apesar da presença de vários
intelectuais, ainda não conseguia por si só arrebatar um número de
pessoas suficientes para eleger o presidente da República.
Depois de ser derrotado por Fernando Collor, que acabou sofrendo o
impeachment, Luiz Inácio Lula da Silva amargou mais duas derrotas para
Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em 1994 e 1998.
Foram necessárias três derrotas e mudança de estilo, inclusive no
vestir, para que a elite engolisse o "Sapo Barbudo", no dizer de Leonel
Brizola. A elite, incluindo boa parte da classe média, política,
econômica e social do país.
Finalmente, em 27 de outubro de 2002, derrotando o candidato da
situação José Serra (PSDB), Luiz Inácio Lula da Silva é eleito o 35º
presidente da República do Brasil.
Em 29 de outubro de 2006 Luiz Inácio Lula da Silva é reeleito
presidente da República derrotando Geraldo Alckimin (PSDB). A rivalidade
do Partido dos Trabalhadores (PT) com o PSDB aumentava a cada nova
eleição.
Após deixar a presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva com
o seu inegável prestigio político, alto índice de aprovação e enorme
cacife eleitoral fez em 2010 sua sucessora Dilma Rousseff. A presidenta
Dilma, na eleição mais acirrada e disputada do país, se reelege em 2014,
derrotando Aécio Neves, mais uma vez um tucano. Inconformado com a
derrota nas urnas o PSDB, DEM e outros partidos que se opõem ao projeto
político e social do governo, continuam tentando no "tapetão" dos
tribunais do país destituir Dilma Rousseff da presidência da República.
Paralelamente há uma sórdida tentativa por parte dos setores mais
conservadores e autoritários da sociedade brasileira em destruir Luiz
Inácio Lula da Silva e tudo que ele representou e representa para o povo
brasileiro e para o país.
Embora tenha deixado a presidência da República há cerca de seis
anos, Luiz Inácio Lula da Silva continua sofrendo ataques
preconceituosos e discriminatórios. Agora as ofensas estão acompanhadas
de uma tentativa vil de criminalizar o ex-presidente.
Por que Lula? Porque ele é filho da miséria; porque ele é nordestino;
porque ele não tem curso superior; porque ele foi sindicalista; porque
foi torneiro mecânico; porque é fundador do PT; porque bebe cachaça;
porque fez um governo preferencialmente para as classes mais baixas e
vulneráveis; porque retirou da invisibilidade milhões de brasileiros
etc.
Fosse Luiz Inácio Lula da Silva um homem de posses, sulista,
"doutor", poliglota, bebesse vinho e tivesse governado para os poucos
que detêm o poder e o capital em detrimento dos que lutam sofregamente
para ter o mínimo necessário para uma vida com dignidade, certamente a
história seria outra. Grande parte daqueles que rejeitam Lula o fazem
pelo que ele representa e pelo que ele simboliza. A elite nunca suportou
ser governada por um homem do povo, com a cara e o jeito do povo
brasileiro. Do mesmo modo que a elite não aceita ver pobres, negros e a
classe operária saindo da invisibilidade para frequentar lugares, antes
exclusivos das classes dominantes.
No que se refere aos excluídos e "invisíveis" Agostinho Ramalho observou que:
"Nos últimos anos, muitos deles têm sido vistos fora do 'seu' lugar:
nos aeroportos, nos shopping centers, nos restaurantes. De repente,
tornaram-se 'visíveis'. E isso choca e ameaça a classe que se acostumou
historicamente a olhá-los 'de cima' e que agora se sente ameaçada de ser
'desalojada' do que sempre se acostumou a enxergar como o 'seu' lugar. O
sentimento, agora, já não é de indiferença ('sou indiferente em relação
a quem nem vejo'), mas de ódio ('odeio a quem vejo como ameaça para
mim')".
Este mesmo "ódio" contra os excluídos (negros e pobres) é, também,
direcionado a Luiz Inácio Lula da Silva quando ele passa de coadjuvante a
protagonista, passando a ocupar a presidência da República. O "ódio" a
Lula e ao povo se reflete nos ataques aos programas sociais do governo
como Bolsa Família, ProUni, Luz para todos etc.
Muitos dos que se dizem democratas esquecem o verdadeiro sentido da
democracia do ponto de vista material e não apenas formal. Democracia em
sentido material compreende seres humanos com autoestima, portadores de
dignidade e detentores de direitos e garantias. No dizer do
constitucionalista José Afonso da Silva
"A democracia que o Estado Democrático de Direito realiza há de ser
um processo de convivência social numa sociedade livre, justa e
solidária (art. 3º, I da CR), em que o poder emana do povo, e deve ser
exercido em proveito do povo, diretamente ou por representantes eleitos
(art. 1º, parágrafo único); participativa, porque envolve a participação
crescente do povo no processo decisório e na formação dos atos de
governo; pluralista, porque respeita a pluralidade de ideias, culturas e
etnias e pressupõe assim o diálogo entre opiniões e pensamentos
divergentes e possibilidade de convivência de formas de organização e
interesses diferentes da sociedade; há de ser um processo de libertação
da pessoa humana da forma de opressão que não depende apenas do
reconhecimento formal de certos direitos individuais, políticos e
sociais, mas especialmente da vigência de condições econômicas
suscetíveis de favorecer o seu pleno exercício".
Foi necessário que um trabalhador, filho da pobreza nordestina,
identificado com o povo brasileiro assumisse a presidência para dar o
verdadeiro e substancial sentido à democracia. Não há democracia com o
povo de barriga vazia. Não há democracia na miséria. Democracia
pressupõe vida digna. O Estado que se pretende democrático e de direito
não pode ter cidadãos de primeira e segunda categoria. Não há democracia
com o encarceramento em massa dos jovens, negros e pobres. Não há
democracia quando o Estado Penal toma o lugar do Estado Social.
Infelizmente, por tentar construir um país mais igualitário, justo e
verdadeiramente democrático Luiz Inácio Lula da Silva vem pagando um
alto preço pela sua história, pela sua luta e pela sua origem. O
preconceito e a discriminação nunca, absolutamente nunca, deixaram de
acompanhar o ex-presidente.
*Advogado criminalista e professor de Direito Penal da PUC-Minas. Membro
do CNPCP (Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária)
Fonte: Publicado no Brasil 247
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