O Bolsonarismo não é um fenômeno de
curto prazo; possui amparo nas estratégias do dominador externo, no caso os
EUA, para o país nas próximas décadas de exploração do pré-sal
1.Neocolonialismo como resposta ao
projeto brasileiro
Não é possível se entender o que
acontece no Brasil sem que se leve em consideração a dinâmica do sistema
internacional. A estrutura do sistema confunde-se com a hierarquia estabelecida
entre as sociedades territoriais. Esta hierarquia pode ser descrita como
topologia nas dimensões poder-dinheiro-espaço-tempo. A análise
histórico-estrutural toma as transformações nesta topologia como objeto de
estudo – as acelerações na acumulação de poder e riqueza, descritas e
explicadas no espaço concreto e no tempo histórico das experiências
específicas.
Visto desta maneira, o Brasil ocupa
historicamente posição periférica, atrasada e subordinada em relação ao
conjunto de países que disputam o topo na hierarquia. Visto de outra forma, os
brasileiros ocupam estatura intermediária na topologia poder-dinheiro, a
despeito da ótima relação entre habitantes por km2, quando comparado com outras
sociedades territoriais.
Na “independência” houve transição entre
dominadores externos, com a saída de Portugal e, literalmente, venda do Brasil
para a Inglaterra. Em 1889 tratou-se de estabelecimento da República,
diminuindo-se riscos político e de crédito para internação de interesses
industriais e financeiros no Brasil.
Desde então o Brasil tem sido um país
subordinado politicamente aos interesses financeiros e industriais
norte-americanos. Nenhum ex-presidente brasileiro rompeu com o dominador
externo. O país pode ser considerado aberto financeira e comercialmente. Entra
aqui quem quer desde sempre, desde que disponha de recursos.
Na medida em que o tempo passa desde o
“Golpe dos Corruptos” em fins de 2014, fica mais clara a intenção do dominador
externo de interrupção do projeto brasileiro de desenvolvimento. O que
distancia, contudo, esta desconstrução das anteriores é a ambição da solução
final. Aparentemente, as elites norte-americanas pactuaram agir de maneira a
destruir os meios, as condições, para que o Brasil possa algum dia, novamente,
ousar afirmar um caminho autônomo e soberano.
Vencidos os alvos prioritários –
Petrobrás, firmas de engenharia, BNDES – passou-se a uma segunda fase na
desconstrução. As universidades, o Itamarati, a imprensa, as forças armadas
etc. Qualquer instituição que represente o estatuto republicano no Brasil.
Trata-se de um retorno strictu
sensu à condição colonial. Neste sentido, mais que em qualquer
outra época de peste neoliberal, o ódio às instituições públicas visa não à
eficiência econômica, mas à liquidação do Estado Desenvolvimentista.
2.O que se espera da dinastia Bolsonaro
?
Eu até aprecio o caráter afirmativo desta
nova dinastia neocolonialista que se instalou no poder no Brasil. O problema
com eles é que se comunicam muito mal. De tanto tomar a bolinha azul do S.
Bannon passaram a achar que, no mundo pós-verdade, cabe como uma luva a verdade
deles.
E em certo sentido têm razão. A
fragmentação da realidade parece ensejar uma ruptura estrutural de grandes
proporções. E esse fenômeno apenas começa a ser percebido por nós, excluídos
das decisões do topo. A aplicação de tecnologias de big data e inteligência
artificial vem se desdobrando como guerra. Uma guerra mundial. As primeiras
vítimas são aquelas que Keynes denominou como convenções sociais. A Bomba
Cambridge Analitica vem esfacelando os miolos dos “excluídos do topo”. Algo
próximo do caos social criado a partir da incapacidade de qualquer indivíduo
perceber, no coletivo, uma narrativa que espelhe as “opiniões da maioria”. Sem
a ciência a separar o lógico do ilógico, o falso do verdadeiro, a sociedade
mundial mergulhará provavelmente em caos social progressivo. Primeiro os
jovens, cujos modelos mentais ainda estão em fase de esboço.
Me parece que a ultradireita
judaico-cristã tem razão quando aposta que prevalecerá a verdade interna deles
em meio ao caos mental criado com o emprego de suas armas. Ocorre que trabalham
exatamente para que a religião triunfe diante de um mundo percebido como
incognoscível. A palavra escrita na Bíblia judaico-cristã, oficializada como
ancestral e sagrada, deverá voltar a ancorar as explicações sobre o mundo. Não
a ciência, terreno para alienação e ideologia. Os “novos profetas”, forjados na
teologia da prosperidade, ocuparão os postos-chave nas organizações e nos
governos. Não me surpreenderia se alguém anunciasse para daqui a 100 anos uma
teocracia mundial sob a égide do império norte-americano.
As consequências já começam a ser
sentidas. A mais importante, o fim unilateral e abrupto da promessa de
prosperidade evocada pelos mais ricos aos mais pobres nos últimos cerca de 150
anos. Ou seja, em um mundo de baixo crescimento, para que um ganhe, outros
devem perder. Trata-se de um vale-tudo octanado pelo persistente e progressivo
esforço dos EUA para “invadirem” a Ásia. Como no jogo War, submeter a Ásia não
será nem pouco custoso e nem rápido. E quem custeará este histórico esforço
será a periferia do subsistema judaico-cristão – África e América do Sul,
através de crescentes excedentes de matérias-primas e fluxos financeiros.
Outra consequência da ofensiva imperial
estadunidense pós-Trump tem sido a impossibilidade de afirmação de qualquer projeto
de país não alinhado com a geopolítica da ultradireita. Não se tratou apenas de
petróleo e firmas de engenharia. Na Coreia, os controladores da Samsung foram
recentemente objeto de campanha política destruidora. Em cada país com ambições
de autonomia, para cada elite local com meios para barganhar com os EUA, coube
uma medida político-corretiva nos tempos recentes.
Imagine-se que Trump tenha prometido a
Bolsonaro um Brasil industrializado. Um “convite” para redirecionar para o
Brasil parte da produção industrial norte-americana hoje na China. Desde que
impostos, meio ambiente e trabalho impliquem custos comparáveis com os
praticados na China, claro. A disponibilidade de fontes seguras de energia e
matérias-primas, aliado a crescente hostilidade contra a Ásia, explicariam a
estratégia norte-americana para o Brasil pós-Trump.
Como nos EUA há alternância de poder
entre interesses financeiros e do petróleo, pouco se pode dizer quanto ao
futuro dos juros internacionais. Não obstante, o incremento na produção de
petróleo no Brasil após o leilão de fins de 2019 deve ser suficiente para
induzir impulso industrial sobre base de cálculo já bastante depreciada. Ou
seja, caso a expansão de liquidez dure por ao menos 5 anos, a “estratégia”
ultraliberal pode até colher algum sucesso no Brasil. Isto porque o ramp-up na produção de
petróleo pode ajudar na recuperação econômica já no biênio 2020/2021.
Conclusivamente, ao contrário de um
fenômeno político de curto-prazo, o bolsonarismo possui amparo nas estratégias
do dominador externo para o Brasil nas próximas décadas de exploração do
pré-sal. Diante disso, as forças políticas que ainda aglutinam o que restou de
uma elite industrial-tecnológica no país devem redobrar esforços de
coordenação. Este esforço de coordenação deve centrar-se no Congresso Nacional
como último bastião de defesa dos interesses daqueles muitos excluídos da
corte.
(Crédito da foto da página inicial:
Divulgação/Casa Branca)
*É professor da Escola de Engenharia da
Universidade Federal Fluminense, mestre em administração de empresas pelo
COPPEAD/UFRJ, doutor em economia pelo IE/UFRJ. Engenheiro no BNDES e
Conselheiro na central sindical CNTU. É colunista do Brasil Debate
Fonte: Publicado no Brasil Debate
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