‘Ex-presidente e juiz
travam duelo histórico, com falas duras e recados.’
Apesar de o juiz Sergio Moro ter dito que se trataria de
um ato processual normal, sem diferença dos demais, o depoimento de Lula foi um
acontecimento histórico. Houve um embate direto ontem entre o ex-presidente e o
juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba. O Ministério Público e os advogados de
defesa ficaram em segundo plano.
Aconteceu um duelo entre um político que foi um
presidente poderoso e lidera as pesquisas de intenção de voto para a sucessão
de 2018 e um juiz que tem personificado o combate à corrupção no Brasil e conta
com apoio de parcela expressiva da opinião pública. Nesse sentido, foi um ato
histórico e nada banal.
A maior parte do depoimento ficou concentrada nos
elementos jurídicos. Lula adotou uma estratégia de responder às acusações. Não
se recusou a dar respostas, com exceção de perguntas sobre o sítio de Atibaia e
o julgamento do mensalão, sempre seguindo orientação dos advogados. O petista disse
que falaria sobre o sítio num outro processo que tramita em Curitiba.
Apesar de o depoimento ter se concentrado nas questões
jurídicas durante as quase cinco horas de duração, houve claros momentos de
duelo político e de troca de farpas, ironias e acusações. Em resumo, Lula
priorizou a chamada defesa técnica, jurídica, mas deu seus recados políticos.
Moro fez uma lista detalhada de perguntas, muitas delas repetidas, numa
estratégia de investigação para tentar colher contradições, mas também
transmitiu suas mensagens políticas.
Do ponto de vista da estratégia que se propôs a
executar, o ex-presidente Lula teve um desempenho mais positivo do que negativo
na comparação com Moro.
Quando a defesa do petista questionou uma pergunta feita
pelo Ministério Público, Moro interveio e disse: “Ele está indo bem”. O próprio
juiz reconheceu que, nas suas falas, Lula estava tendo desempenho mais positivo
que negativo. Não é que Moro tenha ido mal. Nas perguntas, manteve o comando da
audiência e também teve um desempenho mais positivo que negativo.
No entanto, cabia à acusação deixar Lula sem respostas
ou acuado. Havia toda uma expectativa de que o Ministério Público e Moro
emparedariam Lula. Mas não foi isso o que aconteceu ao se analisar a íntegra do
depoimento, dividido em dez vídeos, com quase cinco horas de duração.
***
Melhores momentos:
Há alguns pontos de maior confronto no depoimento. Um
deles é um momento em que Moro pergunta se Lula sabia ou desconfiava de um
esquema de corrupção na Petrobras e de que diretores recebiam propina. O
petista respondeu que não sabia e emendou que Moro, o Ministério Público, a
Polícia Federal e a imprensa também não sabiam e que ele só tomou ciência da
corrupção quando a Lava Jato captou conversas entre o doleiro Alberto Yousseff
e o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa.
Moro revidou, afirmando que ele não tinha nada a ver com
a Petrobras, mas que o presidente da República tinha. Lula rebateu, dizendo que
foi Moro quem mandou soltar e grampear Yousseff e que, portanto, os fatos foram
descobertos a partir daí. O juiz fez um adendo dizendo que também mandara
prender o doleiro.
Houve chumbo trocado quando Moro repreendeu Lula pelo
petista ter dito que poderia mandar prender quem teria mentido a respeito dele.
Lula admitiu que foi uma frase infeliz, dizendo ter sido uma força de expressão
no palanque. Moro falou que Lula talvez não devesse fazer aquele tipo de
declaração. Lula respondeu que todos ali precisavam tomar cuidado com suas
declarações e se queixou de o juiz ter divulgado conversas pessoais dele com
familiares e a mulher, Mariza Letícia, que morreu em fevereiro. Num outro
momento, Lula falou que tinha profunda mágoa por ações de Moro em relação à
divulgação dessas conversas.
Moro teve um bom desempenho quando questionou Lula sobre
o encontro com o ex-diretor da Petrobras Renato Duque. O juiz quis saber por
que Lula decidiu encontrá-lo. Foi um momento em que Moro conseguiu que Lula
falasse que havia sido por intermédio de João Vaccari, ex-tesoureiro do PT
preso em Curitiba, obtendo palavras do ex-presidente que confirmavam em parte
um depoimento recente de Duque.
Foi um ponto alto de Moro. Durante todo o depoimento,
ficou claro o destaque de Moro, que se sobressai em relação aos membros do
Ministério Público, cujos representantes falaram muito pouco na comparação
com o juiz.
Moro e o Ministério Público perguntaram se Lula se
sentia responsável pelo esquema de corrupção, direta ou indiretamente. Lula
disse que não tinha responsabilidade nem se sentia responsável, afirmando que
havia um processo de indicação política de partidos que compõem o governo que o
levou a apontar tais diretores para o Conselho de Administração aprovar ou não
o ingresso no comando executivo da Petrobras. O petista foge do objetivo de
Moro de arrancar uma confissão de responsabilidade, ainda que administrativa,
apesar da insistência do juiz e, depois, de procuradores da República.
Na parte sobre a indicação de diretores, há um confronto
entre Lula e Moro, que, se levado às últimas consequências, criminalizaria toda
a formação de governos de coalizão com base na Teoria do Domínio do Fato.
Nesse sentido, o resumo do depoimento é mais positivo do
que negativo para Lula, porque não houve a apresentação de uma prova cabal em
relação à propriedade do apartamento no Guarujá, ponto central do processo da
audiência de ontem. A defesa de Lula alegou que Moro não se ateve aos temas do
processo e tratou até do mensalão, caso já transitado em julgado no Supremo
Tribunal Federal e no qual o petista não foi acusado.
Nas declarações finais do ex-presidente, há um duelo
mais político. Lula acusa Moro e o Ministério Público de usar a imprensa para
condenar publicamente antes de julgar. O petista diz ser vítima de uma caçada.
Foi um ponto alto de Lula. O juiz afirmou que o
depoimento não seria programa eleitoral, mas Lula seguiu dizendo que estava
sendo julgado pelo que fez no governo. Enfim, houve fidalguia nas perguntas e
respostas, mas aconteceu um luta cara a cara entre Lula e Moro, com falas duras
de um para o outro.
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