'Para observadores europeus, 12 meses do governo Temer deixam legado de retrocessos no âmbito social e perda de confiança no sistema. Reformas promovidas até agora beneficiariam apenas a própria classe política.'
Por Jean-Philip Struck
Há um ano, o presidente Michel Temer assumiu o cargo interinamente após
o Senado ratificar o afastamento temporário de Dilma Rousseff. Na cerimônia de
posse, Temer falou em "pacificar a nação" e "unificar o
Brasil" e enfatizou que era urgente formar um governo de "salvação
nacional". Na ocasião, também aproveitou para anunciar os nomes de seus
novos ministros. Ele também citou uma frase que viu em um outdoor: "Não
fale em crise, trabalhe."
Nas horas seguintes, as reações aos nomes que iam comandar os
ministérios já deram o tom de como o governo Temer seria encarado e analisado.
Jornais, ONGs e observadores estrangeiros criticaram a falta de diversidade do
gabinete, composto quase que exclusivamente por homens brancos. Pouco antes do
anúncio, esperava-se que Temer conseguisse ter um período de lua de mel com a
opinião pública. Ela nunca aconteceu.
Em duas semanas seria a vez de Temer perder um de seus "homens
brancos", Romero Jucá, para um escândalo que envolveu gravações e a
suspeita de que o novo governo tinha uma postura duvidosa em relação à Operação
Lava Jato.
Um ano depois, a popularidade de Temer – que já era baixa antes da
posse –atinge impressionantes 4% de aprovação, segundo levantamento divulgado
no final de abril. A mesma pesquisa mostrou que 92% acreditam que o país está
no caminho errado. Ainda assim, o presidente redobrou sua aposta na indicação
de nomes controversos para seu ministério, com a entrada de figuras como
Osmar Serraglio, ligado à bancada ruralista, para a Justiça, e na proteção de
ministros envolvidos nos escândalos revelados pela Lava Jato.
No plano das reformas, o governo continuou a promover mudanças
reprovadas pela população, como a trabalhista, já aprovada na
Câmara, e a da Previdência, que ainda enfrenta dificuldades no
Congresso. Segundo uma pesquisa divulgada nesta semana, apenas 20% dos
brasileiros apoiam a reforma da Previdência. A Trabalhista só é bem vista
por 19%.
"Estado de exceção
sob manto de normalidade democrática"
Para observadores estrangeiros ouvidos pela DW, o desapreço à
opinião pública tem sido a característica que resume o governo Temer.
"Seus poucos apoiadores, principalmente o empresariado, encaram isso como
uma vantagem, já que ele vai tentar passar essas reformas de qualquer jeito,
mas isso só minou ainda mais a confiança dos brasileiros no sistema
político", afirma Thomas Manz, diretor da Fundação Friedrich Ebert no
Brasil, organização ligada ao Partido Social-Democrata alemão (SPD).
"Este aniversário [de Temer na previdência] marca o fim da Nova
República brasileira, baseada na Constituição de 1988. É o primeiro governo que
veio depois da redemocratização que não tem os avanços sociais como
prioridade", considera Manz.
Para Gerhard Dilger, diretor da Fundação Rosa Luxemburgo no Brasil,
ligada ao partido alemão A Esquerda, os 12 meses de governo Temer não devem ser
analisados pela clássica fórmula erros x acertos.
"O governo Temer está implementando uma série de medidas neoliberais
que atingem os brasileiros mais pobres. Infelizmente, trata-se de uma política
deliberada, e não de um 'erro'", diz. Segundo ele, a questão principal
continua sendo a falta de legitimidade do presidente. "O Brasil está
vivendo uma espécie de estado de exceção sob um manto de normalidade
democrática."
Segundo o cientista político suíço Rolf Rauschenbach, do Centro
Latino-Americano da Universidade de St. Gallen, na Suíça, não se poderia mesmo
esperar muito de Temer no governo.
"É preciso dizer algo, havia de fato uma herança maldita deixada
pelo governo Dilma, especialmente na economia. Nem mesmo um gênio seria capaz
de lidar adequadamente com esse quadro", afirma. "Mas Temer tem muita
pouca coisa para mostrar. Tem faltado criatividade, ousadia e ambição para
implementar reformas políticas realmente necessárias."
Segundo Rauschenbach, é como se Temer não ligasse para o que vai
acontecer depois de 2018. "Que tipo de país ele vai entregar? Seus aliados
só promovem reformas que beneficiam a própria classe política. Não surgiu nada
que vai garantir uma normalidade institucional depois das próximas
eleições", considera.
Rauschenbach destaca como único ponto positivo do governo Temer uma
capacidade de ter momentaneamente acalmado um pouco a situação do país, apesar
da impopularidade e da série de escândalos. "Apesar de tudo, a situação
política, especialmente no Congresso, está um pouco mais calma do que nos
últimos meses de Dilma", afirma.
Retrocessos e escândalos
Com a proximidade do aniversário de Temer no poder, algumas publicações
brasileiras destacaram números de seu governo. A promessa de que uma nova
administração seria capaz de tirar o país do atoleiro foi uma das razões para o
sucesso do processo contra Dilma.
Alguns indicadores reagiram, como a inflação, que recuou dramaticamente.
Mas o país soma 14 milhões de desempregados, o que significa um índice de
13,7%. O crescimento do PIB não deve passar de 0,2% neste ano, segundo o Fundo
Monetário Internacional (FMI), mas pelo menos deve reverter a tendência de
queda dos últimos dois anos.
Para Kai Michael Kenkel, pesquisador associado do Instituto Alemão de
Estudos Globais e Regionais (Giga), em Hamburgo, a forma como Temer lidou
com a economia foi só "uma saída de curto prazo", que "não
inclui toda a população".
"A meu ver, o maior erro do governo Temer foram os cortes
efetivos no financiamento da Educação e da Saúde, e também o abandono de
importantes programas de combate à desigualdade", aponta. "O Brasil
não possui o tipo de mão de obra que navegará sem danos extensos a um processo
de privatização e terceirização sem salvaguardas sociais. Temo também um
retrocesso grave na situação das mulheres, dos indígenas, além de outros grupos
socialmente marginalizados no país."
Sobre os escândalos que marcaram os últimos 12 meses do governo Temer,
Kenkel, afirma que eles eram previsíveis. "Era tudo pré-programado, já que
a principal motivação do impeachment continua sendo a de liberar o caminho para
a blindagem dos envolvidos com corrupção e o desmantelamento dos avanços
sociais alcançados ao longo das últimas duas décadas", diz. "Os
escândalos servem para enfraquecer ainda mais a confiança do brasileiro no
senso de responsabilidade da classe política."
Ainda para o professor, o legado do governo Temer deve ser "um
retrocesso marcante no âmbito social e uma vertiginosa perda de soft
power do Brasil no cenário internacional".
Sobre algum eventual acerto acerto do governo Temer, Kenkel afirma que
ainda está "à espera de algum no âmbito da política social".
"Fora isso, em termos dos maiores acertos, o creme de avelã Nutella foi
uma excelente escolha para o cardápio do avião presidencial", ironizou,
citando a licitação nababesca para a compra de alimentos, lançada pela
presidência no final de dezembro, criticada por acontecer ao mesmo tempo que o
presidente exige sacrifícios da população. Na lista, o governo indicou que
queria comprar 42 quilos do produto.
Fonte: Publicado no DW
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