O golpe está sem plano B. Não
planeja mais nada. É jocoso ler na internet e alhures sofisticadas teorias da
conspiração tentando explicar porque a Globo rifou Temer, porque ele se tornou
inútil, quais os interesses que estão sendo atendidos com essa nova fase, etc.
Ora, não há explicação racional para isso. Nada disso foi
antecipado em sofisticadas análises da teoria dos jogos. O que há hoje é apenas
perplexidade, caos e anomia. Ninguém se entende. Há um "bate cabeça"
nas corjas, apodadas carinhosamente de "elites", que se apossaram do
país.
Não há consenso sobre o que fazer com Temer, o funcionário em
exercício do golpe e do capital. Dar-lhe sursis até 2018? Demiti-lo? Colocar
quem, em seu posto?
A Globo, por enquanto, quer demiti-lo. FHC, Folha e vários outros
querem que ele continue. O PSDB ameaçou abandonar a nau putrefata, mas depois
recuou. No fundo, ninguém, entre eles, sabe bem o que fazer e como fazer.
O problema maior está em quem botar no lugar. Em tese, seria
simples. Se faria uma eleição indireta e se colocaria no Planalto um cidadão
acima de quaisquer suspeitas, que tivesse aceitação popular ampla. Na prática,
porém, isso é virtualmente impossível.
Por quê? Ora, porque o processo golpista e protofascista que
se apossou do Brasil destruiu o sistema de representação e toda a classe
política. Jobim, por exemplo, é do conselho da BTG/Pactual, banco investigado
na Lava Jato. Meirelles, que asseguraria a continuidade das reformas, foi do
conselho da JBS. Mesmo que se achasse um sujeito absolutamente ilibado, que não
estivesse direta ou indiretamente sob investigação, a população não aceitaria
que ele fosse eleito presidente indiretamente por um Congresso cuja
credibilidade está abaixo de zero e que votou o impeachment sem crime de
responsabilidade a mando de Eduardo Cunha e na base da propina.
Se essa for a aposta, ela seria de alto risco e tenderia a
inviabilizar a aprovação das "reformas" desumanas, razão última do
golpe. O "plano B" do golpe foi inviabilizado pelo próprio golpe.
Ironicamente, há pouco mais de um ano, tínhamos uma pessoa
ungida pelas urnas e de fato pessoalmente ilibada a nos conduzir. A pessoa que
afastou toda diretoria corrupta da Petrobras. Lembram? Tão honesta que tiveram
de inventar um novo "crime", a pedalada fiscal, para poder retirá-la
do cargo. Lembram?
Pois é. Na ânsia cega de varrer o PT e seu projeto
socialmente progressista, os golpistas e a Lava Jato partidarizada varreram não
só a presidenta honesta, mas a legitimidade do sistema de representação. Após
as revelações assombrosas de Sérgio Machado, ficou claríssimo, para todos, que
a presidenta honesta seria substituída por uma súcia de escroques da pior
espécie. Mesmo assim, revolveram apostar no golpe a na "solução
Temer". Precisavam de alguém para impor goela abaixo da população as
"reformas" e o projeto ultraneoliberal.
Agora, a Globo, que apostou tudo no golpe e que aposta tudo
na destruição da única liderança popular legítima do Brasil, Lula, se queixa de
que "não há lideranças políticas no país" para substituir Temer. Juro,
ouvi isso dos principais comentaristas da rede num programa de rádio.
Claro que não há. Praticamente toda a mídia oligopolizada do
Brasil, uma estrutura herdada da ditadura militar, se empenhou na irresponsável
criminalização da política no Brasil. Em aliança com procuradores messiânicos e
ignorantes e em nome da destruição do PT, criminalizaram até as doações legais
de campanha. Como contra Lula e Dilma não há provas de contas no exterior,
gravações, filmagens de mochilas com dinheiro etc., tiveram de criminalizar até
mesmo o que é legal. No fundo, criminalizaram as eleições e o voto. E agora se
queixam? Patético.
O pior é que, agora, para não reconhecer o erro monumental,
estúpido, cretino que cometeram, e para continuar na sua campanha para
criminalizar Lula e o PT, adotam explicitamente a tese de que "ninguém
presta" de que "é tudo farinha do mesmo saco". Ou seja, adotam
explicitamente a tese de que a política é algo criminoso, o que tende a impedir
soluções pacíficas e democráticas para a crise política, institucional e
econômica em que afundaram o Brasil. Assim, aprofundam a crise. Destroem o país
e suas instituições.
Dessa maneira, o golpe se emparedou. Está sem opções claras e
viáveis. Quaisquer movimentos, ou a ausência de novos movimentos (manter
Temer), são arriscadíssimos.
A criminalização da política e crise institucional no sistema
de representação chegou a tal ponto que não só se perdeu a governabilidade como
a previsibilidade. O consórcio golpista achava que manteria o controle de todo
esse processo. Se enganaram também nesse ponto. Não controlam mais nada. Esses
processos messiânicos e protofascistas, uma vez deflagrados, são irracionais e
incontroláveis. São como a caixa de Pandora.
Na realidade, os rumos do país não são mais ditados por ações
racionais feitas pelo capital, a mídia ou quem quer que seja. Caímos na
imprevisibilidade a na anomia.
Nessa situação de caos imprevisível, quem dá as cartas são os
interesses mesquinhos e pessoais dos piores escroques do país. Quem iniciou o
golpe foi Eduardo Cunha, com o intuito vão de se salvar. Quem agora emparedou o
golpe foi Joesley, em ação individual, que buscou, e conseguiu (!), a sua
sobrevivência. Assim, por causa dessa destruição da política e das
instituições, o destino do Brasil fica ao sabor dos interesses particulares dos
piores gângsteres da nação.
O golpismo e a Lava Jato que se nutre de vazamentos ilegais e
escândalos instauraram o império da escrotidão. Os diretores corruptos da
Petrobras estão todo livres em suas mansões e Joesley desfruta de seu
apartamento na Quinta Avenida. O sistema da Lava Jato ideológica e desgovernada
é o da escrotidão premiada. Praticamente nada do que os delatores dizem, para
se salvar, é confiável, a não ser quando há provas concretas, como no caso de
Temer e Aécio. Mas são essas narrativas que governam o país. Falta pouco, muito
pouco, para que outro delator em desespero aprofunde a linha sinalizada por
Joesley, a da corrupção nas procuradorias e no judiciário, que até agora não
divulgou os nomes dos juízes delatados. Nesse caso, não sobrará nenhum poder,
nenhuma instituição em pé. Vão fazer o quê?
Com o golpe emparedado, sem rumo claro, há duas opções:
a) Continuar o golpe com a instituição definitiva de um
Estado de Exceção ou com uma ruptura democrática escancarada.
b) Realizar eleições diretas.
A corja patocrática não admitirá eleições diretas. Não por só
medo do Lula, mas, sobretudo, por medo de inviabilizar definitivamente as
reformas ultraneoliberais. O golpe foi dado para isso. Perder as reformas é impensável.
Qualquer candidato que vá para as eleições diretas com esse programa altamente
impopular não se elegerá. Sem golpe não há reformas. Por isso, o golpe tem de
continuar de qualquer maneira. Com Temer ou sem Temer.
Com ou sem Temer (provavelmente com Meirelles), o golpe só
chegará a 2018 com muita repressão. Ou mesmo com uma ruptura democrática
escancarada, um regime tutelado pelo judiciário e pelos militares. Como o
sistema de representação foi destruído e política foi definitivamente
criminalizada, essa é uma opção viável.
Resta a opção civilizada e pacífica das eleições diretas.
Tudo dependerá das pressões das ruas. Se for forte e contínua, a democracia
vencerá. Se não for, pobre Brasil. Pobre de nós. Pobre de todos que não têm
apartamento na Quinta Avenida.
Fonte: Publicado no
Brasil 247
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