'Um
dos aspectos da reforma trabalhista em pauta, a flexibilização da jornada é
extremamente favorável ao empregador e prejudicial ao trabalhador, a quem se
transfere parte do risco do negócio.'
*Por Pietro Borsari
A reforma trabalhista (PL 6787/2016),
quanto à jornada de trabalho, opera no sentido da flexibilização do uso da
força de trabalho. Este artigo buscará, além de resumir as alterações, elucidar
os motivos pelos quais a flexibilização é tão adequada para o empregador e tão
prejudicial ao trabalhador.
Hoje, a CLT estabelece a jornada
normal de trabalho de 8 horas diárias e 44 horas semanais, podendo haver até 4
horas extras na semana, sendo que não mais de 2 horas extras por dia. Mas a
reforma trabalhista altera aspectos da jornada de forma a possibilitar maior
flexibilidade para compensação das horas extras do banco de horas (Art. 59A),
extensão da jornada diária para até 12 horas (turnos 12×36, Art. 59B) e
implementação do contrato de trabalho intermitente.
Além disso, propõe o fim do comunicado prévio de necessidade imperiosa de
jornada de trabalho acima dos limites legais. Todas essas propostas vão no
sentido de tornar a jornada de trabalho mais flexível,
facilitando a compensação das horas extras sem custos adicionais e, no limite,
permitindo a contratação sem garantia de jornada e remuneração (trabalho
intermitente).
Motivações para a flexibilização da
jornada
O empregador, quando compra a força
de trabalho, está comprando o direito de fazer uso do tempo de trabalho do
trabalhador. Não é de se surpreender que o empregador queira utilizar esse
direito da maneira mais proveitosa.
Ainda, no embate das relações de trabalho,
os detentores de capital têm melhores condições de estabelecer seus interesses
sobre os trabalhadores. Assim, se as relações de trabalho fossem deixadas ao
livre mercado, os empregadores estenderiam tanto quanto possível a jornada de
trabalho contratada para obter máximo retorno. Esse movimento pode ser
aprofundado até certos limites físicos e sociais. O primeiro seria aquele que o
trabalhador conseguiria suportar até não “morrer de trabalhar” e o segundo é
limite socialmente aceitável pela classe trabalhadora, na qual a jornada de 8
horas representa um marco histórico, estabelecida pela OIT em
sua primeira convenção em 1919.
Mas o regime de acumulação
flexível, característica do capitalismo contemporâneo, passou a
explorar todas as formas de flexibilização da produção, seja em termos
financeiros, territoriais ou do trabalho. E a jornada de trabalho é uma das
variáveis de ajuste mais importantes da produção de bens e serviços, para que
os empregadores possam se adequar às flutuações da demanda, repassando
parcialmente as incertezas e os riscos do empreendimento para o trabalhador.
Diga-se de passagem, isso vai em total desencontro, segundo a teoria econômica
convencional, com o “ser empreendedor” e o “ser contratado”, quanto à aversão
ao risco.
Essa sedutora possibilidade de ajuste
se dá na medida em que, por exemplo, por conta de uma queda da demanda, o
empregador percebe que não precisaria de tantos trabalhadores, pois ou uma
parte ficaria ociosa ou geraria estoques indesejáveis. O cenário ideal para ele
seria empregar o montante de hora-trabalho estritamente necessário correspondente
à sua perspectiva de venda.
Podendo flexibilizar a jornada, a
parte “excedente” de hora-trabalho contratada poderia simplesmente não ser
empregada, e ser utilizada outro momento (aumento inesperado de demanda).
Assim, o tempo da força de trabalho total seria empregado o mais perto possível
da maneira ótima para o capital, acompanhando as flutuações das vendas.
Mas e o trabalhador?
A flexibilização da jornada defendida
pelo Projeto de Lei implica o trabalhador estar excessivamente disponível para
o empregador. Acompanhando as oscilações da necessidade de produção, o
trabalhador encontra sua jornada sendo reduzida ou estendida, sem ter controle
do seu tempo de trabalho. As consequências para o trabalhador não são poucas:
desorganização da vida social e familiar, perda de perspectiva de crescimento
profissional, aumento do número de acidentes e cansaço acentuado. Em suma,
consequências de ordem social, psicológica e da saúde.
A intensificação ocorre
pela diminuição dos intervalos entre uma atividade e outra. Com o tempo da
força de trabalho sendo continuamente utilizado, as porosidades do trabalho são minimizadas, ou seja,
cada ínfimo momento em que o trabalhador consegue “respirar” e se recompor
dentro da jornada de trabalho é esvaziado, pois sua mão de obra está sendo
intensamente absorvida com a flexibilização da jornada.
A possibilidade de jornadas maiores e
a certeza da intensificação do ritmo de trabalho levam ao aumento do número
de acidentes do
trabalho e adoecimentos ocupacionais. Essas consequências da
flexibilização da jornada são diretas e facilmente
perceptíveis. O que não se tem em conta, muitas vezes, é que não se trata
somente da saúde do ponto de vista individual. É uma questão de saúde pública,
e, portanto, deve fazer parte de um amplo debate da sociedade, pois construir
uma sociedade mais doente não só é indesejável do ponto de vista de humanidade,
como também do ponto de vista do orçamento público.
Além dos impactos físicos, a
incerteza da jornada de trabalho desemboca no descontrole da própria rotina de
trabalho do trabalhador. Isso gera imediato impacto na organização da
vida social do trabalhador, assim como na própria vida
profissional, pelo trabalho excessivo e com jornada imprevisível, dificultando
a possibilidade de capacitação via cursos de aperfeiçoamento, treinamentos e
acúmulo de novos conhecimentos. Tudo isso pode desencadear doenças psíquicas e
perda de interesse em demais aspectos da vida. De novo uma questão de saúde
pública.
Portanto, a reforma trabalhista atua
no sentido de flexibilizar a jornada de trabalho, o que é extremamente
favorável para o empregador extrair maiores ganhos do tempo de trabalho
contratado, reduzindo custos e, assim, transferir parte do risco do negócio
para o trabalhador. Por outro lado, o trabalhador é prejudicado pela
intensificação do trabalho, desorganização da vida social, perda de perspectiva
de capacitação e aumento do número de acidentes.
*Pietro Borsari é matemático e economista, mestrando em Desenvolvimento Econômico
na Unicamp e integrante do GT sobre Reforma Trabalhista IE/Cesit/Unicamp
Fonte: Publicado no Brasil Debate
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